LETRA DE CÂMBIO
LIVRANÇA
JUROS DE MORA
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário

I. A taxa de juros aplicável aos títulos de crédito é a taxa geral dos juros civis, actualmente de 4%, e não a taxa de juros prevista na Lei Uniforme, de 6%, por esta última ter sido afastada do nosso ordenamento jurídico.
II. O Assento 4/92, de 13 de Julho de 1992, estabeleceu o entendimento de que "nas letras e livranças, emitidas e pagáveis em Portugal, é aplicável, em cada momento, aos juros moratórios a taxa que decorre do disposto no artigo 4º do Decreto-Lei 262/83, de 16 de Junho e não a prevista nos nºs. 2 dos artigos 48º e 49º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças".
III. Com este Assento acabou-se com qualquer discussão, séria e razoável, sobre o tema, mas que agora se tenta retomar pelo facto de a taxa de juros legais ter baixado para 4%, ficando aquém dos 6%, previstos na Lei Uniforme.
IV. Mas sem razão, porque o Assento, terá hoje de ser havido, pelo menos, como boa doutrina sobre o regime introduzido pelo artigo 4º do Decreto-Lei 262/83, de 16 de Junho, e a interpretação oportuna que o douto aresto fez da lei foi de que, para futuro, a taxa de juros aplicável aos títulos de crédito seria a taxa geral dos juros civis e jamais a taxa de juros da Lei Uniforme.
V. Apesar de, na data em que foi proferido o Assento em análise, já a taxa dos juros legais estar em manifesta queda, tendo baixado de 23% para 15%, e, como era conjecturável, essa propensão tenderia a manter-se, como, de resto, se veio a verificar, nenhuma ressalva foi feita para a hipótese, previsível, de a taxa de juros legais baixar para nível inferior à taxa de 6% da LULL.
VI. Nem era razoável que se fizesse, não só porque estava firmado o entendimento de que a taxa da Lei Uniforme havia deixado de vigorar (por caducidade ou revogação tácita), como também porque as mesmas razões que conduziram à instituição do regime introduzido pelo artigo 4º do Decreto-Lei 262/83, serem de aplicar na situação actual em que a taxa de juros legais passou de 7% para 4%, para baixo da taxa da Lei Uniforme, ou seja, razões de justiça e de igualdade de tratamento em relação a todos os juros de natureza civil.
VII. Em todo o caso, as verdadeiras razões que conduziram a que portador da letra ou livrança não fosse discriminado negativamente com uma taxa de juros inferior à dos juros civis legais, ou seja, razões de justiça e de igualdade, são as mesmas que justificam que o mesmo portador da letra não deva agora ser discriminado positivamente com o direito a uma taxa de juros superior à dos juros legais.
VIII. Ao contrário do estatuído para o processo declarativo, em que se estabelece, como regra, a inadmissibilidade do indeferimento liminar da petição inicial (art. 234º/4 do CPC), no âmbito do processo executivo foi consagrada posição inversa, porque, como se diz no relatório do DL n.º 329-A/95, de 12/12 "envolvendo a normal e típica tramitação do processo executivo, não propriamente a declaração ou reconhecimento dos direitos, mas a consumação de uma subsequente agressão patrimonial aos bens do executado, parece justificado que o juiz seja chamado, logo liminarmente, a controlar a regularidade da instância executiva".
P.R.

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.
Nos Juízos de Execução de Lisboa, Banco Santander Totta, S.A intentou a presente acção executiva para pagamento de quantia certa contra Helena.., apresentando como título executivo uma livrança no montante de € 15.615,65.
Alegou que ao montante da livrança devem acrescer juros à taxa de 6%, ao ano.
Em face do requerimento executivo, foi proferido despacho liminar nos seguintes termos:
“A presente acção executiva tem por base um título de crédito tendo sido pedidos juros de 6%, ao ano.
O Assento do STJ n.° 4/92 de 13.7 veio esclarecer que a taxa de juro aplicável às letras e livranças pagáveis em Portugal é a taxa de juros civis e não a referida no art.° 49° do LULL.
Concluindo, face ao título dado à execução, verifica-se que a taxa de juros aplicável é a taxa de juros civis.
Por outro lado, sendo o titulo executivo a livrança e estando em causa a obrigação cartular, não são de aplicar quaisquer juros estipulados em contrato celebrado entre as partes, pois os juros a ter em conta quando estão em causa títulos de crédito são apenas os juros civis, uma vez que não se está em causa o contrato mas tão só a livrança que constitui o título executivo.
Atendendo ao período compreendido entre o dia de vencimento e o momento actual, a taxa de juros correspondente é de 4% até ao pagamento, de acordo com a Portaria n.° 291/2003 de 8.4.
Assim impõe-se o indeferimento parcial do requerimento executivo quanto ao pedido de juros à taxa de 6%, ao ano, por ser manifesta a falta de título executivo quanto àquela taxa, atendendo ao disposto nos art.s 45º n.º 1, 46º n.º 2 e 812° n.º 2 al. a) e n.º 3 do CPC.
Pelo exposto indefiro parcial e liminarmente o requerimento executivo, por manifesta falta de título, quanto ao pedido de juros à taxa 6%, devendo os mesmos calculados à taxa de 4% ao ano até ao pagamento, de acordo com a Portaria n.º 291/ 2003 de 8.4.
Custas pela exequente na proporção do decaimento”.
Inconformado com a decisão, veio o Exequente interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
Dispõe o art. 48°, aplicável "ex vi" do art. 77° ambos da Lei Uniforme sobre as Letras e Livranças (LULL) que o portador de uma letra ou livrança pode reclamar, daquele contra quem exerce o direito de acção, os juros à taxa de 6% desde a data do vencimento.
Na Convenção de Genebra, vários Estados, incluindo Portugal, aprovaram a Lei Uniforme sobre as Letras e Livranças, estipulando-se nesta a taxa de juros moratórios de 6%.
Portugal, ao aprovar e ratificar a Convenção não fez qualquer reserva prevista no art. 13° do Anexo II dessa Convenção, de substituir no seu país aquela taxa de juros !
Assim sendo, e na medida em que Portugal não formulou qualquer declaração expressa no momento da ratificação da Convenção de Genebra de 7 de Julho de 1930 sobre a taxa dos juros moratórios fixada nos artigos art. 48°, aplicável "ex vi" do art. 77° ambos da LULL, aplicam-se os juros moratórios de 6% às letras e livranças.
Para entender a razão de ser da rejeição por parte do legislador português da aplicação da taxa de juros prevista no art. art. 48°, aplicável "ex vi" do art. 77° ambos da LULL, deve-se ter em consideração a alteração da conjuntura económica.
Encontrando-se o país, na altura, em circunstâncias excepcionais, havendo uma discrepância muito grande entre a taxa moratória prevista na LULL, de 6% e a dos juros legais, que já rondavam os 23%.
Com o Dec. Lei n° 262/83, de 16 de Junho dos juros legais, dando assim termo a situações desvantajosas e injustas que se geravam com a aplicação de uma taxa muito inferior como a prevista na LULL.
Resultando desta discrepância uma vantagem enorme para os devedores de letras e livranças, retirando estes proveitos por lhes ser aplicada uma taxa de 6%,
Surge o Assento do Supremo Tribunal de Justiça n° 4/92, de 13.07, tendo disposto que a taxa a aplicar às letras e livranças não será mais a prevista na LULL, mas sim a dos "juros legais" previstos no referido art. 4° do Dec. Lei n° 262/83 e art. 559° do Código Civil, em conjugação com as Portarias que instituíram as taxas de 23%, 15%, 10%, 7% e 4%, respectivamente.
No entanto, há que ter em consideração que a situação económica e financeira sofreu uma alteração substancial.
Tendo em conta a alteração, das circunstâncias e tendo deixado de haver um desequilíbrio entre a taxa da LULL e a dos juros legais, na medida em que estas taxas se aproximaram, não se vê razão para não se voltar a aplicar a taxa prevista na LULL.
É de salientar que neste momento a diferença existente entre a taxa de juros da LULL e dos juros legais (previstos na Portaria n° 291/2004, 8.4.) não é significativa
A taxa de juros consiste, na realidade, numa sanção que visa não só corrigir monetariamente, mas também penalizar o infractor, assim sendo não faz qualquer sentido premiar o infractor com uma redução da taxa de juros.
Nestes termos, e tendo em consideração a alteração das circunstâncias que levaram à rejeição da aplicação da taxa de juros prevista na LULL e na medida em que os índices de inflação em Portugal são, de momento, semelhantes aos dos demais Estados Contratantes, não se vê qualquer razão para que o Estado Português não continue obrigado a aplicar a taxa de juros de 6% prevista na LULL.
O valor dos Assentos foi radicalmente alterado. Tendo estes, hoje, meramente um papel pedagógico e não vinculativo e tanto assim é que o entendimento expresso nesse Assento já está ultrapassado por decisões posteriores, nomeadamente de Tribunais de 2ª instância (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.10.04).
No período entre 1925 e 1936 - onze anos - (período no qual foi ratificada a LULL) a inflação era um fenómeno inexistente em Portugal.
Nos termos do disposto no art. 44° do CIRC e 50° do CIRS, relativamente aos coeficientes de desvalorização monetária para os bens adquiridos no período compreendido entre 1925 e 1936 (onze anos), é aplicável apenas e só um coeficiente.
Não faz assim sentido, actualmente quando ocorre uma situação de inflação, ainda que reduzida premiar o infractor com uma redução da taxa de juros.
Por esta via está-se a subverter a intenção do legislador quando se introduziu na ordem interna a LULL.
Os juros praticados pelas operações activas (empréstimos) são como é do conhecimento público superiores aos 6% (excepto naquelas situações em que há bonificação da taxa de juros, mediante intervenção do Estado na relação bancária, suportando este o diferencial da taxa),
O artigo 8° n° 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), consagra a regra da recepção automática geral ou plena do Direito Internacional Convencional.
As normas que constam de Convenções Internacionais e que tenham sido regularmente ratificadas ou aprovadas, vigoram na ordem interna portuguesa, imediatamente, após a sua publicação em jornal oficial.
Desta forma, as mesmas vinculam internacionalmente o estado português.
Tais normas assumem natureza supra legal, não podendo ser alteradas por acto interno e só deixando de vigorar na ordem interna portuguesa quando a Convenção, por qualquer motivo, deixar de vincular o Estado Português.
O que até ao momento não aconteceu.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ao presente Agravo ser dado provimento, revogando-se a decisão recorrida no sentido de ser aplicada a taxa de 6% prevista na LULL à livrança dada à execução.
Não houve contra-alegação.
Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento do agravo, cumpre decidir.
A questão a resolver é a de saber se na livrança dada à execução deve aplicar-se a taxa de 6% prevista na LULL ou se a de 4%, prevista para os juros legais civis.
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II. FUNDAMENTOS DE FACTO.
Os factos a tomar em consideração para conhecimento do agravo são os que decorrem do relatório acima inscrito.
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III. FUNDAMENTOS DE DIREITO.
Decorre dos arts. 48º/2, 49º/2 e 77º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças(1) que esta lei uniforme adoptou como taxa de juros de mora a taxa de 6%(2).
Porém, o art. 13º do Anexo II, para as Letras e Livranças, admitia que qualquer das Altas Partes Contratantes pudesse determinar, no tocante às letras (livranças) passadas e pagáveis no seu território, que a taxa de juros fosse substituída pela taxa legal em vigor, o que Portugal não o fez, porque a taxa de 6% coincidia com a taxa de juros legais então em vigor na ordem jurídica portuguesa(3).
Porque a taxa de 6%, devido ao surto inflacionário das décadas de 70/80, se tornou uma taxa excessivamente baixa, constituindo um estímulo para os maus pagadores, o DL n.º 262/83, de 16 de Junho, veio estabelecer que "o portador de letras, livranças ou cheques, quando o respectivo pagamento estiver em mora, pode exigir que a indemnização correspondente a esta consista nos juros legais" (art. 4º). Estes eram então muito superiores a 6%, ou seja, de 23%, conforme Portaria n.º 581/83, de 18/5.
Esta norma veio suscitar polémica sobre a sua constitucionalidade, mas com respeito ao tema o Tribunal Constitucional não chegou a ter uma posição uniforme, pois que enquanto que umas decisões foram no sentido de considerar verificada a inconstitucionalidade(4) outros foram em direcção antagónica(5).
Também nos tribunais comuns se alimentou a polémica e a dissidência teve lugar, havendo arestos em que se considerou haver ofensa do Direito Internacional Convencional, por força do art. 82º da Constituição da República(6), enquanto que em outros se considerava não haver inconstitucionalidade e que se verificaria a situação anómala de vigorarem simultaneamente dois diplomas que fixavam taxas de juros diversas(7).
Neste contexto e com vista a dirimir a controvérsia sobre tão judiciosa questão, aparece o Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.° 4/92, de 13/07(8), a dispor que a taxa a aplicar às letras e livranças não será mais a prevista na LULL, mas sim a dos "juros legais" previstos no referido art. 4° do Dec. Lei n° 262/83 e art. 559° do Código Civil, em conjugação com as Portarias 581/83, de 18/5, 339/87, de 24/4, 1171/95, de 25/9, 158/99, de 18/12 e 291/2003, de 1/5, que instituíram as taxas de 23%, 15%, 10%, 7% e 4%, respectivamente.
Este Assento tem hoje o valor de acórdão uniformizador de jurisprudência nos termos do preceituado no art. 17º/2, do DL n.º 329-A/95, de 12/12 e art. 732º-A do CPC e esta jurisprudência parece ser de continuar a aplicar no momento presente, não só tendo em consideração a inalterabilidade, após a sua prolação, dos preceitos da legislação cambiária no mesmo discutidos, como também por se manterem as razões para que a taxa de juros dos títulos de crédito não deva ser diferente da dos juros legais.
Embora o valor dos assentos tenha sido alterado, não ficaram os mesmos, todavia, reduzidos a um papel meramente pedagógico e não vinculativo, pois que passaram a ter o valor de acórdãos uniformizadores de jurisprudência, com a sua força vinculativa na ordem jurisdicional enquanto não forem substituídos por outros e enquanto subsistir inalterada a disposição interpretada.
O Banco Agravante alega que na Convenção de Genebra, vários Estados, incluindo Portugal, aprovaram a Lei Uniforme sobre as Letras e Livranças, estipulando-se nesta a taxa de juros moratórios de 6%, sendo que Portugal, ao aprovar e ratificar esta Convenção não fez qualquer reserva prevista no art. 13° do Anexo II dessa Convenção, de substituir no seu país aquela taxa de juros. Assim sendo, e na medida em que Portugal não formulou qualquer declaração expressa no momento da ratificação da Convenção de Genebra de 7 de Julho de 1930 sobre a taxa dos juros moratórios fixada nos artigos art. 48°, aplicável "ex vi" do art. 77° ambos da LULL, aplicam-se os juros moratórios de 6% às letras e livranças.
Ora, não parece que o argumento seja irrefutável. Como assinala o Prof. Oliveira Ascensão “o art. 13º do Anexo II da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças permite aos Estados Contratantes a substituição da taxa de 6% pela taxa de juros legais; é análogo o art. 23º do Anexo II da L.U. sobre cheques. Não se trata de reserva, pois não é necessário reservar nada. O que significa que cada Estado a todo o momento o poderá fazer”(9).
Alega mais o Agravante que há que ter em consideração que a situação económica e financeira sofreu uma alteração substancial, tendo deixado de haver um desequilíbrio entre a taxa da LULL e a dos juros legais, na medida em que estas taxas se aproximaram, pelo que não se vê razão para não se voltar a aplicar a taxa prevista na LULL. Não fazendo assim sentido, em seu dizer, actualmente quando ocorre uma situação de inflação, ainda que reduzida, premiar o infractor com uma redução da taxa de juros e por esta via estar-se a subverter a intenção do legislador quando se introduziu na ordem interna a LULL.
Ora, partindo-se do princípio, que se deixa equacionado e aceite, de que cada Alta Parte Contratante podia a todo o tempo substituir a taxa de 6% pela taxa de juros legais em vigor internamente, tem de se entender que essa faculdade não seria apenas para funcionar enquanto dirigida num sentido único, isto é, quando a taxa legal fosse de montante mais elevado do que aquela taxa de 6%, podendo perfeitamente configurar-se situação inversa.
Por outro lado, ao aplicar-se a taxa de juros legais, tal não poderá significar qualquer prémio ao infractor, mas antes o exercício de uma igualdade de tratamento à dos restantes pagadores relapsos. Nem pela aplicação de tal taxa se pode ainda considerar verificada subversão da intenção do legislador ao introduzir na ordem interna a LULL, pois que então até vigorava idêntica taxa de juros legais na ordem jurídica portuguesa, pelo que nem podia ser intenção do legislador aplicar em relação aos títulos de crédito uma taxa superior à geral.
Invoca ainda o Banco Agravante a favor da sua tese que os juros praticados pelas operações activas (empréstimos) são como é do conhecimento público superiores aos 6%.
Ora, é verdade que a taxa de juros legais que o nosso ordenamento jurídico contempla é de duas distintas espécies: uma respeitante aos juros de carácter geral, que são os juros civis a que se reporta o art. 559º do CC, fixados por portaria e para valer para todas as situações em que por disposição específica não esteja prevista taxa superior(10); outra referente aos juros de natureza especial, que são os juros comerciais, previstos no art. 102º do Cód. Comercial, para os quais se prevê uma taxa supletiva superior à taxa geral e aplicável no âmbito dos actos, maxime dos contratos, de natureza mercantil(11).
Sucede que o legislador entendeu dever conectar a taxa de juros dos títulos de crédito com a taxa de juros civis e não com a taxa de juros comerciais, o que parece acertado, já que o crédito, titulado por uma letra ou livrança, não tem (ou não tem que ter) natureza comercial, pelo que a taxa de juros aplicável se afina com a taxa geral dos juros civis. E os juros comerciais têm a sua razão de ser para mais elevados que os civis, razão de que não se vê que devam partilhar os juros dos títulos de crédito.
Refere por último a Agravante que o artigo 8°/2 da Constituição da República Portuguesa consagra a regra da recepção automática geral ou plena do Direito Internacional Convencional, pelo que as normas que constam de Convenções Internacionais e que tenham sido regularmente ratificadas ou aprovadas, vigoram na ordem interna portuguesa, imediatamente, após a sua publicação em jornal oficial, assumindo natureza supra legal, não podendo ser alteradas por acto interno e só deixando de vigorar na ordem interna portuguesa quando a Convenção, por qualquer motivo, deixar de vincular o Estado Português.
E o que diz é verdadeiro, só que não tem presente que a LULL foi introduzida e adoptada na ordem jurídica portuguesa, com todas as normas que a integram, entre as quais a que facultava ao Estado Português substituir a taxa de juros de 6% pela taxa de juros legais, o que se veio a verificar, ao longo dos anos com indiscutível benefício para o tomador do título de crédito e ultimamente sem esse acrescido benefício, mas não se esqueça que todas as taxas de juros, com algumas oscilações, têm vindo a descer ao longo do tempo.
Daí que improcedam as conclusões das doutas alegações da Agravante, com a conclusão de que deve ser aplicada à livrança dada à execução, não a taxa de 6% prevista na LULL, mas antes a de 4% relativa aos juros civis legais.
É certo que no douto Ac da RP de 15.10.2004, se chegou a solução diversa da que aqui se defende, com a seguinte fundamentação:
“Com o art. 4º do DL nº 262/83, de 16 de Junho, o legislador teve em conta razões de mais elementar justiça, atendendo às profundas alterações económicas vigentes em Portugal, maxime à (muito) elevada taxa de inflação, atento o índice de preços no consumidor, em comparação com a dos demais Estados Contratantes da Convenção de Genebra de 1930.
Tendo deixado de existir as circunstâncias excepcionais que levaram a rejeitar a aplicação da taxa de juros da LULL, não se vê razão para que o Estado Português não continue obrigado a permitir a aplicação da taxa de juro (de 6%) – por não contrária à boa fé a exigência do seu cumprimento - fixada naquela Convenção Internacional, como sempre ocorreu, até porque tal Convenção não foi objecto de qualquer reserva ou denúncia.
Isto não obstante o teor do Assento do STJ nº 4/92 - aliás, surgido apenas por razões de conjuntura económica, já ultrapassadas ou desaparecidas, como parece claramente resultar dos seus elementos histórico e teleológico , pois que hoje os assentos já não são vinculativos do julgador, antes têm um simples papel pedagógico, programático ou unificador da jurisprudência, já que o DL nº 329-A/95, de 12.12 revogou o art. 2º do Código Civil que lhes dava força de lei e, pelo art. 17º, nº2, mandou-os sujeitar à disciplina do art. 732º-A, do C.P.Civil.
Como tal, o portador de letras e livranças, emitidas e pagáveis em Portugal, quando o respectivo pagamento estiver em mora, pode, ao reclamar os juros de mora daquele contra quem exerce o seu direito de acção, optar pela taxa fixada na Convenção ou pela taxa dos juros legais”(12).
Porém, em sentido concordante com o que aqui se deixa defendido, se pronunciou a Relação de Guimarães, no AC de 24.05.2006, nos seguintes termos:
“É que o DL n.º 262/83, de 16 de Junho, criou um regime específico de juros moratórios para as obrigações cambiárias ao estabelecer no seu art. 4º que “O portador de letras, livranças ou cheques, quando o respectivo pagamento estiver em mora, pode exigir que a indemnização correspondente a esta consista nos juros legais”.
Estes são os juros civis a que alude o art. 559º do C. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo DL 200-C/80, de 24 de Junho.
E se é verdade que o referido DL 262/83, alterando o art. 102º do C. Comercial, estabeleceu no seu § 3 que pode ser fixada por portaria uma taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais singulares ou colectivas, também não é menos verdade que isso só pode querer significar que foi intenção do legislador estabelecer, no que respeita aos juros moratórios, um regime distinto para as obrigações cambiárias - o do citado art. 4º.
E bem se compreende que seja assim, quer pela natureza dos títulos de crédito que consubstanciam tais obrigações e os princípios da abstracção e da literalidade que os enformam, quer pelo facto de a aplicação da referida taxa supletiva ser determinada pela natureza da actividade desenvolvida pelo credor e estar, por isso, intimamente ligada à relação jurídica causal ou subjacente à emissão do título de crédito cambiário.
De resto, sempre se dirá que esta orientação tornou-se pacífica com a publicação do Assento n.º 4/92, de 17 de Fevereiro In, DR. I-A série, nº. 290 , o qual fixou a seguinte doutrina. “ Nas letras e livranças, emitidas e pagáveis em Portugal, é aplicável, em cada momento, aos juros moratórios a taxa que decorre do disposto no artigo 4º do Decreto-Lei nº. 262/83, de 16 de Junho, e não a prevista nos nºs. 2 dos artigos 48º e 49º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças”.
Isto porque considerou-se que, com a entrada em vigor do citado DL n.º 262/83, estes últimos preceitos legais, deixaram de vincular jure gentium o Estado Português, estando excluídos da nossa ordem interna por força da cláusula de recepção geral do direito internacional pactício na nossa ordem interna, consagrada no art. 8º da CRP.
E, a nosso ver, tal doutrina contínua válida e é de manter, em nada colidindo com a nova redacção dada ao §3 do art. 102º do C. Comercial pelo referido DL. n.º 32/2003 Segundo o qual “os juros moratórios legais (...) relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
Assim, estando em causa a execução de título cambiário, o direito de acção da exequente/agravante, portadora da livrança, apenas permite, no que concerne aos juros de mora, a exigência do seu pagamento à taxa legal fixada para os juros civis, à data do seu vencimento (4.10.2005), ou seja, 4% ao ano, nos termos do art. 559º do C. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo DL 200-C/80, de 24 de Junho, com referência à Portaria nº. 291/2003, de 8.04”(13).
Parece de acolher como bom entendimento o que doutamente é defendido pela Relação de Guimarães, ao considerar que, com a entrada em vigor do citado DL n.º 262/83, os preceitos legais dos artigos 48º, 2.º e 49º, 2.º da LULL, deixaram de vincular jure gentium o Estado Português, estando excluídos da nossa ordem interna.
Aliás, este entendimento foi o que sempre foi defendido pelo Supremo Tribunal de Justiça, após a publicação do DL 262/83, jurisprudência que se clama à colação, por elucidativa.
Assim no Ac do STJ de 18.03.1986 exarou-se que:
“Será de considerar tenha ocorrido caducidade do compromisso convencional assumido pelo Estado Português de aplicar a taxa de 6%, mercê da evolução das circunstancias que radicalmente se alteraram no quadro económico-financeiro e no mercado de capitais do Pais, desde 1974, com tal alteração das circunstancias que tornaram manifestamente irrazoável, injusta e contraria a boa fé a exigência do seu cumprimento, o que se consubstancia na clausula "rebus sic stantibus", que constitui um principio do Direito Internacional geral ou comum e que opera como meio de mudança do Direito Constitucional escrito”(14).
No Ac do STJ de 27.05.1986, afirma-se já com maior convicção que:
“O compromisso, assumido pelo Estado Português ao vincular-se a Convenção de Genebra, de 7 de Junho de 1930, que aprovou a Lei Uniforme das Letras e Livranças, de aplicar a taxa Convencional de 6% as letras emitidas e pagáveis no território nacional, pode ser extinto ou suspenso, com base em causa legitima "iure gentium".
- É de aceitar que tenha ocorrido a caducidade do compromisso convencional assumido pelo Estado Português de aplicar a taxa de 6%, mercê da evolução das circunstancias que radicalmente se alteraram no quadro económico - financeiro e no mercado de capitais do Pais, desde 1974, com tal alteração das circunstancias que tornaram manifestamente irrazoável, injusta e contraria a boa fé a exigência do seu cumprimento, o que se consubstancia na clausula "rebus sic stantibus", que constitui um principio do Direito Internacional Geral ou comum”(15).
Na mesma linha de entendimento se pronunciou Ac. do STJ de 20.05.1987, assim sumariado, na parte que interessa:
“III – O artigo 4 do Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho, veio permitir ao portador de letras exigir, quando o respectivo pagamento estiver em mora, os correspondentes juros legais.
IV - A regra rebus sic stantibus representa um dos princípios de direito internacional a que se reporta o artigo 8, nº 1, da Constituição da Republica Portuguesa.
V - Considerando que, mercê do surto inflacionário, a taxa de 6% deixou de traduzir forte incentivo ao cumprimento pelo devedor, conferindo a este notável beneficio face ao seu credor, em virtude da taxa dos juros legais exceder largamente aquela, o nosso Pais deixou de estar obrigado a aplicar a referida taxa em relação a títulos emitidos e pagáveis em território português.
VI - A referida clausula rebus sic stantibus constitui causa, universalmente aceite de extinção das obrigações e convenções internacionais, operando logo que a vontade do Estado interessado se manifestar nesse sentido, sem necessidade de se organizar processo destinado a verificação da mudança das circunstâncias, a avaliação da sua gravidade e ao reconhecimento da caducidade”(16).
Insistindo na mesma ideia, lê-se no sumário, do Ac do STJ de 23.03.1988 que:
“II - O compromisso assumido pelo Estado Português de aplicar a taxa convencional de 6% aos juros moratórios relativos a letras, livranças e cheques emitidos e pagáveis em território português pode extinguir-se ou modificar-se jure gentium sem que isso implique necessariamente o abandono da referida Convenção.
III - As clausulas sobre juros moratórios deixaram de obrigar o Estado Português jure gentium face as alterações das taxas de juros e a subida do juro bancário e as circunstancias determinantes da emissão do Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Julho, constantes do seu relatório, na ordem interna.
IV - Ocorreu, assim, uma alteração das circunstancias da qual resultou a frustração da referida clausula da citada Convenção o que conduz, jure gentium e face a um dos princípios de direito internacional - rebus sic stantibus - princípios estes a que alude o artigo 8, nº 1, da Constituição da Republica Portuguesa, a cessação, quanto as letras emitidas e pagáveis em território português, da norma da LULL no segmento em que estabelece a taxa de 6% para os respectivos juros moratórios, sendo aplicável o disposto no artigo 4 do mencionado Decreto-Lei n. 262/83”(17).
Para deixar bem vincada a uniformidade na jurisprudência do STJ, sob o ponto de vista em análise, veja-se ainda o Ac do STJ de 13.07.1988, em que se sentenciou:
“Mercê da clausula "rebus sic stantibus" que constitui causa de extinção das obrigações assumidas ao abrigo do direito internacional convencional tem de entender-se que a evolução económica e financeira operada no pais, designadamente a partir dos "anos setenta" tornam inadequada e injusta a subsistência da taxa de 6% fixada pelo artigo 48 da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças que, consequentemente, deixou de dever ser aplicada por haver caducado - pelo menos no que respeita as relações internas entre cidadãos portugueses - o compromisso convencional respectivo”(18).
Pelo mesmo diapasão afinava a jurisprudência das Relações. Veja-se, a título de exemplo, o AC da RP de 27.01 1998, em que, lapidarmente se afirma que:
“Nas letras, livranças e cheques não há que atender à natureza da relação subjacente para a determinação da taxa de juros moratórios aplicável; ela é sempre a taxa legal geral, ou seja, a civil, prevista no artigo 559º do Código Civil”(19).
O que se pretende significar com as citações transcritas é que após a publicação do DL 262/83 se ficou a entender que a taxa de juros aplicável aos títulos de créditos era a taxa de juros legais, civis, porque só esta fazia sentido aplicar-se após aquele diploma, considerando-se como caducado na ordem interna o regime da Lei Uniforme que estabelecia a taxa de 6%.
Esta aclaração da interpretação da lei tornou-se necessária porque o legislador veio alterar a aludida taxa de juros com alguma inabilidade, como refere o Prof. Oliveira Ascensão(20), deixando o legislador quase entender que passavam a vigorar duas taxas de juros para a mesma realidade, ficando ao critério do portador da letra exigir a taxa de 6% ou a taxa de juros legais, como lhe aprouvesse.
Aliás, o Ac do STJ 20.05.1987 até acolheu esse isolado entendimento, ao concluir que:”Havendo duas leis no direito interno português a estabelecerem taxas diferentes para os juros moratórios das livranças, a Lei que se deverá aplicar, segundo os princípios, há-de ser o artigo 4º do Decreto-Lei 262/83 e, portanto, a taxa de juros deve ser de 23%”(21).
Como já se viu, não foi esse o entendimento dominante. Em todo o caso quanto à lei a aplicar não se teve dúvida de que passava a ser a lei que prevê a taxa de juros legais.
O que no bom entendimento da lei se defendeu na generalidade da jurisprudência foi o de que, com o Decreto-Lei 262/83, a taxa de juros que passou a valer foi a dos juros legais, permitida por aquele diploma, por razões de justiça e de paridade de tratamento quanto aos juros de natureza civil.
Assim, no douto AC. da RL de 25.10.1990, não se teve dúvida em afirmar que: “A alteração da taxa de juros de mora prevista no artigo 48º da LULL através de uma lei ordinária, mostra-se perfeitamente lícita à luz da cláusula "rebus sic stantibus" que, mesmo antes da sua codificação na "Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados" de 1968-1969, correspondia já, como norma consuetudinária geralmente aceite pela doutrina e jurisprudência internacionais, a um princípio de direito internacional.
Podia, por isso, ser invocada pelo Estado Português, como o foi, tacitamente, no preâmbulo do Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho”.
Mas para dirimir todas as dúvidas, ou estéreis discussões, veio o Assento 4/92, de 13 de Julho de 1992, estabelecer:
"Nas letras e livranças, emitidas e pagáveis em Portugal, é aplicável, em cada momento, aos juros moratórios a taxa que decorre do disposto no artigo 4º do Decreto-Lei 262/83, de 16 de Junho e não a prevista nos nºs. 2 dos artigos 48º e 49º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças".
Com este Assento acabou-se com qualquer discussão, séria e razoável, sobre o tema, mas que agora se tenta retomar pelo facto de a taxa de juros legais ter baixado para 4%, ficando aquém dos 6%, previstos na Lei Uniforme.
Mas, com o devido respeito para quem defenda entendimento contrário, não parece razoável o suscitar da questão.
O Assento acima referido, aliás subscrito por cerca de 30 ilustres Conselheiros, com escassos votos de vencido, terá hoje de ser tido, pelo menos, como boa doutrina sobre o regime introduzido pelo artigo 4º do Decreto-Lei 262/83, de 16 de Junho, e, afinal, sobre a questão que se coloca no presente recurso.
E a interpretação oportuna que o douto aresto fez da lei foi de que, para futuro, a taxa de juros aplicável aos títulos de crédito seria a taxa geral dos juros civis e jamais a taxa de juros da Lei Uniforme.
Note-se que na data em que foi proferido o Assento em análise já a taxa dos juros legais estava em manifesta queda, tendo baixado de 23% para 15%, e, como era previsível, essa tendência manter-se-ia, como, de resto, se veio a verificar. Este detalhe certamente que não passou despercebido aos Ex.mos Conselheiros que subscreveram o mesmo Assento. Todavia, não fizeram nenhuma ressalva para a hipótese, verificável, de a taxa de juros legais baixar para nível inferior à taxa de 6%.
Nem era razoável que o fizessem, não só porque estava firmado o entendimento de que a taxa da Lei Uniforme havia deixado de vigorar (por caducidade ou revogação tácita), como também porque as mesmas razões que conduziram à instituição do regime introduzido pelo artigo 4º do Decreto-Lei 262/83, são de aplicar na situação actual em que a taxa de juros legais passou de 7% para 4%, para baixo da taxa da Lei Uniforme, ou seja, razões de justiça e de igualdade de tratamento em relação a todos os juros de natureza civil.
E com o devido respeito não se subscreve a fundamentação aduzida pelo Ac. da RP de 15.10.2004, acima citado, em posição contrária à que aqui se defende, quando nele se diz que “tendo deixado de existir as circunstâncias excepcionais que levaram a rejeitar a aplicação da taxa de juros da LULL, não se vê razão para que o Estado Português não continue obrigado a permitir a aplicação da taxa de juro (de 6%) – por não contrária à boa fé a exigência do seu cumprimento - fixada naquela Convenção Internacional, como sempre ocorreu, até porque tal Convenção não foi objecto de qualquer reserva ou denúncia”.
Antes de mais, não se percebe o raciocínio de se dizer que a aplicação da taxa de juros da LULL foi rejeitada (como? Por caducidade, por revogação, por suspensão temporária?) em determinadas circunstâncias excepcionais para agora voltar a vigorar.
Por outro lado as ditas circunstâncias excepcionais há muito tempo que deixaram de existir, pelo que dentro do raciocínio utilizado, quando a taxa dos juros legais baixou para 10%, e sobretudo para 7%, já então aos portadores das letras apenas se deveria reconhecer direito à taxa de 6%, o que nunca se viu defendido.
Em todo o caso, as verdadeiras razões que conduziram a que portador da letra ou livrança não fosse discriminado negativamente com uma taxa de juros inferior à dos juros civis legais, ou seja, razões de justiça e de igualdade, são as mesmas que justificam que o mesmo portador da letra não deva agora ser discriminado positivamente com o direito a uma taxa de juros superior à dos juros legais.
Em termos de justiça e de equidade tal não seria aceitável.
E em termos de sensibilidade para quem aplica a lei não pode ser indiferente que, por exemplo, na indemnização devida a um sinistrado, por danos ou lesões sofridos num acidente, recebida tardiamente, se atribua ou fixe uma taxa de juros de 4% e que ao portador de uma letra de câmbio, que tem atrás de si, na relação subjacente, uma qualquer ignota dívida, se atribua, não a taxa de 4%, mas sim a de 6%.
Onde estaria a razão para a diferenciação de tratamento no sentido de beneficiar o portador da letra? Se este não devia ser prejudicado quando os juros de mora legais eram superiores, pela mesma razão não deve ser beneficiado agora que são inferiores aos da LULL, já que em ambos os casos estamos no âmbito de juros meramente civis.
Daí que, sem necessidade de mais amplas considerações, improcedam as conclusões das doutas alegações da Agravante, com a conclusão de que deve ser aplicada à livrança dada à execução, não a taxa de 6% prevista na LULL, mas antes a de 4% relativa aos juros civis legais.
Mas antes de terminar importa ainda responder a uma questão lateral, suscitada pela Agravante, de no caso em apreço não ser possível o indeferimento parcial do pedido.
Ora, acontece que, ao contrário do estatuído para o processo declarativo, em que se estabelece, como regra, a inadmissibilidade do indeferimento liminar da petição inicial (art. 234º/4 do CPC), no âmbito do processo executivo foi consagrada posição inversa, porque, como se diz no relatório do DL n.º 329-A/95, de 12/12 "envolvendo a normal e típica tramitação do processo executivo, não propriamente a declaração ou reconhecimento dos direitos, mas a consumação de uma subsequente agressão patrimonial aos bens do executado, parece justificado que o juiz seja chamado, logo liminarmente, a controlar a regularidade da instância executiva".
Assim, é aplicável à situação em presença o preceituado no art. 812° n.º 2 al. a) e n.º 3 do CPC, normativo introduzido pela redacção vigente da codificação adjectiva civil, e que veio consagrar a admissibilidade de tal indeferimento, quanto à parte do pedido que exceder os limites constantes do título executivo, sendo certo, por outro lado, que é através do conteúdo do referido título, que constitui o pressuposto da acção executiva, que se determinam os limites desta (art. 45º/1 do CPC).
Sucede que no domínio da acção executiva fundada em título cambiário, como no caso em apreço, os limites daquela não se circunscrevem ao quantitativo constante do título dado à execução, ou seja, aos limites literais deste último, pois que sempre haverá que tomar em linha de conta, quando devidamente peticionados, os restantes direitos indemnizatórios que assistam ao respectivo portador (arts. 48º e 77º da LULL), direitos que, não obstante não consignados no título, pela sua legal e taxativa atribuição àquele portador, não podem deixar de ser tidos em linha de conta pelo julgador, quando aquele venha a juízo exercer o seu direito de acção contra o obrigado cambiário (arts. 466º/1, 467º/1, al. d) e 664º do CPC).
Ora, in casu, o Senhor Juiz, como acima se viu, tomando em consideração o montante dos juros de mora peticionados pelo exequente, justificou o indeferimento parcial na circunstância de os aludidos juros moratórios excederem os legalmente devidos, proferindo assim despacho que se harmoniza com as disposições citadas.
Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.
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IV. DECISÃO:
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao agravo confirma-se a decisão recorrida.
Custas nas instâncias pelo Agravante.

Lisboa, 18 de Outubro de 2007.
Pereira Rodrigues
Fernanda Isabel Pereira
Maria Manuela Gomes
__________________________________
1 - Resultante das Convenções de Genebra, de 07.06.1930, aprovadas pelo Decreto n.º 23 721, de 29.03.1934, publicadas em 21 de Junho e em vigor desde 08.09.1934.
2 - Igual taxa de 6% foi adoptada pela Lei Uniforme sobre Cheques (arts. 45º/2 e 46º/2.
3 - Vd. § único do art. 720º do C Civil de 1867, na redacção do Decreto 19.126, de 16.12.1930.
4 - Vd. Ac. de 21 de Março de 1984, in BMJ, 344/243 e Ac. de 19 de Junho de 1984, in BMJ, 350/145.
5 - Vd. Ac. de 23 de Maio de 1984, in BMJ, 347/122.
6 - Vd. Ac. do STJ de 10.12.1985, in BMJ, 352/402.
7 - Vd. Ac. do STJ de 08.04.1987, in BMJ, 366/513.
8 - blicado no DR - I Série - A -n.º 290 de 17.12.1992.
9 - In Direito Comercial, Vol. III, Títulos de Crédito, 1992, pg. 184.
10 - De 4% desde 01.05.2003, nos termos da Portaria 291/2003, de 8/4.
11 - De 12% desde 12.04.1999 nos termos da Portaria 262/99, de 12/4.
12 - Acessível em http://www.dgsi.pt.
13 - Acessível em http://www.dgsi.pt.
14 - Acessível em http://www.dgsi.pt.
15 - Acessível em http://www.dgsi.pt.
16 - Acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.
17 - Acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.
18 - Acessível em http://www.dgsi.pt/jstj
19 - Acessível em http://www.dgsi.pt.
20 - Ob. Cit. Pg. 185.
21 Acessível em http://www.dgsi.pt.