PENA SUSPENSA
PREVENÇÃO ESPECIAL
ANTECEDENTES CRIMINAIS
MOTIVO DO CRIME
Sumário

A suspensão da execução de pena prisão é inviável, por não satisfazer as necessidades de prevenção especial previstas no artigo 50º, nº 1, do Código Penal, quando o arguido tem antecedentes criminais muito significativos por crimes semelhantes e, sobretudo, quando as práticas criminosas em causa não se destinaram a assegurar a mera sobrevivência do delinquente, ou à satisfação de algum seu vício incontrolável, antes sendo motivadas por pura ganância, uma vez que tal dificulta extraordinariamente qualquer ensejo de reinserir socialmente o condenado, tendo em conta as características da sua personalidade.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Processo nº 1201/15.2JAPRT.P1
Data do acórdão: 17 de Janeiro de 2018

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem:
Comarca de Porto Este
Juízo Central Criminal de Penafiel

Sumário:
......................................................
......................................................
......................................................

Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B...;

I – RELATÓRIO
1. Em 9 de Junho de 2017 foi proferido nos presentes autos um acórdão condenatório que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido:
"Pelo exposto, atendendo às considerações expendidas e normas legais citadas, decide-se julgar parcialmente procedente, por parcialmente provados os factos descritos no despacho de pronúncia e, em consequência:
a. Absolver o arguido B..., como reincidente e em co-autoria com o arguido C..., da prática de 4 crimes de falsificação agravada de documento, p.p. pelos artigos 256º, nº 1, alíneas a), b), d) e f) e nº 3 e artigo 255º, alínea a) do Código Penal;
b. Absolver o arguido B..., como reincidente e em co-autoria com o arguido C..., da prática de 6 crimes de receptação, p.p. pelo artigo 231º, nº 1 do Código Penal;
c. Absolver o arguido B..., como reincidente e em co-autoria com o arguido C..., da prática de 6 crimes de burla qualificada, na forma tentada, p.p. pelos artigos 22º, 23º, nº 1, 217º, nº 1 e 2018º, n 1 do Código Penal;
d. Absolver o arguido B..., como reincidente e em co-autoria com o arguido B..., da prática de 8 crimes de falsificação de documento, p.p. pelos artigos 256º, nº 1, alíneas c), d) e f) e artigo 255º, alínea a) do Código Penal;
e. Condenar o arguido B..., pela prática, como autor material, de um crime de falsificação agravada de documento, p.p. pelos artigos 256º, nº 1, alínea a), b), d) e f) e nº 3 e artigo 255º, alínea a) do Código Penal (relativamente ao veículo de matrícula “..-..-OJ”), na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão; absolvendo-o da sua prática em co-autoria e como reincidente;
f. Condenar o arguido B..., pela prática, como autor material, de um crime de falsificação de documento, p.p. pelos artigos 256º, nº 1, alínea c), d) e f) e artigo 255º, alínea a) do Código Penal (relativamente registo do veículo de matrícula ..-EX-..), na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; absolvendo-o da sua prática em co-autoria e como reincidente;
g. Condenar o arguido B..., pela prática, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida p.p. pelo artigo 86º, nº1, c) da Lei 5/2006, de 23/2 [em concurso aparente com a alínea d) do mesmo preceito], na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
h. Em cúmulo jurídico das penas descritas em e), f) e g), condenar o arguido B..., na pena única de 3 (três) anos e 11 (onze) meses de prisão efectiva.
(…)
m. julgar improcedentes, por não provados os pedidos de indemnização civil formulados por D..., E... e F..., e, em consequência absolver os demandados/arguidos B... e C... dos mesmos.
n. Declarar perdidas a favor do Estado as armas e munições apreendidas, nos termos conjugados do artigo 109º, nº1, do Código Penal e do artigo 78º, nº1, da Lei nº5/2006, de 23/02, a entregar à PSP, após o trânsito em julgado do presente acórdão;
i. Determinar, após trânsito a entrega dos veículos ainda não entregues, aos seus proprietários, acompanhados da respectiva documentação, mediante prova nos autos da sua respectiva legalização.
ii. Determinar a entrega dos demais objectos apreendidos (que não documentação), nomeadamente telemóveis e cartões, aos seus proprietários.

2. Inconformado com a decisão condenatória, o arguido B... interpôs recurso da mesma, terminando a motivação de recurso com a formulação de trinta e oito conclusões que concretizam, somente, as seguintes questões:
a. A violação da presunção de inocência do arguido, tendo este sido condenado nos presentes autos não com base em meios concretos de prova produzidos em julgamento, mas com base nos seus antecedentes criminais;
b. Erro em matéria de direito, por não ter sido suspensa a execução da pena única em que foi condenado, em violação do disposto nos artigos 40º, 50º e 71º, todos do Código Penal.
3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. Notificado da motivação do recurso, o Ministério Público pugnou pela sua improcedência.
5. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer, extensivamente fundamentado – salientando, designadamente, a circunstância do recorrente nem sequer ter identificado os factos que impugna, nem indicando os meios concretos de prova que imponham decisão diversa, contrariando a exigência legal prevista no artigo 412º, números 3 e 4, do Código de Processo Penal e que as exigências de prevenção especial impõem a efetividade da pena de prisão aplicada, considerando o passado criminal significativo do arguido -, concluindo, igualmente, pela improcedência do recurso,
6. Não houve resposta ao parecer.

Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que os recorrentes extraíram da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
*
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
*
Das questões a decidir neste recurso:
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas – sem prejuízo de conhecimento de eventual questão de conhecimento oficioso – que sintetiza as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o thema decidendum:
a. A violação da presunção de inocência do arguido, tendo este sido condenado nos presentes autos não com base em meios concretos de prova produzidos em julgamento, mas com base nos seus antecedentes criminais;
b. Erro em matéria de direito, por não ter sido suspensa a execução da pena única em que foi condenado, em violação do disposto nos artigos 40º, 50º e 71º, todos do Código Penal.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A - Os factos processuais relevantes:
Considerando o objeto do recurso, tal como foi definido pelo recorrente, interessa recordar a fundamentação da decisão da matéria de facto pertinente ao recorrente, bem como a fundamentação jurídica da pena de prisão que lhe foi aplicada.
Extrato do acórdão recorrido – destacando-se a negrito algumas passagens mais impressivas relacionadas com o objeto do recurso -:
2- Fundamentação
2.1.- De relevante para a decisão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. Os arguidos em Março de 2015 procederam ao arrendamento de um armazém/oficina sito na Rua ..., nº .., em ..., Paços de Ferreira.
2. No dia 10 de Julho de 2015, os arguidos B... e C... constituíram a sociedade “G..., Lda”, de que são os únicos sócios gerentes.
3. O arguido B... utilizou os serviços prestados pela empresa transportadora “H..., Lda”, para transporte de viaturas de Portugal até Bruxelas.
(…)
5. O número de chassis original do veículo com a matrícula “..-EX-..” era ..................
6. Em data e local não concretamente apurados, procedeu-se à alteração de um veículo com características semelhantes ao descrito de 5. a 8., com o número de motor ........., O arguido B... detinha ainda um stand de Venda Automóvel, sito na Rua ..., ...., ..., Valongo.
7. O veículo Audi .., matrícula “..-EX-..” teve um sinistro grave em 11 de Setembro de 2014, do qual resultou a morte do seu condutor, tendo sofrido danos extensos e profundos, que afectaram gravemente a sua estrutura tendo a seguradora responsável considerado o veículo como perda total.
8. Na peritagem efectuada ao veículo aquando do acidente que sofreu a 11.09.2014, concluiu-se que a reparação do mesmo orçaria em €31.169,84, mas o seu valor comercial estimava-se em €14.334,00.
9. O referido veículo ficou na posse dos respectivos herdeiros, tendo sido registado em nome de I... Lda em 19.03.2015, e posteriormente registado em nome de J..., em 30.03.2015, com morada na Rua ..., nº .., ... Valongo, encontrando-se desde e com o nº de chassis original ................., apondo-lhe a matrícula “..-EX-..”, realizando o corte e extracção da zona de gravação do respectivo número de chassis original e substituíu-se, por recorte com a gravação ................ originalmente pertencente ao veículo descrito de 5 a 8.
10. O veículo referido em 9. encontrava-se na posse do arguido B..., pelo menos desde 10.07.2015.
11. O veículo de marca Toyota, modelo ..., de cor vermelha, com a matrícula “..-..-HB” foi furtado entre as 1h00 e as 07h00 do dia 24 de Agosto de 2015, na Rua ..., ..., Fafe.
12. O número do chassis original correspondente ao veículo referido em 11. é ................., sendo o número de série do motor ..........
13. Em data e local não concretamente apurados, foi rasurado o número do chassis do veículo descrito em 11. passando do mesmo a constar o nº ................. correspondente a um veículo de características idênticas mas com número de matrícula ..-..-JV.
14. Nos dias 27.08, 02.09 e 03.09 de 2015 o arguido B... estava na posse de uma viatura de marca Toyota, modelo ..., cor vermelha com matrícula aposta ..-..-JV.
15. Em data não concretamente apurada, o arguido B... contactou a empresa de H..., Lda, solicitando-lhe que realizasse o transporte de seis veículos até Bruxelas, entre eles o veículo Toyota ... com matrícula ..-..-JV, tendo os veículos sido carregados com destino a Bruxelas no dia 12.09.2015.
16. Em dia não concretamente apurado o veículo com matrícula ..-..-JV foi entregue à empresa K... em Bruxelas.
17. No dia 08.10.2015 foi apreendido pelas autoridades policiais belgas, no Porto de Antuérpia e tendo como destino os Camarões, um veículo, sendo este o descrito em 13., já com as alterações aí descritas.
18. O veículo de marca “Toyota” modelo “...” de cor verde, com a matrícula “..-..-MC” foi furtado entre os dias 23 e 27 de Agosto de 2015, em ..., Santo Tirso.
19. O número do chassis original correspondente ao veículo referido em 18. é ................., sendo o número de série do motor ..........
20. O veículo de marca Toyota ..., de cor verde, com a matrícula ..-..-NR foi interveniente em acidente de viação em 01.03.2014 sendo considerado pela seguradora L... como perda total.
21. Em data e local não concretamente apurados, foi rasurado o número do chassis do veículo descrito em 18. passando do mesmo a constar o nº .............. correspondente a um veículo de características idênticas mas com número de matrícula ..-..-NR.
22. Em data não concretamente apurada o arguido B... contactou a empresa de H..., Lda, solicitando-lhe que realizasse o transporte de seis veículos até Bruxelas, entre eles o veículo Toyota ... com matrícula ..-..-NR, tendo os veículos sido carregados com destino a Bruxelas no dia 12.09.2015.
23. Em dia não concretamente apurado o veículo com matrícula ..-..-NR foi entregue à empresa K... em Bruxelas.
24. No dia 08.10.2015 foi apreendido pelas autoridades policiais belgas, no Porto de Antuérpia e tendo como destino os Camarões, um veículo, sendo este o descrito em 21., já com as alterações aí descritas.
25. O veículo de marca “Toyota” modelo “...” de cor azul, com a matrícula “..-..-PX” foi furtado a 21 de Agosto de 2015, na Rua ..., Esposende.
26. O número do chassis original correspondente ao veículo referido em 25. é ................, sendo o número de série do motor ...........
27. Em data e local não concretamente apurados, foi rasurado o número do chassis do veículo descrito em 25. passando do mesmo a constar o nº ................. correspondente a um veículo de características idênticas mas com número de matrícula ..-..-MO.
28. A matrícula ..-..-MO encontra-se cancelada, tendo o arguido B..., em 30.06.2015 realizado seguro para o referido veículo.
29. No dia 08.10.2015 foi apreendido pelas autoridades policiais belgas, no Porto de Antuérpia e tendo como destino os Camarões, um veículo, sendo este o descrito em 27., já com as alterações aí descritas.
30. No veículo apreendido referido em 29. encontravam-se apostas na frente e na retaguarda as placas de matrícula regulamentares, em acrílico, com fundo branco e com a inscrição a preto dos caracteres “..-..-PX”.
31. Por baixo da referida matrícula, aposta na frente, encontrava-se outra placa de matrícula, igualmente de tamanho regulamentar, em acrílico, com fundo branco e com a inscrição dos caracteres “..-..-MO”, a qual se encontrava fixa com dois parafusos.
32. O veículo de marca Toyota modelo ..., de cor branca com a matrícula “..-..-EB” foi furtado entre as 20h30m de 20 de Setembro de 2015 e as 08h05 do dia 21 de Setembro de 2015, na Rua ..., na Guarda.
33. De forma não concretamente apurada o veículo descrito em 32. chegou à posse dos arguidos no dia 21.09.2015.
34. No dia 21 de Setembro de 2015, o arguido C... conduziu o veículo descrito em 32. até ao armazém sito na Rua ..., nº .., ..., Paços de Ferreira, tendo de imediato saído do mesmo apeado e acompanhado pelo arguido B....
35. O veículo de marca Toyota modelo ..., de cor verde com a matrícula “..-..-XT” foi furtado entre as 09h30m de 20 de Setembro de 2015 e as 09h30 do dia 21 de Setembro de 2015, na Rua ..., em Matosinhos.
36. No dia 21 de Setembro de 2015, o arguido C... conduziu o veículo descrito em 35. até ao armazém sito na Rua ..., nº .., ..., Paços de Ferreira, tendo de imediato saído do mesmo, apeado e acompanhado pelo arguido B....
37. O veículo de marca Toyota modelo ..., de cor branca com a matrícula “..-..-OJ” foi furtado entre as 23h00 do dia 22 de Setembro de 2015 e as 07h00 do dia 23 de Setembro de 2015, na Rua ..., em ..., Maia.
38. No dia 23 de Setembro de 2015 o arguido B... conduziu o veículo descrito em 37. até ao armazém sito na Rua ..., nº .., ..., Paços de Ferreira.
39. O número do chassis original correspondente ao veículo referido em 37. é ................., sendo o número de série do motor ..........
40. No local referido em 38., o arguido B... rasurou o número do chassis do veículo descrito em 37. passando do mesmo a constar o nº ..................
41. O veículo em causa, já com as alterações descritas em 40. mantinha-se no dia 02 de Dezembro de 2015, na Rua ..., nº .., ...., Paços de Ferreira.
42. No mesmo dia encontravam-se no interior do referido veículo duas placas de matrícula com os caracteres “..-..-JT”, correspondente a um veículo semelhante ao “OJ” registado em nome da Junta de Freguesia ..., que se encontra na posse do respectivo dono.
43. Desde pelo menos 1996, o arguido B... mantém um relacionamento amoroso com M... e, em data não concretamente apurada do ano de 2011, esta facultou-lhe fotocópia do seu bilhete de identidade;
44. Utilizando a cópia do documento pessoal de M..., o arguido B..., em dia não concretamente apurado, preencheu o requerimento de registo automóvel referente ao veículo “..-EX-..”, fazendo constar como sujeito activo (comprador/adquirente) a aludida M... e indicando como morada da mesma a Rua ..., n.º ..., ..., Valongo, onde aquela nunca residiu.
45. O arguido B... manuscreveu na parte destinada à assinatura do sujeito activo (comprador) o nome de M..., sem o conhecimento e o consentimento desta, com vista ao registo da propriedade da viatura de marca “Audi”, com a matrícula “..-EX-..”.
46. Com o referido requerimento assim preenchido e assinado, o arguido B..., sem o conhecimento e o consentimento de M..., apresentou-o no dia 8 de Setembro de 2015 na Conservatória do Registo Automóvel de Valongo, como se o mesmo tivesse sido legitimamente preenchido e assinado por M... e correspondesse à formalização de alguma transacção comercial efectivamente realizada por esta.
47. Por esta forma e porque convenceu os funcionários da Conservatória do Registo Automóvel de Valongo que o requerimento de registo de propriedade automóvel relativo ao veículo “..-EX-..” era legítimo e havia efectivamente sido preenchido e assinado por M..., o arguido B... conseguiu realizar tal registo e assim poder dispor livremente da respectiva viatura, continuando a dela usufruir como, aliás, já vinha fazendo desde pelo menos meados de Julho de 2015 até ser apreendida em 2.12.2015.
48. O arguido C..., em data não concretamente apurada, preencheu os requerimentos de registo automóvel, relativos aos veículos com as matrículas “..-..-GQ”, “..-..-FG”, “QQ-..-..”, “RO-..-..”, “IX-..-.., “..-..-GM”, “QN-..-..” e “QT-..-..”, utilizando o carimbo que detinha, sem o conhecimento e o consentimento dos legais representantes da sociedade “K...”, apôs a impressão do referido carimbo com os dizeres “K1...” em cada um desses esses oito requerimentos, no local próprio destinado à identificação e assinatura do sujeito activo (comprador/adquirente) e, em cima de tal impressão, uma rubrica ilegível, mas em tudo semelhante com aquela que consta das facturas de venda de fls. 804, 811 e 818, e apôs a sua assinatura no local próprio destinado à assinatura do sujeito passivo (vendedor).
49. No dia 2 de Dezembro de 2015, na habitação do arguido B..., sita na Rua ..., n.º ..., em ..., Valongo, foram encontrados os seguintes objectos: i) No quarto do arguido: 1 (uma) pasta, de cor preta, que se encontrava em cima da cama, contendo diversa documentação automóvel, entre a qual; 2 (duas) folhas pautadas com apontamentos relativos a reparações de veículos automóveis, existindo parcelas onde consta a inscrição “alteração de KLM” e valor-180; 1 (um) comprovativo de apresentação de “Registo inicial de propriedade, Transferência de Propriedade” para N... (companheira do arguido C...); 1 (um) caderno quadriculado, contendo na primeira folha, como título, os dizeres “Viagem a Bruxelas” e referências a várias datas, ordenadas cronologicamente e valores; e 2 (duas) cópias do contrato de arrendamento do prédio urbano sito na Rua ..., nº .., freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, em que o 1º outorgante é O... e os 2ºs são os arguidos B... e C..., sendo que tal contrato tem início a 1 de Março de 2015 e a duração de 5 (cinco) anos; 1 (um) computador portátil, da marca “HP”, modelo “...”, com o número de série “..........” e respectivo carregador, que se encontravam em cima da cama; 1 (um) telemóvel, de marca “Nokia”, com o número de série ............... e o respectivo carregador, que se encontravam na mesinha de cabeceira; um passaporte titulado por B..., que se encontrava na primeira gaveta da mesa de cabeceira do lado esquerdo, no qual constam diversas viagens a Bruxelas; 2 (dois) cartuchos de calibre 12, da marca “Melicor”, que se encontravam na primeira gaveta da mesa-de-cabeceira do lado esquerdo; 2 (duas) caixas de munições de calibre 6,35 mm, incompletas, das marcas “Geco” e “Sellier & Bellot”, contendo 66 (sessenta e seis) munições; 1 (uma) caixa incompleta contendo 60 (sessenta) munições de calibre 22; e 1 (um) saco plástico contendo 10 cartuchos, calibre 12, de várias marcas;
50. Na sala: 1 (uma) chave de viatura “Volkswagen”, com etiqueta plástica com a inscrição “.......”, que se encontrava num armário; 2 (duas) chaves de viatura “Audi”, com etiqueta plástica com a inscrição “.......”, que se encontravam num armário.
51. Na posse do mesmo arguido, B..., foi ainda, nessa ocasião, encontrado o veículo por ele utilizado, de marca “Audi”, modelo “..”, de cor cinzenta e com o chassis nº ................., ostentando a matrícula “..-EX-..”.
52. No interior do sobredito veículo “EX” encontravam-se os seguintes objectos: 1 (uma) rebarbadora, de marca “NUTOOL”, com um disco montado e interruptor de cor azul; e 1 (uma) arma de fogo, de calibre 6,35 mm, de marca “Browning”, prateada e com as platinas pretas, e o respectivo carregador, que se encontrava na bagageira, no interior de um saco plástico juntamente com artigos automóveis.
53. A arma descrita em 52. trata-se de 1 (uma) arma de fogo transformada, tendo por base uma pistola de alarme de origem alemã, da marca “Reck”, com o número de série ......, originalmente destinada apenas à deflagração de munições de salva, de calibre 8 mm Knall/8 mm-salva, mas posteriormente transformada em arma de fogo, de repetição semiautomática, capaz de disparar munições de percussão central de calibre 6,35 Browning (cal. 25 ACP), apresentando condições mecânicas e funcionais para disparar.
54. A transformação, de cariz artesanal, alterou o cano original e através da inserção de um outro, em aço, de alma estriada, com cerca de 55 cm de comprimento, a arma passou a ser de funcionamento semiautomático, com sistema de disparo por acção simples executiva, por percussão central, indirecta, por meio de cão.
55. Tem as dimensões de 11,5x9x2,5 cm (arma curta), possui acabamento prateado (niquelado) e platinas em plástico de cor preta, com o seu carregador original, e apresenta uma inscrição contrafeita com os dizeres “FN Browning CAL 6.35;
56. Nesse mesmo dia 2 de Dezembro de 2015, o arguido B... detinha no seu stand de automóveis, sito na Rua ..., nº ...., em ..., Valongo, os seguintes objectos; no escritório: diversa documentação automóvel, composta por originais e cópias de livretes, autos de contra-ordenação, correspondência, apólices de seguros e outros documentos diversos; 2 (dois) telemóveis, das marcas “Nokia” e “Alcatel”, com os IMEI’s ............... e ..............., respectivamente, ambos contendo inserido um cartão SIM da “Vodafone” nºs ............ e ............, respectivamente; 1 (uma) caixa de cartão SIM da “Vodafone”, referente ao n.º ..............; 8 (oito) chapas de matrícula, com a seguinte numeração: ........ (matrícula francesa); ........ (francesa e com o logotipo inscrito da “BMW”); 2 (duas) com a numeração ........ (matrícula francesa, uma de cor branca e outra amarela); ....... (matrícula espanhola); .......; e 2 (duas) com a numeração ........ (com a referência inscrita: ..........);
57. Ainda, no dia 2 de Dezembro referido, encontravam-se no armazém sito na Rua ..., n.º .., em ..., Paços de Ferreira, os seguintes objectos: 1 (um) veículo, de marca “Toyota”, modelo “...”, com o chassis nº ................”, sem ostentar qualquer chapa de matrícula; e 2 (duas) chapas de matrícula com o número “..-..-JT”, que se encontravam no interior do referido veículo, no habitáculo dos passageiros, correspondendo estas chapas de matrícula a um veículo da mesma marca e modelo, de que a Junta de Freguesia ... é dona desde 22/05/2000 e que foi objecto de furto em Novembro de 2011, mas depois recuperado, encontrando-se desde então na posse do seu respectivo dono;
58. Na habitação do arguido C..., sita na Travessa ..., nº .., 4º andar-traseiras, em Penafiel, este arguido detinha os seguintes bens: Na sala de estar: 3 (três) capas plásticas, contendo diversos documentos e papéis com anotações, entre os quais: 2 (dois) CMR’s da transportadora “H..., Ldª”, relativos a transporte de quatro veículos com destino a Bruxelas, sendo um, o carregamento efectuado em Paços de Ferreira e outro em ..., Paços de Ferreira; vários requerimentos de registo de propriedade relativos aos veículos com as matrículas “..-..-GQ”, “..-..-FG”, “QQ-..-..”, “RO-..-..”, “IX-..-.., “..-..-GM”, “QN-..-..” e “QT-..-..”; 1 (uma) capa plástica, contendo um “relatório de peritagem-avaliação de danos” ao veículo de matrícula “..-UM-..”, tratando-se um veículo salvado, cujo valor de reparação é de € 17.839,72.
59. No veículo utilizado pelo arguido C... encontravam-se os seguintes objectos: 1 (um) caderno, de capa preta, com diversas anotações, onde numa das páginas consta a referência a peças para veículo “Audi”, viagem a Alemanha, valor de 7.500+500 de peças, e referência a valores de peças e valor de quilómetros; e 1 (um) carimbo com a inscrição “K1...”.
60. Na posse do mesmo arguido, C..., foi ainda, nessa ocasião, encontrado um telemóvel, de marca “Nokia”, com o IMEI .............../.. e com o cartão da operadora “Meo” correspondente ao número ..........
61. O arguido B... ao actuar de acordo com o descrito em 40. sabia que a alteração dos números de chassis e de matrícula do veículo “OJ” lhe estava legalmente vedada, não se coibindo de proceder à referida alteração, sabendo que punha em causa a fé pública que tal elemento goza perante a generalidade das pessoas, pretendendo com tal conduta enganar terceiros e as autoridades através da circulação do veículo em circunstâncias aparentemente legais.
62. O arguido B... ao actuar da forma descrita de 44. a 47. bem sabia que o requerimentos de registo da propriedade automóvel não se baseava em qualquer transacção comercial realizada com os mencionados intervenientes e que fez constar no mesmo documento, imitando a assinatura destes intervenientes, sem o consentimento e contra a sua vontade, assim usufruindo da viatura “EX” eximindo-se das responsabilidades legais à mesma atinentes.
63. O arguido B... sabia que não possuía qualquer licença que lhe permitisse a detenção das munições supra descritas, tendo plena consciência que não as podia deter sem o indicado documento;
64. Mais sabia que a arma apreendida nos autos e supra descrita é insusceptível de registo e manifesto, uma vez que se trata de uma arma adaptada e transformada para permitir o disparo de munições reais de calibre 6,35 mm;
65. Actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que não tinha autorização para deter ou transportar a arma e munições descritas em 49. e 52 a 55. e que com tal conduta colocava em causa a segurança dos demais cidadãos;
66. Em todas as suas condutas o arguido B... agiu sempre de forma livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei.
67. O arguido B... é proveniente de um agregado familiar de humilde condição socioeconómica, constituído pelos pais e três irmãos.
68. O seu processo educativo, até cerca dos 8 anos de idade, foi conduzido essencialmente pelos avós maternos, atento o facto dos pais se encontrarem emigrados em França, decorreu de forma descrita como normativa.
69. O arguido concluiu o 6º ano de escolaridade com 11 anos de idade, tendo abandonado a escola por imperativos económicos, passando a auxiliar os pais que se dedicavam à agricultura de subsistência até por volta dos 16 anos.
70. Trabalhou na área da marcenaria, de forma regular até aos 22 anos, idade em que se autonomizou criando o seu próprio negócio nessa área, tendo, posteriormente, em paralelo iniciado empreendimentos no ramo automóvel.
71. O arguido tem dois filhos, ambos maiores, autónomos e a residir com a progenitora.
72. Em 2013, em regime de sociedade, o arguido criou uma empresa de venda de produtos alimentares no estrangeiro, tendo cessado actividade em 2014, alegadamente por dificuldades de adaptação ao trabalho.
73. Posteriormente, constituiu sociedade com o co-arguido C..., no sector da comercialização de veículos automóveis, importações e exportações de veículos, actividade que manteve até à data dos factos.
74. À data dos factos, tal como actualmente, o arguido reside com a mãe, sendo o relacionamento com esta avaliado como positivo, havendo proximidade relacional e afectiva, bem como apoio mútuo.
75. O arguido apresenta vontade de retomar a sua vida laboral no sector da marcenaria, com a criação de negócio próprio.
76. O arguido dispõe apoio da figura materna e dos irmãos, os quais têm desempenhado um papel relevante no seu equilíbrio emocional e na satisfação das necessidades do quotidiano.
77. Por decisão proferida a 30.04.2009, e transitada em julgado a 18.05.2009, no âmbito do processo 273/04.0JAPRT, foi o arguido condenado pela prática de 13 crimes de receptação, 19 crimes de falsificação ou contrafacção de documento, sendo 3 na forma tentada e 1 crime de burla qualificada, por factos datados de 1999 a 2005, na pena única de 8 anos de prisão.
78. No âmbito do processo identificado em 77. o arguido esteve detido entre 19 de Janeiro de 2006 e 22 de Fevereiro de 2010, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional no processo 3427/09.9TXPRT do 1º Juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto, até dia 18 de Janeiro de 2014, data em que foi declarada extinta a pena aplicada nos referidos autos.
79. Apesar de tal condenação e cumprimento de pena, nos termos descritos em 77 e 78 , o arguido B... praticou os factos fixados supra, em Setembro de 2015, prosseguindo com a intenção de falsificar documentos.
80. Por decisão proferida a 27.10.2016, e transitada em julgado a 12.12.2016, no âmbito do processo 613/15.6T9VLG, foi o arguido condenado pela prática de 1 crime de falsificação ou contrafacção de documento, por factos datados de 2015, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período.
(…)
2.2. Matéria de facto não provada
Nenhum outro facto constante da acusação e com relevância para a causa resultou provado, nomeadamente:
Em data não concretamente apurada, mas em meados de 2014, os arguidos B... e C... urdiram conjuntamente um plano com vista a locupletarem-se com as avultadas quantias monetária que da sua execução prática derivariam.
Tal plano tinha por base a aquisição de automóveis danificados em consequência de acidentes de viação que os tornavam irrecuperáveis, vulgarmente designados por “salvados”, a preço muito baixo, assim como veículos furtados, que lhes eram entregues em circunstâncias não concretamente determinadas, mas sendo certo que ambos os arguidos conheciam a proveniência ilícita dos mesmos, e, aproveitando os respectivos elementos identificativos e peças, “construíam” novos veículos apondo-lhes os elementos identificativos dos veículos sinistrados adquiridos ou adaptando-os aos veículos furtados.
Desta forma, usando peças e componentes de veículos furtados e recorrendo aos veículos “salvados”, com características idênticas às dos veículos furtados ou adquirindo veículos furtados com características idênticas às dos veículos “salvados”, os arguidos B... e C... procediam à alteração das viaturas furtadas, por adulteração dos seus elementos identificadores, como o número do chassis, de matrícula e de motor, passando estas últimas a circular com os livretes, matrícula e número de chassis dos veículos salvados ou com as matrículas correspondentes a veículos que apareciam para venda nos sítios próprios da internet, tal como, no “OLX”.
Posteriormente, os veículos assim “construídos” ou “adaptados” eram introduzidos no mercado nacional e internacional e revendidos pelos arguidos a terceiras pessoas, através do estabelecimento de venda de automóveis pertencente ao arguido B... ou exportados para venda em diversos países africanos, ocultando os arguidos a adulteração realizada, ludibriando-as e, por esta via, as induzindo em erro ao comprarem tais veículos.
Assim, desde, pelo menos, meados do ano de 2014 até serem detidos, em 2 de Dezembro de 2015, os arguidos B... e C..., em conjugação de esforços e vontades e seguindo projecto comum que renovaram relativamente a cada um dos veículos infra referidos, dedicaram-se à compra/recebimento ilícito de veículos furtados e acidentados (salvados) em que foi considerada a perda total pela respectiva Companhia de Seguros, que posteriormente desmantelaram e falsificaram (quer ao nível físico, quer ao nível electrónico), utilizando, para tanto, três armazéns/oficinas, situados, um, na Rua ..., nº .., em ..., Valongo; outro, na Rua ..., nº ..., também em ... e um outro sito na Rua ..., nº .., em ..., Paços de Ferreira, onde estes procediam ao depósito, desmantelamento e viciação das respectivas viaturas.
Depois, os veículos assim adulterados os arguidos vendiam-nos a terceiros, quer no mercado nacional, quer internacional, sendo que adquiriam, alguns sabendo a proveniência ilícita e noutros adquirindo os “salvados”, veículos de características idênticas, e depois providenciavam pela aposição nestes dos elementos identificativos (matrículas e número de chassis) daqueles, sendo depois comercializados como se tratassem dos sinistrados após alegada reparação, quer em Portugal (onde o arguido B... possuía um stand de automóveis, em ..., Valongo), quer no estrangeiro, sendo que, neste caso, os veículos seguiam numa primeira fase para a Bélgica, por via terrestre e daqui por via marítima para países extra comunitários, tais como a Guiné e os Camarões, sendo o arguido C... o responsável pelo transporte e encaminhamento dessas mesmas viaturas até ao seu país de destino, por ser conhecedor da língua inglesa.
O aluguer descrito em 1. foi efectuado com o intuito de aí procederem à recepção e depósito de veículos furtados visando a alteração dos seus elementos identificadores a nível físico (gravação a frio no chassis) e alteração de matrículas.
Para além deste armazém, os arguidos utilizavam ainda outros dois para desenvolver a descrita actividade, um sito na Rua ..., nº ..., em ..., Valongo, e outro na Rua ..., nº .., também em ..., Valongo.
Os arguidos através da sociedade descrita em 2., procediam ao encaminhamento dos veículos furtados e já falsificados para o continente africano, sob a “capa” de mera exportação, utilizando, para o efeito, os serviços prestados pela empresa transportadora “K..., Lda.”
O arguido B... também comercializava os veículos e seus componentes depois de adulterados, no stand descrito em 4.
O descrito em 9. referente ao veículo “EX” foi efectuado pelos arguidos.
O veículo “HB”, no valor de cerca de € 7 000, foi no dia do furto adquirido pelos arguidos B... e C..., bem sabendo ambos que havia sido subtraído ao seu legítimo dono sem o seu conhecimento e contra a sua vontade, de tal modo que pelas 12.35 horas, o fazem entrar no armazém sito na Rua ..., nº .., em ..., Paços de Ferreira.
O descrito em 13. foi efectuado pelos arguidos.
Os veículos “HB”, “MC” e “PX” chegaram a Bruxelas a 17.09.2015, onde foram recebidos pelos dois arguidos, tendo pago, em numerário, o valor de €1.800.
Agiram deste modo os arguidos B... e C... porque pretendiam exportar os veículos “HB”, “MC” e “PX”, por via da Bélgica, para África (Camarões), com as características e alterações referidas, ocultando as alterações de que tais viaturas e assim ludibriando os eventuais compradores.
O veículo “MC”, no valor de cerca de € 6 000 foi adquirido pelos arguidos de modo concretamente não apurado, em data e por forma não concretamente apurada mas anterior a 17 de Setembro de 2015, bem sabendo os mesmos que havia sido ilicitamente subtraído ao seu legítimo dono.
Entretanto, dentro do lapso temporal entre o furto e 17.09.2015, os referidos arguidos adquiriram um veículo salvado com características idênticas e a que correspondia a matrícula “..-..-NR” e aproveitando os documentos relativos a esse veículo salvado, adulteraram o veículo “MC”, apondo-lhe os elementos identificativos no chassis constantes dos documentos do veículo salvado supra aludido.
O descrito em 21. foi efectuado pelo arguidos.
Os arguidos adquiriam o veículo “PX” sabendo da sua proveniência ilícita, nomeadamente que havia sido subtraído ao seu dono contra a sua vontade, em data e por forma não concretamente apurada mas anterior a 17 de Setembro de 2015.
O descrito em 27. foi efectuado pelos arguidos.
Os arguidos B... e C... adquiriram o veículo “EB” a 21 de Setembro de 2015, bem sabendo que tal viatura havia sido subtraída ao seu legítimo dono sem o seu conhecimento e contra a sua vontade.
O descrito em 34. tinha em vista nos termos que já se descreveram, ser posteriormente adulterado e de seguida comercializado a terceiros por ambos os arguidos, ocultando estes dos compradores o acima descrito.
Os arguidos B...l e C... adquiriram a viatura “XT”, que tinha o valor de €15.000,00, a 21 de Setembro de 2015, bem sabendo que tal viatura havia sido subtraída ao seu legítimo dono, sem o seu conhecimento e contra a sua vontade.
O descrito em 36. tinha em vista nos termos que já se descreveram, ser posteriormente adulterado e de seguida comercializado a terceiros por ambos os arguidos, ocultando estes dos compradores o acima descrito.
Por meio concretamente não apurado, mas sabendo os arguidos que tal viatura havia sido subtraída do seu dono contra a sua vontade, os arguidos B... e C... adquiriram no dia 23 de Setembro de 2015 o veículo “OJ”, que tinha o valor de €6.000,00.
O descrito em 38. e 40. foi efectuado no âmbito e no contexto do acordo e plano entre ambos os arguidos estabelecido e tinha em vista a posterior comercialização do veículo a terceiros, por ambos os arguidos, ocultando estes dos compradores a adulteração havida.
Os arguidos B... e C... urdiram um plano com vista a obterem vantagem patrimonial e a poderem, de forma insuspeita, escoar internacionalmente os veículos que adulteravam da forma supra descrita e obterem vantagem patrimonial ilícita.
O descrito de 44. a 48. foi efectuado na execução do plano descrito em AA.
Os arguidos B... e C... bem sabiam que os requerimentos de registo da propriedade automóvel não se baseavam em qualquer transacção comercial realizada com os mencionados intervenientes e que fizeram constar nos mesmos documentos, imitando as assinaturas destes intervenientes, sem o consentimento e contra a sua vontade.
Os arguidos B... e C... ao adquirirem os veículos acima aludidos agiram com perfeito conhecimento que os mesmos eram de proveniência ilícita, bem sabendo e conhecendo as características de tais veículos e as condições inerentes à respectiva compra e venda, realizando tais aquisições sem acompanhamento dos respectivos documentos e com uma manifesta discrepância de valores em relação ao valor real de mercado.
Os arguidos B... e C... sabiam que a alteração dos números de chassis e de matrícula dos veículos lhes estava legalmente vedada, não se coibindo de proceder à referida alteração dos elementos de identificação dos veículos adquiridos nas circunstâncias descritas, principalmente ao nível dos dados de identificação do chassis, motor e matrícula punham em causa a fé pública que tais elementos gozam perante a generalidade das pessoas, pretendendo com tais condutas enganar e prejudicar os terceiros adquirentes dos veículos assim adulterados, obtendo desta forma um benefício ilegítimo.
Além disso, ao colocarem nos referidos veículos, na parte a tanto destinada, matrícula diversa daquela que lhes estava legalmente atribuída pelos órgãos estatais competentes, apesar de terem plena consciência que a matrícula se traduz num elemento essencial para a identificação de cada veículo por ser atribuída individualizadamente a cada um, sabiam que prejudicavam a fé pública devida e que é intrínseca aos documentos e à respectiva valoração identificativa, e bem assim que colocavam em perigo a segurança do tráfico comercial.
Ao actuar do sobredito modo, os arguidos B... e C... tinham plena consciência que lesavam o Estado português e bem assim todos aqueles a quem pretendiam vender os veículos adulterados ao comercializá-los e colocando-os nos circuitos comerciais com vista à sua venda, actuando astuciosamente, fazendo crer que eram os legítimos donos dos sobreditos veículos e que os seus elementos identificativos correspondiam aos que lhes haviam sido legalmente atribuídos pelas autoridades competentes, só não logrando concretizar os seus intuitos por razões absolutamente alheias às suas vontades, visto as viaturas terem sido apreendidas pelas autoridades policiais.
Os arguidos agiram sempre em comunhão de esforços e vontades, de acordo com projecto comum por todos aceite, com o único intuito de obterem avultadas vantagens patrimoniais e desejando tal objectivo, que sabiam não lhes serem devidas.
Actuaram sempre livre, voluntária e conscientemente, na execução de um plano previamente elaborado, em conjugação de esforços e intentos, com vista a obterem enriquecimento, que sabiam não ser legítimo, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e sancionadas por lei.
A conduta dos arguidos/demandados foi causa directa e necessária do descrito de 93 a 109.
O arguido C... apenas teve o primeiro contacto comercial com o arguido B... no segundo trimestre de 2015.
O arguido C... foi convidado para fazer parte da empresa que já existia de facto tendo sido exigência sua a legalização da mesma.
A sociedade constituída pelos arguidos não tinha por fito a realização de qualquer actividade ilícita nem nunca o arguido C... suspeitou de nenhum facto que indicasse tal actividade.
O arguido C... não tinha acesso ao armazém/oficina do arguido B... sita em ..., Paços de Ferreira, sem ser com na companhia do co-arguido B....
Nas raras ocasiões em que lá esteve o arguido C... viu que o referido armazém/oficina albergava cerca de 12 viaturas todas angariadas e pertencentes ao Senhor B..., desconhecendo a proveniência das mesmas e qualquer prática de actos ilícitos alegadamente praticados no seu interior.
O arguido C... desconhece a existência de outros armazéns/oficinas, nomeadamente os demais descritos na acusação.
O arguido C... não tinha consciência de que estava perante viaturas com elementos identificadores adulterados, apenas recebendo automóveis que eram adquiridos pelo seu sócio sujos elementos identificadores estavam correctos.
O carimbo da K... que foi apreendido ao arguido C... foi-lhe entregue pelo legal representante da referida empresa, pois quando uma viatura é importada surge a necessidade de cancelar a matrícula, o que se faz em Portugal, pelo que assim fizeram como forma de facilitar o processo, o que também demonstra a confiança depositada no arguido C....
(…)
2.3- Fundamentação da matéria de facto
O tribunal fundou a sua convicção na totalidade da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, ponderando a prova pericial junta aos autos, documental (incluindo escutas telefónicas efectuadas, relatórios de vigilâncias e diligências externas, autos de busca e apreensão), declarações do arguido C... (na parte em que quis prestar declarações) e depoimentos das testemunhas inquiridas, tudo analisado com base em critérios de experiência comum.
Antes de mais, quanto ao aluguer do armazém de ..., por ambos os arguidos, tal foi confirmado pelo arguido C..., em sede de audiência de discussão e julgamento. De qualquer forma, tal foi igualmente confirmado pelo proprietário S..., mecânico o qual esclareceu que o negócio foi efectuado através do seu filho. Assim, o filho desta testemunha, O... descreveu o negócio que foi efectuado, esclarecendo que tudo foi tratado inicialmente com o arguido B..., sem prejuízo de, posteriormente, lhe ter apresentado o arguido C..., como seu sócio, não tendo qualquer dúvida que o negócio foi efectuado com ambos. Mais estas testemunhas descreveram como auxiliavam, os arguidos em alguns trabalhos que eram efectuados na oficina, na área de mecânica, afirmando O... que, pelo que entendia, faziam reparações em carrinhas, naquele local, para serem posteriormente revendidas. Foi igualmente valorada a informação de fls. 1985 (vol. 6º) dos autos.
Já quanto à criação da sociedade (G..., Lda) entre os arguidos foi valorada a certidão de registo comercial de fls. 943-944 (vol. 3º). Também a testemunha de defesa comum a ambos os arguidos, P..., esclareceu que a sociedade tinha em vista legalizar uma relação que existia de facto entre os dois arguidos e ele próprio (sendo certo que a testemunha não ficou a constar da mesma uma vez que se encontrava insolvente), de exploração de um stand, retomas e vendas de veículos. O depoimento desta testemunha foi relevante igualmente no facto de afirmar que sabia que entre os arguidos existiriam negócios de exportação de viaturas automóveis. Também Q... referiu que já tinha tido negócios de exportação de viaturas com o arguido C... e sabia que, há data o mesmo continuava nesse ramo de negócio, com o arguido B....
Quanto ao descrito relativamente ao veículo onde foi aposta a matrícula “..-EX-..”, a convicção do tribunal baseou-se na análise do relatório completo junto aos autos pela companhia de seguros T... (fls. 121 e seguintes), sendo que do mesmo consta o valor da reparação e o valor venal (fls. 123 – vol. 1º), bem como a conclusão que o mesmo foi considerado como perda total. Relativamente aos registos de propriedade do veículo em causa, resultam os mesmos da análise do documento de fls. 219 (vol. 1º). Já no tocante às alterações efectuadas no veículo, nº de matrícula, nº de motor e respectivos nºs de chassis, resultam tais factos indubitáveis face à peritagem constante de fls. 1910-1913 (vol. 6º) e das fotografias juntas ao relatório pericial da companhia de seguros, nomeadamente a fls. 159 e 206 (vol. 1º).
A posse do veículo identificado em 9. pelo arguido B..., pelo menos desde 10.07.2015 resulta clara face ao relatório de diligência externa e respectivas imagens, juntas aos autos a de fls. 13 e seguintes do anexo I, Volume I, nas quais é visível o arguido B... com a referida viatura, tratando desta e conduzindo-a. Importa ainda realçar o facto de M..., namorada do arguido, bem como as testemunhas que conheciam o arguido B... e foram ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, confirmaram que era esta a viatura com a qual o arguido habitualmente se deslocava.
Quanto ao registo de propriedade em nome de M... resulta tal facto da análise dos documentos de fls. 1819 e 1962 (vol. 6).
Quanto aos veículos de matrícula “..-..-HB”, “..-..-MC” e “..-..-PX” a prova dos factos supra fixados resulta desde logo dos autos de notícia de fls. 920, 805-806 e 914-919 (vol. 3º) dos autos, das declarações dos ofendidos F..., E... e U... prestadas em sede de audiência e julgamento, não restando dúvidas ao tribunal que os mesmos foram furtados nas circunstâncias descritas. Quanto à apreensão dos veículos em causa e viciação dos seus elementos identificativos, não resultam quaisquer dúvidas ao tribunal face aos documentos das autoridades belgas de fls. 831 (vol. 3º) – quanto ao veículo “HB”, 830 (vol. 3º) – quanto ao veículo “MC” e 829 (vol. 3º) - quanto ao veículo “PX”, bem como das perícias efectuadas constantes de fls. 2089 e seguintes (vol. 7) – quanto ao “HB”, 2083 e seguintes (vol. 7º) – quanto ao “MC” e 1566 e seguintes (vol 5º) – quanto ao “PX.”
No que a estes veículos concerne, porque constante da acusação, importa apenas referir não há prova do valor dos mesmos, já que, quanto ao veículo “HB” – F..., só diz quanto gastou na sua recuperação; quanto ao veículo “MC”, E... assume que disse o valor de €6.000 a €7.000, mas não tem a certeza; e quanto ao “PX”, V..., marido de U... valeria cerca de €7.000, sendo que se considerou insuficiente a prova do valor quanto a qualquer um dos veículos, nos moldes descritos na pronúncia.
Aqui chegados, se é certo que o veículo com características idênticas ao em causa nos autos e com a matrícula “..-..-JV” se encontrava na posse dos arguidos nos dias supra referidos (cfr. imagens de fls. 143-147, 217-234 do anexo 1, volume 1), não são visíveis as imagens da entrada de veículo idêntico com a matrícula “..-..-HB” no armazém ..., já que de fls. 57-60 do mesmo anexo e volume apenas se vê a frente de uma viatura vermelha não sendo perceptível a matrícula.
Nenhuma prova é feita quanto à posse pelos arguidos do veículo “MC” ou já com a matrícula “..-..-NR”, nem do veículo “..-..-PX” ou já com a matrícula “..-..-MO”, não constando das imagens constantes do anexo I qualquer indicação a esse efeito.
Quanto ao transporte dos veículos com a matrícula “..-..-JV” e “..-..-NR” para a Bélgica e a sua entrega à empresa descrita, tão pouco restam dúvidas face aos documentos de fls. 1098-1099 (vol. 4) e ao depoimento da testemunha Q... que confirmou o contacto do arguido B... nesse sentido. Mais confirmou a entrega referida e o pagamento, sendo que não logrou precisar quem efectuou esse mesmo pagamento, apenas confirmando o total do recebimento constante da factura de fls. 1099, esclarecendo que, o pagamento usualmente é feito no acto da entrega (neste caso na K... em Bruxelas).
Quanto ao veículo com matrícula aposta “..-..-MO” não existe sequer prova da sua expedição para Bruxelas através da sociedade em causa. No que se refere a este mesmo veículo e ao facto de ter apostas ambas as matrículas descritas, sobrepostas com parafusos, resulta do auto de exame directo de fls. 959 (vol. 3º), sendo que da perícia supra referida (fls. 1566 e seguintes - vol. 5º) resulta que a placa de matrícula “..-..-PX” se encontrava no interior do veículo.
No mais, desconhecendo o tribunal o sucedido aos veículos, principalmente desde a sua entrega em Bruxelas até à sua apreensão em Antuérpia, sendo certo que os veículos entregues em Bruxelas tinham matrícula mas desconhecendo-se o nº do chassis neles, não podia o tribunal concluir por outra forma que não a supra exposta relativamente aos factos dados como provados e não provados.
No que respeita aos factos atinentes ao veículo “..-..-EB” e “..-..-XT”, resultam os mesmos desde logo dos autos de notícia juntos a fls. 740-742 e de fls. 743-745, respectivamente, bem como das declarações dos ofendidos D... e W..., não restando quaisquer dúvidas quanto aos furtos dos mesmos nas circunstâncias supra fixadas, Quanto ao mais, nomeadamente no que se refere à posse dos veículos em causa pelos arguidos e condução dos mesmos pelo arguido C..., resultam tais factos dos relatórios de diligência externa e fotogramas juntos a fls. 33 a 42 e 43 a 53 do Anexo I, volume II.
Quanto ao veículo de matrícula “..-..-OJ” os factos referentes ao furto do mesmo resultam do auto de notícia de fls. 989 e ss (3º vol.), bem como das declarações do ofendido X....
No que respeita à posse do veículo pelo arguido B... no dia 23.09.2015 a convicção do tribunal baseou-se nos autos de diligências externas e fotogramas de fls. 75 a 86, do anexo I, volume II.
Quanto à apreensão do veículo “OJ” e viciação dos seus elementos identificativos, não resultam quaisquer dúvidas ao tribunal face ao auto de apreensão e perícia efectuada – cfr. fls. 1865 ss (vol. 6º).
Fundamental foi igualmente a análise do auto de exame directo do veículo “OJ” junto a fls. 1809-1813, bem como o documento de fls. 1814 os quais formaram a convicção do tribunal de que a viatura a que corresponde a matrícula ..-..-JT se encontrava registada em nome da Junta de Freguesia e esteve sempre na sua posse.
Quanto ao local onde se encontrava a viatura descrita de 38. a 44. e as chapas de matrícula referidas em 44. (no interior da viatura) não restam dúvidas ao tribunal face ao auto de busca e apreensão de fls. 1060 e seguintes (vol. 4º).
Ora, face ao supra exposto, não restam dúvidas ao tribunal que foi o arguido B... quem rasurou os elementos identificativos do veículo “OJ” nos termos fixados de 37. a 40. dos factos provados. Com efeito, é esta a única conclusão possível face à prova produzida e as regras de experiência comum. É verdade que não é visível o procedimento material de adulteração deste veículo pelo arguido B..., mas se tal fosse exigível, nunca haveria crime se não quando os arguidos fossem apanhados em flagrante delito. Na verdade, temos como certo que o mesmo entrou no armazém/oficina em causa com a viatura (tendo a matrícula “OJ” aposta na mesma) no próprio dia do furto da mesma, sendo que tal viatura de lá mais não saiu até ao dia em que foi apreendida, já viciada nos termos supra explicitados. O arguido B... foi único que teve sempre na disponibilidade quer o veículo quer a oficina, pelo que, apreciando a prova no seu conjunto não restam dúvidas ao tribunal de que os factos ocorreram tal como fixados supra, no que à viatura “OJ” concerne. Mais não podemos olvidar que foi apreendida na viatura do arguido B... uma rebarbadora, o que, sem os demais elementos de prova não é suficiente para concluir pela adulteração dos veículos efectuada pelo arguido B..., mas que deve também ser ponderada como mais um factor que prova que foi o mesmo quem efectuou as adulterações do “OJ”, já que, para além do supra exposto, tinha os meios à sua disposição.
Ainda no que se refere às alterações efectuadas nos veículos descritos e aos factos a tal matéria atinente supra fixados, importa analisar os depoimentos sérios isentos e credíveis de Y..., Z... e AB..., proprietários dos veículos com as matrículas “..-..-MO”, “..-..-NR” e “..-..-JV”. Deste modo, Y... esclareceu que comprou a viatura “MO” num leilão, com o fito de a revender, tendo-a levantado em Oliveira do Hospital e, posteriormente, exportado para a Bélgica. Mais esclarece que cancelou a respectiva matrícula com base no CMR da Bélgica, após a sua entrega. Por seu turno, Z... confirma a compra da viatura “NR”, pela internet, tendo ido buscá-la a Lisboa em Agosto de 2015, mantendo, desde então e até à actualidade, a mesma em sua posse. Por fim, AB... que confirma ter comprado a viatura ..-..-JV, mantendo, ainda a propriedade da mesma, bem como os respectivos documentos, assegurando que a tem levado à inspecção e nunca teve qualquer tipo de problema.
Face a tudo o exposto, forçoso será concluir que no que toca à viciação dos veículos apenas temos prova da conduta do arguido B... relativamente ao veículo de matrícula “OJ”. Na verdade, apenas relativamente a este veículo temos uma linha cronológica que nos permite, sem dúvida, concluir pela prática dos factos imputados ao arguido.
Quanto aos demais veículos importa referir que não ficou o tribunal convencido que os arguidos não actuaram nos termos que lhes eram imputados na pronúncia, mas manteve-se a dúvida insanável, suficiente e objectivável relativamente a tais condutas. Na verdade, no que se refere ao veículo “EX”, desconhecemos quando foi efectuada tal viciação, não sabemos em que condições o veículo adveio à posse do arguido B..., pelo que não podemos concluir ter sido este o autor daquela. Quanto ao veículo “HB” sabemos que o mesmo esteve na posse do arguido B... após o seu furto, mas desconhecemos como o mesmo lhe adveio, desconhecendo o sucedido nos três dias que mediram o seu furto e a posse provada do arguido B.... Mais, como supra exposto, desconhecemos o número de chassis aposto no mesmo aquando da expedição para Bruxelas bem como o sucedido entre a sua chegada aí e a sua apreensão em Antuérpia. No que a este ponto concerne, o mesmo sucede com os veículos “MC” e “PX”, sendo que, no mais, nunca sequer qualquer dos arguidos foi visto na posse dos mesmos.
Por fim, quanto aos veículos “EB” e “XT” muito se estranha que o arguido C... fosse visto a conduzir os mesmo no dia em que aqueles foram furtados, o certo é que, a partir desse momento (entrada no armazém/oficina de ...), perdemos a linha temporal, desconhecendo o momento em que foi efectuada a viciação, não sendo visível a saída das viaturas do local em causa com as “novas” matrículas apostas.
Assim, e no que a esta matéria concerne (viciação dos chassis e matrículas dos veículos “EX”, “HB”, “MC”, “PX”, “EB” e “XT”) se é certo que o tribunal não ficou convicto do total desconhecimento/alheamento por parte dos arguidos (ambos conhecedores das legis artis do seu ofício), dos factos constantes da pronúncia, é igualmente certo que não é a estes que importa provar a sua inocência, mas sim à acusação que impende o ónus de provar que os factos se passaram nos moldes imputados àqueles.
Na verdade, «O princípio “in dubio pro reo” pretende responder ao problema da dúvida na apreciação judicial dos casos criminais» (Cristina Líbano Monteiro, in Perigosidade de Inimputáveis e “in dubio pro reo”, Studia Iuridica 24, Coimbra Editora, 1997, pág. 9).
Em matéria de prova no âmbito do processo penal, vigora sempre o princípio, constitucionalmente consagrado, da presunção de inocência do arguido. Estabelece o artigo 32º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa que «Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa». Este preceito, englobando uma garantia, é de aplicação directa, nos termos do disposto no artigo 18º da nossa lei fundamental. No sistema penal português, de estrutura acusatória, a presunção de inocência é o ponto de partida do julgamento, constituindo a primeira, e mais relevante, garantia do arguido. Esta presunção apenas é contrariada quando a acusação logra fazer prova dos factos imputados ao arguido, de forma a não deixar dúvidas no espírito do legislador, relativamente à veracidade daquelas.
Ora, nos termos do raciocínio supra expendido, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não nos permite concluir por outra forma que não a supra exposta.
No que se refere aos factos atinentes ao registo de propriedade referente ao veículo “..-EX-..”, fundou o tribunal a sua convicção desde logo no exame pericial efectuado à letra do arguido B... (constante do documento junto a fls. 1962), que conclui como sendo muitíssimo provável que a assinatura em causa seja de autoria do mesmo (cfr. fls. 1952 a 1970 – vol. 6º). A tal acresce o depoimento da própria M..., a qual inicialmente começou por assegurar que a assinatura para o registo do Audi em causa era de sua autoria, como forma de proteger o seu namorado, arguido B..., tendo, posteriormente esclarecido, de forma emocionada que apenas assinou quatro documentos (nenhum dos quais referentes ao .. descrito nos autos) para permitir a compra de viaturas, sempre a pedido do arguido B..., tendo posteriormente assinado vários documentos para permitir a venda de viaturas que aquele tinha registado em seu nome, sem que a mesma de tal tivesse conhecimento ou aposto a sua assinatura como compradora (isto já depois de o carro .. ter sido apreendido). Mais confirmou que aquando das 4 assinaturas (as quais não incluem a documentação referente ao ..), forneceu-lhe o seu BI, bem como o facto de nunca ter residido em Valongo.
Já no que respeita aos factos fixados em 46. (utilização do carimbo da K... pelo arguido C...), resulta a convicção do tribunal, desde logo, da confissão, ainda que parcial, dos factos pelo arguido em causa. Deste modo, com clareza o arguido C... confirmou que tinha adquirido as viaturas descritas, e que constam dos documentos de fls. 1892 a 1899 dos autos, para exportação, o que fez, para a Bélgica. Mais confirma o carimbo utilizado nessa documentação, o que resulta igualmente do exame pericial de fls. 1889 e seguintes, bem como a assinatura aposta nos mesmos (também confirmado pelo exame pericial de fls. 2012 a 2018). O arguido esclareceu que, após a exportação das viaturas, não conseguia abater as matrículas, razão pela qual continuava, e continua, a ser responsável pelos impostos das mesmas. Após ter efectuado diversas diligências no sentido de resolver o problema - o que não conseguiu - mandou fazer o carimbo em causa, porque esta empresa era a que tinha adquirido as viaturas. No entanto, acabou por nunca apresentar estes documentos na Conservatória de Registo Automóvel, a conselho de um amigo, razão pela qual a mesma foi apreendida, em sua posse, tal como o carimbo em causa (cfr. fls. 1074-1075).
De forma clara e assertiva afirmou peremptoriamente que o co-arguido B..., nada tinha a ver com esta situação, assegurando que aquando das transacções referentes aos veículos em causa (que confirma serem as constantes dos requerimentos de registo automóvel de fls. 1892 a 1899), não conhecia o mesmo ou tinha acabado de o conhecer. Importa, também, realçar o facto de o arguido se mostrar agora conhecedor da atitude a ter nestas situações, esclarecendo que tem de guardar o documento que acompanha as viaturas que é o CMR, do transportador, juntando à cópia dos documentos da viatura.
Foi igualmente analisada toda a documentação junta respeitante às viaturas em causa, nomeadamente fls. 804, 811, 818, e documentos juntos em audiência de discussão e julgamento, dos quais resulta que as viaturas estavam registadas em nome do arguido C... (fls. 3494 e seguintes relativos aos veículos “..-..-EQ”, “..-..-FG” e “RO-..-..”; fls. 3516 e seguintes relativos ao veículo “QN-..-..”; e 3546 e seguintes, relativos aos veículos “QQ-..-..”, “IX-..-..”, “..-..-GM” e “QT-..-..”).
Quanto aos factos dados como não provados no que a esta conduta do arguido C... concerne, nomeadamente os factos atinentes à intenção subjacente à sua conduta, deu o tribunal os mesmos como não provados, já que não se logrou apurar que, na verdade, o constante dos documentos de registo não corresponde a transacções reais, efectivamente ocorridas entre este e a K.... Assim, e no que respeita a esta matéria, uma vez mais imperou o princípio do in dúbio pro reo (já supra explicitado), concluindo-se nos moldes supra expostos.
Foram igualmente valorados pelo tribunal os depoimentos claros e objectivos dos inspectores da Polícia Judiciária que intervieram na investigação em causa. Deste modo, AC..., AD... e AE... descreveram o por si percepcionado, bem como as diligências pelos mesmos efectuadas no âmbito dos presentes autos (vigilâncias, intercepções telefónicas, buscas e apreensões, análise documental).
Quanto aos factos fixados de 47 a 58, fundou o tribunal a sua convicção na análise e ponderação dos autos de busca e apreensão juntos aos autos, nomeadamente fls. 1008 a 1010 (4º vol.) referente à busca e apreensão efectuada em casa do arguido B...; fls. 1121 a 1126 (vol. 4º) referente à apreensão do veículo “..-EX-..” e bens aí encontrados; fls. 1016 e 1017 (vol. 4º) referente aos objectos apreendidos no stand sito na Rua ..., ...., ..., Valongo, os quais foram alvo dos exames directos constantes de fls. 1197 a 2005 (vol. 6); fls. 1060 a 1066 (vol. 4º) referente aos objectos encontrados e apreendidos na Rua ..., nº .., ..., Paços de Ferreira, realçando-se a apreensão do veículo descrito a fls. 1066 já referido; fls. 1074 a 1085 (vol. 4º) referente à apreensão dos objectos na residência do arguido C... e fls. 1133 referente ao telemóvel apreendido a este arguido.
Quanto aos factos dados como não provados referentes à intenção de os arguidos de exportarem, ou venderem a terceiros os veículos descritos, com as características e alterações referidas, ocultando as alterações de que tais viaturas e assim ludibriar os eventuais compradores, nenhuma prova foi efectuada no que a essa matéria concerne.
O mesmo acontece relativamente ao conhecimento por parte dos arguidos que os veículos haviam sido ilicitamente subtraídos aos seus legítimos donos e contra a sua vontade bem como à aquisição de salvados pelos arguidos.
Foi igualmente analisada e ponderada a restante prova documental no que a estes objectos concerne, nomeadamente os autos de avaliação como o de fls. 1845 e seguintes (vol. 6º).
Quanto aos telemóveis apreendidos foram igualmente levados em conta os exames de fls. 1132 (vol. 4º), 1478 (vol 5º) e 1796 (vol. 6º).
No que se refere às armas, munições e características das mesmas, importou a análise dos autos de exame de fls. 1128 a 1131 (vol. 4º) e de fls. 1560 a 1563 (vol. 5).
A matéria relativa às condições pessoais, familiares e sociais dos arguidos resultou das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento que, nessa matéria prestaram depoimentos isentos e credíveis, bem como das declarações dos próprios arguidos e relatórios sociais juntos devidamente analisados e contraditados (fls. 3345 e seguintes relativamente ao arguido B... e fls. 3528 e seguintes no que respeita ao arguido C...).
Os antecedentes criminais dos arguidos resultam seguros para o tribunal face aos CRC juntos a fls. 3130 e seguintes (arguido B...) e fls. 3232 e seguintes (arguido C...). Foi igualmente analisada a certidão de fls. 266 a 431 (vol. 1º).
No que se refere à matéria relativa aos pedidos de indemnização civil, formou o tribunal a sua convicção com base nos documentos juntos aos mesmos, bem como da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, já que as testemunhas depuseram de forma clara e segura no que a tais factos concerne – AF... e AG... (relativamente ao veículo “EB”); AH..., AI..., AJ... e AK... (quanto ao veículo “HB”).
O supra exposto e a total ausência de prova determinou que se desse como não provada a restante factualidade.
*
3- Enquadramento Jurídico
3.1. – Do crime de falsificação de documento e de falsificação agravada de documento
(…)
4- Da medida concreta da pena
Feito o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, resta proceder à escolha e determinação da medida concreta da pena.
O crime de falsificação agravada de documento, nos termos do artigo 256º, nº 1, alínea a), b), d) e f) e nº 3 e artigo 255º, alínea a) do Código Penal, pelo qual o arguido B... deverá ser condenado nos termos do raciocínio supra expendido (referente ao veículo “OJ”), é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com multa de 60 a 600 dias.
O crime de falsificação de documento, p.p. pelo artigo 256º, nº 1 alíneas c), d) e f), pelo qual o arguido B... deverá ser condenado (referente ao registo do veículo “EX”) é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.
Por seu turno o crime detenção de arma proibida, nos termos do artigo 86º, nº 1 alíneas c) e d) da Lei 5/2006, de 23.02, pelo qual o arguido B... deverá ser condenado, nos termos do raciocínio supra expendido, é punido com pena de 1 a 5 anos de prisão ou multa até 600 dias.
O despacho de pronúncia, refere a figura da reincidência relativamente ao arguido B....
No Código Penal, a reincidência assume unicamente a natureza de uma causa de agravação da pena, avultando aí a “vertente da culpa agravada do agente”, cujo fundamento se encontra “no desrespeito ou desatenção do agente”, pela advertência contra o crime que constitui a condenação anterior.
Exige-se, assim, uma “íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa”, a qual poderá, “em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução” – cfr. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pp. 262, 268 e 269.
Dispõe o artigo 75º, nº 1 do Código Penal que «É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime».
Porque muito relevante para o caso dos autos importa salientar o disposto no nº 2 do mesmo preceito legal: «O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativa da liberdade».
Ora, no caso vertente, sendo certo que a anterior pena aplicada ao arguido B... foi de 8 anos de prisão, sabemos igualmente que o mesmo foi colocado em liberdade condicional em Janeiro de 2010, pelo que os factos que se julgaram provados como tendo por si praticados o foram após 5 anos da sua liberdade (Setembro de 2015). Assim, sem necessidade de maiores considerações se conclui que no caso dos autos não terá aplicabilidade a figura jurídica da reincidência.
A aplicação da pena aos casos concretos tem de obedecer a determinados critérios valorativos.
De acordo com o artigo 40º, n.º1 do CP, a finalidade a prosseguir com as penas é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade».
O nosso ordenamento jurídico impõe que o tribunal proceda à ponderação dos diferentes fins das penas, por forma a chegar a uma relação equilibrada entre estes.
Os fins expostos no referido artigo 40º, n.º 1 do Código Penal, são vulgarmente designados como prevenção geral positiva ou de integração e prevenção especial de socialização, traduzindo, por um lado, o reforço da consciência comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma legal; e, por outro lado, a necessidade de um juízo de prognose do julgador quanto aos efeitos da pena na futura conduta do delinquente. No que toca ao delinquente, é necessário atender às exigências jurídico-constitucionais próprias do Estado de direito material, cumprindo o dever de auxílio e de solidariedade em que se traduz a sua socialização.
A medida concreta da pena encontrar-se-á em função da culpa do arguido, tendo em conta as exigências de prevenção geral e especial que se pretendem cumprir com a mesma.
Assim, a culpa do arguido fixa o limite máximo da pena (cfr. artigo 40º, n.º 2), enquanto o seu limite mínimo é determinado pelas exigências de prevenção geral. Por seu lado, a prevenção especial justificará a fixação, dentro dos limites expostos, do quantum da pena.
Na verdade, a pena terá de se assumir como a sanção adequada e proporcional aos factos e ao agente. Além disso, terá em vista a satisfação das suas funções de prevenção e ressocialização do agente, procurando evitar que outros cometam infracções semelhantes.
Por sua vez, o artigo 71º, n.º 1 do CP prescreve: «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
Transpondo para o caso concreto, há que atender:
- ao grau de ilicitude dos factos praticados, que é muito elevado;
- à conduta levada a cabo pelo arguido que denota uma atitude anti-social acentuada;
- às consequências da conduta do arguido, as quais, face aos factos dados como não provados não são especialmente graves;
- ao dolo directo da sua conduta, estando plenamente consciente da ilicitude da mesma e da sua proibição face às normas legais vigentes;
- no que respeita à arma e munições, às características da arma em causa e, em especial, ao número elevado de munições apreendidas e perigosidade das mesmas;
- no que respeita ao crime de falsificação agravada, ao modo como foram perpetrados os factos pelo arguido, com uso de rebarbadora, necessariamente com esforço e empenho (distinto, e muito mais gravoso, do que uma situação de assinatura ilegítima num cheque, por exemplo);
- no que se refere ao crime de falsificação (referente ao registo de propriedade) ao facto de a sua conduta lhe ter permitido circular com o veículo durante um longo período de tempo, fazendo-o antes mesmo da prática dos factos consubstanciadores do crime em causa, o que denota o sentimento de impunidade do arguido;
- às necessidades de prevenção geral que são relativamente acentuadas, já que o nosso país, e a comunidade em que os factos foram perpetrados, vivencia graves dificuldades económicas, exigindo a nossa sociedade penas cada vez mais ditas “exemplares” para arguidos que recorrem aos chamados “esquemas”;
- ao registo criminal do arguido, onde consta a prática de diversos ilícitos criminais, essencialmente pela prática de crimes falsificação, o que, embora não relevando a nível de reincidência, denota que as anteriores condenações não foram suficientes para o afastar da prática deste tipo de ilícitos criminais.
Assim, temos que é imperioso considerar que são muito acentuadas as necessidades de prevenção especial pelo que a pena de multa não se mostra proporcional nem adequada ao caso concreto. Mais, a opção do arguido de se ter remetido ao silêncio, não o desfavorecendo, não permite ao tribunal aquilatar se o mesmo tomou real consciência da gravidade dos seus actos, não tendo demonstrado arrependimento, nem justificando de qualquer forma a sua conduta.
Assim, atendendo a tudo o exposto, entende-se proporcional e adequada a condenação do arguido B... na pena de 2 anos e 4 meses de prisão pela prática de um crime de falsificação agravada de documento, nos termos do artigo 256º, nº 1, alínea a), b), d) e f) e nº 3 e artigo 255º, alínea a) do Código Penal; na pena de 1 ano e 3 meses de prisão pela prática de um crime de falsificação de documento, p.p. pelo artigo 256º, nº 1 alíneas c), d) e f); e na pena de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática de um crime detenção de arma proibida, nos termos do artigo 86º, nº 1 alíneas c) e d) da Lei 5/2006, de 23.02.
Uma vez aqui chegados cumpre salientar o disposto no artigo 77º, nºs 1, 2 e 3 do Código Penal que sob a epígrafe «Regras da punição do concurso» prescreve que «1- Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto os factos e a personalidade do agente. 2- A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. 3- Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas matérias mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores».
Da interpretação do nº 3 deste preceito legal resulta que, condição de procedimento do cúmulo jurídico das penas é que as mesmas tenham a mesma natureza. Assim, «Para se proceder ao cúmulo jurídico de penas é necessário que estas além de estarem em concurso sejam da mesma espécie, caso as penas sejam de espécie diversa (multa e prisão) a lei nos termos do artigo (…) 77º, nº n3, da Red. 95 abandona o sistema de pena conjunta e impõe a acumulação material» (PAULO DÁ MESQUITA, O Concurso de Penas, Estudo Sobre o Conceito de Concurso de Penas e os Pressupostos e Requisitos para a Realização do Cúmulo Jurídico de Penas no Código Penal Português (redacções de 1982 e 1995, Coimbra editora, pág. 27).
Assim, dúvidas não restam de que na situação em apreço, existindo concurso e sendo as penas aplicadas, penas de prisão, se poderá e deverá operar o cúmulo jurídico das mesmas.
Atendendo aos critérios legais impostos, temos que, in casu, a pena abstractamente aplicável ao arguido será de prisão de 2 anos e 4 meses a 5 anos e 1 mês de prisão (cfr. nº 2 do artigo 77º supra citado).
Ora, tendo em conta todas as circunstâncias concretas já amplamente expostas, aos factos dados como provados, que evidenciam uma personalidade do arguido renitente em se conformar com as normas jurídicas e sociais vigentes, tem-se por proporcional e adequada a aplicação ao arguido de uma pena única de 3 anos e 11 meses de prisão.
Da suspensão da execução das penas de prisão:
Prevê o artigo 50.º n.º 1 do Código Penal que «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Porque relevante para o caso dos autos realce-se ainda o disposto no nº 5 do mesmo preceito legal ao impor que «O período de suspensão tem duração igual à pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão».
Tal como escreve FIGUEIREDO DIAS (in Direito Penal Português, parte geral, Vol. II, Lisboa, 1993, pág. 342) «pressuposto material da aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (…)», sendo que, «(…) na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto (…)».
A ideia que subjaz a este instituto é a de que, na pequena criminalidade, a que correspondem penas curtas de prisão, a simples ameaça da prisão poderá, em muitos casos, bastar para o pleno cumprimento das finalidades da punição. Em tais casos, a execução da pena de prisão fica suspensa durante um certo período de tempo, ficando sujeita a revogação no caso de o agente cometer, dentro do período de suspensão, outro crime.
A suspensão da execução da pena depende da verificação cumulativa de dois pressupostos: um formal e outro material. O primeiro exige que a pena de prisão aplicada não exceda 5 anos. O pressuposto material consiste num juízo de prognose, segundo o qual, o Tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclui que a simples censura do facto e a ameaça de prisão bastarão para afastar o delinquente de criminalidade, salvaguardando as exigências mínimas da prevenção geral.
No caso dos autos face à pena aplicada ao arguido B..., encontra-se verificado o requisito de a pena ser inferior a 5 anos de prisão.
Quanto às razões de prevenção geral foi já considerado que são elevadas.
No que se refere às necessidades de prevenção especial no que concerne ao arguido, são as mesmas extremamente elevadas, face ao supra descrito. Com efeito, importa uma vez mais salientar o facto de este arguido, não só ter já sido julgado e condenado pela prática do mesmo tipo legal de crime, mas ter sido condenado em pena de prisão efectiva e suspensa na sua execução, nada se tendo mostrado suficiente para o afastar deste tipo de condutas. Mais, os factos em causa nos presentes autos, e que foram dados como provados, foram praticados pouco mais de um ano após a extinção da pena de prisão de 8 anos de prisão efectiva em que havia sido condenado pela prática de crimes de idêntica natureza. Com efeito, o constante dos autos não nos permite fazer um juízo de prognose favorável no sentido de determinar a suspensão da pena de prisão ora aplicada ao arguido B....
(…)"

B – Apreciando:
1ª questão
a. Da alegada violação da presunção de inocência do arguido, tendo este sido condenado nos presentes autos não com base em meios concretos de prova produzidos em julgamento, mas com base nos seus antecedentes criminais;
Em primeiro lugar, cumpre assinalar que a motivação de recurso em apreço, nos termos em que se encontra formulada, se encontra completamente destituída de fundamento.
Chega-se a esta conclusão com base na leitura:
a) da fundamentação da convicção do tribunal coletivo, que concretizou a análise crítica dos meios concretos de prova produzidos em julgamento de um modo objetivo; e
b) da própria motivação de recurso.
Na verdade, não obstante a putativa violação da presunção de inocência por parte do tribunal recorrido, o recorrente não chega a:
a) impugnar qualquer facto considerado provado;
b) identificar qualquer meio concreto de prova que imponha decisão diversa; nem
c) indicar qualquer passagem da fundamentação da convicção do tribunal que exprima que o tribunal a quo tenha ficado com dúvidas relativamente a algum facto provado respeitante ao recorrente e do qual tenha resultado a sua responsabilização penal.
O recorrente também não identificou qualquer erro notório na apreciação da prova.
Perante a objetividade da fundamentação da decisão da matéria de facto plasmada no acórdão recorrido, a afirmação de que o tribunal condenou o arguido sem ser com base na prova produzida, mas "pela sua conduta criminosa passada" (conclusão XIV) mais do que uma afirmação gratuita, constitui uma aleivosia susceptível de violar, nomeadamente, deveres deontológicos a que o ilustre subscritor do recurso se encontra sujeito (nos artigos 83º, nº 2, 85º, nº 2, a), do Estatuto da Ordem dos Advogados).
Se a afirmação grave do recorrente correspondesse à verdade, o seu trabalho estaria extraordinariamente facilitado na impugnação da decisão da matéria de facto, uma vez que inexistiria qualquer prova dos factos integrantes da responsabilidade penal do arguido. Porém, o recorrente não chega a impugnar, concretamente, qualquer um dos factos provados.
Tendo o tribunal a quo procedido a uma análise crítica dos meios concretos de prova produzidos em julgamento, tal permitiu ao recorrente impugnar o processo de formação da convicção do julgador – o que não fez - e este Tribunal só poderia revogar a decisão da matéria de facto recorrida, se tal convicção não tivesse sido formada em consonância com as regras da lógica e da experiência comum na análise dos meios concretos de prova produzidos em julgamento, o que poderia ser aferido com base na análise da fundamentação da decisão e verificação da sua conformação, ou não, com a prova produzida em julgamento.
A valoração da prova produzida em julgamento é realizada de acordo com a regra geral prevista no art. 127º do Código de Processo Penal, segundo a qual o tribunal forma livremente a sua convicção, estando apenas vinculado às regras da experiência comum e aos princípios estruturantes do processo penal - nomeadamente ao princípio da legalidade da prova e ao princípio in dubio pro reo -. Uma violação do princípio in dubio pro reo pressuporia um estado de dúvida no tribunal coletivo, emergente do próprio texto da decisão recorrida.
Compulsado o teor da decisão, conclui-se que o tribunal não teve qualquer dúvida na decisão da matéria de facto, designadamente, em relação aos factos provados.
Aquela regra concede aos julgadores uma margem de liberdade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverão ser capazes de fundamentar de modo lógico e racional.
Constitui entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância.
A reapreciação das provas gravadas nos presentes autos só poderia abalar a convicção acolhida pelo tribunal recorrido, caso se verificasse que a decisão sobre matéria de facto:
a) não teria qualquer fundamento nos elementos probatórios constantes do processo; ou
b) se os meios concretos de prova produzidos em julgamento não permitissem, racionalmente, sustentar suficientemente a decisão da matéria de facto.
No recurso de decisão da matéria de facto interessa apurar se os meios probatórios sindicados sustentam a convicção adquirida pelo tribunal a quo, de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova, e não obter uma nova convicção do tribunal ad quem em resultado da apreciação de toda a prova produzida.
A decisão da matéria de facto era, pois, sindicável por iniciativa de recorrente interessado, mediante o cumprimento dos requisitos previstos no artigo 412.º, 3 e 4, do Código de Processo Penal, através de impugnação com base em alegados erros de julgamento, sendo a reapreciação da prova balizada pelos pontos questionados pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de impugnação especificada imposto por tal preceito legal, cuja ratio legis assenta precisamente no modo como o recurso da matéria de facto foi consagrado no nosso sistema processual penal, incumbindo ao interessado especificar:
a) os pontos sob censura na decisão recorrida; e
b) as provas concretas que, em seu entender, impunham desfecho diverso nessa matéria, por contraposição ao juízo formulado pelo julgador - por referência ao consignado na ata, nos termos do estatuído no artigo 364º, 2, do Código de Processo Penal e com indicação/transcrição das concretas passagens da gravação em que apoia a sua pretensão - e as provas que devem ser renovadas.
Não tendo o recorrente impugnado nos termos admitidos pela lei a decisão da matéria de facto, improcede, manifestamente, a primeira questão colocada pelo recorrente em sede de recurso[3].

2ª questão
Do alegado erro em matéria de direito, por não ter sido suspensa a execução da pena única em que foi condenado, em violação do disposto nos artigos 40º, 50º e 71º, todos do Código Penal.
O recorrente baseia o alegado erro em matéria de direito na conclusão de que "A aplicação ao arguido/recorrente de uma pena de prisão suspensa na sua execução sujeita a deveres, regras de conduta ou a regime de prova seria suficiente não só para evitar que o agente reincida como também realizaria o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica. Não obstante os antecedentes criminais do arguido, é ainda possível formular um juízo de prognose favorável à aplicação de uma pena de substituição, sujeita a regime de prova, sendo que a ameaça da pena e a simples censura do crime realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição." (conclusões XXXI e XXXII).
Além disso ainda alega que "O tribunal a quo dispunha de elementos que permitiam extrair o convencimento de que a censura expressa na condenação e a ameaça de execução da pena de prisão aplicada seriam suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais e para o futuro. Tal conclusão fundamentar-se-ia nos factos concretos que apontem de forma clara a forte probabilidade de uma inflexão em termos de vida reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de actos ilícitos. O tribunal a quo deveria pois ter efectuado um juízo de prognose favorável. (…)" (conclusões XXXIV e XXXV).
Porém, não obstante o recorrente afirmar que o tribunal dispunha de factos que permitiriam efetuar um juízo de prognose favorável, o mesmo falha novamente na motivação de recurso, ao não indicar um único desses factos supostamente existentes, comprometendo, seriamente, o sucesso da sua pretensão recursória.
De jure
O artigo 50º nº 1 do Código Penal – citado no acórdão recorrido e na motivação do recurso – estatui que o tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição[4].
Esta norma fixa um pressuposto formal - o de que a pena seja de prisão em medida não superior a cinco anos – e um pressuposto material - o de que «o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (...).»
Enquanto não oferece qualquer dúvida de que se verifica no caso concreto o pressuposto formal, já integra matéria controvertida – porque formalmente suscitada no recurso – a integração, ou não, do pressuposto material.
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes.
Como salientado por Figueiredo Dias[5] "A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo."
Constitui um elemento decisivo aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».”[6]
No plano da evolução histórica da nossa lei criminal, já antes da revisão do Código Penal concretizada pelo Decreto-Lei nº 48/95 de 15 de Março, a suspensão da execução da prisão não seria decretada caso se opusessem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime”, afastando quaisquer considerações relativa à culpa[7] “mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. [8]
A atual redação da norma refere a realização das finalidades da punição de forma adequada e suficiente.
Houve um aperfeiçoamento de ordem legal de forma mais abrangente na dimensão da finalidade das penas, com repercussão nas penas concretas.
A socialização entronca num critério de exigências de prevenção especial.
É essa prevenção especial que perante um prognóstico favorável nos termos do artº 50º nº 1 do Código Penal, determina a socialização em liberdade do condenado, por ser adequada e suficiente às finalidades da punição. Como escreveu Eduardo Correia, «(…) averiguado o facto e aplicada a pena, o agente tem sempre a clara consciência da censura que mereceu o facto e viverá sob a ameaça, agora concreta, e portanto mais viva da condenação.»
Apreciando.
A questão jurídica concreta é de uma manifesta simplicidade.
Como bem sustentado e aferido na fundamentação da decisão pelo tribunal a quo, "No que se refere às necessidades de prevenção especial no que concerne ao arguido, são as mesmas extremamente elevadas, face ao supra descrito. Com efeito, importa uma vez mais salientar o facto de este arguido, não só ter já sido julgado e condenado pela prática do mesmo tipo legal de crime, mas ter sido condenado em pena de prisão efectiva e suspensa na sua execução, nada se tendo mostrado suficiente para o afastar deste tipo de condutas. Mais, os factos em causa nos presentes autos, e que foram dados como provados, foram praticados pouco mais de um ano após a extinção da pena de prisão de 8 anos de prisão efectiva em que havia sido condenado pela prática de crimes de idêntica natureza. Com efeito, o constante dos autos não nos permite fazer um juízo de prognose favorável no sentido de determinar a suspensão da pena de prisão ora aplicada ao arguido B...."
A factualidade assinalada na fundamentação jurídica da decisão recorrida evidencia uma personalidade do agente do crime (o ora recorrente) que suscita elevadas, notórias e justificadas preocupações de prevenção especial: estas são definitivamente consolidas pelos antecedentes criminais muito significativos por crimes semelhantes – e nem uma pena efetiva de oito anos de prisão por crime semelhante, anteriormente cumprida, o afastou de reincidir na prática criminosa –. A criminalidade em causa nem sequer se situa no âmbito de práticas criminosas destinadas a assegurar a mera sobrevivência do delinquente, ou à satisfação de algum vício incontrolável. As suas características apontam no sentido de ser motivada por pura ganância, dificultando ainda mais qualquer ensejo de reinserir socialmente o arguido, tendo em conta as notórias características da sua personalidade.
A personalidade deste exige a efetividade da pena de prisão, uma vez que uma mera suspensão da execução da pena não permite assegurar, em perspetiva alguma, que tal solução seja suficiente para o afastar da reincidência criminal – e o recorrente também não identificou qualquer factualidade susceptível de infirmar esta conclusão -.
Pelo exposto, também esta questão suscitada pelo recorrente é manifestamente improcedente.
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Das custas
Sendo o recurso julgado não provido, o arguido deverá ser condenado no pagamento das custas [artigos 515º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal e 8º, nº 9, do R.C.P., tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça individual, tendo em conta as manifestas insuficiências da motivação do recorrente, que aumentaram o grau de complexidade do recurso, em 6 (seis) unidades de conta.
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III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam por unanimidade os juízes ora subscritores, do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso do arguido B....
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça individual em 6 (seis) unidades de conta.
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 17 de Janeiro de 2018.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.
[3] Uma última nota: o tribunal coletivo considerou não provados inúmeros factos que eram imputados ao arguido em sede de pronúncia, à luz de uma análise igualmente objetiva da prova produzida em julgamento.
Daqui se percebe, também, a isenção e objetividade do tribunal recorrido – que a afirmação gratuita do recorrente de que o tribunal considerou provados os factos imputados ao arguido, apenas, com base no seu "passado criminal" pretendia colocar em causa -.
[4] Segundo Maia Gonçalves, Código Penal Português. Anotado e comentado, 15ª edição, 2002, p. 197, notas 1 e 2, «Os pressupostos e a duração da suspensão da execução da pena constavam do artº 48º da versão originária do Código, o qual tivera por fontes, além do artº 88º do CP de 1886, os arts. 62º e 63º do Projecto de Parte Geral do Código Penal de 1963, discutidos nas 22ª e 23ª sessões da Comissão Revisora, em 10 e 17 de Maio de 1964 e a Base VIII da Proposta de Lei nº 9/X. Este artigo foi discutido nas 4ª, 6ª, 15ª e 41ª sessões da CRCP, em 14 de Fevereiro, 13 de Abril e 12 de Setembro de 1989 e em 22 de Outubro de 1990. (...) Trata-se de um poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos (…)»
[5] Ibidem, § 519.
[6] Anabela Rodrigues, A posição jurídica do recluso na execução da pena privativa de liberdade, Coimbra, 1982, pág. 78 e seguintes, Almeida Costa, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 65º, 1989, pág. 19 e seguintes e Miranda Pereira, "Ressocialização", Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, V, 1987.
[7] Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Junho de 2003, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça -, tomo II, 2003, pág. 221: «Na suspensão da execução da pena (de prisão) não são as considerações sobre a culpa do agente que devem ser tomadas em conta, mas antes juízos prognósticos sobre o desempenho da sua personalidade perante as condições da sua vida, o seu comportamento e bem assim as circunstâncias de facto, que permitam ao julgador fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.»
[8] Mantém-se parcialmente válida a ratio legis evidenciada no Relatório da Proposta (constante do Diário da Câmara dos Deputados de 26 de Maio de 1893), que está na base da Lei de 6 de Julho de 1893 - que introduziu em Portugal a suspensão condicional da pena -: «Fica ao prudente arbítrio dos magistrados e dos tribunais a apreciação do carácter moral do delinquente, os seus antecedentes e costumes, das circunstâncias do crime, das causas externas e internas que o determinaram, o exame escrupuloso de todos os factos que os autorizem a aplicar a disposição da lei com discernimento e seguras probabilidades de êxito.»