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DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
Sumário
1. Não comete o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, al. d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro quem transporta consigo no chão de um veículo automóvel, na parte da frente do mesmo, no prolongamento da perna esquerda, um objecto, cuja construção foi levada a efeito por aquele como um exercício do Curso de Profissionais Qualificados de Electricista de Construção Civil com cerca de 50 cm de comprimento, constituído por um cabo eléctrico unido, numa das sua extremidades, a metade de uma caixa de união, em plástico, caixa esta cujo interior se encontrava preenchido com um material isolante solidificado e estando a outra extremidade do referido cabo envolvida em fita isoladora. 2. Não é, pois, ilícito nem punível o facto de o arguido o trazer naquelas condições para poder exibi-lo a potenciais clientes como demonstração do tipo de união e isolamento que poderia ser feito em cabos eléctricos instalados, nomeadamente, em poços, ainda que também trouxesse o referido objecto no local indicado para poder a ele recorrer como meio de defesa pessoal em caso de agressão. 3. A aplicação originária e subsequente do objecto, pressuposta a partir de aplicação profissional e comercial definida, não pode dar lugar a punição por não se tratar de actividade e comportamento ilícito, sendo certo que o “tipo legal” não pode ser conformado como válido e actuante com base em simples interpretações da lei com carácter e alcance meramente subjectivante, estritamente ligados à sobredita intencionalidade do uso para defesa pessoal sem mais, ou seja, sem se atender àquela aplicação definida (excludente do ilícito) e sem se atender também à cuidada valoração concreta que o elemento objectivo da perigosidade do objecto possa ter (e que, no caso, nem se demonstrou tê-la) em função do tipo de uso comum de que seja susceptível e dos limites que ao princípio da necessidade de intervenção do direito penal importa assegurar.
Texto Integral
ACORDAM EM AUDIÊNCIA OS JUÍZES NA 5ª SECÇÃO PENAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I-RELATÓRIO
1.1- No processo sumário nº 290/07 do 2º Juizo Criminal de Oeiras, o arguido L…., nascido a 18/10/1984, foi absolvido nos seguintes termos:
“Julgo improcedente, por não provada, a acusação deduzida pelo Ministério Público e, consequentemente, absolvo o arguido L…… da prática do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, al. d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, de que vinha acusado.”
E pelas seguintes razões:
“DOS FACTOS
1. Factos Provados
Da prova produzida resultou assente a seguinte factualidade:
A) No dia 4 de Maio de 2007, pelas 23 horas e 30 minutos, na Estação de Serviço da A5, em Porto Salvo, o arguido trazia consigo, dentro do veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula XX-XX-XX, um objecto, com cerca de 50 cm de comprimento, constituído por um cabo eléctrico unido, numa das sua extremidades, a metade de uma caixa de união, em plástico, caixa esta cujo interior se encontrava preenchido com um material isolante solidificado. A outra extremidade do referido cabo encontrava-se envolvida em fita isoladora.
B) O objecto referido em A) encontrava-se no chão do veiculo automóvel, na parte da frente do mesmo, no prolongamento da perna esquerda do arguido.
C) A construção do referido objecto foi levada a efeito pelo arguido como um exercício do Curso de Profissionais Qualificados de Electricista de Construção Civil, na área de electricidade e energia, ministrado pelo CENFIC (Centro de Formação Profissional da Indústria de Construção Civil e Obras Públicas do Sul), entre 8 de Abril de 2005 e 3 de Janeiro de 2006.
D) O arguido trazia consigo o referido objecto, no automóvel, para poder exibi-lo a potenciais clientes, como demonstração do tipo de união e isolamento que poderia ser feito em cabos eléctricos instalados, nomeadamente, em poços.
E) Para além disso, o arguido trazia o referido objecto no local indicado em A) para poder recorrer a fim de se defender de quem quisesse fazer-lhe mal.
F) O arguido agiu de forma livre e consciente.
G) O arguido não tem antecedentes averbados no respectivo registo.
H) O arguido é electricista.
2. Motivação da matéria de facto
A convicção do tribunal baseou-se, no que concerne aos factos referidos em A), C), D), F) e H), no depoimento do arguido, que nesta parte se mostrou credível, sendo confirmado pelo teor da declaração emitida por F. …., formador do arguido no curso de electricidade do CENFIC, bem como pelo teor da declaração emitida pelo respectivo organismo, ambas juntas aos autos.
Em particular, da declaração emitida por F………. resulta que, o objecto em apreço constituiu o produto final de um exercício levado a cabo durante o curso de electricidade, frequentado pelo arguido (exercício esse que se encontra demonstrado no enunciado e fotografias que também foram juntos aos autos), e que consta da união de duas pontas de cabo em determinadas situações de reparação ou emenda de cabos, sendo a união, depois de solidificada, cortada ao meio, para avaliar da respectiva perfeição e atribuir uma classificação.
Apesar do que fica dito, a circunstância de o arguido trazer o objecto em apreço no chão do veículo junto à sua perna esquerda, ao contrário de outros instrumentos e ferramentas próprios da sua profissão, que trazia na mala do carro - conforme relatado, de forma que se afigurou isenta e credível, pelas testemunhas R… e A….., militares da GNR, que abordaram o arguido na ocasião dos autos, sendo que a primeira testemunha procedeu à apreensão do dito objecto – leva crer, segundo juízos de senso comum e de normalidade social, que o arguido pretendia ter o objecto em causa em local facilmente acessível, a fim de dele poder lançar mão, para utilizar, em caso de necessidade, enquanto arma de defesa.
Doutra forma não se compreenderia por que razão traria o arguido o mencionado objecto no local indicado, tanto mais quanto é certo que o mesmo poderia resvalar para debaixo dos seus pés interferido com os pedais do veículo.
Concluindo-se, assim, que, não obstante o arguido poder utilizar aquele objecto como demonstração das possibilidades do seu trabalho, admitia também poder recorrer ao mesmo para se defender de terceiros que quisessem fazer-lhe mal.
Razão pela qual se deu por provado o facto referido em E).
Quanto aos antecedentes criminais atendeu-se ao teor da pesquisa que se encontra junta aos autos.
IV. DO DIREITO
1. Enquadramento jurídico-penal
O arguido vem acusado da prática de factos supostamente integradores da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, al. d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Dispõe o citado normativo:
“Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo (…) instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse (…), quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão (…) é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.”
Provado ficou que, no dia 4 de Maio de 2007, pelas 23 horas e 30 minutos, na Estação de Serviço da A5, em Porto Salvo, o arguido trazia consigo, dentro do veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula XX-XX-XX, um objecto, com cerca de 50 cm de comprimento, constituído por um cabo eléctrico unido, numa das sua extremidades, a metade de uma caixa de união, em plástico, caixa esta cujo interior se encontrava preenchido com um material isolante solidificado, sendo que a outra extremidade do referido cabo encontrava-se envolvida em fita isoladora.
Provou-se ainda que o arguido trazia tal objecto no chão do veículo automóvel mencionado, na parte da frente do mesmo, do lado da sua perna esquerda.
E que, não obstante a construção do referido objecto ter sido levada a efeito pelo arguido como um exercício do curso de electricidade, que o trazia consigo para poder exibi-lo a potenciais clientes como demonstração do tipo de união e isolamento que poderia ser feito em cabos eléctricos instalados, nomeadamente, em poços, o arguido trazia também o referido objecto, no local indicado, para poder recorrer ao mesmo para se defender de quem quisesse fazer-lhe mal.
A questão que, do nosso ponto de vista, se coloca, atenta a factualidade assente nos autos, é a de saber, se se encontra preenchido o tipo objectivo do normativo em apreço.
Afastada está, desde logo, a possibilidade de estarmos perante a previsão da segunda metade da citada alínea “instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão”, uma vez que emerge dos autos, à saciedade, que o objecto sub judice não foi construído com esse propósito, sendo antes o produto final de um exercício realizado durante um curso de electricidade frequentado pelo arguido.
Uma vez que também não se verifica nenhuma das demais hipóteses compreendidas no preceito em apreço, resta saber se, in casu, se verifica a situação a que alude o trecho “instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse”.
No fundo, importa saber se tendo o objecto em causa nascido com um aplicação definida (exercício do curso de electricidade) e pretendendo o arguido ainda utilizá-lo como demonstração do seu trabalho, junto de potenciais clientes, a circunstância de também admitir recorrer ao objecto em causa como arma de defesa, trazendo-o, no local indicado, para esse efeito (caso contrário poderia tê-lo arrumado na mala do carro, juntamente com outros instrumentos e ferramentas), lhe retira aplicação definida.
Sobre casos similares pronunciou-se já a jurisprudência, ao abrigo da lei pregressa, a propósito de norma similar contida no artigo 3º, nº 1, al. f) do Decreto-Lei nº 207-A/73, de 17 de Abril: “É proibida, salvo nos casos previstos neste diploma, a detenção, uso e porte das seguintes armas, engenhos ou matérias explosivas: (…) outros instrumentos sem aplicação definida, que possam ser usados como arma letal de agressão, não justificando o portador a sua posse”.
Assim, decidiu-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de Dezembro de 2001 (cujo sumário se encontra disponível, na Internet, em www.dgsi.pt):
“ I - O uso e porte de uma folha de serrote não integra o crime de detenção de arma proibida.
II - Efectivamente , não integra tal crime a detenção de instrumento com aplicação definida, em abstracto, mesmo que possa ser usado como arma letal de agressão e que, no lugar e no momento em que é trazido, não tenha utilização lícita e o portador não justifique a sua posse.”
Por seu turno, escreveu-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de Dezembro de 2002 (cujo sumário se encontra disponível no mesmo local acima referido):
“I - A detenção de um taco de "baseball" não pode ser considerado instrumento sem aplicação definida para efeitos de penalização criminal.”
Se bem nos parece, o caso não é diverso de trazer em local particularmente acessível, no interior de um veículo, por hipótese, uma chave de fendas uma chave de porcas cuja localização habitual se situa na bagageira do veículo, admitindo dessa forma poder lançar mão de tais objectos com arma de defesa.
Nesse caso, julgamos que dificilmente se sustentará que a detenção de tais instrumentos ou ferramentas, independentemente de o seu detentor admitir usá-los ou pretender utilizá-los como arma de agressão, configure a prática de um crime de detenção de arma proibida.
Não vislumbramos razão para que, no caso concreto, se perfilhe entendimento diverso, não obstante o objecto em apreço ser menos comum.
Aliás, outra interpretação da lei, que procure “subjectivar” o tipo, fazendo apelo à intenção com que o arguido detém os instrumentos parece-nos, claramente, abrir as portas ao arbítrio do intérprete-aplicador, com claro prejuízo do princípio da legalidade, e, principalmente, do "princípio da necessidade", da máxima importância e com consagração constitucional no artº 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, tal princípio “...obriga, por um lado, a toda a descriminalização possível; proíbe, por outro lado, qualquer criminalização dispensável, o que vale por dizer que não impõe, em via de princípio, qualquer criminalização em função exclusiva de um certo bem jurídico; e sugere, ainda por outro lado, que só razões de prevenção, nomeadamente de prevenção geral de integração, podem justificar a aplicação de reacções criminais"( Cfr. FIGUEIREDO DIAS, in "Direito Penal Português", Editorial Notícias, pág. 84.
Razão pela qual entendemos não estar preenchido o tipo objectivo do crime em apreço, devendo o arguido ser absolvido da respectiva prática.”
1.2- Recorreu desta decisão o Ministério Público com as seguintes conclusões:
“a)-O arguido transportava consigo o objecto atrás descrito com a intenção, para além do mais, de o utilizar contra outras pessoas em caso de necessidade.
b)- A douta sentença recorrida fez uma errada interpretação do disposto no artº 86º nº 1 alª d) da lei 5/06 de 23 de Fevereiro, ao entender que tendo tal objecto nascido com distinto propósito não poderia integrar o ilícito em causa.
c)- Porém, ao dar-lhe um destino diverso o arguido fabricou, de facto, um objecto ilícito cuja posse, nas circunstâncias descritas, o legislador penal, atenta a sua perigosidade, quer ver punido.
Nestes termos, deve o recurso ser dado como procedente com a consequente substituição da sentença recorrida por decisão que condene o arguido pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p.p. no artº 86º nº 1 alª d) da Lei 5/06.
1.3- O arguido não respondeu ao recurso. Remetidos a esta Relação, o MºPº apôs visto.
1.4- Em exame preliminar não se suscitaram questões prévias ou incidentais e determinou-se a decisão em audiência. Cumpre pois decidir.
II-CONHECENDO
2.1- O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso, cfr se extrai do disposto no artº 412º nº 1 e no artº 410 nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal (c.p.p.)
Isto, sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no art. 410º, n.º2 do CPP.
Tais conclusões visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância dos recorrentes em relação à decisão recorrida
2.2- No presente recurso estão em apreciação as seguintes questões:
Face à matéria de facto dada como assente, o arguido devia ter sido condenado por se ter verificado o crime imputado, uma vez que se mostrariam preenchidos os pressupostos legais para o efeito?
Vejamos se assim é.
2.3- Lê-se da matéria de facto (e que não foi colocada em crise pelo recorrente) que o arguido, na data referida, transportava na viatura que conduzia:
(...)
“um objecto, com cerca de 50 cm de comprimento, constituído por um cabo eléctrico unido, numa das sua extremidades, a metade de uma caixa de união, em plástico, caixa esta cujo interior se encontrava preenchido com um material isolante solidificado. A outra extremidade do referido cabo encontrava-se envolvida em fita isoladora.
O objecto referido (...) encontrava-se no chão do veículo automóvel, na parte da frente do mesmo, no prolongamento da perna esquerda do arguido.
A construção do referido objecto foi levada a efeito pelo arguido como um exercício do Curso de Profissionais Qualificados de Electricista de Construção Civil, na área de electricidade e energia, ministrado pelo CENFIC (Centro de Formação Profissional da Indústria de Construção Civil e Obras Públicas do Sul), entre 8 de Abril de 2005 e 3 de Janeiro de 2006.
O arguido trazia consigo o referido objecto, no automóvel, para poder exibi-lo a potenciais clientes (negrito e sublinhado nossos), como demonstração do tipo de união e isolamento que poderia ser feito em cabos eléctricos instalados, nomeadamente, em poços.
para além disso, o arguido trazia o referido objecto no local indicado (...) para poder recorrer a fim de se defender de quem quisesse fazer-lhe mal. (...)
Ou seja, ficou provado que o arguido construiu aquele objecto como resultado de um exercício em curso profissional, que o mesmo pretenderia exibi-lo a potenciais clientes como elemento demonstrativo de tipos de união e isolamento em cabos eléctricos e o transportava consigo na viatura, pela forma como foi detectado, para poder a ele recorrer caso alguém pretendesse fazer-lhe mal.
Desta factualidade retiramos uma intenção principal de demonstração técnica e profissional, o que faz sentido, dada a habilitação técnica do arguido e o aproveitamento para eventual defesa pessoal em caso de agressão.
O dito bastão nasceu de uma intenção de exercitação técnico-profissional perfeitamente legítima integrada na prática de um curso profissional na área da electricidade e energia e tinha também uma aplicação definida relacionada com a demonstratividade do objecto perante potenciais clientes do arguido.
Dispõe e prevê o artigo 86 da Lei 5/2006 (Detenção de arma proibida. )
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo:
(...)
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.
Daqui se retira que, no caso dos autos, se trata de um objecto com aplicação definida, embora utilizável como arma de agressão e, também, que não foi construído para essa finalidade e muito menos “exclusivamente” com o referido destino.
A punir aquela detenção, então todas as pessoas que comprem um guarda chuva, longo, de ponta aguçada e em metal ou madeira e que o usem para se resguardar da chuva mas que também admitam que andar com ele lhes dá segurança como meio de defesa em caso de ataque de alguém contra si ou aqueles que utilizem no seu trabalho objectos de uso profissional (chaves de fenda, facas, bastões, martelos, black and decker`s etc.) e pensem que os mesmos também poderão ser utilizados em defesa como arma de agressão, cometerão o crime que o recorrente pretende seja imputado ao arguido.
Tal interpretação ultrapassa os limites do bom senso, da exigibilidade de intervenção do direito penal e dos limites da necessidade da aplicação de penas, como foi salientado, e muito bem, quer no plano doutrinal quer jurisprudencial, pela decisão recorrida.
De todo o modo, quer por via da interpretação literal quer da análise semântica e teleológica da norma contida no artº 86º aludido, o caso dos autos não está previsto, pois a exigência de exclusividade e de não aplicação definida não se preenchem.
Não se extrai do comportamento do arguido uma excepcional perigosidade acrescida pelo facto de trazer consigo ao lado do banco de condução o dito objecto e que justifique a intervenção do «jus puniendi» estadual.
Se assim não fosse, então cair-se-ia no ridículo de punir comportamentos sociais de todos os dias só porque as pessoas configurassem também a hipótese de se defenderem em caso de agressão usando para o efeito objectos capazes de a produzir. E não seria muito difícil usar da imaginação para elencar a imensa quantidade de objectos de uso diário ou corrente, com aplicação definida, que poderiam servir ou cumprir aquela intencionalidade.
Conforme bem se assinalou já no Ac da RC de 12-06-2006 (no site web da DGSI), a situação juridico-penal é agora claramente diferente da que parecia pressupor-se ao tempo do artº 4º (enquanto tal e só por si mesmo) do D.L. n.º 48/95, de 15/03, onde se consagrara que “para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim”.
No entanto, já se entendia que, o que aí se estabelecia, não era a definição típica do crime de detenção de arma proibida mas antes e apenas um conceito genérico de arma utilizado em outros tipos de crime (cfr. também o art. 204º n.º 2, f), do C.P.). Na verdade, nem o D.L. 400/82, de 23/09, que aprovou o C.P. de 1982, nem o D.L. 48/95 de 21/03 que procedeu à sua revisão revogaram o art. 3º do D.L. 207-A/75, de 17/04, que definia o que eram as armas proibidas. Tal normativo apenas foi mantido sempre em vigor e só veio a ser revogado pelo artigo 118º, alínea c) da actual Lei 5/2006.
Cedo, pois, se entendeu que era no citado art. 3º do DL 207-A/75 que devia ser procurada a delimitação típica do conceito de armas proibidas, enquanto que o art. 4º do D.L. 48/95, de 15/03, se limitava a definir um conceito genérico de armas. De onde resultava que somente as armas proibidas que não as “meras armas”, relevavam para efeitos de tipificação do referido art. 275º do C.P. . E, da conjugação do artigo 275º do C.P. com o regime do D.L. 207-A/75 resultava ainda que se pretendia a punição de comportamentos perigosos para a ordem e a segurança públicas, potenciadores do cometimento de crimes, em particular contra a vida e a integridade física. O bem jurídico protegido era a segurança da comunidade face aos riscos da livre circulação e detenção de armas, engenhos e matérias explosivas ou instrumentos que objectivamente fossem considerados perigosos para a segurança e integridade física das pessoas e como tal eram considerados armas proibidas.
Numa primeira análise, a referida alínea f) do n..º 1 do art. 3º do D.L. 207-A/75, de 1 7/04, apresentava dois conceitos distintos de armas (em sentido lato): de um lado, as armas brancas e de fogo com disfarce; e, de outro, os demais instrumentos sem aplicação definida, que pudessem ser usados como arma letal de agressão. Exigindo-se, em ambos os casos, que o agente não justificasse a sua posse.
Procurando encontrar um traço comum nos dois conceitos verificava-se que se traduzia, para além da vocação e capacidade para atentar com gravidade contra a vida ou integridade física das pessoas, na dissimulação dessa aptidão e objectivo, criando nas vítimas (potenciais ou efectivas) o efeito de surpresa e de se encontrarem indefesas pela aparência de objectos “inofensivos” - pelo disfarce ou por, sendo objectos sem aplicação definida, não se apresentarem como instrumentos de agressão.
Disse o STJ no Ac de 24/10/2007 que “... no conceito relevante de arma para efeitos de agravação do facto não cabe todo o objecto ou instrumento de agressão, mas tão-só aqueles objectos ou instrumentos cuja posse confere ao agente uma efectiva superioridade e que reduzem a capacidade de defesa da vítima, colocando esta, objectivamente, em inferioridade perante aquele, possibilitando o seu constrangimento.”
Do caso dos autos e que agora nos ocupa, se é verdade que a intencionalidade de uso do bastão que o arguido produziu no curso que frequentou se desdobrou em dois sentidos, um dos quais indubitavelmente lícito (apresentação para demonstração a eventuais clientes) e também, segundo se crê, principal ou prevalecente, também é certo que seria irmos longe de mais no alargamento do ilícito considerar que, sendo o perigo de uso prevenido na lei, de natureza objectiva, o mero «animus defendendi» se valorasse, sem mais, na segunda intenção, para além do que a ordem jurídica parece querer ou poder prevenir.
Imaginemos, por exemplo, um cabo de vassoura em uso normal e rotineiro, a ser apreendido numa busca domiciliária ou a um varredor de ruas e do qual se dissesse que servia para o que servia mas também que seria utilizável para defesa pessoal em caso de ataque de alguém! Não faria sentido e ultrapassaria o senso comum considerar tal um crime de detenção de arma proibida. Acresce referir que a detenção era justificada com uma intencionalidade lícita (não é ilegal demonstrar a clientes um objecto daquela dimensão e características nem querer usá-lo em situação de defesa pessoal desde que conformado aos limites e pressupostos legais da reacção defensiva.
Por último, a aplicação originária e subsequente do objecto teve sempre pressuposta uma aplicação profissional e comercial definida.
Não pode pois haver punição por não se tratar de actividade e comportamento ilícito.
O “tipo legal” não pode ser conformado como válido e actuante com base em simples interpretações da lei com carácter e alcance meramente subjectivante, estrictamente ligados à intencionalidade do uso, sem mais, ou seja, sem se atender àquela aplicação definida (excludente do ilícito) e sem se atender também à cuidada valoração concreta que o elemento objectivo da perigosidade do objecto possa ter ( e que, no caso, até nem se demonstrou ter em particular ) em função do tipo de uso comum de que seja susceptível e dos limites que o princípio da necessidade de intervenção do direito penal importa assegurar.
Não procede, pois, o recurso.
III- DECISÃO
Nestes termos, julga-se o recurso improcedente, mantendo-se integralmente a decisão de absolvição do arguido com as legais consequências.
Sem tributação
Lisboa, 22 de Janeiro de 2008
Os Juízes Desembargadores
(texto elaborado em suporte informático, revisto e rubricado pelo relator artº 94º do CPP)
Agostinho Torres
José Adriano
Vieira Lamin
Pulido Garcia