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ASSOCIAÇÃO SINDICAL
DIREITO DE TENDÊNCIA
Sumário
I – A invocação da actual conformidade dos estatutos da Ré com a lei, em virtude da sua superveniente alteração, não constitui, face aos termos da acção (acção proposta pelo Ministério Público tendo em vista a extinção de associação sindical por os respectivos estatutos não preverem o direito de tendência), um caso de inutilidade superveniente da lide, mas de alegação de facto superveniente, com a natureza de excepção extintiva, que deverá ser apreciada no âmbito do mérito da acção. II – Tal facto, invocado após a prolação de sentença na primeira instância, é cognoscível pela Relação, em sede de recurso, desde que seja posterior ao encerramento da discussão na primeira instância e seja comprovável por documento. III – Nos termos do nº 3 do artigo 10º do Código Civil entende-se que o espírito do nosso sistema jurídico admite que o vício de que enferme o acto constitutivo de associação sindical, por os respectivos estatutos não consagrarem nem regularem o direito de tendência, pode ser sanado mediante deliberação da assembleia geral, que altere os estatutos de forma a suprir a referida omissão, deliberação essa que será relevante enquanto for proferida durante a pendência da acção intentada para a declaração da primitiva nulidade. IV – Resulta da CRP (art.º 55º nº 2 alínea e) e do Código do Trabalho (art.º 485º, nº 1, al. f)) que os estatutos da associação sindical devem não só consagrar o direito de tendência, mas também regulá-lo, isto é, dizer em concreto de que forma este se poderá ou deverá exercer. V – Não satisfazem as referidas exigências legais e constitucionais os estatutos que, para além do reconhecimento genérico do direito de tendência, remetem a concretização da forma do seu exercício para normas regulamentares a definir e aprovar pelo conselho geral, sob proposta da direcção. (JL)
Texto Integral
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Em 21 de Abril de 2005 o Ministério Público intentou nas Varas Cíveis de Lisboa acção declarativa com processo ordinário contra “Sindicato .
Alegou, em síntese, que a Ré foi constituída por deliberação em assembleia constituinte realizada em 03 de Janeiro de 2005. Porém, os respectivos estatutos, que foram registados e publicados nos termos legais, não contêm quaisquer normas que regulamentem o exercício do direito de tendência dos associados. Tal omissão contende com o prescrito no artigo 485º, nº 1, alínea f) do Código do Trabalho, o que acarreta a nulidade dos estatutos e consequentemente do acto de constituição da Ré.
O Autor termina pedindo que seja declarada a nulidade do acto de constituição e dos estatutos da Ré e em consequência seja declarada a extinção desta, nos termos previstos no artigo 483º nº 4 do Código de Trabalho.
A Ré contestou, negando que os estatutos enfermem da omissão que lhe é imputada e defendendo que opinião contrária redundaria na aplicação de normativo legal que, com a interpretação apresentada pelo Autor, seria inconstitucional, por dos preceitos constitucionais (maxime a alínea e) do nº 2 do art.º 55º) decorrer a liberdade de organização e regulamentação das associações sindicais.
A Ré concluiu pela improcedência da acção.
Em 14.12.2006 realizou-se audiência preliminar, no decurso da qual foi proferida sentença que julgou a acção procedente e em consequência declarou a nulidade dos estatutos da Ré e a consequente extinção desta.
Em 05.01.2007 a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, o qual em 07.02.2007 foi recebido com fixação de efeito suspensivo, para o que a Ré prestou caução.
Em 02.3.2007 o Ministério Público requereu a junção aos autos de expediente que recebera do Ministério do Trabalho após a prolação da referida sentença, atinente a alteração dos estatutos da Ré (fls 108 a 120 dos autos).
Notificado de tal requerimento, em 13.3.2007 a Ré, após alegar que conforme resulta da documentação junta pelo Autor e da documentação ora apresentada pela Ré, esta promoveu a alteração dos seus estatutos, a qual foi aprovada em assembleia geral extraordinária que se realizou em 22.01.2007 e foi publicada no Boletim do Trabalho e Emprego de 28.02.2007. Nos termos dessa alteração os estatutos da Ré passaram a prever expressamente o direito de tendência e a regulação do exercício desse direito pelos associados.
Concluiu requerendo que, em consequência, seja declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente.
Em 23.3.2007 o Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento do aludido requerimento, alegando que embora da revisão dos estatutos da Ré resulte que o actual texto estatutário está conforme as normas legais aplicáveis, a Ré já não pode requerer a extinção da instância com fundamento na inutilidade da lide, porque proferida a sentença, ficou esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo certo que a instância se extinguiu com o julgamento, pelo que só o Tribunal da Relação de Lisboa poderá alterar o decidido na 1ª instância por via de recurso e com base nos documentos juntos após a prolação da sentença recorrida.
Em 09.4.2007 a Ré juntou aos autos a alegação do recurso de apelação.
Em 24.5.2007 o Ministério Público contra-alegou.
Em 11.7.2007 foi proferido despacho que ordenou o desentranhamento do requerimento e dos documentos que o acompanhavam apresentados pelo Ministério Público em 02.3.2007, por se entender que os mesmos haviam sido apresentados quando já havia sido ultrapassada a fase da junção de documentos em 1ª instância.
Na mesma data o tribunal a quo indeferiu o supra referido requerimento de declaração da inutilidade superveniente da lide, com o fundamento que se mostra esgotado o poder jurisdicional do juiz da primeira instância quanto à matéria em causa.
Os dois despachos supra referidos transitaram em julgado.
Na alegação da apelação a Ré formulou as seguintes conclusões:
1. Em sede de questão prévia e decorrendo da tramitação dos autos verifica-se que o Sindicato ora Recorrente promoveu a revisão dos seus estatutos que foi publicada no Boletim de Trabalho e Emprego n.° , conforme consta do documento n.° 1 junto com o requerimento do ora Recorrente de 13/03/2007.
2. Tendo sido alterada o teor da alínea j) do n.° 1 do art. 10.° e aditado o art. 10.° -A, que, respectivamente, prevêem o direito de tendência e a regulação do exercício do mesmo pelos associados, os estatutos do Recorrente não padecem de qualquer eventual ilegalidade, designadamente a sindicada nos autos.
3. Como tal, comprovada que está a inteira legalidade dos estatutos do Recorrente em vigor, verifica-se a inutilidade superveniente da presente lide, o que foi requerido no citado requerimento do ora Recorrente de 13/03/2007 e mereceu oposição do Recorrido.
4. Dado que inexistiu decisão do Tribunal de 1ª Instância até a final do prazo para alegações em sede de recurso, cumpre suscitar a presente questão prévia, no presente articulado.
5. Emerge o presente recurso da sentença de fls…, que julgou procedente e provada a acção intentada pela Recorrida e condenou o ora Recorrente no pedido, decretando a nulidade dos seus estatutos com base nos arts. 280.°, 294.° e 295.º, do Código Civil e 483.º, n.°s 1 e 4, do Código de Trabalho e, com base no disposto no art. 483.º, n.° 4, do Código de Trabalho, a extinção da Recorrente.
6. Essencialmente, o direito de tendência visa assegurar a integração das minorias nas organizações sindicais.
7. Todavia, a Constituição da República, deixa aos sindicatos, no âmbito do princípio da liberdade de organização interna e de regulamentação interna das associações sindicais, a prerrogativa de regular nos seus estatutos as formas de direito de tendência (art. 55.°, 1.°, c) e e) da CRP).
8. O legislador impôs às associações sindicais a obrigatoriedade destas nos seus estatutos consagrarem e regularem o exercício do direito de tendência, sem todavia determinar a forma dessa regulação.
9. "O direito de tendência constitui, em qualquer caso, um direito sob reserva estatutária. Não cabe por isso à lei concretizar a forma como o direito de tendência é exercido. Da Constituição resulta, por outras palavras, que a concretização do direito de tendência constitui matéria que cabe no âmbito da liberdade sindical ou, mais concretamente, no domínio da liberdade estatutária que ela envolve." in "Constituição Portuguesa Anotada", de Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo 1, fls. 545.
10. O Tribunal Constitucional tem entendido que em matéria de estatutos de associações sindicais a lei ordinária não pode estabelecer limites à liberdade de organização e de regulamentação dos sindicatos para além dos que são impostos pela própria lei fundamental (Acs. do Tribunal Constitucional, de 10 de Dezembro de 1986 e 26 de Novembro de 1991, o primeiro in DR, 2.a Série, n.° 65, de 19 de Março de 1987, pág. 3485).
11. Prevalecem assim os princípios de auto-organização, auto-regulamentação e auto-governo em matéria dos estatutos das associações sindicais.
12. Desta forma, o citado comando constitucional apenas veda a omissão estatutária de formas de actuação garantidas no âmbito da associação sindical que assegurem a integração das minorias nas organizações sindicais.
13. O normativo do art. 485.°, n.° 1, al. f) do Código de Trabalho não pode sobrepor-se ao preceito constitucional e conter exigência diversa.
14. Não resulta da norma constitucional ou legal a obrigatoriedade de referir expressamente no texto estatutário a expressão "direito de tendência" desde que este, em concreto, seja admitido e regulado, nas formas estatutariamente determinadas.
15. O direito de crítica nos estatutos do Réu está previsto na alínea j) do n.° 1 do art. 1.° dos estatutos do Recorrente, com o seguinte teor: "Exercer o direito de crítica, com observância das regras da democracia, e sem quebra da força da coesão sindical e sem que tal implique uma clara e manifesta obstrução das competências de quaisquer dos órgãos sociais da presente associação sindical democraticamente eleitos."
16. O direito de tendência subsume-se no direito de crítica, na supra citada perspectiva de assegurar a integração das minorias no âmbito da organização sindical.
17. Ao reconhecer e regular o direito de crítica, universalmente reconhecido a todos os sócios, o Recorrente, por maioria de razão, fez constar nos seus estatutos a previsão do direito de tendência.
18. Sendo o direito de crítica individualmente garantido a todos os sócios, obviamente que estes poderão (se assim o entenderem) organizar-se em "tendências sindicais" ou correntes de opinião/intervenção, no respeito dos limites previstos na alínea j) do n.° 1 do art. 10.° dos Estatutos.
19. O direito de crítica implica necessariamente a possibilidade de tomada de posição, de uma postura diferenciada das demais, de contraditório ou mesmo a assunção de uma tendência autónoma e específica no âmbito da associação sindical, o que significa a consubstanciação do direito de tendência na sua natureza jurídica.
20. A norma constante na alínea j) do n.° 1 do art. 10.° dos Estatutos do Recorrente, consagrando o direito de crítica (e, necessariamente, de tendência), satisfaz plenamente a exigência legal e constitucional de regulação do direito de tendência.
21. Reconhecido estatutariamente o direito de tendência a regulação estatutária deve possibilitar o seu exercício, inexistindo qualquer exigência legal ou constitucional da previsão de formas, formalismos, procedimentos ou processos tipificados que, hermética e especificadamente, espartilhem o exercício desse direito.
22. Nos estatutos do Recorrente a regulação do direito de crítica (e, por inerência, de tendência) verifica-se com a consagração do direito de participação dos sócios na actividade do sindicato (art. 10.0, n.° 1, a)), o direito de elegerem e serem eleitos para os órgãos sociais do Recorrente (art. 10.0, n.° 1, b)), o direito de exigência aos órgãos sociais de esclarecimento sobre a actividade desenvolvida (art. 10.°, n.° 1, f)), o direito de consulta (art. 10.0, n.° 1, h)) e o direito de utilização das instalações do Recorrente pelos seus associados (art. 10.°, n.° 1, m)).
23. Além disso, também ao nível da intervenção nos órgãos estatutários do Recorrente foram estatutariamente previstos direitos que viabilizam o exercício do direito de crítica (e de tendência).
24. Os sócios podem convocar e submeter propostas para apreciação e deliberação de dois órgãos deliberativos do Recorrente.
25. Nos termos dos arts. 16.°, n.° 1, alínea g) e 22.°, n.° 1 dos Estatutos de Recorrente, 10% dos sócios, no pleno gozo dos seus direitos sindicais, podem requerer a realização de reunião da assembleia geral e do conselho geral, submetendo à apreciação destes os assuntos ou questões que entendam suscitar.
26. A consagração estatuária de um conselho geral, as competências previstas no art. 23.°, composto por 10 membros eleitos pela assembleia geral, por sufrágio directo e secreto de listas nominativas e escrutinado pelo método de Hondt, assegura que as várias tendências/correntes sindicais que venham a existir no Recorrente, poderão estar representadas neste órgão.
27. Em suma, atento o grau de liberdade e autonomia que a alínea e) do n.° 2 do art. 55.° da C.R.P. confere, o Recorrente previu nos respectivos estatutos o direito de tendência e suas formas de exercício, de acordo com a sua natureza específica enquanto associação sindical.
28. O que não significa insuficiência ou exclusão de previsão estatutária do direito de tendência, antes a respectiva previsão numa forma mais lata e ajustada à linha do sindicalismo independente em que o Recorrente se inscreve.
29. Sendo certo que o Recorrente enquanto associação sindical rege-se pelos princípios do sindicalismo livre e independente, sem vinculação ou subordinação a qualquer força ou tendência política.
30. A limitação dos estatutos do Recorrente pelas normas legais invocadas e interpretadas da forma que o foram na douta sentença sob recurso, designadamente o art.° 485.°, n.° 1, al. f) do Código de Trabalho redundaria na aplicação de normativo legal que revelar-se-ia inconstitucional, atenta a jurisprudência antes referida e a alínea e) do n.° 2 do art. 55.° da C.R.P..
31. Inconstitucionalidade essa que já invocada e que ora se reitera desde já, para os devidos efeitos.
32. Em suma, a douta sentença ora recorrida violou os arts. 280.0, 294.° e 295.°, do Código Civil e 483.°, nºs 1 e 4 e 483°, n.° 4 do Código de Trabalho e a alínea e) do n.° 2 do art. 55.° da C.R.P..
A apelante termina pedindo que a sentença seja revogada e a apelante absolvida do pedido.
O Ministério Público formulou, na sua contra-alegação, as seguintes conclusões:
1. O Ministério Público veio instaurar a presente acção declarativa de nulidade, sob a forma de processo ordinário, contra a Ré, tendo alegado na petição que os Estatutos da Ré não continham quaisquer normas que regulamentassem o exercício do direito de tendência dos associados sendo que tal omissão contendia com o prescrito no art° 485°, nº1, al. f) do Código do Trabalho e por violar preceito legal de carácter imperativo, acarretaria a nulidade dos estatutos - arts. 280°, 294° e 295°, todos do Código Civil e a nulidade do acto de constituição da Ré pelo que foi peticionada a declaração da sua extinção nos termos previstos no art° 483°, nº 4 do Código do Trabalho.
2. Em 14 de Dezembro de 2006 foi realizada audiência preliminar tendo sido proferida sentença a julgar procedente a acção, tendo sido declarada a nulidade dos Estatutos da Ré e a consequente extinção desta.
3. Desta sentença foi interposto o presente recurso, pelo que a mesma não transitou em julgado.
4. Conforme se encontra documentado nos autos, a Ré em Assembleia Geral realizada em 22 de Janeiro de 2007 deliberou proceder à revisão dos estatutos, sendo que o actual texto estatutário está conforme com as normas legais de natureza imperativa aplicáveis, designadamente com o preceituado no art.º 485º, n° 1, al. f) do Código do Trabalho.
5. Os documentos comprovativos da alteração dos Estatutos da Ré foram juntos aos autos em 2 de Março de 2007.
6. A versão original dos Estatutos da Ré não continha o direito de tendência o qual não se confunde com o direito de crítica como pretende a Ré, violando assim a referida norma do Código do Trabalho de carácter imperativo, o que determinava a nulidade global do acto de constituição e dos estatutos da Ré nos termos das disposições conjugadas dos arts. 280°, 294° e 295° todos do Código Civil.
7. A garantia constitucional da consagração do direito de tendência obriga a que os Estatutos da associação sindical em referência definam, em concreto, através da competente regulamentação, os termos e condições em que se efectivará o respectivo exercício. O que terá assim obrigatoriamente de constituir parte integrante dos Estatutos da Ré – Apelante, para além da declaração em abstracto do seu formal reconhecimento.
8. Existia, assim, violação do disposto no art° 485°, nº 1, al. f), do Código do Trabalho, conforme o referido na douta sentença recorrida, não se encontrando à luz do critério adoptado pelo legislador, garantido o efectivo exercício do direito de tendência, enquanto pilar da democraticidade das associações sindicais.
9. Deste modo, a douta sentença recorrida decidiu correctamente, ao julgar a acção procedente, declarando a nulidade dos Estatutos da Ré e a consequente extinção desta, pelo que não deverá a mesma ser revogada, por não se mostrarem ofendidos os preceitos legais invocados pela Apelante.
10. Contudo, após a prolação da sentença recorrida, a Ré procedeu à revisão dos Estatutos, tendo feito inserir nos mesmos o direito de tendência e a regulação do exercício de tal direito, por forma a que actualmente o texto estatutário não enferma de qualquer ilegalidade.
11. Segundo dispõe o art° 287°, al. e) do CPC a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide funcionam como causas de extinção da instância.
12. A instância extingue-se por inutilidade superveniente da lide quando, na pendência da causa, desapareça a sua razão de ser, isto é quando sobrevenha a falta de interesse em agir.
13. A extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, opera em qualquer estado da causa e, assim, até ao trânsito em julgado da decisão final por analogia com o que acontece com a desistência, confissão e transacção, nos termos do disposto no art° 293° do CPC.
14. A expressão "em qualquer altura'', constante do n°1 do art° 293° do CPC, significa em qualquer estado da causa, enquanto não houver sentença com trânsito que ponha termo à instância.
15. A revisão do texto estatutário da Ré realizou-se e foi comprovada nos autos, antes do trânsito em julgado da douta sentença recorrida, pelo que verifica-se a inutilidade superveniente da lide, nos termos previstos no art° 287°, al. e) do CPC e operando esta causa de extinção da presente instância a decisão de mérito torna-se ineficaz não produzindo quaisquer efeitos jurídicos –art° 493°, n02 do CPC.
16. Devendo ser proferida sentença a julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide de acordo com o disposto no art° 287°, al. e) do CPC.
O apelado termina pedindo que seja negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente e mantida a decisão recorrida, devendo ser proferida sentença a julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide de acordo com o disposto no art° 287° al. e) do CPC.
Foram colhidos os vistos legais. FUNDAMENTAÇÃO
Neste recurso há que apreciar quatro questões: se ocorreu facto gerador de inutilidade superveniente da lide; no caso de resposta negativa a esta questão, se os estatutos da Ré são nulos, face à primeira versão dos mesmos; no caso de resposta positiva a essa questão, se é possível levar em consideração no processo a invocada alteração dos estatutos; em caso de resposta positiva a essa questão, se a referida alteração adequou os estatutos aos termos da lei, obstando à dissolução da Ré. Primeira questão (inutilidade superveniente da lide)
A instância extingue-se, nomeadamente, por inutilidade superveniente da lide (artigo 287º, alínea e) do Código de Processo Civil). Esta dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida, deixando a solução do litígio de interessar por o resultado visado já ter sido atingido por outro meio (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, volume 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 512). Assim, por exemplo, a realização de divórcio por mútuo consentimento no registo civil e o acto de perfilhação inutilizam, respectivamente, acção de divórcio litigioso anteriormente instaurada e acção de investigação de paternidade pendente.
No caso dos autos o Ministério Público pretende que seja decretada a extinção da associação sindical Ré em virtude de os respectivos estatutos enfermarem de nulidade, por afrontarem preceito legal imperativo, isto é, não preverem nem regularem o direito de tendência dos respectivos associados. A Ré defende (com a aquiescência, diga-se, do A./Apelado) que a lide tornou-se supervenientemente inútil, na medida em que, por deliberação tomada em assembleia geral extraordinária, os estatutos da associação sindical Ré foram alterados, passando a prever e a regular o direito de tendência.
Vejamos.
O objecto da acção, ou melhor, a pretensão expressa pelo Ministério Público neste processo não é a adequação dos estatutos da Ré a determinados imperativos legais, através da (forçada) inclusão nos estatutos de preceitos que supram a omissão aludida, mas sim a dissolução da associação sindical, como consequência da omissão desses preceitos. Assim, a mencionada alteração aos estatutos tem um objectivo contrário ao efeito pretendido pelo Ministério Público com a instauração da acção, não podendo dizer-se que inutiliza o prosseguimento da lide. A alegação da aludida alteração aos estatutos, com a pretendida virtualidade de se obstar ao decretamento da extinção da associação sindical, consubstancia a invocação de ocorrência superveniente duma excepção extintiva, cuja eventual apreciação dá lugar a uma decisão de mérito, contrariamente à mera constatação da inutilidade superveniente da lide, que dá lugar à extinção da instância sem apreciação do mérito da causa (cfr. Lebre de Freitas, obra citada, pág. 512).
Concluindo: a invocação da actual conformidade dos estatutos da Ré com a lei, em virtude da sua superveniente alteração, não constitui, face aos termos da acção, um caso de inutilidade superveniente da lide, mas de alegação de facto superveniente, com a natureza de excepção extintiva, que deverá ser apreciada no âmbito do mérito da acção. Passar-se-á, assim, a apreciar a Segunda questão (da nulidade dos estatutos da Ré, na sua versão original)
Está provada a seguinte Matéria de Facto
A) Em assembleia constituinte realizada no dia 3 de Janeiro de 2005, foi deliberada a constituição da associação sindical ora ré, nos termos da acta que se junta como documento n.° 1.
B) Os estatutos foram objecto de registo no Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social.
C) O Ministério do Trabalho e da Segurança Social, nos termos do art.° 483.°, n.° 4, do Código de Trabalho, deu conhecimento dos estatutos da ré ao Ministério Público.
D) Os estatutos da ré, na versão supra referida, têm o teor constante do documento nº 1 junto aos autos, de que se destacam os seguintes trechos: ESTATUTOS CAPITULO 1 Denominação, duração, sede e âmbito
Artigo 1º
Denominação O SINDICATO , adiante designado por S, é uma associação permanente de trabalhadores que se rege pelos presentes estatutos, pelos regulamentos internos aprovados pelos órgãos estatutariamente competentes, e supletivamente, pela legislação aplicável em vigor, constituindo-se por tempo indeterminado.
(…) ARTIGO 3.° Âmbito 1. - O S representa os interesses sócio profissionais dos trabalhadores por conta de outrém, que não sejam funcionários públicos, e que independentemente da sua função ou categoria profissional, exerçam a sua actividade laborai na área do comércio e serviços. 2.-O S representa ainda os interesses sócio profissionais dos trabalhadores da área do comércio e serviços quando colocados na situação de pré reforma, invalidez, invalidez presumida ou similar. 3. O S exerce a sua acção em todo o território nacional.
(…) CAPÍTULO II Princípios fundamentais, fins, objectivos e competência ARTIGO 5° Princípios fundamentais 1.- O S é uma associação sindical autónoma, independente do Estado, do patronato e de associações de qualquer natureza, designadamente de carácter político e religioso, e orienta a sua acção pelos princípios do sindicalismo democrático, livre e independente. 2.-O S defende a solidariedade entre todos os trabalhadores, em especial os do sector do comércio e serviços, no respeito pelas características próprias de cada grupo ou categoria profissional. 3.- O S defende a supressão de todas as injustiças sociais e económicas, através da criação de condições para a construção de uma sociedade democrática, no quadro de um Estado de Direito. 4.- O S baseia o seu funcionamento em eleições periódicas, por escrutínio secreto, dos seus órgãos sociais estatutariamente definidos e na participação plena e activa dos seus associados. ARTIGO 6° Fins e objectivos 1.- Constituem fins e objectivos do S: a) Representar, defender e promover, por todos os meios ao seu alcance, os legítimos interesses sócio profissionais, éticos e morais dos seus associados; b) Defender a melhoria das condições de acesso do sistema público de assistência na situação de doença; c) Lutar pela salvaguarda dos direitos adquiridos e pela melhoria do regime de reforma dos seus associados; d) Defender a estabilidade de emprego dos seus associados; e) Intervir e participar na fixação das condições de trabalho; f) Promover e organizar acções que conduzam à satisfação das reivindicações, democraticamente expressas dos seus associados; g) Intervir, defender e participar nas questões relacionadas com a higiene, segurança e saúde nos locais de trabalho; h) Intervir e participar na elaboração das leis do trabalho e nos organismos de gestão participada pelos trabalhadores, nos termos estabelecidos pela legislação em vigor; i) Lutar pela dignificação do trabalhador, enquanto ser humano; j) Lutar pela dignificação das funções exercidas pelo trabalhador; l) Fomentar e participar nas iniciativas com vista à valorização social, cultural e profissional de todos os trabalhadores seus associados; k) Promover a análise critica e a livre discussão dos problemas laborais, sociais e sindicais; m) Exercer as demais atribuições que resultem dos presentes estatutos ou de outros preceitos legais aplicáveis. 2.- A presente associação sindical terá, ainda, como objectivos: a) Desenvolver relações, associar-se, filiar-se ou participar em outras organizações sindicais, nacionais e ou internacionais, com vista ao fortalecimento do sindicalismo democrático, livre e independente; b) Contribuir para o estreitamento das ligações com associações sindicais ou de outra natureza, a nível nacional e internacional, quando estas defendam o sindicalismo democrático, livre e independente; c) Implementar regimes complementares na Saúde e Segurança Social. 3. - O S poderá ainda estabelecer relações e participar em actividades desenvolvidas por outros organismos de natureza profissional, bem como por organismos de natureza cultural, científica, técnica, ou outros, cujos objectivos concorram para a formação, valorização e defesa dos trabalhadores em geral.
(…) CAPÍTULO III Associados, direitos e deveres e quotizações Artigo 8º Associados 1.- Podem filiar-se no S todas os trabalhadores por conta de outrém, sem discriminação de raça, sexo e ideologia política, crença religiosa ou de nacionalidade, que exerçam a sua actividade profissional nos termos e condições definidas no artigo 3 ° dos presentes estatutos. 2.- Os trabalhadores referidos no artigo 57° dos presentes estatutos, não poderão, no entanto, fazer parte da Direcção, do Conselho Geral e do Conselho de Disciplina da presente associação. 3. - Aos associados que exerçam cargos em quaisquer órgãos sociais da presente associação sindical, é vedado o exercício, em simultâneo, de quaisquer cargos de Direcção em partidos políticos, instituições religiosas ou outras associações relativamente às quais exista conflito de interesses. 4. - O pedido de filiação será apresentado à Direcção que dele decidirá, no prazo máximo de trinta dias. 5. - O pedido de filiação implica a aceitação expressa dos presentes estatutos e demais regulamentos internos da presente associação sindical. 6. - A Direcção poderá recusar a filiação de um candidato, devendo no entanto, notifica-lo da sua deliberação no prazo máximo de trinta dias após a tomada da mesma. 7. - Da deliberação da Direcção sobre a recusa de filiação de um candidato cabe recurso para a Conselho Geral, no prazo de dez dias, devendo o mesmo ser acompanhado das respectivas alegações escritas. 8..- A deliberação do Conselho Geral deve ser tomada na primeira reunião ordinária que venha a ter lugar e da mesma não cabe recurso. 9.. - Nenhum associado pode ser simultaneamente representado a título da mesma profissão ou actividade por Sindicatos diferentes. 10..- Pode manter a qualidade de associado do sindicato todo o trabalhador que deixe de exercer a sua actividade, mas não passe a exercer outra não representada pelo mesmo sindicato ou não perca a condição de trabalhador por conta de outrém.
(…) ARTIGO 10° Direitos dos associados 1.- Constituem direitos dos associados do S: a) Participar em toda a actividade do S; b) Eleger e ser eleito para os órgãos sociais da presente associação sindical, nas condições fixadas nos presentes estatutos; c) Beneficiar de todas as condições de trabalho e outros direitos sociais, obtidos pela intervenção sindical da presente associação sindical. d) Beneficiar de todos os serviços directa ou indirectamente prestados pela presente associação sindical; e) Beneficiar dos fundos de solidariedade ou de outros, de qualquer natureza, nos termos dos respectivos regulamentos; f) Exigir dos órgãos sociais esclarecimentos sobre a actividade desenvolvida pela presente associação nos termos dos presentes estatutos; g) Recorrer para o Conselho Geral das decisões da Direcção, quando estas contrariem a lei, os estatutos ou regulamentos internos; h) Examinar, na sede do S, todos os documentos de contabilidade, assim como as actas dos órgãos sociais, nas condições que para o efeito forem estabelecidas pela Direcção, mediante regulamento interno por esta elaborado; i) Requerer nos termos estatutários a sua demissão da presente associação, mediante comunicação por escrito dirigida ao Presidente da Direcção, sem prejuízo do pagamento das quotizações ou outras quantias em dívida; j) Exercer o direito de crítica, com observância das regras da democracia, e sem quebra da força de coesão sindical e sem que tal implique uma clara e manifesta obstrução das competências de quaisquer dos órgãos sociais da presente associação sindical, democraticamente eleitos; k) Beneficiar do apoio sindical, jurídico e judiciário em tudo quanto se relacione com a actividade sindical e profissional de todos os trabalhadores associados; l) Beneficiar de todas as actividades desenvolvidas pelo S nos domínios sindical, profissional, social, cultural, formativo e informativo; m) Utilizar as instalações da S, dentro do horário de funcionamento da mesma, e desde que não seja prejudicada a actividade normal dos seus serviços, devendo tal pedido de autorização ser dirigido por escrito à Direcção da presente associação. 2- Os associados eleitos ou nomeados para qualquer cargo ou função sindical desempenharão gratuitamente essa actividade, sendo no entanto regulamente indemnizados de qualquer prejuízo económico que lhes advenha do exercício dessa mesma actividade. ARTIGO 11° Deveres dos associados São deveres dos associados: a) Cumprir os estatutos e demais disposições regulamentares; b) Participar activamente na acção desenvolvida pela presente associação e manter-se informado, com observância do preceituado nos presentes estatutos e demais regulamentos e intervir nas actividades da presente associação sindical; c) Observar e fazer observar todas as deliberações dos órgãos estatutariamente competentes; d) Desempenhar com zelo e dignidade os lugares para que forem eleitos ou nomeados, quando os aceitem; e) Pagar voluntária e pontualmente as quotizações e outros encargos validamente assumidos; f) Agir solidariamente na defesa dos interesses comuns e cooperar no estreitamento das relações mútuas; g) Promover todas as acções tendentes ao fortalecimento do S; h) Manter os órgâos sociais da presente associação permanentemente informados da acção desenvolvida; i) Comunicar por escrito, no prazo de quinze dias, à Direcção a mudança de residência, local de trabalho, estado civil, situação profissional, impossibilidade de trabalho por doença prolongada, reforma e quaisquer outras ocorrências extraordinárias que possam vir a verificar- se. j) Exigir e velar pelo integral cumprimento pelo instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis; k) Devolver o cartão de associado quando tenha perdido essa qualidade.
(…) CAPÍTULO IV Órgãos sociais, constituição e competências Artigo 13 Órgãos centrais São órgãos sociais do S: a) A Assembleia Geral: b) O Conselho Geral; c) A Direcção d) O Conselho Fiscal; e) O Conselho de Disciplina. ARTIGO 14° Corpos Gerentes 1. São corpos gerentes da presente associação sindical, a Mesa da Assembleia -Geral, a Direcção e o Conselho Fiscal. 2. A duração do mandato dos corpos gerentes da presente associação é de quatro anos, podendo ser reeleitos por mandatos sucessivos. SECÇÃO 1 Da Assembleia Geral Artigo 15º Composição A Assembleia Geral é constituída por todos os associados no pleno gozo dos seus direitos sindicais. Artigo 16º Competências 1.- À Assembleia Geral compete: a) Eleger e destituir a Mesa da Assembleia Geral, o Conselho Geral, a Direcção, o Conselho Fiscal e o Conselho de Disciplina; b) Deliberar sobre alterações aos estatutos; c) Deliberar sobre a fusão e dissolução do S, e consequente liquidação do seu património, que não poderá ser distribuído pelos associados; d) Definir as bases gerais e os princípios programáticos da política global da presente associação; e) Aprovar o símbolo e a bandeira da presente associação; f) Apreciar os actos dos corpos gerentes e sendo caso disso deliberar sobre a sua destituição, no todo ou em parte; g) Pronunciar-se e deliberar sobre todas as questões que lhe sejam submetidas pelos outros órgãos sociais do S e ainda sobre as propostas que lhe sejam apresentadas por um mínimo de dez por cento dos associados no pleno gozo dos seus direitos sindicais; 2.- As deliberações referidas nas alíneas a) e d) do número anterior serão tomadas por voto secreto. ARTIGO 17º Mesa da Assembleia Geral 1.- A Mesa da Assembleia Geral é constituída por um Presidente, um Vice-Presidente e um Secretário. 2. - O Presidente ou quem o substitua tem voto de qualidade. ARTIGO 18° Convocação da Assembleia Geral A Assembleia Geral é convocada pelo Presidente da Mesa ou no seu impedimento pelo Vice-Presidente. ARTIGO 19° Funcionamento da Assembleia Geral 1. -A Assembleia Geral, designadamente para fins eleitorais, poderá funcionar em sessões simultâneas, realizadas em locais geográficos diferentes, sempre que a natureza das decisões e a necessidade da efectiva participação dos associados o imponha. 2. As mesas locais serão constituídas por três associados, nomeados pela Mesa da Assembleia Geral, salvo se existirem delegações ou órgãos próprios eleitos ao abrigo dos presentes estatutos. 3. A Assembleia Geral reunirá em sessão extraordinária a pedido da Mesa da Assembleia Geral, da Direcção, do Conselho Fiscal e do Conselho de Disciplina, ou de um mínimo de dez por cento dos respectivos associados no pleno gozo dos seus direitos sindicais. 4. A convocação deve ser feita com a antecedência mínima de dez dias por anúncio publicado, em pelo menos dois Jornais de grande circulação, devendo constar da convocatória a hora e o local onde a mesma se realiza, bem como a respectiva ordem de trabalhos. 5. As deliberações são tomadas por maioria relativa dos votos dos associados, salvo nos casos em que estatutariamente seja exigível maioria qualificada. 6. Quando da ordem de trabalhos constem as matérias referidas nas alíneas b), c), e g) do no. 1 do artigo 16° dos presentes estatutos, a Assembleia Geral será convocada com a antecedência mínima de quinze dias. 7. É absolutamente vedado discutir e deliberar sobre assuntos que não constem da ordem de trabalhos. 8. Incumbe ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral, ou no seu impedimento ao Vice — Presidente rejeitar liminarmente, qualquer proposta de discussão de qualquer assunto que não conste expressamente da ordem de trabalhos. 9. Para efeitos de discussão e deliberação sobre matérias a que se referem as alíneas b), e g) do no. 1 do artigo 16° dos presentes estatutos, é exigível a presença da maioria absoluta dos associados devendo as deliberações ser tomadas por três quartos dos presentes. 10. As deliberações sobre a matéria a que se refere a alínea d) do n°. 1 do artigo 16° dos presentes estatutos, devem ser tomadas por voto favorável de três quartos dos números de todos os associados. 11. As reuniões da Assembleia Geral funcionarão à hora marcada com a presença da maioria dos associados ou passada meia hora com qualquer número de associados, com a ressalva do disposto nos números anteriores. 12. É admitido o voto por representação, devendo o mandato ser atribuído a outro associado e constar de documento escrito dirigido ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral, sendo a assinatura autenticada pelos serviços a presente associação. 13. É igualmente admitido o voto por correspondência, observado que seja o condicionalismo previsto no n°. 2 do artigo 46° dos presentes estatutos. ARTIGO 20° Assembleia Geral Eleitoral A Assembleia Geral Eleitoral realizar-se-á de quatro em quatro anos e sempre que for convocada para o efeito, por anúncio publicado em, pelo menos, dois Jornais de grande circulação, com o mínimo de sessenta dias de antecedência. SECÇÃO II Do Conselho Geral ARTIGO 21° Constituição 1.- O Conselho Geral é composto por dez membros eleitos pela Assembleia Geral, por sufrágio directo e secreto de listas nominativas e escrutinado pelo método de Hondt e, por inerência, pelos membros da Assembleia Constituinte do S, pelos membros da Mesa da Assembleia Geral, da Direcção, do Conselho Fiscal e do Conselho de Disciplina, bem como, pelos secretários coordenadores das Delegações Regionais, caso as mesmas existam. 2.- O Conselho Geral é eleito pelo período de quatro anos, podendo os seus membros serem reeleitos por mandatos sucessivos. 3. - O Conselho Geral elegerá, na sua primeira reunião e de entre os seus membros, um Presidente, um Vice-Presidente, e um Secretário. 4. - Em caso de impedimento do Presidente, o mesmo será substituído pelo Vice- Presidente. 5. - O Presidente, ou quem o substitua tem voto de qualidade. ARTIGO 22° Funcionamento do Conselho Geral 1. - O Conselho Geral reúne ordinariamente, uma vez por semestre e, extraordinariamente, sempre que convocado pela Direcção, pelo Conselho Fiscal, pelo Conselho de Disciplina, a pedido de um terço dos seus membros, ou de dez por cento dos associados da presente associação no pleno gozo dos seus direitos sindicais. 2. - A convocação do Conselho Geral compete ao seu Presidente, ou a quem o substitua, a qual será feita nominalmente e por escrito, com indicação do dia, hora e local da reunião e da respectiva ordem de trabalhos, no prazo máximo de trinta dias após a recepção do pedido. 3. - As convocatórias deverão ser entregues aos membros do Conselho Geral, até dez dias antes das reuniões a que respeitem. 4. - É absolutamente vedado discutir e deliberar sobre assuntos que não constem da ordem de trabalhos. 5. - Incumbe ao Presidente do Conselho Geral, ou no seu impedimento a quem o substitua rejeitar liminarmente, qualquer proposta de discussão de qualquer assunto que não conste expressamente da ordem de trabalhos. ARTIGO 23° Competência do Conselho Geral 1.- O Conselho Geral é o órgão central da presente associação, competindo-lhe velar pelo cumprimento dos princípios fundamentais dos estatutos, do cumprimento do programa de acção e decisão dos restantes órgãos, e em especial: a) Actualizar ou adoptar, sempre que isso se mostre necessário, a política e as estratégias sindicais, definidas pela Assembleia Geral; b) Aprovar, até 30 de Novembro, o orçamento anual para o ano seguinte, e até 31 de Março, o relatório e contas do exercício do ano anterior, apresentados pela Direcção; c) Deliberar sobre a associação com outros Sindicatos, bem como sobre a filiação em organizações nacionais ou internacionais, de grau intermédio ou superior, desde que as mesmas defendam o sindicalismo democrático, livre e independente. d) Resolver os diferendos entre os órgãos sindicais ou entre estes e os associados, após parecer do Conselho de Disciplina, podendo nomear comissões de inquérito que o habilitem à tomada da decisão mais adequada; e) Deliberar sobre a declaração da greve geral por períodos superiores a três dias e pôr-lhe termo; f) Fixar as condições de utilização do fundo da greve geral e do fundo social, após parecer da Direcção; g) Eleger os representantes da presente associação nas organizações em que os mesmos estejam filiados; h) Deliberar sobre a criação de organizações julgadas necessárias ou convenientes aos trabalhadores, tais como, cooperativas de habitação e ou de consumo, fundações, bibliotecas, ou sobre a adesão a outras já existentes; i) Deliberar sobre quaisquer assuntos que não sejam da competência exclusiva da Assembleia Geral ou sendo-o dos que tenham expressa delegação; j) Nomear os órgãos de gestão administrativa da presente associação no caso de demissão dos órgãos eleitos, até a realização de novas eleições; k) Pronunciar-se sobre todas as questões que os restantes órgãos da presente associação lhe apresentem; l) Apreciar e propor à Assembleia Geral a destituição da Mesa da Assembleia Geral, da Direcção, do Conselho Fiscal e do Conselho de Disciplina, no todo ou em parte; m) Autorizar a Direcção a contrair empréstimos e adquirir, alienar ou onerar, bens imóveis, tendo em conta as deliberações da Assembleia Geral e sem prejuízo no artigo 52° dos presentes estatutos; n) Nomear comissões especializadas e atribuir-lhe funções consultivas ou de estudo, nomeadamente de carácter interprofissional; o) Deliberar sobre a proposta final de revisão dos instrumentos de regulamentação colectiva, ou de tabelas salariais, acompanhar as negociações e autorizar a assinatura do acordo final respectivo; p) Deliberar sobre o despedimento de trabalhadores da presente associação, sobre proposta da Direcção; q) Aprovar o seu regulamento interno. 2.- O Conselho Geral, embora possa reunir logo que estejam presentes um terço dos seus membros, só poderá deliberar validamente quando estejam presentes, pelo menos, metade e mais um dos seus membros. SECÇÃO III Da Direcção ARTIGO 24º Constituição 1.- A Direcção é o órgão executivo da presente associação sindical sendo composta por cinco membros efectivos, e por inerência, por dois elementos da Assembleia Constituinte do S e por dois suplentes. 2.- A Direcção é eleita pela Assembleia Geral por um período de quatro anos, mediante a apresentação de listas nominativas completas, sendo eleita a lista que, por sufrágio directo e secreto, obtiver o maior número de votos expressos. 3. - O mandato da Direcção caduca com os dos outros órgãos da presente associação, mantendo-se, no entanto, em funções até à posse da nova Direcção eleita. 4. - Na sua primeira reunião, os membros efectivos elegem entre si o Presidente, o Vice-Presidente, um Tesoureiro e dois Secretários. 5. - Os membros da Direcção respondem solidariamente pelos actos praticados no exercício que lhe for confiado perante a Assembleia Geral, à qual deverá prestar todos os esclarecimentos por esta solicitados. 6. - Ficam isentos de responsabilidade os elementos que não tenham estado presentes na reunião em que a deliberação em causa foi tomada, bem como aqueles que, na reunião seguinte, e após a leitura da acta da reunião anterior se manifestem em oposição à deliberação tomada ou ainda aqueles que expressamente hajam votado contra. ARTIGO 25º Competência À Direcção compete especialmente: a) Representar a presente associação a nível nacional e internacional; b) Velar pelo cumprimento dos estatutos e executar as decisões da Assembleia Geral e do Conselho Geral; c) Admitir e rejeitar, de acordo com os estatutos a inscrição de associados; d) Decidir sobre a readmissão de associados que a solicitem nos termos estatutários; e) Fazer a gestão do pessoal da presente associação de acordo com as normas legais e os regulamentos internos; f) Administrar os bens e gerir os, fundos da presente associação; g) Elaborar e apresentar, anualmente, até 15 de Novembro ao Conselho Geral, para aprovação, o orçamento e plano de actividades para o ano seguinte; h) Apresentar anualmente, até 15 de Março, ao Conselho Geral, o relatório e contas relativos ao ano antecedente; i) Representar a presente associação em juízo e fora dele activa e ou passivamente; j) Discutir, negociar e assinar instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho; k) Solicitar a convocação da Assembleia Geral ou do Conselho Geral, para resolver os assuntos que considere dever submeter-lhe; l) Empossar os delegados eleitos pelos trabalhadores associados; m) Elaborar os regulamentos internos que lhe sejam solicitados, bem como os regulamentos, planos de actividades e orçamentos das delegações, nos presentes termos deste estatuto; n) Executar os demais actos necessários à realização dos objectivos sindicais e deliberar sobre. todas as matérias que não sejam da competência de outros órgãos da presente associação; o) Gerir os. fundos da presente associação, nos termos dos presentes estatutos; p) Declarar ou fazer cessar a greve, por períodos iguais ou inferiores a três dias; q) Criar os grupos de trabalho ou de estudos julgados necessários à optimização da gestão da presente associação; r) Contratar consultores nas áreas tidas por pertinentes e que se mostrem necessários à optimização da gestão da presente associação; s) Exercer as demais funções que estatutária ou legalmente sejam da sua competência; t) Elaborar o regulamento interno de funcionamento. ARTIGO 26° Funcionamento da Direcção 1.- A Direcção reunirá sempre que necessário e, pelo menos, quinzenalmente elaborando actas das suas reuniões: a) As reuniões só poderão efectuar-se com a presença da maioria simples dos seus membros em exercício efectivo; b) As deliberações da Direcção são tomadas por maioria simples, tendo o Presidente ou quem como tal o substitua voto de qualidade. 2.- Para obrigar a Direcção em todos os seus actos e contratos bastam as assinaturas dos seus membros efectivos, sendo uma delas, obrigatoriamente a do Tesoureiro, quando os documentos envolvam responsabilidade financeira. 3.- A Direcção poderá constituir mandatários para a prática de determinados actos, devendo, neste caso, fixar o âmbito dos poderes conferidos. SECÇÃO IV Do Conselho fiscal ARTIGO 27º Constituição 1. - O Conselho Fiscal é constituído por três membros efectivos e dois suplentes. 2. - O Conselho Fiscal é eleito pela Assembleia Geral por um período de quatro anos, mediante a apresentação de listas nominativas completas, sendo eleita a lista que, por sufrágio directo e secreto obtiver o maior número de votos expressos. 3. - Na sua primeira reunião os membros efectivos elegem entre si o Presidente, que terá voto de qualidade. 4. - O Conselho Fiscal só pode funcionar com a maioria dos seus membros efectivos.
(…) SECÇÃO V Do Conselho de Disciplina ARTIGO 29º Constituição 1.- O Conselho de Disciplina é constituído por três membros efectivos e dois suplentes. 2.- O Conselho de Disciplina é eleito pela Assembleia Geral por um período de quatro anos, mediante a apresentação de listas nominativas completas, sendo eleita a lista que, por sufrágio directo e secreto obtiver o maior número de votos expressos. 3. - Na sua primeira reunião os membros efectivos elegem entre si o Presidente, que terá voto de qualidade. 4. - O Conselho de Disciplina só pode funcionar com a maioria dos seus membros efectivos.
(…) CAPÍTULO V Do regime disciplinar ARTIGO 31 ° Competência disciplinar 1. - A aplicação das medidas disciplinares terá lugar sempre que se verifiquem quaisquer infracções às regras estabelecidas nos presentes estatutos e nos regulamentos internos, bem como às deliberações proferidas pelos órgãos sociais competentes.
2. - O poder disciplinar é normalmente exercido pela Direcção, sob proposta do Conselho de Disciplina, cabendo recurso das suas decisões para o Conselho Geral.
3. - O recurso para o Conselho Geral tem efeito suspensivo. (…) CAPITULO VII Do regime eleitoral ARTIGO 38° Assembleia eleitoral 1. - A Assembleia eleitoral é constituída por todos os associados no pleno uso dos seus direitos sindicais e que tenham as suas quotas pagas até ao mês anterior ao da elaboração dos cadernos eleitorais. 2. - A Assembleia eleitoral poderá funcionar em círculos eleitorais correspondentes às delegações regionais e reúne-se ordinariamente de quatro em quatro anos, sendo convocada nos termos do artigo 200 dos presentes estatutos. ARTIGO 39° Condições de elegibilidade Só podem ser eleitos os associados que se encontrem no pleno gozo dos seus direitos civis e sindicais que constem dos cadernos eleitorais e que tenham pago as suas quotas nos seis meses anteriores à data da marcação das eleições. ARTIGO 40° Cadernos eleitorais Os cadernos eleitorais serão afixados na sede do S e nas delegações regionais até oito dias após a data do aviso convocatório da Assembleia eleitoral. ARTIGO 41° Apresentação de candidaturas 1. - A apresentação das candidaturas poderá ser feita por um mínimo de duzentos eleitores e consiste na apresentação, à Mesa da Assembleia Geral, das listas contendo os nomes dos candidatos acompanhada de um termo, individual ou colectivo, de aceitação das candidaturas e das relação dos subscritos devidamente assinadas por estes. 2. - A apresentação das candidaturas abrange obrigatoriamente o Conselho Geral, os corpos gerentes e o Conselho de Disciplina. 3. - Os candidatos e os subscritores serão identificados pelo nome completo legível, número de associado, idade, identificação da empresa e local de trabalho. 4. - As listas serão apresentadas até ao quadragésimo dia anterior à data marcada para as eleições, sendo na mesma altura designados os seus representantes e entregue o programa de acção. 5. - A Direcção apresenta obrigatoriamente dentro de três dias uma lista de candidatos, se, esgotado o prazo a que se refere o número anterior, não for presente qualquer outra lista dispensando-se, neste caso, a exigência constante da primeira parte do número 1 do presente artigo. 6. - O Presidente da Mesa da Assembleia Geral providenciará, dentro dos cinco dias posteriores ao termo do prazo para apresentação das listas pela sua afixação na sede do S e nas delegações regionais.
(…) ARTIGO 51° Dissolução 1. -A convocatória da Assembleia Geral que tenha por fim deliberar sobre a dissolução do S, terá de ser publicada em dois jornais de circulação nacional, com antecedência mínima de sessenta dias. 2. - A decisão terá de ser aprovada por três quartos dos votos dos filiados presentes na Assembleia Geral. 3. -Para o efeito, nessa Assembleia Geral será eleita, por voto secreto, uma comissão liquidatária. 4. - A comissão liquidatária procederá à liquidação de todos os bens, no prazo máximo de um ano, mediante decisão da Assembleia Geral. 5. -Em caso de dissolução da presente confederação sindical, os respectivos bens não poderão ser distribuídos pelos associados.
(…) CAPÍTULO IX Disposições gerais e transitórias SECÇÃO 1 Disposições gerais ARTIGO 54° Alteração dos estatutos 1. - Os presentes estatutos só podem ser alterados em Assembleia Geral expressamente convocada para esse efeito e a respectiva proposta terá de ser aprovada por voto directo e secreto, nos termos da lei. 2. - O projecto de alteração dos estatutos deverá ser afixado na sede, devendo ainda, ser assegurada a sua divulgação entre os associados, pelo menos, com trinta dias de antecedência, em relação à Assembleia Geral referida no artigo anterior. 3. - O requerimento de alteração dos estatutos é da competência do Conselho Geral, sob proposta da Direcção ou de um terço dos associados no pleno gozo dos seus direitos sindicais. ARTIGO 55° Regulamentação da actividade dos órgãos A regulamentação da actividade das diversas estruturas, em todo o que não for previsto nos presentes estatutos, será feita em regulamento próprio, discutido e aprovado pela forma para os mesmos exigida. ARTIGO 56º Casos omissos Os casos omissos serão resolvidos de harmonia com a lei aplicável e os princípios gerais de direito.
(…)” O Direito
Nos termos do artigo 55º, nº 2, alínea e), da Constituição da República Portuguesa, no exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores “o direito de tendência, nas formas que os respectivos estatutos determinarem”.
Conforme explica Bernardo da Gama Lobo Xavier (Iniciação ao Direito do Trabalho, 3ª edição, Editorial Verbo, 2005, página 78), “a Assembleia Constituinte deu-se conta de que as divisões políticas (ou de outra ordem) entre os trabalhadores e o seu diverso modo de encarar o papel do movimento sindical teriam fatalmente de assumir alguma expressão dentro dos próprios sindicatos, sob pena de se estimular a criação de organizações paralelas (afectas a este ou àquele partido político ou tendência sindical). Daí que tenha procurado estabelecer aquilo que chamou «direito de tendência», de modo a institucionalizar dentro de cada sindicato as diversas correntes, e que – funcionando como válvula de escape – aliviaria tensões e propiciaria a integração das minorias.”
Tendo em vista o cumprimento deste comando constitucional, o artigo 485º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto), inovando em relação ao regime anterior (contido na “Lei das Associações Sindicais”, aprovada pelo Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril“, com várias alterações), estipula que “(…) os estatutos [das associações sindicais] devem conter e regular” (corpo do nº 1) “o exercício do direito de tendência” (alínea f) do nº 1).
Conforme expendem Gomes Canotilho e Vital Moreira (“Constituição da República Portuguesa Anotada“, Coimbra Editora, 2007, pág. 734), “o direito de tendência (nº 2/e) está dependente da sua concretização nos estatutos dos sindicatos. Trata-se de um direito sob reserva de estatutos, devendo estes definir organizatória e materialmente o respectivo âmbito. Não é uma simples liberdade, mas uma verdadeira obrigação estatutária sob pena de omissão ilícita. Os estatutos são livres na definição das formas de pôr em prática o direito de tendência, mas não podem dispensá-lo. Os estatutos sindicais ficam aqui na mesma situação da lei, quando a Constituição remete para ela a definição dos termos de determinado direito, não podendo deixar de conferir-lhe um âmbito razoavelmente relevante que há-de consistir na possibilidade de expressão institucional das várias correntes (tendências) minimamente representativas existentes em cada associação sindical.”
É evidente que os estatutos da Ré, na sua versão inicial, são completamente omissos quanto ao direito de tendência, que não prevêem nem regulam. A Ré tem entendimento contrário, invocando para o efeito a consagração, nos estatutos, do direito de crítica (alínea j) do nº 1 do art.º 10º), o qual, diz, está regulado através da consagração do direito de participação dos sócios na actividade do sindicato (art.º 10º, nº 1, alínea a)), do direito de elegerem e serem eleitos para os órgãos sociais do Recorrente (art.º 10º nº 1, b)), o direito de exigência aos órgãos sociais de esclarecimento sobre a actividade desenvolvida (art.º 10º, nº 1, f)), o direito de consulta (art.º 10º, nº 1, h)) e o direito de utilização das instalações do Recorrente pelo seus associados (art.º 10º nº 1, m)). Mais invoca a Ré que ao nível da intervenção nos seus órgãos estatutários foram previstos direitos que viabilizam o exercício do direito de crítica (e de tendência), que são a possibilidade de 10% dos sócios poderem requerer a realização de reunião da assembleia geral e do conselho geral, submetendo à apreciação destes os assuntos ou questões que entendam suscitar (artigos 16º nº 1 alínea g) e 22º nº 1 dos Estatutos) e a consagração de um conselho geral, composto por 10 membros eleitos pela assembleia geral, por sufrágio directo e secreto de listas nominativas e escrutinado pelo método de Hondt (artigos 21º a 23º).
Vejamos.
Como certeiramente foi dito na sentença recorrida, “o direito de crítica por parte dos associados não se confunde com o exercício do direito de tendência que o legislador pretende consagrar institucionalmente. Efectivamente o direito de tendência pressupõe algo mais do que o exercício sem restrições da crítica à associação sindical. Pressupõe sim a agregação e organização no interior da associação sindical de diversas correntes de opinião às quais seja possibilitada intervenção em termos a regular livremente pelo sindicato. Deste modo os direitos conferidos individualmente aos associados nos estatutos da ré, designadamente no que toca ao exercício da crítica, da consulta e de elegerem e serem eleitos, é insuficiente para realizar a previsão do art° 485.°, n.° 1, al. f), do Código de Trabalho.”
Também no acórdão desta Relação de 17.5.2007 (internet, itij, processo 3841/2007-6), se entendeu que “o direito de eleger e ser eleito para os corpos gerentes e demais órgãos e cargos de representação sindical, de tomar parte nas assembleias gerais e outras reuniões para que tenha havido convocação, o facto de, na prossecução dos seus fins, competir (…) [ao sindicato Réu nesse processo] “fomentar a análise crítica e a discussão colectiva de assuntos de interesse geral dos associados” (artigo 7º) e de ser assegurado aos associados “o direito de reclamar perante a direcção, conselho fiscal ou assembleias gerais dos actos que considerem lesivos dos seus direitos ou constituam infracções dos seus estatutos e sugerir o que entender por conveniente” (artigo 10º), têm a ver com a democraticidade interna do seu funcionamento, aliás exigida pelo artigo 486º do Código do Trabalho, não integrando a concretização do falado direito de tendência.”
A possibilidade de 10% dos sócios poderem requerer a realização de reunião da assembleia geral resulta de norma imperativa do Código do Trabalho (alínea f) do artigo 486º, que prevê, em alternativa, a possibilidade de convocação das assembleias gerais por 200 associados) e esgota-se na apresentação do respectivo requerimento, não pressupondo o reconhecimento do direito desses sócios se constituírem em tendência, ou seja, de continuarem a exprimir continuadamente, organizadamente, dentro da associação sindical, a respectiva corrente de opinião político-sindical.
Quanto ao Conselho Geral, a par de uma dezena de membros que são eleitos pela assembleia geral por sufrágio directo e secreto de listas nominativas e escrutinado pelo método de Hondt, é composto ainda, por inerência, pelos membros da Assembleia Constituinte do Sindicato (vinte e nove pessoas, de acordo com a acta da Assembleia Constituinte, junta aos autos), pelos membros da Mesa da Assembleia Geral (em número de três), pelos membros da Direcção (sete membros), pelos membros do Conselho Fiscal (três pessoas) e pelos membros do Conselho de Disciplina (três pessoas) (artigos 21º nº 1, 17º, 24º nº 1, 27º nº 1 e 29º nº 1 dos estatutos). A determinação de alguns membros por eleição efectuada a partir de listas escrutinadas pelo método de Hondt não implica o automático reconhecimento de essas pessoas se assumirem e agirem, no âmbito do Conselho Geral, como membros de uma tendência.
Poderá apresentar-se, como exemplo de consagração e regulação do direito de tendência dentro de uma associação sindical, os estatutos do Sindicato em cujo artigo 42º, atinente à constituição e funcionamento do Conselho Geral, se estipula, nos números 13 a 16, o seguinte:
“13 - Os membros do Conselho Geral podem organizar-se em tendências político-sindicais.
14 - A constituição de uma tendência efectua-se mediante comunicação ao Presidente da Mesa Coordenadora dos Órgãos Deliberativos Centrais, assinada pelos membros que a compõem, no mínimo de 15, com indicação da denominação que a identifica e do nome e qualidade de quem a representa.
15 - Cada tendência estabelece livremente a sua organização e a todo o tempo poderá ter novas aderências, bastando que aqueles membros que a ela venham a aderir o comuniquem ao Presidente da Mesa Coordenadora dos Órgãos Deliberativos Centrais.
16 - Os membros do Conselho Geral que pretendam desvincular-se da tendência a que tinham aderido, poderão fazê-lo através de comunicação dirigida ao Presidente da Mesa Coordenadora dos Órgãos Deliberativos Centrais.”
De tudo o exposto resulta que os estatutos da apelante, na sua versão inicial, são omissos quanto à consagração e regulação do exercício do direito de tendência na associação, o que contraria a Constituição da República Portuguesa e a norma imperativa contida no artigo 485º, nº 1, alínea f) do Código do Trabalho. Tal desconformidade acarreta a declaração de nulidade global do acto de constituição da associação sindical apelante e dos respectivos estatutos, nos termos dos artigos 157º, 158º-A, 290º, 294º e 295º do Código Civil, com a consequente extinção da associação (artigo 483º nº3 do Código do Trabalho).
Esta interpretação da legislação ordinária não contraria a Constituição da República Portuguesa, uma vez que é a própria Lei Fundamental que, sem prejuízo de garantir a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais (alínea c) do nº 2 do artigo 55º), impõe a consagração nos respectivos estatutos da forma de exercício do direito de tendência (alínea e) do artigo 55º).
A sentença proferida não merece, pois censura. Terceira questão (se é possível levar em consideração no processo a invocada alteração dos estatutos)
Em princípio, nos recursos procede-se ao reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, não havendo que apreciar questões novas (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, 2ª edição, Lex, 1997, pág. 395; no mesmo sentido, Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, 6ª edição, Almedina, pág. 150; José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 3º, Coimbra Editora, pág. 83; cfr., na jurisprudência, no mesmo sentido, v.g. acórdão da Relação de Lisboa, de 28.9.2005, publicado na Internet – www.dgsi, processo 4088/2005-4 - e o acórdão do STJ, de 10.5.2005, igualmente publicado na Internet, processo 05A198). Porém, esta regra conhece excepções, nas quais se integra o dever de a Relação levar em conta os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que ocorrerem até ao encerramento da discussão perante ele, desde que posteriores ao encerramento da discussão na 1ª instância, na medida em que sejam comprováveis por documento (artigos 663º nº 1 e 713º nº 2, 524º nº 2 e 706º, todos do Código de Processo Civil; neste sentido, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 6ª edição, páginas 150 a 152; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, 2ª edição, Lisboa, Lex, páginas 454 a 457; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra Editora, pág. 85; STJ, 06.3.2007, internet, dgsi-itij, processo 07A297; contra, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, volume 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 84).
É, pois, processualmente possível conhecer do facto, ocorrido após o termo da discussão na primeira instância, da mencionada alteração dos estatutos da Ré. Questão diversa é a da sua relevância face ao direito substantivo. Quarta questão (se a referida alteração adequou os estatutos aos termos da lei, obstando à extinção da Ré)
Relativamente a esta questão, está documentalmente provada a seguinte Matéria de Facto
1. Em assembleia geral realizada em 22 de Janeiro de 2007 a Ré deliberou proceder à revisão dos Estatutos.
2. Consequentemente:
a) A alínea j) do nº 1 do artigo 10º passou a ter a seguinte redacção:
“Exercer os direitos de crítica e de tendência, com observância das regras da democracia, sem quebra da força e coesão sindical e sem que tal implique uma clara e manifesta obstrução das competências de quaisquer órgãos sociais da presente associação sindical, democraticamente eleitos”.
b) Foi aditado um artigo 10.º A, com a epígrafe “Exercício do direito de tendência” e a seguinte redacção:
“1- É garantido a todos os associados o direito de tendência, nos termos previstos nestes estatutos e das alíneas seguintes: a) Como sindicato independente, o está sempre aberto às diversas correntes de opinião, que se exprimem através da participação individual dos associados, a todos os níveis e em todos os órgãos do sindicato; b) As diversas correntes de opinião podem exercer-se no respeito pelas decisões democraticamente tomadas, mediante intervenção e participação nos órgãos do S e sem que esse direito possa prevalecer sobre o direito de participação de cada associado, individualmente considerado; c) O reconhecimento das diversas formas de participação e expressão das diferentes correntes de opinião nos órgãos competentes do S subordinam-se às normas regulamentares definidas e aprovadas pelo conselho geral, sob proposta da direcção.”
3. Essa alteração aos estatutos foi registada em e foi publicada no Boletim do Trabalho e Emprego. O Direito
Primeiramente, haverá que apreciar se é possível sanar a nulidade de que o acto de constituição da associação padecia, através da inclusão nos estatutos, durante a pendência da acção de declaração judicial da extinção da associação sindical, dos preceitos inicialmente omissos nos estatutos.
Em regra, salvo disposição legal em contrário, as nulidades não são sanáveis, contrariamente às anulabilidades (artigos 285º a 288º do Código Civil).
O regime jurídico das associações, contido no Código Civil, não prevê nenhuma regra quanto à sanabilidade das nulidades que possam viciar o seu acto constitutivo (cfr. artigos 158º-A, 167º e 168º do Código Civil). Solução diversa ocorre relativamente às sociedades comerciais, em que o legislador, além de proceder a uma enumeração restritiva das situações que acarretam a nulidade do contrato das sociedades de capitais uma vez efectuado o respectivo registo (artigo 42º do Código das Sociedades Comerciais), admite, dentro daquilo que é lógica e racionalmente possível, a sanabilidade desses vícios por deliberação dos sócios, tomada nos termos estabelecidos para as deliberações sobre alteração do contrato (artigo 42º nº 2 do CSC; idem, quanto às sociedades em nome colectivo e em comandita simples, artigo 43º nº 2). Assim, são sanáveis por deliberação dos sócios os vícios decorrentes da falta ou nulidade da firma e da sede da sociedade, bem como do valor da entrada de algum sócio e das prestações realizadas por conta desta, na medida, obviamente, que reponham o título constitutivo da sociedade em harmonia com as exigências legais.
Trata-se de manifestações do favor societatis, regras destinadas a minimizar a invalidade das sociedades comerciais e as consequências dessa invalidade, quando ela seja inevitável.
Este esforço de preservação foi em certa medida transposto para o regime das associações de Direito Civil, conforme resulta do regime da invalidade das deliberações da assembleia geral, que a lei faz assentar na anulabilidade (artigos 177º a 179º do Código Civil; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo III, 2ª edição, Almedina, 2007, pág. 740).
Conforme defende Menezes Cordeiro, “o Direito Civil não tem qualquer dificuldade em, perante a ausência de normas, recorrer aos quadros e – com uma ponderação e eventuais adaptações a efectuar caso a caso – às soluções indicadas pelo Direito das sociedades comerciais” (Tratado…, citado, pág. 750).
Assim, na falta de norma legal expressa e mesmo idêntica, haverá que, nos termos do art.º 10º nº 3 do Código Civil, resolver a questão por integração analógica, entendendo que o espírito do nosso sistema jurídico admite que o vício de que enferme o acto constitutivo de associação sindical, por os respectivos estatutos não consagrarem nem regularem o direito de tendência, pode ser sanado mediante deliberação da assembleia geral, que altere os estatutos de forma a suprir a referida omissão. Tal deliberação será relevante enquanto for proferida durante a pendência da acção intentada para a declaração da nulidade, à semelhança do que previa o artigo 144º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais para os casos em que era instaurada acção de dissolução de sociedade comercial por esta exercer de facto uma actividade não compreendida no objecto contratual (artigo 142º nº 1 alínea d): este preceito, entretanto eliminado por força das alterações ao CSC introduzidas pelo Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março (diploma que substituiu a dissolução judicial das sociedades por uma dissolução administrativa), previa expressamente que a dissolução não seria ordenada se, na pendência da acção, o vício fosse sanado. Essa solução foi julgada aplicável por analogia a acções intentadas pelo Ministério Público para dissolução de sociedade comercial por insuficiência de capital social, se no decurso da acção se provasse que entretanto o aumento devido já havia sido efectuado (acórdão da Relação de Lisboa, de 04.5.1995, Col. de Jur., ano XX, tomo III, pág. 92). Mais uma vez, por integração analógica nos termos do nº 3 do artigo 10º do Código Civil, se admite para o caso sub judice solução idêntica.
Resta, assim, averiguar se a alteração estatutária aprovada pela assembleia geral da Ré compatibilizou os estatutos com as exigências legais no que concerne ao direito de tendência. O Ministério Público entende que sim. Porém, está-se perante matéria de conhecimento oficioso (art.º 286º do Código Civil), além de que em matéria de interpretação e aplicação do direito o tribunal é livre (artigos 664º e 713º nº 2 do Código de Processo Civil).
Resulta da Constituição da República Portuguesa e da lei que os estatutos da associação sindical devem não só consagrar o direito de tendência, mas também regulá-lo, isto é, dizer em concreto de que forma este se poderá ou deverá exercer. Efectivamente, o art.º 55º nº 1 da Constituição da República Portuguesa garante aos trabalhadores “o direito de tendência, nas formas que os estatutosdeterminarem” e o art.º 485º do Código do Trabalho estipula que os estatutos devem conter e regular o exercício do direito de tendência. Assim, não satisfaz as exigências legais e constitucionais a mera enunciação do reconhecimento do direito de tendência, com simples remissão para regulamentação em momento posterior (neste sentido, acórdãos desta Relação, de 17.5.2007, in internet, itij, processo 3841/2007-6, e de 16.01.2007, in internet, itij, processo 9429/2006-7).
Analisadas as alterações introduzidas pela associação sindical Ré aos respectivos estatutos, verifica-se que consistem, para além do reconhecimento genérico do direito de tendência, na declaração, quanto ao seu exercício, de que as correntes de opinião se exprimirão através da participação individual dos associados a todos os níveis e em todos os órgãos do sindicato, mediante intervenção e participação nos órgãos do S, com subordinação às normas regulamentares definidas e aprovadas pelo conselho geral, sob proposta da direcção. Conclui-se, assim, que a regulação do exercício do direito de tendência, em cuja enunciação aliás nos estatutos avulta uma dimensão individualista, contrária à natureza gregária daquele direito, é remetida para normas exteriores aos estatutos. Ou seja, a exigência constitucional e legal de regulação do direito de tendência nos próprios estatutos não se mostra cumprida.
O que determina a subsistência da decisão proferida pelo tribunal a quo. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.