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SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL
FURTO DE VEÍCULO
DIREITO DE REGRESSO
Sumário
- Havendo seguro obrigatório, este cobre os danos causados, quer por quem furtou o veículo quer por qualquer outro condutor. - Assim sendo, a Demandada Companhia de Seguros, responde, nos termos da apólice, pelos danos causados pelo acidente e terá direito de regresso, depois de indemnizar os danos a que a Assistente tiver direito, contra quem quer que fosse o condutor do veículo .
Texto Integral
Acordam, em audiência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I-1-No Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular n.º 1154/03.0SILSB da 1.ª Secção do 4º Juízo Criminal de Lisboa, foi julgado A., tendo sido proferida Sentença em 31-01-2007, decidindo, além do mais:
- Julgar a acusação deduzida contra o arguido e o pedido de indemnização civil apresentado contra a Companhia de Seguros F., totalmente improcedentes e consequentemente absolver o arguido e a demandada seguradora.
2- A Assistente/Demandante C., não se conformou com tal decisão, dela interpôs recurso apresentando motivação, da qual, extraiu, após aperfeiçoamento, as seguintes conclusões:
1- Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo.
2- E vem interposto porque se entende que a M.ª Juiz de direito, não valorou o facto de não ter ficado provado que o arguido estacionou o carro, com a matrícula 80-...-MX, junto da rotunda das Olaias, que o deixou aberto e com as chaves na ignição, que o arguido ficou em casa toda a noite a dormir, e que no dia do acidente, por volta das 11.00 horas quando saiu de casa, para ir trabalhar, ao dirigir-se ao local onde havia estacionado o carro, o arguido não o encontrou.
3- A Mmª. Juiz de direito a quo, não considerou o facto de não ter ficado provado, que também não foi o arguido, que praticou o factos.
4- A Mmª Juiz a quo desconsiderou o facto da testemunha, E., afirmar que o indivíduo que conduzia o veículo com a matrícula …, marca Seat, modelo Ibiza, cor vermelha, era de raça negra. Sendo, o arguido presente na Audiência de Discussão e Julgamento, de raça negra.
5- O Tribunal a quo desvalorizou o documento probatório da participação do acidente de viação da P.S.P., onde consta ( ...) " que se colocou em fuga e foi encontrado posteriormente, abandonado e devidamente estacionado, com as suas portas trancadas"...
6- Para o Tribunal a quo, toda esta matéria de facto, erradamente, foi irrelevante, não tendo em conta as coincidências, nomeadamente as semelhanças físicas, não exercendo a Mmª Juiz a quo o exame critico e de ponderação a que está legalmente obrigada (artigo 374° do C:P.P.).
7- Até porque, o arguido já conta com duas condenações por condução sob o efeito de álcool.
8- A Mmª Juiz de direito a quo, não deu como provado que a assistente ficou a padecer de incapacidade total e permanente para o trabalho.
9- O que não corresponde à verdade, conforme os depoimentos das testemunhas e relatórios médicos,
10- Que o tribunal a quo ignorou, dando mais relevância ao relatório do instituto de Medicina Legal, estes elaborados por médicos, que observaram a assistente, apenas por duas vezes, e por escassos minutos, que não permitiram apurar a verdadeira situação clínica da assistente.
11-A Mmª juiz de Direito não deu como provado que a assistente passou a sofrer de uma incapacidade total, permanente e definitiva.
12-Desvalorizando o depoimento das várias testemunhas do Pedido Cível, bem como, dos relatórios médicos junto aos autos, que provam exactamente o contrário daquilo que a Mmª juiz de Direito considerou.
13-A Mmª Juiz de Direito, ao contrário da prova feita na Audiência de Discussão e Julgamento, não provou que a assistente necessita de ajuda permanente de uma pessoa para a realização de tarefas diárias básicas.
14-0 que para além do depoimento das testemunhas do Pedido Cível, existe um relatório médico junto aos autos, que prova que a assistente irá precisar de ajuda na realização das tarefas diárias básicas.
15-A Mmª Juiz de direito não deu relevância aos relatórios médicos elaborados pelos técnicos de saúde que acompanham a assistente desde o dia do acidente de viação até à presente data.
16-A Mmª. Juiz de direito não considerou que a assistente sofre de uma incapacidade permanente geral parcial fixável em 47 % e de uma capacidade especifica para o exercício da profissão de 70%.
17- Mais uma vez, não deu relevância ao relatório médico junto aos autos, que prova tal facto.
18- Relativamente, ao problema de não virar o pescoço para a direita e para a esquerda, da cervical ter provocado várias hérnias e de ter partido um dedo da mão direita, ao contrário do que a Mm° Juiz de Direito considerou, ficou provado que a assistente sofre de todos esses problemas.
19-Também, não ficou provado que a incapacidade que a assistente passou a sofrer em consequência do acidente de viação, seja, compatível com outras profissões na área da sua preparação técnica.
20-Pelo que. deve a Sentença proferida pelo tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que considere a Companhia de seguros responsável pelos danos patrimoniais e não patrimoniais provocados à assistente, pela viatura segurada pela demandada, tendo como consequência o pagamento da indemnização peticionado ao tribunal a
quo, ou em alternativa, deve a sentença ser considerada nula, nos termos do disposto no artigo 379°/1, alínea c) do C.P.P..
Assim e com o douto suprimento de Vossa Excelências por ser de inteira e sã
JUSTIÇA.
3- Admitido o recurso, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo respondeu o Ministério Público concluindo:
1 - A sentença recorrida não enferma de qualquer vício ou nulidade, e encontra-se devidamente fundamentada, de facto e de direito.
2 - Os factos dados como provados e como não provados estão em consonância com a prova produzida.
5 - A Mma. Juiz a quo absolveu o arguido da prática do crime de ofensa à integridade física por negligência, por não ter sido produzida prova bastante do seu cometimento pelo arguido.
6- Pelo que deverá negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.
VOSSAS EXCELENCIAS, decidindo, farão como sempre a costumada JUSTIÇA.
4- Neste Tribunal da Relação o Ex.mo Procurador Geral Adjunto apôs o visto.
5- Foram colhidos os vistos e realizado o julgamento
6- Objecto do recurso.
O objecto do recurso tal como ressalta das conclusões da motivação versa a apreciação do alegado erro tanto no que concerne à parte criminal como à parte civel.
II – Da decisão recorrida consta a seguinte fundamentação.
- MATÉRIA DE FACTODa discussão da causa, resultou provada a seguinte factualidade:
1. Na madrugada do dia 31 de Maio de 2003, cerca das 02H15m, o condutor do veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula …-...-MX, marca «SEAT», modelo «IBIZA», vermelho, seguia pela Avenida Infante D. Henrique, no sentido poente – nascente, pela terceira fila de trânsito junto ao separador ali existente.
2. Junto às obras do metro na zona de Santa Apolónia, o condutor do veículo não obedeceu à luz vermelha imposta pela sinalização semafórica aí existente e prosseguiu a sua marcha.
3. Imprimia ao veículo uma velocidade não concretamente apurada, não inferior a 100 Km/hora.
4. Nessa altura, o peão, assistente, fazia a travessia da referida avenida, no sentido sul-norte, pela passadeira de peões que ali se encontra devidamente delimitada no pavimento.
5. A assistente já havia percorrido a passadeira na semifaixa de rodagem do lado esquerdo, considerando o sentido de marcha do veículo, e iniciara a travessia da outra semifaixa, quando foi embatida pela frente do veículo.
6. Na sequência do embate, o peão foi projectado ao solo a cerca de 24,20 metros do limite da passadeira de peões e colidiu a cerca de 18 metro no separador central, acabando por cair sobre a faixa de rodagem.
7. Como consequência necessária e directa, a assistente sofreu politraumatismos, entre os quais traumatismo craneano com fractura da calote e perda de conhecimento, fractura da bacia, de ambos os braços e fractura da coluna cervical.
8. O local é uma recta com boa visibilidade, com três filas de trânsito no sentido de marcha do veículo e uma placa separadora central.
9. O tempo estava bom.
10. A sinalização semafórica que regulava a travessia dos peões funcionava devidamente e emitia luz verde.
11. O veículo deixou um rastro de travagem no piso asfaltado de cerca de 15,10 metros.
12. O condutor do veículo apercebeu-se do atropelamento e queda do peão, mas não imobilizou a viatura, pondo-se em fuga e indo posteriormente estacioná-la junto ao viaduto situado na Avenida Mouzinho de Albuquerque, em Lisboa.
13. Ao conduzir do modo descrito, com falta de cuidado e desatento, o condutor da viatura previu como possível causar perigo à circulação rodoviária e pôr em causa a integridade física alheia, mas não se conformou com tal hipótese.
14. A assistente era antes do atropelamento uma pessoa saudável e muito robusta, com 32 anos de idade.
15. Exercia as funções de cozinheira num restaurante, em Lisboa, auferindo por mês cerca de 350 euros.
16. Como consequência necessária e directa do embate, a assistente recebeu tratamento médico no serviço de urgência do Hospital de São José, onde ficou internada até ao dia seguinte.
17. Daí foi transferida para o hospital da área da sua residência, o Hospital de Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, porque este assegurava o nível de cuidados requeridos, onde ficou internada durante cerca de um mês e meio.
18. As lesões físicas sofridas com o atropelamento, projecção e posterior queda determinaram à assistente um período de incapacidade temporária total de 52 dias, de incapacidade geral parcial de 490 dias, e de incapacidade profissional total de 542 dias.
19. As lesões físicas sofridas consolidaram-se em 6.12.2004.
20. A assistente ficou portadora de sequelas anátomo-funcionais que lhe conferem uma Incapacidade Permanente Geral Parcial fixável em 35 %.
21. Apresenta limitação moderada dos movimentos de flexão e abdução da anca, e discreta do movimento de flexão do joelho à esquerda.
22. As vértebras cervicais da assistente fracturadas como consequência do embate encontram-se consolidadas, inexistindo complicações neurológicas ou ortopédicas passíveis de correcção cirúrgica.
23. Esta incapacidade é impeditiva do cabal exercício da profissão de ajudante de cozinha, sendo contudo compatível com outras profissões na área da sua preparação técnico-profissional.
24. A assistente ficou também a padecer de um dano estético permanente qualificável como médio.
25. Como consequência necessária e directa do embate, a assistente sofreu dores intensas no seu corpo.
26. Presentemente, locomove-se autonomamente, sem apoio, embora claudicando.
27. No plano psicológico, a assistente ficou profundamente afectada.
28. Passou a ter medo de atravessar a estrada, treme perante a aproximação de um automóvel, grita e fica descontrolada quando ouve algum ruído de travagem.
29. A assistente necessita de ajuda quotidiana para a realização de algumas tarefas básicas tão só limitada a algumas horas por dia.
30. É admissível que com a idade se agravem as queixas álgicas da assistente .
31. A assistente deixou de poder levantar pesos.
32. Irá padecer sempre de fortes dores na bacia, na coluna, na cervical, na perna esquerda, nos braços e punhos esquerdo e direito.
33. Terá muitas dificuldades em permanecer de pé, sentada ou até mesmo deitada.
34. A assistente no futuro necessitará de tratamentos médicos e medicamentosos regulares.
35. O arguido é titular de autorização de residência em Portugal válida.
36. Obteve carta de condução portuguesa em 1997.
37. Encontra-se no nosso país desde 1992.
38. Tem o curso de hotelaria.
39. Trabalha como empregado de balcão.
40. Aufere por mês cerca de 600 euros.
41. Compartilha a casa de habitação com dois amigos.
42. Tem um filho que vive com a mãe na Guiné-Bissau.
43. Conta com uma condenação inscrita no certificado de registo criminal junto a fls. 187-188.
44. O arguido é proprietário do veículo com a matrícula MX.
45. A demandada Companhia de Seguros …, como contrapartida do pagamento periódico de um prémio pelo arguido, assumiu o risco pelos prejuízos causados a terceiros pelo veículo MX, sem limite de capital, conforme apólice Nº … documentada a fls. 519 que se dá por integralmente reproduzida.
46. A demandada seguradora pagou à assistente a título de abonos de vencimentos e de transportes a quantia global de € 5173,92.Dos factos constantes da acusação e do pedido de indemnização civil não se provou que:
- o arguido conduzia o veículo.
***
Dos demais factos positivos alegados no pedido civil, não se provou que:
- A assistente ficou a padecer de incapacidade total e permanente para o trabalho,
- Tem uma incapacidade total e permanente definitiva,
- Necessita de ajuda permanente de uma pessoa para a realização de tarefas diárias básicas,
- Deixou de virar para sempre o pescoço para a direita e para a esquerda,
- Os problemas na cervical provocaram-lhe várias hérnias discais,
- partiu um dedo da mão direita,
- vive com um grau de incapacidade na ordem dos 70% e que se manterá para o resto da vida,
- vai ter que se sujeitar a pelo menos quatro intervenções cirúrgicas,
- o vestuário da assistente ficou inutilizado, no valor global de € 250,
- um fio de ouro, uma pulseira e um relógio de pulso da assistente desapareceram, no valor total de € 750.
Dos factos alegados na contestação do arguido, não se provou que:
- o arguido estacionou o carro, com a matrícula MX, junto da Rotunda das Olaias,
- deixou-o aberto e com as chaves de ignição,
- o arguido ficou em casa toda a noite a dormir,
- no dia do acidente, por volta das 11H, quando saiu de casa para ir trabalhar, ao dirigir-se ao local onde havia estacionado o carro, o arguido não o encontrou.
Provaram-se todos os factos positivos alegados na contestação da demandada seguradora.
A decisão fáctica antecedente formou-se a partir das declarações prestadas em audiência pelo arguido, pela assistente, e demais testemunhas ouvidas, (L) (seguia a pé), (A) (passageiro de automóvel), de acusação, (Z) (amiga da assistente), (M) (amiga da assistente), (R), (I) (cunhados), (P) (ex-marido), (C) (companheira do ex-marido), (F) (cunhado), do pedido civil, (AD) (colega de trabalho do arguido), de defesa, bem como da ponderação global do teor da participação junta a fls. 8 a 17, dos documentos juntos a fls. 19-20, 30 a 42, 274 a 285, 519 a 523, dos exames médicos e documentos clínicos de fls. 13, 85 a 91, 93, 160 a 177, 286 a 304, 334 a 342, 354 a 375, 384 a 393, 409, 412, 502 , e dos documentos juntos a fls. antecedentes.
Sobre a dinâmica do embate, resultou evidente do depoimento da assistente e das testemunhas de acusação, conjugado com a análise da participação, que o condutor do veículo desrespeitou o sinal vermelho e fez avançar a viatura indo atropelar a assistente, que atravessava a via em cima da mesma, quando o semáforo emitia a luz verde para os peões.
Suscitaram-se, porém, dúvidas sobre a identidade do indivíduo do sexo masculino que conduzia o veículo, pois as testemunhas de acusação não o visualizaram durante um período temporal suficiente que permitisse o seu reconhecimento, nem a própria assistente. Acresce que o arguido apresentou uma versão, em parte comprovada por documentos juntos aos autos. Assim, é patente que não foram carreados aos autos elementos probatórios suficientes para afastar essa versão, cabendo à acusação provar que era o arguido quem conduzia o veículo.
Relativamente ao pedido de indemnização civil, importou o depoimento da assistente e das testemunhas ouvidas, seus familiares e amigos, que demonstraram ter conhecimento directo do que relataram, e a análise dos elementos clínicos e exames médicos. Ora, algumas das consequências alegadas no pedido civil quanto ao grau de incapacidade parcial permanente da assistente e sequelas físicas que passaram a afectá-la excedem largamente as conclusões médico-legais do exame final do I.M.L. junto a fls. 384 a 393, que como é óbvio deve prevalecer por estarem em causa especiais conhecimentos técnicos e científicos (nº 1 do artigo 163º do C.P.Penal).
Por último, atendeu-se ao depoimento do arguido para a caracterização dos aspectos pessoais e sócio-económicos e às declarações da testemunha de defesa, que abonou a favor da sua personalidade e boa conduta. Para os antecedentes criminais relevou o teor do certificado junto a fls. 187-88.
III- APRECIANDO.
A Recorrente invoca erro de julgamento no que concerne à apreciação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
Argumenta que o Tribunal “ a quo “ julgou mal ao dar como não provado que o Arguido conduzia o veículo no momento em que ocorreu o acidente estradal, pois a prova produzida não permite essa conclusão.
Ora, a prova produzida quanto a tal facto estribou-se nas declarações do Arguido que negou que, no momento em causa, conduzisse o veículo e apresentou uma versão de que deixara o carro estacionado com as chaves no interior e que o mesmo foi furtado por desconecidos. Esta versão não foi, e bem, considerada provada
Não tem razão.
Na verdade, nem a Assistente nem as testemunhas presenciais visualizaram o condutor do veículo o tempo suficiente que permitisse o seu reconhecimento. As semelhanças físicas e o facto de o Arguido ter já antecedentes de condução sob o efeito do álcool, invocados pela Assistente, não são nem de longe suficientes para impor a condenação do Arguido pelo crime de que vem acusado.
Pelo que bem andou o Tribunal “ a quo “ ao absolver o Arguido do crime de que vem acusado, improcedendo nesta parte o recurso.
Mas se suscitaram dúvidas sobre a identidade do indivíduo que conduzia o veículo, o que impôs a absolvição do Arguido, já o mesmo não sucede no que respeita à dinâmica do embate.
Na verdade, resultou provado que o condutor do veículo desrespeitou o sinal vermelho e foi atropelar a Assistente, que atravessava a via em cima passadeira de peões, que se encontra devidamente delimitada no pavimento, quando o semáforo emitia a luz verde para os peões e a assistente já havia percorrido a passadeira na semifaixa de rodagem do lado esquerdo, considerando o sentido de marcha do veículo e iniciara a travessia da outra semifaixa.
Assim, verifica-se que não se pode assacar qualquer espécie de culpa, à Assistente, na produção do acidente.
Apurou-se que o veículo que causou o embate é o ligeiro de passageiros, com a matrícula MX, marca «SEAT», modelo «IBIZA», vermelho.
E que a demandada Companhia de Seguros , como contrapartida do pagamento periódico de um prémio pelo proprietário, assumiu o risco pelos prejuízos causados a terceiros pelo veículo MX, sem limite de capital, conforme apólice Nº .... documentada a fls. 519 que se dá por integralmente reproduzida.
A questão relativa à responsabilidade pelos danos decorrentes do embate enquadra-se nas regras do seguro obrigatório estabelecidas no Dec. Lei n.º 522/85 de 31 de Dezembro, o qual, como se vê do seu preâmbulo, se revelou uma medida de alcance social, inquestionável, que, com o decurso do tempo, apenas impõe reforçar e aperfeiçoar, procurando dar uma resposta cabal aos legítimos interesses. dos lesados por acidentes de viação.
Normas aplicáveis no caso em análise.
Art.º 1.º.
1 — Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veiculo terrestre a motor, seus reboques ou semi-reboques, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se, nos termos do presente diploma, coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade. (...).
Art.º 2.º. 1 — A obrigaçãode segurar impende sobre o proprietário do veiculo, exceptuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a referida obrigação recai, respectivamente, sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário. (...).
Art.º 8.º. l — O contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no artigo 2.° e dos legítimos detentores e condutoresdo veiculo. 2—O seguro garante ainda a satisfação das indemnizações devidas pelos autores de furto, roubo, furto de usodo veículo ou de acidentes de viação dolosamente provocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 3 — Nos casos de roubo, furto ou furto de uso de veículos e acidentes de viação dolosamente provocados o seguro não garante a satisfação das indemnizações devidas pelos respectivos autores e cúmplices para com o proprietário, usufrutuário, adquirente com reserva de propriedade ou locatário em regime de locação financeira, nem para com os autores ou cúmplices ou para com os passageiros transportados que tivessem conhecimentoda posse ilegítima do veículo e de livre vontade nele fossem transportados.
Art.º 19.º. Satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso: a) Contra o causador do acidente que o tenha provocado dolosamente; 6) Contra os autores e cúmplices de roubo, furto ou furto de uso do veículo causador do acidente; c) Contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandonado o sinistrado;
d) Contra o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude de queda de carga decorrente de deficiência de acondicionamento;
e} Contra o tomador do seguro» aos termo» do n.º 2do artigo 6.° do Decreto-Lei n° 162/84, de 18 de Maio;
f) Contra o responsável pela apresentação do veículo a inspecção periódica que não tenha cumprido a obrigação decorrente do disposto no n.° 2 do artigo 36° do Código da Estrada e diplomas que o regulamentam, excepto se o mesmo provar que o sinistro não foi provocado ou agravado pelo mau funcionamento do veículo.
Em suma, nos termos dos preceitos citados, havendo seguro obrigatório, como é o caso dos autos, este cobre os danos causados quer por quem furtou o veículo quer por qualquer outro condutor.
Assim sendo, ao contrário do que vem decidido pelo Tribunal “ a quo “, a Demandada Companhia de Seguros, responde, nos termos da apólice, pelos danos causados pelo acidente e terá direito de regresso, depois de indemnizar os danos a que a Assistente tiver direito, contra quem quer que fosse o condutor do veículo - «SEAT IBIZA», com matrícula MX -.
Quanto aos danos.
A Assistente põe em causa a decisão relativamente à fixação da incapacidade de que ficou a sofrer em consequência do acidente, alegando que a matéria fixada não corresponde à que resulta dos depoimentos das testemunhas e dos relatórios médicos que oportunamente juntou aos autos.
Invoca que o Tribunal “ a quo “ andou mal quando:
Não deu como provado que passou a sofrer de uma incapacidade total, permanente e definitiva.
Não deu como provado que necessita de ajuda permanente de uma pessoa para a realização de tarefas diárias básicas.
Não deu como provado que sofre de uma incapacidade permanente geral parcial fixável em 47 % e de uma capacidade especifica para o exercício da profissão de 70%.
Não deu como provado que a incapacidade de que passou a sofrer em consequência do acidente de viação, seja, compatível com outras profissões na área da sua preparação técnica.
Relativamente, ao problema de não virar o pescoço para a direita e para a esquerda, da cervical ter provocado várias hérnias e de ter partido um dedo da mão direita, ao contrário do que a Mm° Juiz de Direito considerou, ficou provado que a assistente sofre de todos esses problemas.
Indica como provas que impõem decisão diferente o depoimento das testemunhas do Pedido Cível e o teor de um relatório médico junto aos autos, que prova que a assistente irá precisar de ajuda na realização das tarefas diárias básicas.
Pretende que seja dada relevância aos relatórios médicos elaborados pelos técnicos de saúde que acompanham a assistente desde o dia do acidente de viação até à presente data a fim de que sejam dados provados supra citados.
Relembrando a motivação. Relativamente ao pedido de indemnização civil, importou o depoimento da assistente e das testemunhas ouvidas, seus familiares e amigos, que demonstraram ter conhecimento directo do que relataram, e a análise dos elementos clínicos e exames médicos. Ora, algumas das consequências alegadas no pedido civil quanto ao grau de incapacidade parcial permanente da assistente e sequelas físicas que passaram a afectá-la excedem largamente as conclusões médico-legais do exame final do I.M.L. junto a fls. 384 a 393, que como é óbvio deve prevalecer por estarem em causa especiais conhecimentos técnicos e científicos (nº 1 do artigo 163º do C.P.Penal).
Cumpre questionar se tão sintética motivação cumpre os requisitos legais atinentes.
Os requisitos da sentença, acto decisório por excelência, são pormenorizadamente indicados na lei, no artigo 374° do Código de Processo Penal. E a falta das menções referidas dos ns.º 2 e 3 de tal preceito é cominada com a nulidade nos termos do artigo 379.° n.° l al. a), do mesmo diploma. Os motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados « thema decidendum», nem os meios de prova « thema probandum», mas os elementos que em razão das regras de experiência comum ou de critérios lógicos constituam o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência ( cfr. Marques Ferreira in Jornadas de Direito Criminal 229-230).
Segundo Germano Marques da Silva as nulidades enumeradas no art.º 379 são sanáveis, se não forem arguidas, mas estão sujeitas a regime especial de arguição pois só podem ser arguidas ou conhecidas em recurso interposto da sentença ( cfr. Curso de Processo Penal III, pág. 304.
No caso em apreciação o exame crítico das provas não cumpre por deficiente fundamentação o imposto no art.º 379.º, n.º 1, al. a), do CPP., porque não traduz o percurso lógico, designadamente no que concerne aos elementos clínicos e exames médicos que seguiram por largo período de tempo a Assistente, donde resulta a nulidade da sentença.
Declarada tal nulidade a decisão recorrida deve ser fundamentada de acordo com o disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.. E como a decisão de direito fica dependente da nova fundamentação, deverá o Tribunal “ a quo “, proferir nova decisão de direito no sentido acima decidido e pronunciar-se igualmente quanto ao pedido de indemnização civil formulado pela Assistente condenando a seguradora em conformidade com os danos que ficaram provados
DECISÃO.
Por todo o exposto acordam os Juizes em declarar nula a sentença nos termos do disposto no artigo 379°, n.º 1, alínea a) do C.P.P., a qual, deverá ser elaborada, em conformidade com o acima exposto, proferindo-se nova decisão de direito no sentido acima decidido, por esta Relação, e pronunciar-se igualmente quanto ao pedido de indemnização civil formulado pela Assistente condenando a seguradora em conformidade com os danos que ficaram provados.