I – Destinando-se a acção executiva à satisfação da obrigação exequenda, só poderá verificar-se uma situação algo semelhante à da extinção da instância por inutilidade superveniente no caso de esse resultado ser obtido por outra via, nomeadamente quando o executado pague extrajudicialmente a quantia reclamada pelo exequente e disso haja notícia no processo por meio de junção de documento de quitação.
II – Porém, nos termos dos arts. 916º e 919º do CPC, nesse caso deverá suspender-se a execução e proceder-se à liquidação da responsabilidade do executado, só havendo extinção da execução após o pagamento das custas que forem por este devidas.
III – Traduzindo a inutilidade superveniente da lide uma situação em que o fim da lide foi já atingido por outra via, tal não se verifica quando se constata a inexistência de bens no património do executado, situação em que o crédito exequendo se mantém incólume.
IV – A pretensão de que em tal caso as custas fiquem a cargo do executado contraria a regra da precipuidade constante do art. 455º do CPC.
7ª SECÇÃO CÍVEL
I – Na execução que move contra P. […] Lda., a C. […] Lda., apresentou o requerimento, certificado a fls. 17, onde, com invocação da circunstância de, apesar das inúmeras diligências judiciais já requeridas e realizadas, se não ter apurado a existência de quaisquer bens pertencentes à executada capazes de garantir o pagamento da quantia exequenda, requereu se ordenasse a extinção da instância por inutilidade/impossibilidade superveniente da lide, com custas pela executada, por a impossibilidade resultar de facto que é imputável a esta.
Sobre esta pretensão veio a ser proferido despacho que a indeferiu por carecer de base legal, já que o invocado, como resulta dos arts. 916º a 920º do C. P. Civil, não é fundamento de extinção da instância.
Agravou a exequente, tendo apresentado alegações onde pede que o despacho em causa seja substituído por outro que julgue extinta a instância nos termos requeridos, formulando conclusões em que defende, em síntese nossa, que:
- O art. 919º, nº 1 do CPC dispõe que a execução é julgada extinta quando se mostre satisfeita pelo pagamento coercivo a quantia exequenda ou quando se efectue o depósito da quantia que for liquidada, pagas as custas em ambos os casos e, bem assim, quando ocorra outra causa de extinção da instância executiva.
- Assim, na única secção do CPC que versa sobre a extinção da acção executiva, estabelece-se que esta ocorre quando se verifique outra causa de extinção.
- Com isto está o legislador a referir-se às regras gerais do processo de declaração que, por força do nº 1 do art. 466º do CPC, são aplicáveis à execução desde que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva.
- Nada obsta, pois, a que a acção executiva se extinga nos termos do art. 287º do CPC, mais concretamente, por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, quando não são encontrados bens do executado susceptíveis de penhora, pois a acção executiva perdeu toda a sua utilidade: satisfazer o crédito exequendo.
- A decisão recorrida violou, pois, os arts. 287º, al. e), 466º, nº 1 e 919º, parte final todos do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Houve despacho onde, sem invocação de novos argumentos, se sustentou a decisão recorrida.
Cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação – como se vê das conclusões formuladas, já que são elas, como é sabido, que delimitam o objecto do recurso – as de saber se:
- Em sede de acção executiva, pode haver extinção da instância por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide;
- Em caso afirmativo, se essa causa de extinção ocorre, por causa imputável ao executado, quando se constata a inexistência de bens susceptíveis de penhora.
II – Os factos e elementos processuais a considerar para a decisão a proferir são os acima descritos em sede de relatório do presente acórdão.
III – A acção executiva que, como se vê da certidão de fls. 16, tem o nº 201-A/1995, tem como título executivo uma sentença e foi instaurada em 14 de Outubro de 1996, como refere a agravante nas suas alegações.
Daí que lhe seja aplicável o C. P. Civil – designadamente os seus arts. 916º a 920º -, na redacção anterior à introduzida pelo Dec. Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, visto que este entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997 e apenas se aplica aos processos iniciados após essa data – cfr. o seu art. 16º.
São causas de extinção da execução o pagamento coercivo ou voluntário da quantia exequenda, ao último deles se referindo os art. 916º, nº 1 do C. P. Civil (diploma a que respeitam as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência).
Para além do pagamento, qualquer forma de extinção da obrigação exequenda prevista na lei civil pode ocorrer – a dação em cumprimento, a consignação em depósito, a compensação, a novação, a remissão e a confusão (arts. 837º a 873º do C. Civil) –, levando também à extinção da correspondente acção executiva, nos termos do nº 3 do mesmo art. 916º.
Outras causas de extinção da execução são a revogação ou anulação da sentença que constitua o título executivo e da qual fora interposto recurso com efeito meramente devolutivo, a procedência da oposição, o despacho de indeferimento previsto nos nºs 2 e 5 do art. 812º, o despacho de rejeição oficiosa da execução nos termos do art. 820º e a desistência da instância ou do pedido feita pelo exequente - art. 918º.[1]
E nas palavras de Lebre de Freitas [2], “podem, finalmente, dos casos de extinção da instância (em geral) indicados no art. 287, verificar-se na acção executiva a deserção (…) e a transacção (com alcance paralelo ao da desistência do pedido).”, entendimento que é também o preconizado por Amâncio Ferreira, na obra citada.
Entendem alguns que também a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, enquanto causas de extinção da instância previstas na alínea e) do art. 287º, podem ter lugar na acção executiva.[3]
É de notar que o art. 919º, nº 1, na redacção aplicável ao caso, não contém sequer a referência a “outra causa de extinção da instância executiva”, menção que apenas passou a constar da parte final do preceito com a reforma operada em 95/96, e de que o agravante se serve como principal argumento para a defesa da sua tese, vendo nela a expressa consagração da ideia de que a execução se pode extinguir também quando ocorra qualquer outra causa de extinção da instância estabelecida no art. 287º, designadamente a da sua alínea e).
Por esta via a sua tese sempre estaria prejudicada.
Ademais, destinando-se a lide executiva à satisfação da obrigação exequenda, só poderá verificar-se uma situação algo semelhante à da sua inutilidade superveniente, no caso de esse resultado ser obtido por outra via, nomeadamente, quando o executado pague extrajudicialmente a quantia reclamada pelo exequente e disso haja notícia no processo por meio de junção de documento de quitação. Só que, nesse caso, haverá que seguir o caminho traçado no mencionado art. 916º, nº 3, suspendendo-se a execução e procedendo-se à liquidação da responsabilidade do executado, só havendo extinção da execução após o pagamento das custas que forem por este devidas, como decorre do art. 919º, nº 1.
Mas ainda que se admitisse como possível, em sede de acção executiva, essa forma de extinção da instância, nunca a situação invocada para efeito enquadraria uma inutilidade ou impossibilidade da lide.
Sustentar, como faz o agravante, que o facto de não serem encontrados bens do executado que possam ser penhorados determina a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide é, salvo o devido respeito, não ter presente o significado desses conceitos.
“A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui por ele já ter sido atingido por outro meio.”[4]
A constatada inexistência de património do executado, que, diga-se, nada demonstra que não se verificasse já antes do início da lide, de modo algum importa o desaparecimento do objecto do processo que é, como se disse já, a satisfação da obrigação exequenda. O crédito cujo pagamento se visa obter pela execução mantém-se incólume, sendo que a inexistência ou desconhecimento da existência de bens pertencentes ao executado inviabilizam, é certo, a sua imediata satisfação[5] e, portanto, que se atinja já resultado a que a lide se propõe, o que é algo bem diferente de tornar a instância inútil ou impossível.[6]
E também não faz sentido pretender que as custas fiquem a cargo do executado.
Está excluída a hipótese de ser invocável a regra da parte final do art. 447º, visto não poder falar-se, pelo que dissemos acima, em impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Como escreve Salvador da Costa[7], a atribuição da responsabilidade pelo pagamento das custas é feita, na nossa lei, com base nos princípios da causalidade ou do proveito resultante do processo. O primeiro deles, que funciona a título principal, é consubstanciado pela regra da sucumbência, segundo a qual as custas serão suportadas pela parte vencida na proporção em que o for. O segundo dos enunciados princípios, funcionando a título subsidiário, leva a que, não havendo vencidos, as custas sejam suportadas por quem beneficiou do processo.
E, no que toca à execução, estabelece-se no art. 455º a regra da precipuidade, segundo a qual do produto dos bens que sejam penhorados na acção executiva sai, à cabeça, o necessário para pagar as custas; e a extinção desta, por causa diversa do pagamento coercivo, pressupõe o prévio pagamento das custas, como decorre dos já referidos arts. 916º, 917º e 919º, nº 1, feito pelo executado ou por quem a faça cessar.
Não ocorrendo nenhuma das referias situações, em que do depósito por ele feito ou do produto de bens seus sairia o pagamento das custas, não pode ser-lhe atribuída a responsabilidade pelas custas.
É ao exequente que cabe o impulso processual e, não o satisfazendo, será ele o responsável pelas custas se ocorrer a situação descrita no art. 47º, nº 3 do C. C. Judiciais.
Não são de acolher, pois, os argumentos da agravante, impondo-se a improcedência do recurso.
IV – Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas a cargo do agravante.
Lxa. 30.10.07
(Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho)
(Maria Amélia Ribeiro)
(Arnaldo Silva)
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[1] Lebre de Freiras, A Acção Executiva, 3ª. Edição, pág. 300-303 e Fernando Amâncio Ferreira em Curso de Processo de Execução, 6ª edição, pág. 361-366.
[2] Obra citada, pág. 303.
[3] Cf. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo, pág. 426.
[4] Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 512.
[5] Nada obsta a que o executado venha a possuir no futuro bens passíveis de penhora.
[6] Em sentido idêntico decidiram os acórdãos desta Relação proferido no agravo nº 8256/06-7 em que a relatora deste processo interveio como adjunta, de 12.07.06, Proc. 4698/2006 e de 19.05.2005, Proc. 3913/2005, os dois últimos acessíveis em www.dgsi.pt.
[7] Em Código das Custas Judiciais, anotado e comentado, 7ª edição pág. 35