NULIDADE DE SENTENÇA
MANDATO
CONTRATO DE MANDATO
CESSAÇÃO
JUSTA CAUSA
Sumário

I - A causa da nulidade do artigo 668º nº 1 al. c) do CPC constitui um vício da estrutura da sentença - não abrangendo a eventual oposição entre esta e a motivação da decisão sobre a matéria de facto - e não pode confundir-se com o erro de julgamento, que se traduz na inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão.
II - Ficando estabelecido que os autores obrigaram-se a proporcionar à ré certo resultado do seu trabalho intelectual como advogados, praticando no domínio da assessoria jurídica e contencioso actos jurídicos por conta daquelas mediante remuneração, essa actividade não se circunscreve ao exercício de mandato judicial ou forense, não se esgotando num mandato dessa natureza, cujo conteúdo e alcance se pode colher no disposto no artigo 36º do CPC.
III – Trata-se de um contrato de mandato, sujeito ao regime previsto nos artigos 1157º e seguintes do Código Civil, sendo-lhe inaplicável o estatuído no nº 2 do artigo 54º do DL nº 84/84, de 16 de Março (em vigor à data em que foi celebrado o contrato).
F.G.

Texto Integral

Acordam no tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório:
G e MARIA instauraram, em 5 de Maio de 2004, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra RÁDIO S.A.
Alegando, em síntese, que, na qualidade de advogados, celebraram com a ré, em 1 de Janeiro de 2001, um "contrato de prestação de serviços de assessoria jurídica e contencioso" que esta deixou de cumprir e acabou por fazer cessar unilateralmente, invocando quebra de confiança imputável aos autores, o que afectou o seu prestígio e a sua actividade profissional.
Em consequência, pediram a condenação da ré no pagamento de:
- € 19.951,92 a título de retribuições vencidas;
- € 59.855,75 a título de indemnização por ruptura contratual;
- € 24.939,89 a título de indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor e € 49.879,79 referentes aos danos não patrimoniais sofridos pela autora;
- e os correspondentes juros vencidos e vincendos sobre tais montantes.

A ré contestou, excepcionando a nulidade das cláusulas 7, 7.1. e 7.2. do referido contrato de “prestação de serviços de assessoria jurídica e contencioso" por consubstanciarem violação ao princípio da livre revogabilidade do contrato de mandato e renúncia antecipada ao direito de resolver o contrato com justa causa, inadmissíveis face ao disposto nos artigos 1170º e 809º do Código Civil e 54º nº 2 e 78º al. g) do Estatuto da Ordem dos Advogados. Impugnou ainda a factualidade alegada na petição inicial, nomeadamente, quanto ao acordo para aumento da retribuição ajustada e à existência de danos não patrimoniais, invocando ainda justa causa para pôr termo ao contrato. Concluiu pela improcedência da acção.
Na réplica os autores responderam à matéria de excepção.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a presente acção, condenou a ré no pagamento aos autores das seguintes quantias:
a) € 17.457,93, a título de retribuições desde Agosto de 2002 até Fevereiro de 2003, no valor de 2.493,99 Euros cada uma, acrescidas dos juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos desde o último dia dos meses a que dizem respeito e até integral pagamento;
b) € 59.855,75, a título de indemnização pela revogação contratual, acrescida dos respectivos juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Absolveu a ré dos pedidos de indemnização por danos não patrimoniais.

Inconformada apelou a ré, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões:
1ª A Sentença “a quo” não fez correcta interpretação e aplicação do Direito, encerra erros de julgamento e está mesmo ferida de nulidade por contradição com os seus próprios fundamentos de facto.
2ª Com efeito, a Sentença é, desde logo, nula por contradição entre a decisão de validade da cláusula 7.1 do contrato sub judice e a resposta, e respectiva fundamentação, dada ao quesito 1º da Base Instrutória.
3ª É que, não obstante ter reconhecido expressamente, no despacho de fls. 333 e 334 dos autos, ser evidente que o conteúdo da cláusula 7.1 constitui um evidente sinal de garantia da durabilidade ou eternização do mandato, precavendo os Autores da quebra da relação contratual pela Apelante, dada a onerosidade de que a mesma se revestia, o Tribunal “a quo” afirmou agora, na Sentença recorrida, que a estipulação constante da referida cláusula tornava apenas mais onerosa a quebra contratual, não cerceando a liberdade de revogação da Apelante, nem comportando uma renúncia antecipada ao respectivo direito, tendo julgado, em consequência, a referida cláusula válida.
4ª Esta decisão está em total contradição com a sua fundamentação de facto o que, nos termos do disposto no art. 668° nº 1 al. c) do CPC, torna a Sentença nula, e como tal deve ser declarada.
5ª A Sentença é, ainda, nula por contradição entre a decisão na parte em que considerou sem justa causa a rescisão contratual operada pela Apelante e a matéria de facto que, quanto a esse aspecto, a fundamentou.
6ª É que, a alínea G) da Matéria Assente deu por integralmente reproduzido o teor da carta de fls. 137 dos autos. E nessa carta, que a Apelante enviou aos Apelados, é expressamente identificada como facto essencial integrador da justa causa para a rescisão contratual a quebra de confiança e lealdade decorrente da constituição de mandatário pelos Apelados para os representar nos litígios emergentes da relação de mandato com primeira, logo seguida da manifestação dos Apelados, comunicada através do referido mandatário, de accionar judicialmente a Rádio Notícias.
7ª Pelo que a afirmação feita na Sentença recorrida de que a justa causa alegada pela Apelante radicava unicamente na "divergência relativamente ao valor da retribuição dos Autores", o que determinou o Tribunal “a quo” a considerar essa rescisão sem justa causa, é contraditória com a matéria de facto que a fundamentou, i.e., a supra referida alínea G) da Matéria Assente (correspondente ao ponto 16 do elenco dos factos provados constante da Sentença).
8ª Aliás, a posição da Apelante quanto a esta questão foi sempre inequívoca, como resulta não só do teor da carta de fls. 137, como da sua própria defesa em sede de Contestação.
9ª Em face do exposto, é nula a Sentença nos termos do disposto no art. 668° nº 1 al. c) do CPC, como tal devendo ser declarada.
10ª Ainda que assim não fosse e sem conceder, sempre se imporia a revogação da Sentença “a quo”, porquanto fez incorrecta interpretação e aplicação do Direito aos factos provados, nomeadamente, o Tribunal fez errada qualificação do contrato sub judice.
11ª Diz-se na Sentença em crise que esse contrato se traduz apenas num contrato de prestação de serviços, com modalidade de mandato, mas não já um mandato judicial, não se lhe aplicando, assim, o disposto no art. 54° nº 2, do DL n°84/84, de 16/03 (Estatuto da Ordem dos Advogados na redacção aplicável aos autos).
12ª Todavia, o alcance da expressão "mandato judicial" constante do art. 54°, nº 2, do EOA é evidentemente muito mais abrangente do que o conceito contido no art. 36° do CPC, como não poderia deixar de ser. Esse alcance é o que consta, aliás, do nº 1 do referido art. 54° do EOA.
13ª E se dúvidas existissem, a redacção do actual nº 2, do art. 62°, do EOA (Lei nº 15/2005, de 26/01), que corresponde ao anterior nº 2 do art. 54°, deixa cabalmente esclarecido que a tutela do preceito abrange não só o mandato judicial stricto sensu, como toda a actividade do advogado em representação do seu mandante.
14ª Acresce ainda que, resulta do próprio contrato sub judice, designadamente das suas cláusulas 2ª e 5ª, a vontade expressa de os Apelados sujeitarem a prestação de serviços em causa às regras deontológicas do Estatuto da Ordem dos Advogados.
15ª É, pois, inegável tratar-se de um contrato misto de prestação de serviços jurídicos e de mandato forense, sujeito, portanto, ao regime estabelecido nos art.s 1157º e seguintes do CC e também, necessariamente, ao regime constante do Estatuto da Ordem dos Advogados.
16ª E ao decidir diversamente, fez o Tribunal “a quo” incorrecta interpretação e aplicação do Direito aos factos dados como provados, violando, assim, o disposto no art. 659º no 2 do CPC e no art. 54°, n°s 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março.
17ª Por outro lado, foi também incorrecta a aplicação do Direito aos factos provados ao considerar-se válida a cláusula 7.1. do contrato sub judice.
18ª Com efeito, o contrato de mandato, sujeito ao regime estabelecido nos art.s 1157º e seguintes do CC é, nos termos do disposto no art. 1170º nº 1 do mesmo diploma, livremente revogável pelas partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.
19ª As estipulações previstas nas cláusulas 7, 7.1 e 7.2 do contrato, como foi reconhecido no despacho de fls. 333 e 334, visavam unicamente garantir a durabilidade ou eternização da relação de mandato.
20ª Ao estipular-se indemnizações injustificadas e incomportavelmente onerosas, estava na prática a impedir-se a Apelante de exercer livremente o direito que lhe é, inalienavelmente conferido por lei, de livre revogação do mandato.
21ª Acresce que, a livre revogabilidade do mandato é tutelada de forma ainda mais intensa quando está em causa um mandato judicial/forense, por natureza assente na lealdade e confiança entre mandante e mandatário.
22ª Daí que, no art. 54º n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados, se preveja que o mandato judicial não possa ser objecto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha directa e livre do mandatário pelo mandante.
23ª A deontologia profissional exige ainda que o advogado não aceite mandato ou prestação de serviços profissionais que, em qualquer circunstância, não resulte de escolha directa e livre pelo mandante ou interessado (art. 78º, alínea g), do Estatuto da Ordem dos Advogados), não podendo o advogado, por maioria de razão, manter uma relação de mandato que não resulte da livre vontade do mandante.
24ª Assim, e atendendo a que, como reconheceu a Sentença, não estamos face à situação de desvio consagrada no nº 2 do art. 1170° do CC, é forçoso concluir que as cláusulas 7, 7.1 e 7.2, tal como estão redigidas e com a motivação que lhes subjaz, violam frontalmente o princípio da livre revogabilidade do mandato, pelo que, são nulas, atento o disposto nos art.s 1170º, n.º 1 do CC, art.s 54°, nº 2 e 78°, alínea g), do Estatuto da Ordem dos Advogados (DL nº 84/84) e, ainda, no art. 280° do CC.
25ª Com as cláusulas supra referidas pretendiam, ainda, os Autores, impedir a R. de exercer o direito de resolução do contrato que lhe assistiria se tivesse justa causa para tanto, sendo que, de acordo com os princípios da responsabilidade civil contratual a rescisão com justa causa não dá lugar ao pagamento de qualquer indemnização à parte culposa.
26ª Isso mesmo resulta também do regime de revogação do mandato, onde a eventual obrigação de indemnizar é afastada sempre que haja justa causa para a revogação.
27ª E as cláusulas em apreço nos presentes autos mais não eram do que a renúncia antecipada pela Apelante ao exercício do seu direito de resolver o contrato quando para isso tivesse justa causa, porquanto a serem cumpridas nos seus exactos termos, levariam a que a Apelante, para além de suportar os danos resultantes dos comportamentos constitutivos da justa causa de resolução, teria ainda de pagar aos seus Autores (os aqui Apelados) uma brutal indemnização.
28ª De acordo com o estipulado no art. 809° do CC, as cláusulas que consubstanciem uma renúncia do credor ao direito de resolver um contrato com justa causa são nulas.
29ª Donde, também por esta razão, estão as cláusulas 7, 7.1 e 7.2 do referido contrato feridas de nulidade, nos termos do disposto nos art.s 809° e 280º do CC.
30ª Deve, assim, a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que declare a nulidade das cláusulas 7, 7.1 e 7.2 do contrato de fls. 21 e seguintes dos autos e, consequentemente, absolver a Ré Apelante do pedido de condenação no pagamento aos Apelados da quantia de € 59.855,75 a título de indemnização por ruptura contratual.
31ª Ou então, deverá considerar-se que a rescisão contratual operada pela Apelante foi justificada, pois teve como causa a quebra irremediável da relação de confiança e lealdade por parte dos Apelados, assente nos factos documentados nos autos.
32ª Sendo que, a relação de confiança e lealdade entre mandante e mandatários é pressuposto essencial do exercício do mandato e os factos que afectem essa estreita confiança são justificativos da revogação do contrato de mandato.
33ª Foi, pois, justificada e legítima a decisão de rescisão comunicada aos Apelados por meio da carta de 28.02.2003, a que se refere o ponto 16 da Fundamentação de Facto da Sentença, não sendo, pois, devida aos Apelados qualquer indemnização.
34ª Ao decidir contrariamente, i.e., ao condenar a Apelante no pagamento de uma indemnização de € 59.855,75, o Tribunal “a quo” fez errada interpretação e aplicação do Direito aos factos, violando designadamente o disposto nos art.s 1170° nº 2 do CC a contrario e art. 659° nº 2 do CPC.
35ª Deve, assim, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que reconhecendo ter existido justa causa para revogação do contrato, absolva a Apelante do pedido.
36ª No que concerne à decisão de condenação da Apelante no pagamento aos Apelados das quantias peticionadas a título de retribuições vencidas e não pagas, também a Sentença em crise não considerou a matéria de facto apurada nos autos.
37ª Na verdade, os Apelados não lograram fazer prova de que o valor por si proposto para a revisão da avença foi, como devia, submetido ao Conselho de Administração da Apelante e aceite por este.
38ª O que resultou da prova produzida em audiência de julgamento foi que o processamento contabilístico do aumento resultou apenas de uma instrução irregular e, por isso mesmo, a decisão da nova Administração da Apelante não foi no sentido de revogar qualquer deliberação válida da anterior Administração - que não existia -, mas sim de repor a legalidade.
39ª Acresce que, ficou igualmente provado nos autos que a referida nova Administração da Apelante deu instruções no sentido de a sua decisão de reposição da legalidade quanto a esse aspecto ser comunicada e negociada com os Apelados, o que se tentou, não tendo, no entanto, os Apelados aceite nenhuma das propostas de resolução avançadas pela Apelante.
40ª Os Apelados bem sabiam que o órgão competente para decidir sobre a proposta de aumento apresentada era o Conselho de Administração, órgão esse que nunca analisou a matéria.
41ª Em face do exposto, deveria ter sido julgado não acordado o aumento da retribuição dos Autores e, em consequência, ter sido a Apelante absolvida do pedido formulado sob a alínea a) da PI.
42ª Deve, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que declare a inexistência de acordo quanto ao aumento da retribuição dos Apelados a partir de Março de 2002 e que absolva a Apelante do pedido de condenação no pagamento da quantia de € 17.457,93 a título de retribuições vencidas, para além de a absolver de todos os restantes pedidos.

Os autores contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso principal.

No recurso subordinado que interpuseram os autores formularam, em suma, a seguinte síntese conclusiva:
1ª A Sentença recorrida, a fls. 365, no ponto 16 dos factos provados, considera provado que "os Autores recebem, com data de 28 de Fevereiro de 2003, uma comunicação, provinda do Conselho de Administração da Ré, onde consta, designadamente que: Que havia efectuado uma "ponderada avaliação da questão colocada por V. Exa.", ... " subsiste, desde há largos meses, uma divergência de posições... no que concerne num suposto acordo para alterações do valor da remuneração..." ... " perante este estado de coisas entendemos estar irremediavelmente quebrada a relação de confiança" ... " inexplicável e injustificadamente deram causa a esta quebra de confiança".
2ª Considerando provado no ponto 17 que a "quebra do vínculo contratual existente entre os Autores e a Ré atingiu a actividade daqueles, diminuindo os seus proventos profissionais"; e, no ponto 18 que "contemporaneamente ao sucedido, a Autora iniciou actividade profissional a tempo inteiro junto de organismo público".
3ª O Tribunal “a quo” considerou como não provado (no ponto 4 dos factos não provados) o facto de que "o referido em 17 dos factos provados ainda hoje, no círculo profissional onde os Autores se movem suscita algumas interrogações".
4ª Ora, tal missiva rescisória, identificada no ponto 16 dos factos provados, apresenta um conteúdo infamante, prenhe de suspeições, reservas mentais e imputações vagas e genéricas aos AA., culminado na acusação de que os AA. teriam dado causa a quebra da relação de confiança existente entre AA. e Ré, e sem qualquer tipo de explicação.
5ª Apenas se descortina nesta comunicação um só facto, e que foi a alegada divergência relativamente à retribuição dos AA., e para além dele, apenas um conjunto de suspeições e imputações vagas e indeterminadas relativamente aos AA., mas, ainda assim, capazes de lançar suspeições relativamente ao bom nome e dignidade profissional dos mesmos.
6ª Ora, como se sabe, a Advocacia é uma profissão altamente sensível ao bom nome, ao prestígio e consideração pessoal e social, tratando-se de uma profissão em que se labora durante décadas para atingir um patamar razoável no contexto social e judiciário, bastando, na verdade, um pequeno episódio, como o destes autos, para deitar por terra tudo o que se construiu ao longo de uma vida de trabalho.
7ª A Ré bem sabia que não podia lançar sobre os AA. as suspeições e imputações, vagas e genéricas, hábeis para a invocada perda de confiança, mas nem por isso e apesar disso deixou de o fazer.
8ª Na realidade, sendo a Ré, uma empresa altamente especializada em comunicação social, tem uma rigorosa e séria consciência das consequências que tais imputações provocam na opinião pública em geral e na clientela actual e potencial dos AA.
9ª A destruição do contrato operada pela Ré, mais não foi do que uma revogação unilateral do mandato sem justa causa, uma vez que teve eficácia imediata, antes de decorrido o prazo inicial de três anos previsto no contrato de avença celebrado entre as partes.
10ª A Ré, deixou de pagar a retribuição aos AA. desde Agosto de 2002, até Fevereiro de 2003, perdendo assim os AA. proventos profissionais.
11ª As imputações produzidas pela Ré relativamente aos AA. na missiva de 28 de Fevereiro de 2003 (do ponto 16) da matéria de facto), o incumprimento do contrato e a ruptura contratual sob invocação de grosseiras inverdades, e as infamantes suspeições produzidas sobre os AA., susceptíveis de provocar a perda de confiança geraram graves consequências na vida profissional dos AA., na medida em que estes episódios e os factos que os determinaram disseminaram-se no ambiente social e profissional em que os AA. se movem.
12ª Tendo mesmo a A. sentido a necessidade de suspender a sua actividade na advocacia.
13ª A testemunha … afirmou em audiência de julgamento, que as relações sociais e profissionais ficaram altamente afectadas, e que a A. teve mesmo que suspender a sua actividade profissional, afirmando nas suas próprias palavras: "O mundo de relações do A. foi muito afectado ... havia comentários... a vida profissional do A. foi muito afectada, não conseguia trabalhar em nenhum escritório. ... a A. teve que suspender a cédula. ... perderam relações sociais, amizades, confiança de terceiros...", na cassete nº 1.
14ª Todos estes danos são susceptíveis de ressarcimento (cf. art. 496°, nº 1 C.C).
15ª Considerou o Tribunal “a quo”, na Sentença a fls. 368, alínea d), que a revogação do contrato pela Ré se traduz num acto lícito, e, como tal, insusceptível de gerar a obrigação de indemnizar danos de natureza moral.
16ª No entanto, tal entendimento não se pode admitir, na medida em que as motivações apresentadas pela Ré para fazer operar a revogação do mandato, mais não são, e tal como o supra exposto, do que um conjunto de gritantes suspeites e inverdades, suportadas apenas por um único facto, ou seja, a alegada divergência relativamente à retribuição dos AA.
17ª E tais "episódios" que suportaram a mencionada revogação contratual, tiveram consequências gravíssimas na vida social e profissional dos AA.
18ª A dignidade e a honorabilidade são dois vectores essenciais para o Advogado, vectores esses que foram claramente postos em crise relativamente aos AA., prejudicando a carreira profissional dos AA., que sentiram uma enorme dificuldade em prosseguir as suas carreiras no mundo da Advocacia, que se apresentaram "manchadas" por um clima de total suspeita relativamente à sua honorabilidade e credibilidade profissional, colocando irremediavelmente em causa a honra profissional dos AA.
19ª Tais lesões ainda hoje acarretam algumas consequências no ambiente em que os AA. se movem, na medida em tais tipos de danos não são danos com data certa de ocorrência e término, antes apresentam um carácter duradouro.
20ª Quando a honra e credibilidade profissionais e sociais são lesadas, a sua reparação torna-se tarefa difícil, na medida em que tais lesões perduram no tempo, e muitas vezes são inultrapassáveis.
21ª Foi a Ré condenada, e bem, ao pagamento de uma indemnização pela revogação contratual, nos termos previstos na cláusula 7.1 do contrato de avença celebrado entre as partes.
22ª Não se pode, no entanto, entender que tal cláusula prevê uma indemnização de forma a cobrir todos os prejuízos sofridos pelos AA.
23ª A nossa ordem jurídica confere autonomia a indemnização por danos não patrimoniais (cf. art. 496°, nº 1 CC).
24ª A convenção de indemnização por revogação do mandato é possibilitada pela alínea a), do art. 1172°, CC, pelo que a revogação do mandato, antes de terminado o prazo convencionado para a sua vigência, e tal como ocorreu no presente caso, destrói o contrato, criando, no entanto, o dever de indemnizar.
25ª Contudo, esta indemnização tem origem numa responsabilidade contratual, não englobando de forma alguma, eventuais danos não patrimoniais, que são autónomos.
26ª Note-se que os danos morais são ressarcíveis também no domínio da responsabilidade contratual (cf. Ac. RP, de 09/12/2002, Proc. nº 0251550, in www.dgsi.pt); e no mesmo sentido invoca-se o Ac. STJ, de 4 Junho 1974; o Ac. STJ, de 17 de Outubro de 1995 e de 17 de Novembro de 1998 e o Ac. RP., de 18 de Janeiro de 1999.
27ª A ordem jurídica portuguesa reconhece, designadamente através do art. 70° CC, o direito geral de personalidade, compreendendo, complexivamente, a personalidade física e a personalidade moral e nesta, integra-se, entre outros, o valor da honra.
28ª Consequentemente, o CC no art. 484° dispõe que responde civilmente pelos danos causados quem afirmar ou definir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom-nome de qualquer pessoa.
29ª Em face de todo o exposto, é de fácil conclusão, de que todo o processo de revogação do mandato conferido aos AA., encetado e levado a cabo pela Ré, gerou um conjunto de danos não patrimoniais aos AA.
30ª A honra e bom-nome profissionais, a credibilidade e honorabilidade, quer profissional, quer social dos AA., ficaram irremediavelmente lesadas, sendo muito difícil a sua reparação.
31ª Não subsistem dúvidas acerca da efectiva existência de danos morais suportados pelos AA. e da necessidade da sua indemnização.
32ª Por tudo o exposto se interpôs o presente recurso, com vista à alteração da decisão proferida pelo Tribunal ““a quo”” na parte em que absolve a Ré dos pedidos de indemnização por danos não patrimoniais, formulados pelos AA.
33ª Em suma, o Tribunal “a quo” não poderia ter considerado que a cláusula 7.1 do contrato de prestação de serviços de assessoria jurídica e contencioso celebrado entre as partes, prevê uma indemnização por forma a cobrir todos os prejuízos sofridos pelos AA., pois que essa cláusula encontra-se no âmbito da responsabilidade contratual, sendo os danos morais também ressarcíveis no domínio da mesma.
34ª Também não poderia considerar o Tribunal “a quo” a inexistência de factos provados no que respeita a danos morais sofridos pelos AA., pois são claras as lesões provocadas na honra, credibilidade e honorabilidade sociais e profissionais que todo o processo de revogação do mandato encetado e levado a cabo pela Ré acarretou para os AA., lesões essas que pela sua natureza perduram no tempo.
35ª Termos em que deve ser dado provimento ao presente Recurso Subordinado e, em consequência, revogada a Decisão Recorrida, na parte em que julga a acção parcialmente improcedente e absolve a Ré dos pedidos de indemnização por danos não patrimoniais, condenando-se a Ré ao pagamento de € 49.879,79 a título de danos não patrimoniais a A., e ao pagamento de € 24.939,89 a título de danos não patrimoniais ao A.

A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso subordinado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Fundamentos:
2.1. De facto:
Na 1ª instância julgaram-se provados os seguintes factos:
a) Entre os Autores e a Ré foi celebrado um "Contrato de Prestação de Serviços de Assessoria Jurídica e Contencioso" em 1 de Janeiro de 2001.
b) Este contrato contém, entre outras, as seguintes cláusulas:
A. O seu objecto era a obtenção, por banda da Ré, da prestação dos serviços de assessoria jurídica e contencioso através da actividade pessoal dos Autores.
B. Essa actividade deveria ser prestada à Ré "e demais empresas do Grupo T…".
C. A retribuição convencionada foi de 2.400.000$00 por ano, a pagar em prestações mensais de 200.000$00.
D. A todo o tempo e por acordo, atento o volume de trabalho e/ou a complexidade técnica dos serviços prestados, o valor da retribuição será actualizada "para os valores superiores que se revelem mais consentâneos com a realidade fáctica subjacente" (Clª 3.1.).
E. E, sem prejuízo desta actualização extraordinária, a retribuição estava sujeita a "revisão anual, com início em 1 de Janeiro de 2002", tendo-se indexado a retribuição aos aumentos da função pública, com uma majoração de 0,5% (Clª 3.3).
F. Os serviços deveriam ser, por regra, prestados no escritório dos Autores (Clª 4).
G. O contrato vigoraria por três anos, podendo caducar em 1 de Janeiros de 2004, "supondo-se sucessiva e automaticamente renovável por iguais períodos, podendo qualquer das partes denunciá-lo, invocando justa causa, para o fim do período inicial ou da renovação em curso, por meio de carta registada com aviso de recepção, enviada com a antecedência máxima de 90 dias, observando-se o disposto em 7.12. e 7.2" (Clª 7).
H. E, "independentemente da causa invocada, a Rádio …, obriga-se perante o Advogado ao pagamento de uma indemnização, no montante correspondente ao produto resultante da multiplicação por dois do valor mais elevado pago mensalmente a título de avença que tiver vigorado, produto esse que será multiplicado por doze meses e pelo número de anos em falta para o termo do prazo inicial ou do prazo de qualquer das renovações" (Clª 7.1.).
I. Previu-se e convencionou-se ainda que "em caso de não renovação do presente contrato, a Rádio … obriga-se perante o Advogado ao pagamento da quantia correspondente ao produto resultante da multiplicação do valor mais elevado pago mensalmente a título de avença que tiver vigorado multiplicado por 36 (trinta e seis) vezes, sendo o produto assim obtido multiplicado pelo factor três (Clª 7.2).
c) O volume de trabalho solicitado aos Autores atingiu volume acrescido aos que inicialmente desenvolveram.
d) O trabalho dos Autores abarcava diversos ramos de Direito.
e) Incluindo, mesmo, a negociação colectiva de trabalho com vista à celebração de um Acordo de Empresa.
f) Os Autores também executavam tarefas inerentes à sua qualidade de advogados da Ré nas instalações desta.
g) Também no seu escritório os Autores desenvolviam a sua actividade de advogados da Ré.
h) Os Autores propuseram em 14 de Março de 2002 a revisão do valor da remuneração. Tal proposta foi dirigida à Dra. M e nela propuseram que o valor da "avença" ascendesse a € 2.493,99.
i) A proposta dos Autores foi apresentada ao Conselho de Administração através da interface habitual, Dra. M, que seguidamente recebeu autorização para efectuar o pagamento do valor por parte do administrador A.
h) A nova administração da Ré não pretendia manter o pagamento daquele montante de honorários/avença aos Autores, o qual estava à altura a ser processado pelos serviços de contabilidade, dando instruções para tal decisão ser comunicada e negociada com os Autores.
i) A Ré continuou a solicitar os serviços forenses dos Autores com a mesma intensidade e ritmo de procura.
j) Os Autores mantiveram o mesmo nível de diligência, rigor e pontualidade que a sua profissão exige.
k) A Ré enviou à Autora o fax que está junto aos autos de 16/07/2002 informando da manutenção do interesse no contrato nas condições ali expressas (fls. 108, com insistência a 09/08/2002, a fls. 109), que viria a obter a resposta por banda dos Autores em 12/08/2002, conforme fax junto a fls. 110.
l) Em 30/08/2002, o Conselho de Administração da Ré comunicou aos Autores, através da Directoria Administrativa e Financeira que "somos credores de V. Ex.as. no montante de €10.108 (dez mil cento e oito Euros). A partir deste mês inclusive, o valor mensal da avença não será liquidado até perfazer o respectivo montante, considerado pela Rádio…, S.A. como um adiantamento, uma vez que é entendimento desta que o valor mensal da vença é de €1.050 (mil e cinquenta Euros)".
m) Desde Agosto de 2002 até final de Fevereiro de 2003, a Ré não pagou aos Autores a retribuição no valor em causa.
n) Os Autores receberam uma comunicação com data de 28 de Fevereiro de 2003, provinda do Conselho de Administração da Ré, onde consta, designadamente que: "Após cuidada e ponderada avaliação da questão colocada por V. Exa", ... "subsiste, desde há largos meses, uma divergência de posições... no que concerne a um suposto acordo para alteração do valor da remuneração..." ..."perante este estado de coisas entendemos estar irremediavelmente quebrada a relação de confiança" ... "inexplicável e injustificadamente deram causa a esta quebra de confiança".
o) A quebra do vínculo contratual existente entre os Autores e a Ré atingiu a actividade daqueles, diminuindo os seus proventos profissionais.
p) Contemporaneamente ao sucedido, a Autora iniciou actividade profissional a tempo inteiro junto de organismo público.
q) A Ré não difundiu tais factos ou proferiu afirmações acerca dos Autores.

2.2. De direito:
Balizado o objecto dos recursos pelas conclusões das respectivas alegações, colocam-se são as seguintes, no tocante ao recurso principal interposto pela ré, as questões a decidir:
- nulidade da sentença recorrida;
- qualificação jurídica do contrato celebrado;
- obrigação de pagamento das quantias peticionadas a título de retribuições vencidas e não pagas;
- nulidade das cláusulas 7, 7.1. e 7.2. do contrato por violação do princípio da livre revogabilidade do mandato e da renúncia antecipada ao exercício do direito de resolução do contrato com base em justa causa;
- existência ou não de justa causa para a cessação do contrato por parte da ré e suas consequências, nomeadamente, quanto ao direito dos autores à indemnização que lhes foi concedida e aos juros de mora.

O recurso subordinado interposto pelos autores apresenta como única questão a decidir saber se lhes é devida indemnização por danos não patrimoniais.

2.2.1. Começa a ré por invocar a nulidade da sentença recorrida por contradição entre a decisão de validade da cláusula 7.1. do contrato e a resposta, e respectiva fundamentação, dada ao artigo 1º da base instrutória.
Segundo a mesma a sentença recorrida é ainda nula por contradição entre a decisão na parte em considerou sem justa causa a rescisão contratual que levou a cabo e a matéria de facto que, neste particular, a fundamentou.
Encontra-se desde há muito radicada na doutrina a ideia de que, na sua parte decisória, a sentença se reconduz, no seu traçado lógico essencial, a um verdadeiro silogismo, podendo a sentença assentar sobre um único silogismo ou em vários silogismos que ajudam, cada qual com a sua contribuição, a encontrar a resposta completa à pretensão formulada pelo autor, à luz do direito aplicável
A contradição entre os fundamentos e a decisão analisa-se, assim, no plano do silogismo judiciário construído pela sentença e não naquele que em correcta aplicação do direito substantivo, porventura, devesse ser construído.
A causa da nulidade do artigo 668º nº 1 al. c) do Código de Processo Civil reside nos fundamentos em que a sentença assenta, constitui um vício da estrutura da sentença - não abrangendo a eventual oposição entre esta e a motivação da decisão sobre a matéria de facto -, e não pode confundir-se com o erro de julgamento, que se traduz na inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão.
E o que os autos revelam aponta claramente no sentido de que a decisão impugnada não enferma de vício de estrutura gerador da nulidade prevista no normativo referido, reconduzindo-se o que a ré apelida de oposição entre os fundamentos e a decisão ao erro de julgamento, que não cabe no elenco dos vícios da sentença previstos no citado artigo 668º.
Com efeito, a sentença recorrida apresenta-se estruturada sem quebra ou desvio de raciocínio que evidencie a existência de visível contradição entre as premissas e a conclusão, surgindo o seu segmento decisório como a conclusão natural da fundamentação.
Saber se o estabelecido no ponto 7.1. do contrato cerceia a liberdade de revogação do contrato pela ré ou comporta uma renúncia antecipada ao respectivo direito e se houve ou não justa causa são questões suscitadas na apelação e de que importa conhecer, mas que, a terem sido incorrectamente decididas, apenas consubstanciam erro de julgamento susceptível de impugnação pela via recursória, não integrando qualquer nulidade.
Não se verifica, pois, a invocada nulidade da sentença.

2.2.2. Vejamos a natureza jurídica e os efeitos do contrato celebrado entre os recorrentes e a recorrida.
Perante a facticidade provada, designadamente, o estipulado no contrato firmado entre as partes, considerou-se na sentença recorrida que se trata de um contrato de prestação de serviços, na modalidade de mandato, previsto e regulado nos artigos 1154º, 1155º e 1157 e seguintes do Código Civil.
Discorda, porém, a ré de tal qualificação, defendendo que o mesmo tem de qualificar-se juridicamente como um contrato misto de prestação de serviços jurídicos e de mandato forense, estando sujeito ao regime estabelecido nos artigos 1157º e seguintes do Código Civil e também, necessariamente, ao regime constante do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pelo DL nº 84/84, de 16 de Março, em particular ao disposto no seu artigo 54º nºs 1 e 2.
O mandato judicial ou forense configura-se como um contrato de mandato oneroso e com representação - arts.1157º, 1158º, nº1º, e 1178º.
O contrato em causa celebrado em 1 de Janeiro de 2001, que as partes apelidaram de “Contrato de Prestação de Serviços de Assessoria Jurídica e Contencioso”, tinha por objecto assegurar à ré e demais empresas do “Grupo T…”, sempre que solicitado, a prestação pelos autores, na qualidade de advogados, “dos serviços de assessoria jurídica e contencioso no âmbito próprio da actividade destes”, mediante o pagamento de uma retribuição anual de 2.400.000$00, a pagar em prestações mensais iguais e sucessivas de 200.000$00 cada uma, a liquidar até ao final de cada mês.
Os autores obrigaram-se, assim, a proporcionar à ré e demais empresas do “Grupo T…” certo resultado do seu trabalho intelectual como advogados, praticando no domínio da assessoria jurídica e contencioso actos jurídicos por conta daquelas mediante remuneração, o que se integra no conceito jurídico do contrato de mandato tal como se acha definido no artigo 1157º do Código Civil.
À luz do contratualmente estabelecido a actividade dos autores não se circunscrevia ao exercício de mandato judicial ou forense, que, aliás, o contrato em questão só por si não conferia. A actividade dos autores não se esgotava num mandato dessa natureza, cujo conteúdo e alcance se pode colher no disposto no artigo 36º do Código de Processo Civil.
Efectivamente, aquele contrato, face aos termos amplos em que está redigido, cometia aos autores a prática de actos jurídicos que ultrapassam claramente o âmbito do mandato judicial. Tanto assim que resultou provado que o seu trabalho, além de abarcar diversos ramos de Direito, incluiu mesmo a negociação colectiva de trabalho com vista à celebração de um Acordo de Empresa.
Tem de concluir-se pelo acerto da qualificação jurídica feita na sentença recorrida como contrato de mandato, sujeito ao regime previsto nos artigos 1157º e seguintes do Código Civil, e pela inaplicabilidade ao mesmo do estatuído no nº 2 do artigo 54º do DL nº 84/84, de 16 de Março (Estatuto da Ordem dos Advogados), em vigor à data em que foi celebrado o contrato.
E a sujeição da prestação dos autores às regras deontológicas do Estatuto da Ordem dos Advogados expressamente consagrada na cláusula 5. não colide com este entendimento, posto que os autores se vincularam contratualmente à prestação de serviços próprios da profissão de advogado (cfr. cláusula 2.). Naturalmente, a sua conduta deveria pautar-se pelas regras próprias do exercício dessa profissão, que se não circunscreve ao exercício do mandato judicial ou forense.

2.2.3. Este contrato é, como se viu, oneroso, pois que nele foi fixada uma retribuição aos autores.
O valor dessa retribuição, para além de estar sujeito a uma revisão anual, com início em 1 de Janeiro de 2002, a realizar segundo os critérios contratualmente definidos (cláusula 4), poderia ser objecto de uma actualização extraordinária, conforme convencionado na cláusula 3.1. Assim, de acordo com o programa contratual, a retribuição estipulada poderia ser actualizada a todo o tempo e por acordo em função do volume de trabalho e/ou da complexidade técnica dos serviços prestados, “para os valores superiores que se revelem mais consentâneos com a realidade fáctica subjacente”.
No caso em apreço, divergem as partes quanto à ocorrência ou não desta actualização extraordinária da retribuição por acordo.
Os factos provados mostram, neste particular, que o contrato se manteve sem alterações até que, em 14 de Março de 2002, os autores, invocando, designadamente, o aumento do volume de trabalho e da disponibilidade em número de horas, a solicitação da ré, quer no seu escritório, quer nas instalações desta, propuseram ao conselho de administração da mesma, através da interface habitual, Dra. M, o aumento da retribuição convencionada para € 2. 493,99, a qual recebeu autorização de um administrador para efectuar o pagamento daquele valor, pagamento que passou a ser processado pelos serviços de contabilidade da ré.
Perante esta factualidade tem de concluir-se, à luz do disposto nos artigos 409º do Código das Sociedades Comerciais e 217º do Código Civil, que a ré aceitou a proposta de actualização extraordinária da retribuição proposta pelos autores, não tendo a mesma logrado demonstrar, ao contrário do que alegou, que o processamento contabilístico do aumento da retribuição resultou apenas de uma instrução irregular. Ficou, por isso, vinculada ao seu pagamento, que pôs em prática.
Assim, tendo a ré continuado a solicitar os serviços dos autores com a mesma intensidade e ritmo de procura e mantendo estes o mesmo nível de diligência, rigor e pontualidade, não podia a mesma ré, embora com nova administração, furtar-se ao pagamento da retribuição actualizada.
Logo, a comunicação do conselho de administração da ré aos autores datada de 30/08/2002, feita através da respectiva directoria administrativa e financeira, no sentido de que "somos credores de V. Ex.as. no montante de €10.108 (dez mil cento e oito Euros). A partir deste mês inclusive, o valor mensal da avença não será liquidado até perfazer o respectivo montante, considerado pela Rádio…, S.A. como um adiantamento, uma vez que é entendimento desta que o valor mensal da vença é de €1.050 (mil e cinquenta Euros)", integra uma violação culposa do contrato por parte da ré (artigos 762º nº 1, 763º nº 1 e 799º nº 1 do Código Civil.
Como tal, assiste aos autores o direito a receber o valor das retribuições vencidas desde Agosto de 2002 até final de Fevereiro de 2003 e não pagas, no total de € 17.457,93. Tratando-se de obrigação pecuniária com prazo certo, têm ainda direito aos juros moratórios à taxa legal desde a data do vencimento de cada uma dessas retribuições até pagamento, a título de indemnização pela mora (artigos 804º nºs 1 e 2, 805º nº 2 al. a) e 806º nºs 1 e 2 do Código Civil).

2.2.4. Invoca a ré a nulidade das cláusulas 7, 7.1. e 7.2. do contrato por violação do princípio da livre revogabilidade do mandato e da renúncia antecipada ao exercício do direito de resolução com base em justa causa.
A livre revogabilidade do mandato por qualquer das partes, válida quer para o mandato de execução reiterada, quer para o mandato por tempo determinado ou indeterminado, constitui um dos casos excepcionais de revogação unilateral de um contrato expressamente previsto na lei (artigos 406º e 1170º do mesmo compêndio substantivo) (1).
Como ensinam P. Lima e A. Varela, a livre de revogação do mandato tem natureza imperativa, não sendo permitida convenção em contrário, nem sendo admitida a renúncia ao direito de revogação (cfr. art. 265º, nº 2) (2).
Não obstante esta livre cessação do contrato, com eficácia ex tunc, por via da revogação, estabelece o artigo 1172º do Código Civil que a parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer, designadamente, se assim tiver sido convencionado (al.a)) ou tiver sido estipulada a irrevogabilidade ou tiver havido renúncia ao direito de revogação (al. b)).
Esta obrigação de indemnizar não supõe a prática de um acto ilícito ou o não cumprimento de uma obrigação contratual, mas decorre do exercício do direito facultado pelo citado artigo 1170º, constituindo “ ...mais um dos múltiplos casos em que com propriedade se pode falar, no nosso sistema jurídico, em responsabilidade fundada na prática de factos lícitos”(3).
E o texto legal mostra que, sendo o contrato de mandato livremente revogável e não podendo as partes renunciar ao direito de revogação, a convenção estabelecida nesse sentido, embora ineficaz, é geradora da obrigação de indemnização para a parte que revogar o contrato, a qual deve ressarcir a outra parte do prejuízo que a mesma sofrer.
O que significa que, ao contrário da tese sustentada pela ré, uma tal cláusula não envolve a sua nulidade, mas a sua ineficácia, extraindo a lei dessa estipulação das partes a referida obrigação de indemnização para a parte que revogar o contrato no exercício legítimo do direito que lhe é conferido pelo artigo 1170º nº 1. Como referem P. Lima e A. Varela, com a previsão da al. b) do artigo 1172º do Código Civil reduzem-se as consequências da liberdade de revogação, criando-se como que uma “solução intermédia entre a liberdade e a proibição”(4)
No caso vertente, autores e ré convencionaram nas cláusulas em questão o seguinte:
«7. (Início de Vigência e Duração do Contrato) – O presente contrato tem início em 1 de Janeiro de 2001 e vigora até 1 de Janeiro de 2004, supondo-se sucessiva e automaticamente renovável por iguais períodos, podendo qualquer das partes denunciá-lo, invocando justa causa, para o fim do período inicial ou da renovação em curso, por meio de carta registada com aviso de recepção enviada com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias, observando-se o disposto em 7.1. e 7.2.
7.1. (Rescisão e/ou Denúncia Antecipada) – Independentemente da causa invocada, a Rádio Notícias obriga-se perante o Advogado ao pagamento de uma indemnização, no montante correspondente ao produto resultante da multiplicação por dois do valor mais elevado pago mensalmente a título de avença que tiver vigorado, produto esse que será multiplicado por doze meses e pelo número de anos em falta para o termo do prazo inicial ou do prazo de qualquer das renovações.
7.2. (Não Renovação do Contrato) – Em caso de não renovação do presente contrato, a Rádio Notícias obriga-se perante o Advogado ao pagamento da quantia correspondente ao produto resultante da multiplicação do valor mais elevado pago mensalmente a título de avença que tiver vigorado multiplicado por trinta e seis (meses) vezes, sendo o produto assim obtido multiplicado pelo factor três.».
Em face dos factos provados, não pode deixar de concordar-se com a sentença recorrida quando afirma que “…a extinção operada pela ré se enquadra numa revogação unilateral sem justa causa do mandato, uma vez que teve eficácia ex nunc, antes de decorrido o prazo inicial de três anos, e que o único facto alegado na respectiva comunicação foi uma divergência relativamente ao valor da retribuição dos autores, a qual radicava na alteração da respectiva quantia mensal …”, apenas relevando, por isso, o clausulado em 7.1. que prevê, em caso de cessação do contrato, o pagamento pela mandante de “uma indemnização, no montante correspondente ao produto resultante da multiplicação por dois do valor mais elevado pago mensalmente a título de avença que tiver vigorado, produto esse que será multiplicado por doze meses e pelo número de anos em falta para o termo do prazo inicial ou do prazo de qualquer das renovações”.
Resulta claro dos autos que, tendo as partes previsto que tal contrato, com início em 1 de Janeiro de 2001, teria uma duração de três anos, a ré pôs-lhe, unilateralmente, termo através de comunicação provinda do seu conselho de administração datada de 28 de Fevereiro de 2003, cuja cópia se encontra a fls. 25 e 26,da qual constava no que ora releva o seguinte:
Subsiste desde há largos meses, uma divergência de posições entre esta empresa e V. Exas. No que concerne a um suposto acordo para alteração do valor da remuneração do contrato referido em epígrafe.
Como empresa respeitadora dos seus compromissos e que preza o cumprimento das suas obrigações (…), procurámos encontrar com V. Exas. Um entendimento para resolução da nossa divergência dentro do âmbito mais vasto do grupo PT Multimédia.
Nesse sentido foi proposto e aceite por V. Exas., a configuração de uma nova relação contratual que acomodava os interesses de ambas as partes (…).
Por comunicação ulterior deram V. Exas. conta da vossa indisponibilidade para a aceitação deste novo acordo. Concomitantemente, remeteram-nos para o contacto do Vosso advogado (…). Este, por carta por nós recebida em 30 de Dezembro de 2002, propõe-se accionar judicialmente esta empresa, caso não reconheçamos a posição que v. Exas. vêm sustentando.
Perante este estado de coisas entendemos estar irremediavelmente quebrada a relação de confiança com V. Exas. que, como é sabido, constitui a base do contrato de mandato e é particularmente sensível no caso de se tratar de relação entre cliente e advogado.
Consideramos que foram V. Exas. que, inexplicável e injustificadamente, deram causa a esta quebra de confiança.
Atento o exposto, vimos pela presente comunicar a V. Exas. a rescisão com justa causa, e com efeitos imediatos, do contrato em referência”.
A tal revogação do contrato não obstou aquela cláusula, nem poderia obstar, posto que a mesma apenas contém apenas a previsão de uma indemnização para o caso de revogação do contrato pela ré, definindo os critérios para a fixação do seu quantum.
A previsão da indemnização em tal cláusula contratual, possível à luz do disposto no artigo 1172º al. a) do Código Civil, não é susceptível de cercear a liberdade de revogação do mandato à ré (mandante), como não o foi, tornando-a unicamente mais onerosa para esta porque sujeita ao pagamento da indemnização convencionada livremente pelas partes.
Esta só poderia questionar-se em caso de revogação do mandato com justa causa, sendo que o seu montante, resultante de critérios previamente acordados e tidos por adequados pelas partes com vista ao apuramento do prejuízo dos autores (mandatários), ocorrendo revogação do mandato pela ré (mandante), não se afigura desproporcionado, posto que, como se salientou na sentença recorrida, os factos provados evidenciam “…uma constante dedicação dos autores à actividade desenvolvida no âmbito do contrato celebrado com a ré, com uma intensidade e volume de trabalho que acabaram por implicar uma quase exclusividade dos mesmos”, o que aponta no sentido da adequação da fórmula de cálculo da indemnização estabelecida no contrato

2.2.5. O conceito de justa causa é indeterminado, uma vez que a lei não a define, cabendo ao julgador estabelecer os contornos desta figura e integrar neles a facticidade provada casuisticamente.
Segundo P. Lima e A. Varela, não definindo a lei justa causa, deve o seu conteúdo ser, em princípio, “apreciado livremente pelo tribunal”, referindo que “em Itália, é unanimemente reconhecida como causa justa não a causa subjectiva – a falta de confiança, superveniente, do mandante no mandatário – mas a causa objectiva, considerando-se como tal toda a circunstância que torne contrário aos interesses do mandante o prosseguimento da relação jurídica”(5).
Como se escreveu no Ac. do STJ de 05.05.2005(6), citando Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento in Obras Dispersas, Braga, 1991, págs. 143 e 144, “Será uma justa causa ou um fundamento importante qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correcção e lealdade (ou ao dever de fidelidade na relação associativa). A justa causa representará, em regra, uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um incumprimento): será aquela violação contratual que torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual”.
Ora, a factualidade provada não é subsumível ao conceito de justa causa, tomando por referência um comportamento ou a prática de actos que impossibilitem a continuação da relação de confiança que o exercício do mandato pressupõe.
Com efeito, a circunstância de os autores, confrontados com o incumprimento da ré no tocante ao pagamento da retribuição actualizada durante meses e perante a expressa recusa desta em assumir tal pagamento, não quebraram irremediavelmente a relação de confiança e lealdade para com a ré ao pretenderem fazer valer o seu direito às retribuições vencidas com recurso aos serviços de um advogado.
E se a ré assim o entendeu e com tal motivação revogou o contrato, como o evidencia a comunicação que fez aos autores com data de 28 de Fevereiro de 2003, sibi imputet.
Logo, porque revogado o mandato pela ré (mandate) sem justa causa, assiste aos autores (mandatários), sem necessidade de outros considerandos, o direito à indemnização prevista na cláusula 7.1. do contrato nos precisos termos em que foi reconhecido na sentença recorrida e, bem assim, aos respectivos juros moratórios desde a data da citação.

2.2.6. Resta apreciar o recurso subordinado interposto pelos autores, o qual tem como única questão a decidir saber se lhes é devida a pretendida indemnização por danos não patrimoniais.
Como se assinalou já, a obrigação de indemnizar prevista no artigo 1172º do Código Civil resulta da revogação unilateral do contrato, isto é, do exercício do direito facultado pelo nº 1 do artigo 1170º do mesmo código.
Tratando-se de responsabilidade contratual por facto lícito, a indemnização não abrange os danos não patrimoniais que o exercício desse direito possa provocar. Se, porém, o dano não patrimonial resultar de um acto ilícito praticado no campo da responsabilidade contratual, então esse dano é indemnizável(7).
No caso, esse facto ilícito não se provou.
Na verdade, os autores não lograram provar, como lhes competia (artigo 342º nº 1 do Código Civil), que agiu ilicitamente, imputando-lhes factos lesivos da sua honra e que se reflectiram negativamente na sua vida profissional.
Assim, resultou provado que os autores receberam a comunicação datada de 28 de Fevereiro de 2003, provinda do Conselho de Administração da ré, e acima transcrita, não se tendo provado que a ré, com esta carta, quisesse significar que os autores adaptaram uma qualquer conduta de onde extraíram um benefício ilegítimo.
Provou-se também que a quebra do vínculo contratual existente entre os autores e a ré atingiu a actividade daqueles, diminuindo os seus proventos profissionais, o que, só por si, é insuficiente, pois que, naturalmente, a cessação do contrato se repercutiu nos seus proventos, reduzindo-os. Não se provou que ainda hoje, no círculo profissional onde os autores se movem aquela quebra contratual suscita algumas interrogações.
Provou-se ainda que, contemporaneamente ao sucedido, a autora iniciou actividade profissional a tempo inteiro junto de organismo público, sem que tivesse sido estabelecido qualquer nexo de causa/efeito entre a ruptura contratual e tal facto, e que a ré não difundiu tais factos ou proferiu afirmações acerca dos Autores.
Perante o quadro factual traçado, tem de improceder o pedido relativo à indemnização por danos não patrimoniais.
Termos em que improcedem, na totalidade, as conclusões das alegações respeitantes ao recurso principal e ao recurso subordinado.

3. Decisão:
Nesta conformidade, acorda-se em julgar improcedentes os recursos de apelação, principal e subordinado, e confirmar a sentença recorrida.
Custas das apelações pelos apelantes.
22 de novembro de 2007
(Fernanda Isabel Pereira)
(Maria Manuela Gomes)
(Olindo dos Santos Geraldes)
________________________
1 - Cfr. P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4ª ed., pág. 809.
2 - In Código Civil Anotado, loc. cit.
3 - Cfr. P. Lima e A. Varela, ob. cit., pág. 813.
4 - In Código Civil Anotado, ob. cit., pág. 814.
5 - Ob. cit., pág. 810.
6 - Disponível em www.dgsi.pt/jstj.
7 - Cfr. Ac. STJ de 22.05.2003, Proc. 04A2411, in www.dgsi.pt/jstj.