FALTA DE ADVOGADO
ADIAMENTO
JULGAMENTO
Sumário

I - À luz do art. 155º do CPC, ocorrendo acordo prévio, baseado na auscultação dos mandatários antes da marcação de qualquer data para a diligência, a data encontrada torna-se desde logo definitiva.
II - Caso a marcação de data não tenha sido precedida dessa auscultação prévia, a data designada só se torna definitiva depois de decorrido o prazo de cinco dias previsto no nº 2 para os mandatários judicias proporem datas alternativas. O carácter provisório da designação de data para a diligência neste caso está bem patente no nº 3 do mesmo preceito.
III - Declarando os mandatários, no prazo de cinco dias, a sua disponibilidade para a data designada pelo juiz para a diligência ou nada dizendo, existirá, no primeiro caso, acordo expresso e, no segundo caso, acordo tácito quanto àquela data (artigo 217º nº 1 do Código Civil), precludindo o direito de apresentar novas datas e tornando-se a designada vinculativa para os mesmos.
IV - Distinguindo-se no adiamento da audiência de julgamento, com base em falta de advogado, a situação de o juiz ter providenciado pela marcação por prévio acordo com os mandatários judiciais, nos termos do nº 1 do artigo 155º, e aquela em que tal contacto prévio não aconteceu, esta última constituirá, sem mais, motivo de adiamento de acordo com o estabelecido na al. c) do nº 1 do artigo 651º.
V - A marcação sem prévia auscultação dos mandatários judiciais, mas com posterior acordo destes, expresso ou tácito, porque notificados para indicarem, querendo, dias alternativos no prazo de cinco dias, período durante o qual aquela marcação assumiu carácter provisório, tem de equiparar-se para efeitos de adiamento ao regime da marcação com prévio acordo, restringindo-se, nesse caso, a possibilidade de adiamento com fundamento na falta de advogado à hipótese de, tendo havido acordo na marcação, o advogado faltoso ter comunicado atempadamente ao tribunal – até à abertura da audiência – a sua impossibilidade de comparecer.
FG

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório:
Na presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, que J, Lda, intentou, em 31 de Maio de 2005, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa a contra I, Lda, agravou esta do despacho que indeferiu a arguição de nulidade da realização da audiência de julgamento sem a presença do respectivo mandatário, em vez de se proceder ao adiamento da mesma com tal fundamento, em virtude não ter havido acordo prévio com os mandatários judiciais, nos termos do disposto nos artigos 155º e 651º nº 1 al. c) do Código de Processo Civil, nulidade que é susceptível de influir no exame e decisão da causa.

O recorrente alegou, extraindo-se de tal alegação que a questão nuclear a decidir consiste em saber se, tendo ocorrido marcação de data para a realização de audiência de discussão e julgamento com posterior comunicação aos mandatários das partes para, querendo, se pronunciarem sobre a sua indisponibilidade para a data em causa, deve, no seu silêncio, realizar-se o julgamento, caso um deles venha a faltar, ou ser o mesmo adiado.

A autora contra-alegou, defendendo a bondade do decidido.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentos:
2.1. De facto:
Para o conhecimento do recurso releva a seguinte dinâmica processual:
a) a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, movida por J, Lda, contra I, Lda, foi intentada em 31 de Maio de 2005;
b) saneado o processo, foi proferido a fls. 90, em 20 de Junho de 2006, o seguinte despacho:
Para realização do julgamento, com videoconferência já agendada, designa-se o próximo dia 29 de Janeiro de 2007, pelas 10 horas, e não antes por indisponibilidade de agenda.
Cumpra-se o disposto no artº 155º do Cód. Proc. Civil.
Notifiquem-se os restantes intervenientes três meses antes da data agendada, nos termos do artº 1º do DL nº 184/00, de 10.08”;
c) os mandatários das partes foram notificados deste despacho, por carta expedida em 21 de Junho de 2006, de cujo modelo constava “Em caso de impedimento e mediante prévio acordo com os restantes mandatários, poderá, no prazo de 5 Dias, propor datas alternativas”, e nada disseram;
d) no dia e hora designados para a realização da audiência de discussão e julgamento - 29 de Janeiro de 2007, pelas 10 horas -, o mandatário da ré não se encontrava presente;
e) pelo que, aberta a audiência, foi proferido despacho com o seguinte teor:
Uma vez que não se encontra presente o Ilustre Mandatário da Ré, nem comunicou a este Tribunal a impossibilidade da sua comparência, decide-se proceder à realização da Audiência de Discussão e Julgamento, com gravação dos depoimentos (…), nos termos do disposto no artigo 651º, nº 5, do Código de Processo Civil”;
f) nesse mesmo dia 29 de Janeiro de 2007, pela 11.01 horas, o mandatário da ré comunicou ao Tribunal, via fax, “…que por motivo imprevisto e inadiável, apenas lhe foi possível a esta hora comunicar ao tribunal a sua impossibilidade de comparência na audiência de julgamento”;

2.2 De direito:
Está em causa neste recurso saber se existia fundamento legal para o adiamento da audiência de discussão e julgamento com base na falta de comparência do mandatário da ré, ora recorrente.
Fazendo apelo ao princípio da cooperação, estabeleceu-se a regra da marcação mediante prévio acordo de agendas com vista a facilitar a marcação de diligências, em particular da audiência final, cujo adiamento constituía uma das causas de estrangulamento do sistema com forte contributo para a morosidade processual.
Assim, quanto aos mandatários judiciais dispõe o artigo 155º n.º 1 do Código de Processo Civil (diploma a que se referirão todos os preceitos doravante citados sem menção expressa) que “A fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização mediante acordo prévio com aqueles, podendo encarregar a secretaria de realizar, por forma expedita, os contactos prévios necessários.”
Estabelecendo, por sua vez, o seu nº 2 “Quando a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar o facto ao Tribunal, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários.”
À luz deste regime legal, que é o actualmente vigente e aplicável ao caso em apreço, posto que a presente acção foi instaurada no ano de 2005, ocorrendo acordo prévio, baseado na auscultação dos mandatários antes da marcação de qualquer data para a diligência, a data encontrada torna-se desde logo definitiva.
Caso a marcação de data não tenha sido precedida dessa auscultação prévia, a data designada só se torna definitiva depois de decorrido o prazo de cinco dias previsto no nº 2 para os mandatários judicias proporem datas alternativas. O carácter provisório da designação de data para a diligência neste caso está bem patente no nº 3 do mesmo preceito, segundo o qual só se procederá à notificação dos demais intervenientes processuais após o decurso do referido prazo.
Declarando os mandatários, no prazo de cinco dias, a sua disponibilidade para a data designada pelo juiz para a diligência ou nada dizendo, existirá, no primeiro caso, acordo expresso e, no segundo caso, acordo tácito quanto àquela data (artigo 217º nº 1 do Código Civil) (1), precludindo o direito de apresentar novas datas e tornando-se a designada vinculativa para os mesmos.
Daí que, em qualquer dos casos, os mandatários judicias devam “comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença e que determinem o adiamento da diligência marcada” (artigo 155º nº 5).
O que significa que este regime tem reflexos nas causas de adiamento da audiência de julgamento previstas no artigo 651º, nos termos do qual, feita a chamada das pessoas que tenham sido convocadas, a audiência é aberta, só sendo adiada, no que respeita aos mandatários das partes, “Se o juiz não tiver providenciado pela marcação mediante acordo prévio com os mandatários judiciais, nos termos do artigo 155º e faltar algum dos advogados” (al. c)) ou “Se faltar algum dos advogados que tenha comunicado a impossibilidade da sua comparência, nos termos do n.º 5 do artigo 155º” (alínea d)).(2)
Fora destas circunstâncias, a falta de advogado não determina o adiamento da audiência, mas os depoimentos serão registados, facultando-se ao advogado faltoso a sua audição e eventual requerimento de nova inquirição da testemunha. Esta faculdade só é recusada quando o motivo da falta for julgado injustificado ou se, tendo havido acordo na marcação, o faltoso não tiver cumprido o dever de comunicar atempadamente a falta ao tribunal (artigo 651º nº 5).
Assim, distinguindo-se no adiamento da audiência de julgamento com base em falta de advogado a situação de o juiz ter providenciado pela marcação por prévio acordo com os mandatários judiciais, nos termos do nº 1 do artigo 155º, e aquela em que tal contacto prévio não aconteceu, esta última constituirá, sem mais, motivo de adiamento de acordo com o estabelecido na al. c) do nº 1 do artigo 651º.
Porém, a marcação sem prévia auscultação dos mandatários judiciais, mas com posterior acordo destes, expresso ou tácito, porque notificados para indicarem, querendo, dias alternativos no prazo de cinco dias, período durante o qual aquela marcação assumiu carácter provisório, tem de equiparar-se para efeitos de adiamento ao regime da marcação com prévio acordo, restringindo-se, nesse caso, a possibilidade de adiamento com fundamento na falta de advogado à previsão da al. d) do nº 1 do artigo 651º conjugada com o nº 5 do artigo 155º, ou seja, à hipótese de, tendo havido acordo na marcação, o advogado faltoso ter comunicado atempadamente ao tribunal – até à abertura da audiência – a sua impossibilidade de comparecer. (3) Esta solução encontra o mínimo de correspondência no texto legal e o escopo finalístico das referidas normas justifica a sua aplicação extensiva (artigo 9º do Código Civil).
Na verdade, em qualquer das situações, seja de acordo prévio, seja de acordo posterior à marcação da diligência pelo juiz - expresso ou tácito -, é dada aos mandatários judiciais oportunidade para articularem a sua agenda com a agenda do tribunal por forma a reduzir os indesejáveis adiamentos e agilizar a resposta dos tribunais.
Aliás, no preâmbulo do DL nº 183/2000, de 10 de Agosto, pode ler-se, relativamente ao adiamento das audiências de discussão e julgamento, o seguinte: “(…) No que concerne aos mandatários judiciais…, só existirá adiamento da audiência por falta de advogado se o tribunal não houver diligenciado a marcação da audiência por acordo ou se, tendo havido tentativa de marcação da audiência por acordo, o advogado comunicar atempadamente a impossibilidade de comparecer.”
No caso vertente, a audiência de discussão e julgamento foi marcada por iniciativa do Tribunal para o dia 29 de Janeiro de 2007, pelas 10 horas, mandando-se cumprir o disposto no artigo 155º. Os mandatários das partes foram notificados por carta expedida em 21 de Junho de 2006, de cujo modelo constava “Em caso de impedimento e mediante prévio acordo com os restantes mandatários, poderá, no prazo de 5 Dias, propor datas alternativas”, e nada disseram, pelo que deram tacitamente o seu acordo à data indicada, que se tornou definitiva.
No dia e hora designados para a realização da audiência de discussão e julgamento - 29 de Janeiro de 2007, pelas 10 horas -, o mandatário da ré não se encontrava presente, pelo que, aberta a audiência, foi proferido despacho com o seguinte teor:
Uma vez que não se encontra presente o Ilustre Mandatário da Ré, nem comunicou a este Tribunal a impossibilidade da sua comparência, decide-se proceder à realização da Audiência de Discussão e Julgamento, com gravação dos depoimentos (…), nos termos do disposto no artigo 651º, nº 5, do Código de Processo Civil”, o que veio a concretizar-se, conforme o documenta a respectiva acta.
Nesse mesmo dia 29 de Janeiro de 2007, pela 11.01 horas, isto é, depois de aberta a audiência, o mandatário da ré comunicou ao Tribunal, via fax, “…que por motivo imprevisto e inadiável, apenas lhe foi possível a esta hora comunicar ao tribunal a sua impossibilidade de comparência na audiência de julgamento”.
Perante este quadro factual tem de concluir-se que o mandatário da ré não deu cumprimento ao disposto no nº 5 do artigo 155º, pois só a comunicação da impossibilidade de comparecer ao Tribunal até à abertura da audiência poderia considerar-se “prontamente” feita e poderia conduzir ao adiamento pretendido.
Sem o cumprimento desse ónus de “comunicação pronta” ao Tribunal pelo mandatário da ré, não se verificou o pressuposto legal previsto na al. d) do artigo 651º susceptível de conduzir ao adiamento pretendido.
Logo, ao realizar-se a audiência de discussão e julgamento sem a sua presença não se cometeu a arguida nulidade ou qualquer outra de conhecimento oficioso, pelo que não merece censura o despacho recorrido, que deve manter-se.

2. Decisão:
Termos em que se acorda em negar provimento ao agravo e confirmar o despacho recorrido.
Custas pela agravante.

13 de Dezembro de 2007
(Fernanda Isabel Pereira)
(Maria Manuela Gomes)
(Olindo dos Santos Geraldes)
_________________________
1 - Neste sentido Ac. RL, de 7.11.2002, in CJ 2002, Tomo V, pág. 71, e Ac. RP, de 13.06.2006, in www.dgsi.pt/jtrp, Prcesso nº 0622143.
2 - Na redacção resultante do DL nº 183/2000 de 10/08, aqui aplicável.
3 - Ac. da RP, de 05.07.2006, in www.dgsi.pt/jtrp, Processo nº 0633808.