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PROCURAÇÃO
Sumário
1) O instrumento público que atribui poderes de representação para a acção de despejo estende-se, também, à acção judicial que respeita à validade ou subsistência do respectivo contrato de arrendamento. 2) Por isso, o substabelecimento desses poderes a advogado não faz padecer a procuração forense de insuficiência. O.G.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO No âmbito da acção ordinária que, sob o n.º 94/2000, corre termos na 5.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, José, um dos Réus da acção movida por A, recorreudo despacho proferido na audiência preliminar, realizada no dia 13 de Março de 2003, nos termos do qual se determinou que aquele R. juntasse, no prazo de 30 dias, a “necessária procuração e a correspondente ratificação de todo o processado já realizado”.
No termo das respectivas alegações, formulou, no essencial, as seguintes conclusões:
a) Nos poderes especiais conferidos à advogada a fls. 21 estão implícitos os poderes forenses a que se referem os arts. 36.º e 37.º do CPC. b) O seu teor demonstra o contrário do despacho impugnado. c) O mandato irrevogável conferido ao mandatário, cuja cópia consta de fls. 115, contém os poderes de representação do mandante na acção. d) A decisão recorrida, injusta, ilegal e arbitrária, violou o disposto nos arts. 35.º, 36.º e 156.º, n.º 1, todos do CPC.
Pretende, com o seu provimento, a revogação do despacho recorrido, declarando-se a regularidade do mandato.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O despacho foi, tabelarmente, sustentado.
Cumpre apreciar e decidir.
Neste recurso, está em causa a insuficiência da procuração forense.
II. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Para além da dinâmica processual descrita, está ainda provado:
1. Por instrumento público, emitido a 5 de Junho de 1990, o R. José constituiu sua procuradora a Dr.ª M, conferindo poderes para, relativamente aos prédios urbanos especificados, como o dos autos, “outorgar contratos-promessa de compra e venda, as respectivas escrituras notariais de venda (…) e representá-lo junto de quaisquer Repartições Públicas ou Administrativas que se reputem necessárias aos fins visados, podendo substabelecer”.
2. Por instrumento público de 28 de Março de 2000, a Dr.ª M substabeleceu a favor de José e mulher, Maria, todos os poderes conferidos pela procuração referida em 1.
3. Por documento particular de 28 de Abril de 2000, José e mulher, Maria, substabeleceram no Dr. S “os poderes que lhes foram conferidos por José, através da procuração celebrada em 5 de Junho (por lapso, referiu-se Julho) de 1990 (…) e substabelecimento de 28 de Março de 2000”.
4. Por instrumento público de 12 de Outubro de 1993, José constituiu seu procurador J, “a quem, com os de substabelecer, confere todos os poderes necessários para vender, partilhar ou doar, permutar ou hipotecar (…) pelo preço e condições que entender” os prédios especificados, como o dos autos, “outorgar contratos-promessa de compra e venda, com ou sem eficácia real, as respectivas escrituras notariais de venda (…) representá-lo junto de quaisquer repartições públicas ou administrativas (…). Mais lhe confere poderes para actuar junto dos arrendatários, (…) celebrar arrendamentos, modificar contratos de arrendamento anteriormente celebrados (…) e mediante substabelecimento a advogado, propor acções de despejo e de indemnização. Esta procuração, por ser conferida no interesse do mandatário, é IRREVOGÁVEL (…) e os poderes nela conferidos não caducarão por morte, interdição ou inabilitação do mandante (…)”.
5. Por documento particular de 21 de Novembro de 2000, J substabeleceu, sem reserva, no Dr. S, “os poderes que lhe foram conferidos por José, através da procuração celebrada em 12 de Outubro de 1993 (…)”.
6. Em representação dos RR. José, I e In, Lda., o Dr. S subscreveu a contestação, apresentada a 6 de Dezembro de 2000.
7. Na petição inicial, o A. invoca o direito ao arrendamento da loja n.º 4-A do prédio urbano sito na Rua Eng. Vieira da Silva, freguesia de S. Sebastião da Pedreira, em Lisboa.
2.2. Descrita a dinâmica processual e os factos relevantes, importa conhecer do objecto do recurso, delimitado pelas suas conclusões, e cuja questão jurídica emergente respeita à insuficiência da procuração forense.
No despacho impugnado, considerou-se que o “mandato judicial” confiado pelo procurador do recorrente, “E…, não está dentro do âmbito dos poderes que lhe foram conferidos pela procuração” outorgada no dia 12 de Outubro de 1993 (fls. 115 dos respectivos autos).
O referido despacho, desde logo, não caracteriza suficientemente a falta de poderes forenses reconhecida ao advogado do recorrente.
Apesar disso, percebe-se que é do confronto, entre a procuração outorgada a 12 de Outubro de 1993 e o substabelecimento formalizado a 21 de Novembro de 2000, que se extrai a conclusão jurídica de que existe insuficiência da procuração forense do advogado do ora recorrente.
Alega o recorrente, a começar, que os instrumentos públicos e o documento particular referidos, nos factos n.º s 1. a 3., permitem concluir em sentido contrário ao do despacho impugnado.
Examinando, porém, o seu conteúdo, não podemos concordar com o recorrente. Com efeito, na procuração outorgada em 5 de Junho de 1990, não se conferem poderes de representação à respectiva mandatária para os actos e termos de qualquer acção judicial, sendo certo ainda que a mandatária nem sequer é identificada, no respectivo instrumento público, como sendo advogada.
Esse instrumento público consubstancia uma procuração, mas é insuficiente para constituir uma procuração forense, com o conteúdo e alcance definidos no art. 36.º do Código de Processo Civil (CPC).
Por isso, mesmo com o substabelecimento a favor do advogado subscritor da contestação, é insuficiente a procuração, para representar, nos termos legalmente exigidos, o R. José Inácio da Silva na acção judicial instaurada.
Diferentemente, já o instrumento público outorgado a 12 de Outubro de 1993 (facto n.º 4.) atribui ao mandatário poderes de representação, nomeadamente para “acções de despejo e de indemnização”, através de substabelecimento em advogado.
É certo que, no caso vertente, não estamos em presença de uma acção de despejo ou de uma acção de efectivação da responsabilidade civil, em relação às quais não podia haver qualquer dúvida quanto à existência de procuração forense.
No entanto, na acção, está em apreciação a validade e a subsistência do contrato de arrendamento sobre prédio urbano especificado na procuração exarada a 12 de Outubro de 1993. Embora não se trate de uma acção de despejo, através da qual se procura pôr termo ao contrato de arrendamento, é este contrato que a acção versa.
E assim sendo, não pode deixar de se estender o conteúdo e alcance da procuração a todas as acções judiciais que respeitem ao contrato de arrendamento sobre o mencionado prédio urbano. Para mais, quando na mesma procuração, se concedem, também, poderes para “celebrar arrendamentos” ou “modificar contratos de arrendamento anteriormente celebrados”.
Esta interpretação, de pendor objectivo, está de inteira harmonia com as regras consagradas nos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, ambos do Código Civil.
Na verdade, a declaração constante do referido instrumento público, para um declaratário normal, identificado como uma pessoa de capacidades e diligência médias, colocado na posição do real declaratário, não pode deixar de valer com o sentido antes enunciado.
Por outro lado, esse sentido normal da declaração tem, como se aludiu, um mínimo de correspondência no texto do respectivo instrumento público.
Neste contexto, e sendo certo que ao advogado subscritor da contestação foram substabelecidos os poderes conferidos pela procuração, temos de concluir que a procuração a favor do advogado que intervém na acção não enferma da insuficiência apontada no despacho recorrido, não se justificando, por isso, o uso do poder conferido pelo n.º 2 do art. 40.º do CPC.
2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:
1) O instrumento público que atribui poderes de representação para a acção de despejo estende-se, também, à acção judicial que respeita à validade ou subsistência do respectivo contrato de arrendamento.
2) Por isso, o substabelecimento desses poderes a advogado não faz padecer a procuração forense de insuficiência.
Nesta conformidade, o recurso merece obter provimento, com a consequente revogação do despacho recorrido.
2.4. O recurso não está sujeito a custas, por efeito da isenção subjectiva prevista na alínea o) do n.º 1 do art.º 2.º do Código das Custas Judiciais, na redacção anterior à introduzida pelo DL n.º 324/2003, de 27 de Dezembro.
III. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se: Conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido.
Lisboa, 25 de Outubro de 2007
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)