ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Sumário

I- A entidade patronal (ou seguradora) que reclama da seguradora do responsável por acidente, simultaneamente de viação e de trabalho, a indemnização paga ao trabalhador sinistrado, nos termos da Base XXXVII  da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, age sub-rogada nos direitos do lesado e não fundada em direito de regresso.
II- O direito à indemnização nasce com o pagamento só então começando a correr o prazo de prescrição, não se podendo considerar já existente crédito relativamente a prestações futuras.
III- A prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido o que só se verifica com o pagamento e , por isso, é a partir do pagamento que se conta o prazo de prescrição do direito à indemnização (artigo 498.º/1 do Código Civil).
IV- A indemnização reclamada pode ser atribuída tanto no caso de responsabilidade a título de culpa como no caso de responsabilidade objectiva

S.C.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.  Seguros […]  demandou Companhia de Seguros […] SA pedindo a sua condenação no pagamento de € 31.559,04 (trinta e um mil quinhentos e cinquenta e nove euros e quatro cêntimos) com juros de mora, desde a citação até integral pagamento.

2. A A. assumiu a responsabilidade pelo pagamento de quantias respeitantes a acidentes de trabalho sofridos por trabalhadores da sua segurada.

3. Francisco […]  era trabalhador da segurada.

4. No dia 11 de Maio de 1997, regressando do trabalho que prestava para a segurada da A., sofreu um acidente de viação quando se fazia transportar, como passageiro, para a sua residência.

5. O acidente resultou de culpa exclusiva do condutor do veículo sinistrado.

6. A A. foi pagando a pensão atribuída por sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho.

7. O último pagamento prestado pela A. ao trabalhador sinistrado ocorreu no dia 23-10-2002.

8. A acção foi julgada improcedente

9. Recorreu a A. e, a título subsidiário, invoca a ré omissão de pronúncia quanto à questão de considerar que a improcedência da acção também resulta do facto de não se ter provado que o acidente em causa assumiu a natureza de acidente de trabalho por não se terem provado os factos alegados pela A. nesse sentido.

10. Nestes autos estão em causa as seguintes questões:

a)     Saber se, ocorrido o acidente no dia 11-5-1997, prescreveu o direito da A. que propôs a acção no dia 20-10-2004.

b)     Saber se no caso de responsabilidade pelo risco não é devida a indemnização reclamada, apenas o sendo em caso de responsabilidade a título de culpa.

c)     Finalmente saber se, uma vez não provado que o acidente em causa assumia a natureza de acidente de trabalho, a acção sempre teria de improceder.

11. Factos Provados:

1-    A presente acção deu entrada em juízo no dia 20-10-2004 (A)

2-    No dia 11-5-1997 ocorreu um acidente na área da comarca de Vila Franca de Xira (B)

3-    Nesse acidente foi interveniente o veículo automóvel de matrícula […] conduzido por Abílio […] (C)

4-    A A., no exercício da sua actividade, celebrou com a Cooperativa […] CRL, um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, titulado pela apólice […] , assumindo a responsabilidade pelos acidentes de trabalho sofridos pelos trabalhadores da sua segurada (D)

5-    Por sentença de 12-7-1999 do Tribunal de Trabalho de Vila Franca de Xira proferida no P. […]  foi a A. condenada a pagar a Francisco […] , além da quantia de 5.000$00, referente a despesas de transporte, a pensão anual e vitalícia no montante de 837.942$00, em duodécimos, na sua residência e com início em 30-12-1997, acrescida de subsídio de Natal e juros de mora (E)

6-    O acidente referido em 2 ocorreu pelas 19 horas, ao km 39.700 da EN 115, no sentido Vila Verde. Alenquer (1)

7-    O veículo referido em 2 transportava como passageiro Francisco […] (2)

8-    Abílio […]  que dispunha do veículo […] , prontificou-se a transportar Francisco […] à sua residência (13)

9-    E nesse percurso normal para a residência de Francisco […]  deu—se o acidente referido em 1 (14)

10-  Em virtude do acidente referido em 1, Francisco […]  sofreu traumatismo craniano com perda de conhecimento e fractura lombar (15)

11- Francisco […]  fez tratamento ambulatório (17)

12-  A A. efectuou o pagamento da pensão referida em 5 até, pelo menos, 31-10-2002 (18)

13-   O total pago foi de, pelo menos, € 13.797,49 (19)

14-  A A. pagou, pelo menos, o  montante de € 3.364,12 a titulo de despesas hospitalares, farmacêuticas, de fisioterapia, ortopedia e deslocações (21)

15-  À excepção das despesas documentadas de fls. 175 e 176, no valor global de € 433,95, as prestações referidas em 14 foram pagas em datas anteriores a 29-12-1997 (22)

16-  À data do acidente Joaquim […]  tinha transferido para a ré, mediante acordo de vontades titulado pela apólice n.º […] , a responsabilidade civil para com terceiros emergente de acidente de viação com o veículo referido em 2 (23)

12. A acção foi julgada improcedente por prescrição no que respeita às quantias pagas a António […]  até 20-10-2001.

13. E improcedente quanto ao demais peticionado com o fundamento de que os factos provados não permitem responsabilizar o condutor do veículo.

14. A ré recorrente sustenta, no entanto, que o direito de regresso entre os responsáveis a que alude o artigo 498.º/2 do Código Civil se conta do cumprimento  e o cumprimento verifica-se quando é realizada toda a prestação devida que é paga fraccionadamente por imposição legal

15. Sustenta ainda a ré a alteração da matéria de facto com base no que consta do auto de participação e, por conseguinte, sustenta que se devem considerar provados os factos alegados que demonstrem a culpa do condutor na eclosão do sinistro.

Apreciando:

16. A A. assumiu a responsabilidade pelos danos patrimoniais emergentes do acidente de viação ocorrido no dia 11-5-1997 sofridos pelo trabalhador da sua segurada que, naquele dia, era transportado como passageiro no veículo sinistrado.

17. A ré  considera que está prescrito o direito da A. ao ressarcimento das quantias reclamadas visto que decorreram mais de três anos entre a data do acidente e a data em que a presente acção foi intentada.

18. A A. está subrogada na posição do lesado; a responsabilidade exigida à seguradora do automóvel é de natureza extracontratual; a A.- prossegue a ré -  suporta as prestações devidas por acidente de trabalho no cumprimento de uma obrigação própria emergente do clausulado da respectiva apólice, mas o direito da A. se ressarcir junto da seguradora do condutor do veículo sinistrante não “ nasce da satisfação das prestações ao abrigo da apólice de acidentes de trabalho […] mas da obrigação de existir um estranho obrigado a reparar os danos, por responsabilidade, no acidente de viação”. Assim sendo, o regime de prescrição a aplicar é o do artigo 498.º/1 do Código Civil.

19. A disposição com base na qual a A. reclama da ré o pagamento das quantias que pagou ao seu segurado é a Base XXXVII da lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965 que diz, nos números 1, 2 e 4, o que se segue:

1- Quando o acidente for causado por companheiros da vítima ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral

2- Se a vítima do acidente receber dos companheiros ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade patronal ou seguradora, esta considerar-se-       -á desonerada da respectiva obrigação e terá direito a ser reembolsada pela vítima das quantias que tiver pagou ou dispendido

[…]

4- A entidade patronal ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente terá o direito de regresso contra os responsáveis referidos no n.º1, se a vítima não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano, a contar da data do acidente. Também à entidade patronal ou seguradora assiste o direito de intervir como parte principal no processo em que a vítima exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que alude esta Base.

20. Não estamos face a um direito de regresso, próprio da solidariedade (artigos 512.º e 524.º do Código Civil) pois não existe um vínculo de solidariedade perfeita entre a entidade patronal ( ou a seguradora) do lesado e o lesante (ou entidade seguradora deste) de tal sorte que o lesado, vítima do acidente de viação, possa exigir indiferentemente a cada um deles a prestação integral da indemnização que lhe é devida e que esta, uma vez prestada, libere todos os devedores como é próprio das obrigações solidárias.

21. As indemnizações por acidente de trabalho e de viação não se cumulam como resulta do n.º 2 da Base XXXVII.

22. Sobre esta questão escreveu o Prof. Vaz Serra:

“ No artigo 7.º da Lei n.º 1942, de 27 de Março de 1936, declarava-se que a entidade patronal ou seguradora, se satisfizesse a indemnização pelo acidente de trabalho, se sub-rogava nos direitos do lesado contra o terceiro responsável. Daí se concluiria que a ‘ lei não lhe atribui o direito (ex novo) de regresso, próprio do devedor solidário que satisfaz o direito do credor, além da parte que lhe compete (artigo 524.º do Código Civil); declara-o sub-rogado nos direitos do sinistrado’

Diversamente, a Lei n.º 2127 alude ao direito de regresso da entidade patronal - o que, segundo o mesmo autor, não seria rigoroso, já que ‘ do que realmente se trata é de a entidade patronal se substituir ao sinistrado no direito à indemnização contra o autor do acidente (rectius: contra os responsáveis pelo acidente), embora na estrita medida do que houver pago, e não de reclamar dele a sua quota parte na responsabilidade comum’.

23. Parece, efectivamente, que, tanto no domínio da lei n.º 1942, como no da lei n.º 2127, o direito da entidade patronal, que haja pago a indemnização pelo acidente de trabalho, contra o terceiro responsável, não é um direito de regresso fundado num vínculo, convencional ou legal, de responsabilidade comum (solidária) existente entre esses responsáveis.

24. No regime da lei n.º 1942, o seu artigo 7.º admitia claramente a sub-rogação da entidade patronal ou seguradora nos direitos do lesado contra o terceiro responsável;  e o direito de regresso daquela contra este poderia duvidar-se que resultasse das regras das obrigações solidárias, visto que, embora essa entidade e o  terceiro responsável fossem ambos obrigados a ressarcir o dano causado ao lesado, poderia entender-se que não se trata de uma perfeita solidariedade passiva, havendo aí uma chamada solidariedade ‘imperfeita’, a qual, segundo os seus defensores, conquanto tenha com a solidariedade alguns aspectos comuns, dela diverge sob outros aspectos. Por isso, nos casos de solidariedade imperfeita, as regras legais das obrigações solidárias só são aplicáveis na medida  em que a sua ratio for extensiva às hipóteses concretas dessa solidariedade.

25. Quanto à Lei n.º 2127, na qual se fala em direito de regresso da entidade patronal ou seguradora, a lei quer reconhecer a essa entidade um direito de reembolso pleno contra o terceiro ou terceiros responsáveis pelo acidente: pela mesma razão de há pouco, não há aqui lugar a um direito de regresso fundado em qualquer relação existente entre a entidade patronal ou seguradora e o terceiro responsável, tratando-se, antes, de um direito de indemnização dessa entidade contra o terceiro, baseado na consideração de que este é o responsável principal ou primário” ( Revista de Legislação e de Jurisprudência, Vaz Serra, 111.º Ano, 1978/1979, n.º3614, pág. 67 em anotação ao Ac. do S.T.J. de 3-5-1977 também in B.M.J. 266, pág. 156).

26. E salienta ainda o mesmo autor: “ esse direito de indemnização pode ser havido como assumindo a forma de uma sub-rogação (legal) da referida entidade nos direitos do lesado contra o terceiro. A sub-rogação legal(Cód. Civil, art. 592.º) tem um fim de indemnização […] do terceiro que cumpre a obrigação. Ela tem lugar quando esse terceiro ‘ tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito’ (artigo 592.º,n.º1)(loc. cit., pág. 67, nota 2).

27. Por sua vez salienta o Prof. Antunes Varela que a solidariedade exige a possibilidade de o lesado exigir a prestação integral de cada um dos devedores, requisito que ocorre; no entanto, um tal requisito é condição necessária, mas não suficiente da solidariedade, pois esta exige ainda que a prestação efectuada por um dos devedores a todos libere como resulta do artigo 512.º/1 do Código Civil.

28. Ora, se é certo que a “ prestação efectuada pelo terceiro causador do acidente (ou por qualquer das pessoas que com ele responda pelo mesmo facto danoso) libera a entidade patronal, na medida correspondente […] já a recíproca não é verdadeira. A prestação efectuada pela entidade patronal não extingue a obrigação a cargo do terceiro causador do acidente e das pessoas que respondam com ele. […]

29. É certo que a lei n.º 2127 fala já no direito de regresso da entidade patronal. Mas, bem vistas as coisas, do que realmente se trata é de a entidade patronal se substituir ao sinistrado no direito à indemnização contra o causador do acidente […] embora na estrita medida do que houver pago, e não de reclamar dele a sua quota parte na responsabilidade comum.

30. Tudo fruto da tal diversidade de plano em que se situam as obrigações da entidade patronal e do terceiro causador do acidente, diversidade que se reflecte principalmente no domínio das relações internas.

31. Efectivamente, se, em face do lesado ( cujos interesses se procura acima de tudo salvaguardar), a entidade patronal e o causador do acidente se encontram em pé de igualdade, na medida em que de qualquer deles a vítima pode exigir a reparação integral do dano, já no plano das relações internas a entidade patronal é tratada mais como um terceiro interessado no cumprimento ( a quem a lei, por isso mesmo, sub-roga nos direitos do sinistrado) do que como um co-devedor do causador do acidente.

32. Assim se explica que, como vimos, a entidade patronal tenha o direito de ser reembolsada pelo terceiro de tudo quanto haja pago, até ao limite da indemnização por este devida, enquanto o terceiro não goza de nenhum direito de regresso contra a entidade patronal” (Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 103º, n.º 3407, anotação ao Ac. do S.T.J. de 15-10-1968 publicado no B.M.J. 180-279, páginas 30/31).

33. Observou-se ainda, agora a propósito da questão de saber se o referido reembolso reclamado pela entidade patronal (ou pela sua seguradora) é exigível apenas no caso de o acidente ter sido causado culposamente, que a sub-rogação legal que assiste à seguradora, se excluísse os responsáveis a título de risco, trairia um dos objectivos da lei que é o de “ estimular a reparação antecipada e voluntária dos danos provenientes do acidente” (Antunes Varela, loc.cit, pág. 26).

34. Assim se entendia já no âmbito do artigo 7.º da lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936  que dispunha que “ sem prejuízo da responsabilidade patronal, quando existir, os sinistrados, ou por sub-rogação legal, a entidade patronal ou seguradora têm , quando o acidente foi produzido por culpa de terceiros, acção contra estes nos termos da lei geral” e assim se deve entender, por maioria de razão à face da lei nº 2127 que omite qualquer referência “à culpa de terceiros”.

35. Outra questão suscitada neste recurso é a da prescrição do direito da A.

36. A decisão recorrida faz coincidir o início da prescrição com o momento do cumprimento.

37. Assim será com base em disposição expressa da lei -artigo 498.º/2 do Código Civil - considerando-se que a entidade patronal dispõe de direito de regresso.

38. Não é esse o entendimento da decisão recorrida que adere à ideia de que o direito do A. tem a natureza de sub-rogação legal e não de direito de regresso; por isso, logicamente, não aplicou aquele preceito.

39. Não se duvida  que o direito do A. apenas pode ser exercido a partir do pagamento (artigo 306.º/1 do Código Civil). Resulta da referida Base XXXVII que o direito de regresso (rectius, sub-rogação) assiste à “ entidade patronal que houver pago a indemnização pelo acidente”. Sem pagamento, não nasce o direito de crédito à sub-rogação como resulta do Assento de 9 de Novembro de 1977,B.M.J. 279-100 que firmou a doutrina de que “ a sub-rogação não se verifica em relação a prestações futuras”.

40. O pedido de condenação em prestações futuras consentido pelo artigo 472.º/2 do Código de Processo Civil  pressupõe que o credor é já titular de um crédito. Isso não acontece na hipótese em questão pois, como salienta Vaz Serra, “a entidade patronal ou seguradora não tem crédito resultante de sub-rogação senão depois de pagar ao lesado e na medida em que lhe tiver pago: não é, portanto, credora do terceiro responsável quanto ao que ainda não tenha pago, não sendo, consequentemente, credora de prestação ou prestações futuras. O seu direito às prestações futuras , isto é, às que correspondem aos pagamentos que for fazendo ao lesado, apenas o adquire quando efectivar tais pagamentos e, assim, se sub-rogar nos direitos do lesado contra o terceiro responsável. Enquanto o não fizer, não é titular de um crédito contra este, não lhe sendo, por conseguinte, permitido exercê-lo, nem sequer para o efeito de obter título executivo que lhe consinta recorrer à execução quando, feito o pagamento, se sub-rogue nos direitos do lesado contra o terceiro” (Vaz Serra, R.L.J., 111.º Ano, n.º 3621, pág. 182).

41. O referido autor, que ao tempo sustentava que a entidade patronal ( ou a sua seguradora) dispunham de direito de regresso considerava aplicável, em matéria de prescrição, o disposto no artigo  56.º/9 do Código da Estrada de 1954 preceito que foi revogado com a entrada em vigor do Código Civil de 1966.

42. Nesse preceito que prescrevia que “ o direito de pedir indemnização civil por acidentes de trânsito caduca no prazo de dois anos, a partir da datas em que o lesado teve conhecimento do dano e da pessoa do responsável, e goza de privilégio mobiliário especial, equiparado ao do nº3 do artigo 882.º do Código Civil, sobre o veículo ou animal que lhe tenha dado causa” não se contemplava prazo especial para o direito de regresso entre os responsáveis e, por isso, podia considerar-se que tal direito não estava subordinado a esta prescrição de curto prazo, mas ao prazo mais amplo da prescrição ordinária.

43. Ainda assim, apesar de considerar que a entidade patronal dispunha de um direito de regresso - entendimento que se nos afigura ter abandonado designadamente depois das observações de Antunes Varela a que aludimos anteriormente - Vaz Serra entendia aplicável este regime de prescrição do artigo 56.º/9 do Código da Estrada. Dizia que “ este outro direito”, ou seja, o direito de regresso, “ tem por fim a reparação do dano que ao solvens foi causado pela satisfação do credor comum, pelo que parece dever entender-se que, sendo-lhe embora aplicável o prazo do n.º 9 do artigo 56.º, esse prazo se conta, não do conhecimento, pelo lesado, do dano e da pessoa do responsável, mas do conhecimento, pela entidade patronal ( ou pelo seu segurador),  do dano a ela causado ( pelo pagamento ao lesado) e da pessoa do responsável. A entidade patronal é também lesada  pelo acidente de viação (em consequência do qual foi obrigada a indemnizar a vítima do acidente), e daí o dever começar a correr o prazo, quanto a ela, da data me que teve conhecimento do seu dano ( Vaz Serra, R.L.J., 98º ano, n.º 3298, pág. 205/206).

44. Ora, parece  dever continuar a ter-se por válido este entendimento à luz do disposto no artigo 498.º/1 do Código Civil -  a entidade patronal fica sub-rogada nos direitos do lesado - considerando que, no caso, o conhecimento do direito pelo lesado coincide com o conhecimento do dano e este ocorre com o pagamento.

45. A entender-se que o conhecimento do dano se reconduz ao reconhecimento  do dever de indemnizar, sempre o prazo de prescrição deveria considerar-se suspenso pois ele só começa a correr quando o direito puder ser exercido o que apenas acontece, como vimos, com o pagamento (artigo 306.º/1 do Código Civil).

46. O acidente ocorreu no dia 11-5-1997. A acção de indemnização foi proposta no dia 20-10-2004. Temos, assim ,que a ré será responsável pelas quantias pagas a partir de 20-10-2001.

47. O beneficiário faleceu no dia 23-10-2002

48. Provou-se que a A. efectuou  o pagamento da pensão  anual de 837.942$00 até 31-10-2002.

49. Não se provou o total pago de pensão. Provou-se apenas que o total pago  foi de, pelo menos, € 13.797,49.

50. Alegou o A. que o último pagamento ocorreu no dia 3-12-2002.

51. Assim, no que respeita a pensões estão em causa os duodécimos pagos desde 20-10-2001 até 23-10-2002.

52. Os factos provados não são susceptíveis de alteração, limitando-se a força probatória plena do auto de participação aos factos atestados com  base nas percepções da entidade documentadora, o que não sucede com o relato que o documentador faz na sequência das averiguações a que procedeu e que está sujeito à livre apreciação do julgador e, por isso, não é passível de alteração a matéria de facto.

53. A Ré veio, no entanto, sustentar que a acção devia improceder desde logo porque, atenta a matéria provada, não se pode considerar assente a qualificação do sinistro rodoviário também como acidente de trabalho. Os factos que assim o permitiriam concluir não se mostram provados.

54. Está, no entanto, provado que a A. foi condenada por sentença proferida no Tribunal do Trabalho a pagar despesas e pensão emergente de acidente de trabalho (5 da matéria de facto em  conjugação com o documento junto a fls. 20 dos autos).

55. A sub-rogação da entidade patronal nos direitos do credor (lesado no acidente) tem como pressuposto o pagamento por esta da indemnização devida pelo sinistro que seja considerado acidente de trabalho.

56. Este pressuposto - o de que a A. está sub-rogada por ter sido reconhecida como responsável pelo pagamento de indemnização ao lesado com base em sinistro que é acidente de trabalho - tem a força do caso julgado que vale nas relações entre lesado/entidade patronal.

57. Poderá o devedor, provado o pagamento da dívida por terceiro, recusar-se a pagar a dívida com o fundamento de que esse terceiro não ficou sub-rogado ex-lege?

58. Parece-nos que a resposta à questão adquire mais uma dimensão processual do que substantiva. Do ponto de vista substantivo, ainda que não haja sub-rogação legal e o devedor se oponha ao cumprimento, pode a prestação efectuada ser-lhe exigida com base no enriquecimento sem causa (artigos 477.º/2 e 768.º/2 do Código Civil;  ver Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª edição, pág. 29/30).

59. Se o devedor cumprir por erro desculpável, pode inclusivamente ocorrer um caso de sub-rogação legal, não existindo direito de repetição do terceiro face ao credor (artigo 477.º/2 do Código Civil).

60. Noutras situações, caso de erro indesculpável por exemplo, ainda assim o terceiro pode reclamar o que pagou ao devedor com fundamento no enriquecimento sem causa “ na medida em que, libertando-se do vínculo que onerava o seu património, o devedor se enriqueceu , sem causa justificativa, à custa de outrem” ( loc. cit. pág. 30).

61.  A dimensão processual da questão está em que o réu não pode deixar de suscitar a questão da inexistência de sub-rogação legal (artigo 592.º do Código Civil) para se eximir ao pagamento com base nesse fundamento que constitui a causa de pedir, não bastando, para o efeito, impugnar a matéria de facto designadamente aquela em que o A. Alega factos demonstrativos de que o acidente é também para o lesado um acidente de trabalho.

62.. Não o fazendo, o réu impede que o autor proceda à ampliação da causa de pedir reclamando a quantia paga com base também no enriquecimento sem causa.

63. Por isso, não se afigura correcto o entendimento do recorrente quando considera que o Tribunal incorreu em omissão de pronúncia sobre tal questão – saber se o acidente era acidente de trabalho e, por conseguinte, na falta de elementos de facto nesse sentido, não considerar a A. sub-rogada ex lege na posição do credor/lesado – pois o Tribunal não tinha de se pronunciar sobre questão que não fora suscitada e que não pode agora (artigo 660.º do Código de Processo Civil) ser objecto de conhecimento por este Tribunal.

64. Sempre se poderia suscitar a questão de saber se a decisão condenatória da entidade patronal ( ou seguradora) no pagamento da indemnização no âmbito de contencioso laboral não vincula igualmente a aqui ré na medida em que por ela se reconhece a natureza laboral do acidente, pois, assim não sendo, verificar-se-ia contradição insanável entre aquela decisão e a subsequente que não considerasse assumir o acidente essa natureza muito particularmente num caso em que a aqui demandada não invoca nenhum comportamento que justifique ter-se por excluída do âmbito do caso julgado nessa medida, como aconteceria se, por exemplo, tivesse efectuado já o pagamento da indemnização por danos materiais enquanto responsável por acidente de viação. Não importa seguir este caminho uma vez que, pelas razões apontadas, o Tribunal não tem de apreciar a referida questão.

65. A acção terá, pois, de proceder parcialmente condenando-se a ré a pagar à A. as quantias que esta pagou ao lesado a partir de  20-10-2001, a liquidar, correspondentes aos duodécimos da pensão fixada.

Concluindo:

I- A entidade patronal (ou seguradora) que reclama da seguradora do responsável por acidente, simultaneamente de viação e de trabalho, a indemnização paga ao trabalhador sinistrado, nos termos da Base XXXVII  da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, age sub-rogada nos direitos do lesado e não fundada em direito de regresso.

II- O direito à indemnização nasce com o pagamento só então começando a correr o prazo de prescrição, não se podendo considerar já existente crédito relativamente a prestações futuras.

III- A prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido o que só se verifica com o pagamento e , por isso, é a partir do pagamento que se conta o prazo de prescrição do direito à indemnização (artigo 498.º/1 do Código Civil).

IV- A indemnização reclamada pode ser atribuída tanto no caso de responsabilidade a título de culpa como no caso de responsabilidade objectiva

Decisão: concede-se parcial provimento ao recurso condenando-se a ré a pagar à A. as quantias, a liquidar, pagas a partir de 20-10-2001 até 30-10-2002 com juros à taxa legal desde a citação.

Custas em partes iguais em ambas as instâncias sem prejuízo do acerto após liquidação.

Lisboa, 29 de Novembro de 2007

(Salazar Casanova)

(Silva Santos)

(Bruto da Costa)