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EMBARGO DE OBRA NOVA
PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DIREITO DE PROPRIEDADE
Sumário
A deliberação da assembleia de condóminos, não impugnada, que aprovou a instalação no prédio de gás natural em substituição do gás propano e a actividade levada a cabo em execução dessa deliberação não traduz actuação ilícita ofensiva do direito de propriedade dos requerentes justificativa do procedimento cautelar de embargo de obra nova (artigo 412.º do C.P.C.)
(SC)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1 – Relatório.
No Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, C. […] e J. […] requereram contra condomínio do prédio sito […] e L. […] S.A., procedimento cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova de conversão da instalação de gás do prédio, para substituição do fornecimento de gás propano por gás natural, que a segunda requerida, em acordo com o primeiro, se preparava para iniciar, quando os requerentes fizeram o embargo por via extrajudicial, que foi obedecido.
Para o efeito, alegaram que são donos de fracções autónomas do referido edifício e que, há alguns meses, foi aprovada deliberação da Assembleia de Condóminos no sentido da mudança para gás natural, mas que votaram contra, por entenderem que sofre de ilegalidades que a invalidam, pois que não define os termos da mudança e das reais vantagens de qualidade e preço, pelo que, a seu ver, a obra que embargaram extrajudicialmente lesa os seus direitos de propriedade.
Os requeridos opuseram-se, tendo a requerida L. […] S.A., deduzido a caducidade do direito dos requerentes, alegando que a obra embargada foi objecto de deliberação de aprovação pela Assembleia de Condóminos de 29/6/06, em que aqueles também participaram, não tendo a mesma sido impugnada e não tendo os requerentes embargado a obra no prazo de 30 dias subsequentes. Subsidiariamente, requereu a imediata continuação da obra embargada.
Seguidamente, foi proferido despacho indeferindo a arguição de caducidade por se ter entendido que a questão se reconduz ao mérito da causa e que os autos não continham, ainda, os elementos de facto necessários. Mais se entendeu que os autos também não continham os elementos de facto que permitissem conhecer da pretensão da L. […] S.A., de continuação da obra embargada.
Inconformada, aquela requerida interpôs recurso de agravo daquele despacho, que foi admitido como tal e para subir diferidamente.
Entretanto, o processo prosseguiu com a realização do julgamento, tendo-se proferido sentença, após decisão da matéria de facto, julgando procedente a providência cautelar e ratificando o embargo extrajudicial, realizado pelos requerentes em 14/12/06, da obra de substituição de gás propano por gás natural, que a requerida L. […] S.A., se propunha então iniciar no edifício […] . Mais se decidiu indeferir a continuação da obra ou a substituição do embargo ratificado por prestação de caução.
De novo inconformada, a requerida L. […] S.A., interpôs recurso de agravo daquela decisão.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. 1º AGRAVO
2.1.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O presente litígio surgiu a partir do embargo extrajudicial de obra nova efectuado pelos Agravados em 14.12.2006, o qual impediu a Agravante de efectuar a operação de conversão da instalação de gás do edifício […] para fornecimento de gás natural canalizado.
2. A referida obra estava a ser realizada pela empreiteira da Agravante, «G. […] , a qual actuava sob a legitima ordem (cf. artigo 1436.°, alínea g) do CC) e direcção da administração do condomínio, também
embargado no âmbito dos presentes autos.
3. Os Agravados defendem que a decisão referente àquela matéria teria que ter sido tomada por unanimidade dos condóminos, não sendo, portanto, suficiente para autorizar a realização da obra embargada a maioria de dois terços que votou favoravelmente aquela deliberação para fazer aprovar a referida decisão (cf. Doc. n.01 junto à Oposição da Co-embargada, a fls.).
4. Ora, no caso sub judice, e na medida em que não foram adoptadas as medidas previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1433.º do CC, os condóminos que ficaram vencidos quanto à referida deliberação tinham sessenta dias
para propor a acção de anulação a que se refere o artigo 1433.°, n.° 4 do CC, sob pena de esse direito caducar e a deliberação ficar sanada quanto a qualquer eventual invalidade - cuja existência aliás não se concede - e assim plenamente válida e eficaz.
5. A não propositura da acção nos termos referidos nos parágrafos anteriores, e como resulta do próprio teor do n.° 4 do artigo 1433.° do CC, implica que o direito de contestar aquela decisão caducou, para todos os
efeitos legais, incluindo do ponto de vista processual, apesar da natureza substantiva do instituto da caducidade.
6. Como é sabido, os procedimentos cautelares extinguem-se, ou caduca a própria providência, nos termos do artigo 389.°, n.° 1, alínea e) do CPC, se o direito que o requerente pretende acautelar ser tiver extinguido, como é o caso e acaba de se demonstrar.
7. Face ao exposto, é desde já perceptível, porque demonstrado, que a acção principal que os Agravados terão de propor como suporte indispensável do presente procedimento cautelar (cf. artigos 383.° e 389.°
ambos do CPC), não terá o fundamento legal necessário ao seu sucesso em virtude de o direito que visa acautelar se encontrar já caducado, pelo que será extemporânea e necessariamente improcedente.
8. Dai que, ao contrário do sustentado no douto despacho recorrido, a caducidade do direito dos Embargantes a impugnar a deliberação da assembleia de condóminos aqui em causa não seja uma questão reconduzível ao mérito da causa, mas antes qualificável como excepção peremptória (cf. artigo 493.°, n.° 3 do CPC).
9. Na verdade, ao terem deixado caducar o seu direito de contestarem aquela deliberação da assembleia de condóminos, os ora Agravados renunciaram (cf. artigo 334.° do CC) ao seu direito de, mais tarde, virem alegar que as obras de conversão aprovadas por aquela deliberação são ilícitas, já que, ao não terem lançado mão dos institutos legais já referidos, perderam a oportunidade legal de averiguar a validade daquela deliberação, aliás válida, criando assim legítimas expectativas às Embargadas e aos restantes condóminos, expectativas essas agora ilicitamente frustradas pela vigência do embargo extrajudicial.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, julgando-se procedente a excepção de caducidade do direito acautelado pelo embargo, invocada pela Agravante na sua Oposição e, consequentemente, extinto o procedimento cautelar que lhe deu origem.
2.1.2. Os recorridos contra-alegaram, concluindo nos seguintes termos:
1. A presente providência visou a ratificação um embargo extrajudicial de obra nova que foi efectuado pelos ora Agravados, no dia 14.12.2006, nos termos dos
n.°s 2 e 3 do art.412.° do CPC.
2. O direito que a providência visa acautelar é o direito de propriedade, de gozo e fruição plena dos Agravados sobre as suas fracções, que iria ser claramente
ofendido, causando-lhe um grave prejuízo, se esta obra viesse a concretizar-se.
3. Os Agravados não fundamentam a sua decisão de embargo das obras de conversão do fornecimento de gás, na alegada invalidado da deliberação da assembleia de Condóminos que decidiu tal conversão.
4- Embora os Agravados reconheçam que tal deliberação seja inválida, por padecer de ilegalidades, nenhum pedido é formulado nesse sentido, pelo que esta, se
encontra sanada.
5- Não existe caducidade do direito dos Agravados, uma vez que a presente providência não pretende anular a deliberação, mas sim acautelar o direito de propriedade, gozo ou fruição que fica gravemente prejudicado, se esta obra avançar.
6. Aliás não só o direito dos agravados não caducou, como este só se efectiva, com a ameaça de dano, ou seja, só começou a decorrer o prazo para o seu exercício
com o início das obras.
7. Face ao exposto, os Agravados optaram pelo meio processual adequado à tutela dos seus interesses, não se tendo extinguido o direito que a presente providência
visa acautelar, de acordo com o disposto no art. 389.° n.º 1 alínea e) do C.P.C..
8. A douta decisão judicial ratificou o embargo de obra nova,
2.1.3. A única questão que importa apreciar neste 1º Agravo consiste em saber se o direito acautelado pelo embargo caducou e, por isso, deve ser considerado extinto o procedimento cautelar.
É certo que não tendo os condóminos, requerentes do procedimento cautelar, proposto acção de anulação da deliberação da Assembleia de Condóminos de 29/6/06, que aprovou a instalação de gás natural em substituição do gás propano, com os votos contra dos referidos requerentes, no prazo de 60 dias após aquela data, o direito de propor tal acção caducou, por força do disposto no art.1433º, nº4, do C.Civil. Só que, como é evidente, não é esse o direito que se pretendeu acautelar com a providência do embargo de obra nova, a que aludem os arts.412º e segs., do C.P.C. Na verdade, o direito que os requerentes pretenderam acautelar foi o seu direito de compropriedade sobre partes comuns do edifício, que, no seu entender, foi ofendido em consequência de obra nova a realizar, tendo em vista a substituição de um gás por outro. Ora, essa obra, que estaria para ser iniciada em 14/12/06, foi directamente embargada, nesse dia, por via extrajudicial, nos termos do nº2, do citado art.412º, tendo os interessados requerido a ratificação judicial dentro do prazo a que alude o nº3, do mesmo artigo.
Assim sendo, é manifesto que o referido direito que os requerentes pretenderam acautelar não se extinguiu, não devendo, pois, considerar-se extinto o procedimento cautelar, nos termos do art.389º, nº1, al.e), do C.P.C..
Improcedem, deste modo, as conclusões da alegação dos recorrentes.
2.2. 2º AGRAVO
2.2.1. Na decisão recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
A) Está edificado […] um edifício construído em 1992, sujeito ao regime de propriedade horizontal, com 3 pisos sub caves e 11 pisos acima, com 34 espaços fracções autónomas afectos a habitação.
B) Os requerentes C. […] e J. […] são condóminos das fracções autónomas provadas em A), correspondentes, respectivamente, ao 5° andar frente e ao 7° andar direito.
C) O requerido Condomínio administra as partes comuns do prédio provado em A).
D) O imóvel provado em A) dispõe desde a sua construção, de instalação geral de gás, e instalações de gás em cada uma das fracções habitacionais, através das quais é disponibilizado nestas o consumo de gás, que só consente a cada momento a ligação a um único fornecedor, actualmente e desde há cerca de 8 anos, a
empresa G. Lda.
E) Desde 1992 o gás disponibilizado como se prova em D) é o gás propano, e a contratação do seu fornecimento é feita directamente entre os condóminos e a empresa fornecedora, sem intervenção do Condomínio.
F) Em Maio de 2006 foi realizada junto dos condóminos do imóvel provado em A), promoção comercial no interesse da requerida L. […] Lda., para
fornecimento de gás natural, sendo esta a concessionária única do respectivo fornecimento na região de Lisboa.
G) Em 29.06.06, em reunião da Assembleia de Condóminos, com o teor de acta cuja cópia certificada foi junto pelo Condomínio em 13.02.07, fls. 139/140, foi
deliberado "a aprovação da instalação de gás natural, em substituição do gás propano utilizado", por maioria de dois terços do valor total do prédio, havendo os requerentes votado contra.
H) Os condóminos votaram a deliberação da Assembleia provada em G), no pressuposto da inexistência de despesas a suportar por si individualmente ou pelo Condomínio na obra de substituição.
I) L. […] SA propôs-se realizar a obra na instalação geral de gás do prédio e nas instalações de cada uma das fracções autónomas do prédio, necessária à substituição de gás propano por gás natural, sem despesas a suportar pelo Condomínio ou pelos condóminos.
J) Em data anterior a 14.12.06 o Administrador do requerido Condomínio autorizou a realização por L. […] Lda. na instalação geral de gás do prédio, dos actos (obra) necessários à substituição do gás propano por gás natural, de que foi feita a divulgação aos condóminos, incluindo os requerentes, no principio de Dezembro de 2006.
L) Em 14.12.06, ao início da manhã, pessoal de empresa da especialidade ao serviço de L. […] SA estava junto ao prédio do Condomínio para realização da obra na instalação geral de gás do prédio e nas instalações de cada
uma das fracções autónomas do prédio, necessária à substituição de gás propano por gás natural, incluindo o desligamento das válvulas de corte geral, que determinariam a cessação do fornecimento do gás propano.
M) E, então os requerentes intimaram o encarregado para que este não iniciasse a obra projectada como se prova em L), o que ele acatou.
N) A obra de substituição projectada como se prova em L) tem uma duração normal de 1 dia de trabalho, por regra entre as 9 e as 18 horas, de forma a até esta hora poder estar disponibilizado o fornecimento de gás natural.
O) A realização da obra projectada como se prova em L), não inviabiliza posterior obra nas mesmas instalações com a finalidade inversa de substituição do
gás natural por gás propano, com uma complexidade, duração e despesa equivalentes.
P) Com o embargo provado em M), a requerida L. […] S.A., viu-se privada desde então de ter os lucros provenientes do fornecimento de gás natural a
pelo menos 20 das 34 fracções habitacionais do imóvel.
2.2.2. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
1) Ao agir como agiram, deixando passar os prazos legais de impugnação da deliberação do respectivo Condomínio e vindo posteriormente a embargar uma obra que mais não é do que um acto de execução da referida deliberação, os Requerentes agiram em manifesto e gritante abuso do direito (cf. art. 334° do CC), na modalidade de venire contra factum próprio.
2) De facto, e apesar da posição assumida pelos Requerentes em sede de Assembleia de Condóminos, contrária à deliberação que veio a ser tomada nessa mesma Assembleia, a sua posterior decisão de não impugnar tal deliberação através de qualquer dos meios previstos no art. 1433° do CC gerou nos restantes condóminos e nas duas Requeridas a legítima expectativa de que os Requerentes se haviam entretanto conformado com o teor da referida deliberação e que não se oporiam ao à sua execução.
3) Atenta a natureza objectiva do instituto jurídico do abuso do direito, a que se refere o art. 334° do CC, é irrelevante para o caso sub judice, não sendo necessária para que se venha a concluir pelo exercício
abusivo, por parte dos Requerentes e no caso em apreço, do seu direito de embargo extrajudicial de obra nova, a alegação ou a prova de um qualquer intuito fraudulento ou enganoso por parte dos Requerentes, bastando antes à Recorrente demonstrar, como salvo o devido respeito salta à evidência, o carácter objectivamente contraditório da sua actuação.
4) Não sendo os Requerentes proprietários das fracções autónomas habitadas pelos seus vizinhos, mas apenas comproprietários das partes comuns do edifício (cf. art. 1420°, n.° 1, do CC), só relativamente a estas poderão os mesmos ter pretendido exercer o seu direito de embargo.
5) Sendo o embargo feito pelos Requerentes na qualidade de comproprietários das partes comuns do edifício, toma-se evidente que tal actuação não pode ser tratada como um facto independente ou sequer autónomo relativamente à relação jurídica de condomínio e de propriedade horizontal que liga os Agravados aos restantes condóminos e à Administração Co-Requerida, porque a instalação de gás do edifício é uma parte comum do referido edifício, sujeita ao regime jurídico da propriedade horizontal, e muito concretamente ao disposto nos arts. 1430° e segs do CC no que respeita à sua administração.
6) Ao contrário do que se pretende na douta sentença recorrida, não existe qualquer norma legal que imponha que a intervenção da Administração do Condomínio passasse pela "contratação" com a Agravante dos actos materiais concretos, e muito menos de todos e cada um deles, a realizar no âmbito da operação de conversão da
instalação de gás de um edifício para o consumo de gás natural canalizado.
7) Está demonstrado que os actos a realizar são simples e facilmente reversíveis, e que a Agravante se comprometeu a suportar os respectivos custos (cf. alíneas H), l), N) e O), todas dos factos dados como indiciariamente provados na douta sentença recorrida), pelo que é manifesta a sua insusceptibilidade de prejudicar os condóminos.
8) Com efeito e atendendo a que, como já acima referido, está demonstrado que os actos a realizar na obra embargada são simples e facilmente reversíveis, e que a Agravante se comprometeu a suportar os respectivos custos (cf. alíneas H), l), N) e O), todas dos factos dados como indiciariamente provados na douta sentença recorrida), sendo por isso manifesta a insusceptibilidade desses actos para prejudicar os condóminos, e considerando também os crescentes prejuízos que a manutenção do embargo causa à Agravante (cf. al. P) dos factos dados como indiciariamente provados na douta decisão recorrida), impõe-se concluir que estão reunidos todos os requisitos
exigidos pelas previsões dos arts. 419°, e 387°, n.° 2 e n.° 3, todos do CPC, para que se determine a procedência do pedido de autorização para continuação da obra embargada.
9) Ao contrário do sustentado na douta sentença recorrida, o argumento cronológico segundo o qual, nos termos do disposto no art. 419° do CPC, não poderá ser autorizada a continuação de uma obra que ainda
não se iniciou, é juridicamente irrelevante, pois o inicio ou não da obra embargada é por si só insusceptível de influenciar a ponderação de direitos e interesses que, como bem se refere na douta decisão recorrida, deve presidir à apreciação deste tipo de pedidos de autorização.
10) Além disso, uma interpretação igualmente literal e formalista do disposto no art.412º do CPC (e sobretudo no respectivo nº2, aplicado no caso em apreço) levaria à conclusão da pura e simples inexistência do embargo, por não poder ser embargada uma obra que ainda não teve início.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por douto acórdão que determine a improcedência da providência cautelar a que se referem os presentes autos ou, quando assim não se entenda, autorize a continuação da obra embargada.
2.2.3. Os recorridos contra-alegaram, concluindo nos seguintes termos:
1. A presente providência visou a ratificação um embargo extrajudicial de obra nova que foi efectuado pelos ora Agravados, no dia 14.12.2006, nos termos do
n.° 2 e 3 do art.412.° do CPC.
2. Pretende-se com presente providência cautelar, salvaguardar o direito de propriedade, de gozo e fruição plena dos Agravados sobre as suas fracções, o qual seria claramente ofendido, causando-lhe um grave prejuízo, se esta obra viesse a concretizar-se.
3. Bem sabem os Agravados que não são proprietários das fracções dos seus vizinhos, nem pretendem estes opor-se aos seus direitos de propriedade sobre
estas, tanto que, sempre se demonstraram disponíveis para encontrar outras soluções, como a construção de uma segunda conduta de gás que não alterasse o fornecimento que usufruíam até hoje.
4. Os Agravados nunca assumiram qualquer comportamento contraditório, uma vez que nunca se mostraram conformados com a decisão que lhe impediria de
usufruir do mesmo gás que sempre utilizaram nas suas fracções.
5. Pelo contrário, os Agravados sempre demonstraram a sua total discordância na forma como se pretendeu alterar a instalação gás nas fracções onde residem, tendo por isso, votado contra na assembleia invocada e tendo, desde então, questionado junto da Administração do Condomínio e da Agravante, a validade e a forma como procederiam a essa alteração, nunca tendo obtido qualquer resposta.
6. Por isso, é incompreensível e injustificada, a "legitima expectativa" que a Agravante refere nas suas alegações, quando os Agravados sempre alegaram e
demonstraram que a concretização da obra lhes iria causar um grave prejuízo aos seus direitos de propriedade, de gozo e fruição, tentando por todas as formas encontrar outras soluções junto da Administração de Condomínio, quer junto da Agravante.
7. É descabida a argumentação de que os Agravados tenham agido em manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
8. Os Agravados nunca exerceram uma posição jurídica contrária ao comportamento anteriormente assumido, nem nunca invocaram ou opuseram um vício causado por estes culposamente, vicio este, que a Apelante confiou que
nunca seria invocado.
9. Se algum comportamento contraditório há a apontar, esse é da parte da Agravante e da Administração do Condomínio, que ao demorarem mais de seis meses até à realização da obra, fizeram crer aos Apelados, que, face à
deliberação genérica e vaga aprovada, outra assembleia teria lugar para definir em que termos é que esta se faria.
10. Como refere e bem a douta sentença impugnada, a obra nunca poderia ter avançado nos moldes em que foi aprovada, uma vez que a deliberação não é
exequível por si, pois embora autorizada, nunca foi estipulado em que termos seria executada, nomeadamente quais os actos em que a mesma iria consistir,
que obrigações e direitos decorriam para as partes, bem como, sobre quem recairiam a responsabilidade da obra.
11. Não colhe a tese da Apelada de que uma contratação nestes termos estipularia formalismos rígidos e desproporcionais ao funcionamento eficaz do
condomínio, quando estas obras se encontram sempre sujeitas a um contrato de empreitada entre a empresa fornecedora de gás e Administração de Condomínio ou entre o empreiteiro do prédio, caso este ainda não esteja constituído em propriedade horizontal.
12. Contrariamente ao que a Apelante quer fazer crer, bastaria que a deliberação em causa tivesse sido aprovada, em termos concretos e rigorosos, devidamente
apoiada num caderno de encargos, e não seria necessário, para cada acto material a realizar no âmbito da conversão da instalação de gás, convocar uma Assembleia de Condóminos e proceder à sua aprovação.
2.2.4. A questão essencial que importa apreciar no 2º Agravo consiste em saber se se verificam, no caso, os requisitos do embargo de obra nova, previstos no art.412, do C.P.C. (serão deste Código os demais artigos citados sem menção de origem).
O exame deste artigo mostra que são dois os requisitos:
1º - que o requerente seja titular de um direito;
2º - que esse direito tenha sido ofendido por obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo.
O embargo de obra nova destina-se, assim, a defender, designadamente, o proprietário contra a violação do seu direito de propriedade, produzida por obra nova a que alguém dê começo. O facto ofensivo do direito do requerente, que constitui a causa de pedir do embargo, reveste as seguintes características: que se tenha começado obra nova, que a mesma não esteja concluída e que cause ou ameace causar prejuízo ao direito de outro. É, pois, necessário que a obra, trabalho ou serviço tenha começado, mas que ainda não tenha terminado, caso contrário, o embargo não exerceria função útil, pois o que se pretende é que a obra se suspenda. Por outro lado, tem-se entendido que a ofensa do direito de propriedade importa, por si só, um dano jurídico justificativo do embargo (cf. Moitinho de Almeida, Embargo ou Nunciação de Obra Nova, 2ª ed., pág.31, e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, vol.II, 3ª ed., págs.64 e 65, bem como, os Acórdãos da Relação de Coimbra, de 8/1/91, C.J., tomo I, pág.42, e da Relação de Lisboa, de 14/1/76, C.J., tomo I, pág.195, citados por Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, 2ª ed., pág.246, nota 451, que faz ainda referência a Baptista Lopes, Procedimentos Cautelares, pág.141, que, em sentido contrário, defende ser necessária a verificação de um prejuízo efectivo).
No caso dos autos, provou-se que, em 29/6/06, em reunião da Assembleia de Condóminos, foi deliberada a instalação de gás natural, em substituição do gás propano, tendo os requerentes votado contra essa deliberação. Mais se provou que, em 14/12/06, pessoal de empresa da especialidade ao serviço de L. […] SA, estava junto ao prédio do Condomínio para realização da obra na instalação geral de gás do prédio e nas instalações de cada uma das fracções autónomas, necessária à substituição de gás propano por gás natural, incluindo o desligamento das válvulas de corte geral, que determinariam a cessação do fornecimento do gás propano. Provou-se, ainda, que, então, os requerentes intimaram o encarregado para que este não iniciasse a obra projectada, o que ele acatou.
Verifica-se, pois, que os requerentes fizeram directamente o embargo por via extrajudicial, tendo, após, requerido a ratificação judicial, que foi concedida. E é desta decisão que vem interposto o 2º Agravo.
Na decisão recorrida, considerou-se que o quadro de incerteza traduzido em não se saber qual o conjunto de actos em que a obra nova iria consistir, conjugado com a natureza manifestamente perigosa da actividade, bem como, com o demissionismo do Administrador do Condomínio na salvaguarda da instalação geral de gás, configuram objectivamente a ameaça de prejuízo do direito de propriedade dos requerentes, a persistir a realização da obra projectada com o grau de indefinição que decorre dos autos.
Vejamos.
Dúvidas não restam que, nos termos da lei, as instalações gerais de gás são comuns e, por isso, pertencem em compropriedade aos condóminos (arts.1420º, nº1 e 1421º, nº1, al.d), do C.Civil). Por outro lado, é sabido que, por deliberação não impugnada dos condóminos, foi aprovada a instalação de gás natural no prédio, em substituição do gás propano. Assim sendo, ocorre perguntar: onde é que, no caso dos autos, reside a ilicitude do facto? Que o mesmo é dizer: onde é que o facto ofendeu o direito de compropriedade dos requerentes? Note-se que o art.412º, nº1, começa, precisamente, nos seguintes termos: «Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum …». Isto é, não se basta, o procedimento cautelar em questão, com um justo receio de lesão do direito, antes se exigindo que a obra em realização já tenha ofendido o direito. No entanto, não se vê que, no caso sub judice, tal aconteça, uma vez que a obra em causa mais não pretendia do que concretizar aquilo que foi a manifestação de vontade do órgão competente - Assembleia de Condóminos -, através de deliberação que, por não impugnada, se tornou definitiva. Salvo o devido respeito, o facto de não se saber qual o conjunto de actos em que a obra nova iria consistir, bem como, a natureza eventualmente perigosa da actividade, e, ainda, o invocado demissionismo do Administrador do Condomínio, não traduzem circunstâncias que impliquem um qualquer juízo de ilicitude, relativamente à obra que se pretendia levar a cabo, sendo que, a ofensa não pode ser meramente potencial. E sempre se dirá que, no caso, a obra nem sequer tinha começado, pelo que, até por esse motivo, nunca poderia ter ocorrido uma ofensa efectiva ao direito de compropriedade dos requerentes.
Haverá, deste modo, que concluir que não se verificam os requisitos do embargo de obra nova, previstos no art.412º. Consequentemente, não havia que conceder a ratificação do embargo extrajudicial. O que significa que não pode manter-se o despacho recorrido, antes havendo que indeferir o requerimento de ratificação, embora por razões não totalmente coincidentes com as invocadas pelos recorrentes.
Assim, fica prejudicada a decisão da questão da autorização para continuação da obra, que, como é evidente, pressupõe o respectivo embargo (cf. os arts.419º e 660º, nº2, 1ª parte).
3 – Decisão.
Pelo exposto, nega-se provimento ao 1º Agravo e concede-se provimento ao 2º, revogando-se o despacho que julgou procedente a providência cautelar e indeferindo-se o requerimento de ratificação.
Custas pela agravante no 1º Agravo e pelos agravados no 2º.