CONTRADITA
Sumário

I - O incidente da contradita não visa o depoimento prestado, mas a própria testemunha, não questionando directamente o que a testemunha disse mas a sua credibilidade. Por conseguinte, a contradita há-de assentar em factos não relatados pela testemunha, em relação aos quais é exigido, como único requisito, a sua susceptibilidade para abalarem a credibilidade dessa testemunha, seja quanto à razão de ciência invocada, seja quanto à fé que a mesma possa merecer

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A., residente em Cascais, intentou contra B., residente em Lisboa, a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário, pedindo que se lhe reconheça, como membro sobrevivo de uma união de facto, o direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos, sobre a fracção onde reside e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda, como previsto no n.º 1 do art.º 4.º da Lei n.º7/2001, de 11/05.

Alegou, em síntese:

Viveu com C., como se casados fossem, desde Setembro de 1998.
No âmbito dessa relação adquiriram, em compropriedade, a fracção dos autos, para onde se mudaram no segundo semestre de 2003 e onde foi mantida a vida em comum, que apenas cessou com o óbito do C., ocorrido a 08-07-2004.
O falecido era divorciado desde 30-07-1986 e a R. é a sua única herdeira, tendo já registado em seu favor a aquisição da metade indivisa da fracção que àquele pertencia.

Regularmente citada, a ré contestou, opondo, em síntese:

O seu falecido pai sempre manteve uma boa relação com a ex-esposa, mãe da contestante, com quem voltou a viver, como marido e mulher, a partir de 1991/92. Em relação ao alegado pela A. apenas reconhece que seu pai teve como local estável onde pernoitava a casa dos autos no período que mediou entre a respectiva aquisição e o dia 12-06-2004, data em que o mesmo abandonou a A., tendo-se mudado para a residência da ex-mulher.

A autora respondeu.
Realizou-se audiência preliminar, sem incidentes, tendo sido lavrado saneador tabelar e fixada a matéria de facto assente e a submeter a prova, esta reduzida no início da audiência, por iniciativa das partes.
No decurso da audiência, realizada com registo da prova produzida, foi admitida a contradita de uma testemunha arrolada pela R.

Inconformada, esta agravou do assim decidido, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:
1.a
Tal como acima se tentou demonstrar, do depoimento da testemunha em causa apenas quanto à questão da entrega do envelope, e, dos argumentos expendidos pela Agravada no incidente “sub judice” , no entendimento da agravante, não se verificam os pressupostos legais para a sua admissibilidade;
2.a
Configurando tal requerimento a apresentação extemporânea das alegações que a agravada tentou produzir;
3.a
Considerando que se trata de um incidente, pela sua simplicidade e normalidade neste tipo de processo, não deveria ser tributado porquanto se afigura que não estamos em presença de incidente anómalo, estranho ou dilatório a que se refere o art.° 16.° do CCJ que deva ser tributado, tendo nomeadamente em vista o princípio do contraditório a que se refere o art.° 3.° do CPC.
4.a
Acresce que, tal como se tentou demonstrar, a decisão recorrida ao fixar as custas do incidente em causa, não teve em conta a sua manifesta simplicidade e pertinência, acabando por fixar uma taxa de tributação manifestamente desajustada e desproporcionada e injusta uma vez que o incidente em causa não justifica a severidade e desproporcionalidade da sanção aplicada, visto que, mesmo a entender-se haver lugar a tributação, esta, considerando a sua simplicidade, deveria ser fixada no valor mínimo a que se refere o art.° 16.º, n.° 1 do CCJ.
5.°
A R. decisão proferida violou o disposto no art.° 640.° (a contrário) dado que, o requerimento apresentado pela agravada não configura o incidente em causa de contradita e que por isso deveria ser rejeitado;
6.a
O R. despacho proferido viola o disposto no art.° 16.° do CCJ na medida em que se afigura que o incidente em causa não se enquadra na tipificação legal ali estabelecida, e, consequentemente não deveria ser tributado;
7a
A entender-se que o incidente se enquadra naquele preceito legal, deveria ter sido fixado no seu valor mínimo de uma UC tendo em vista a simplicidade, o direito da agravante quanto ao exercício do contraditório e a irrelevância de tal incidente no normal decurso da acção.
Em face do exposto, e, para a eventualidade do M.° Juiz não reparar o agravo como lhe permite o disposto no art.° 744°, n°.2 do CPC, requer a V. Ex.as:

Que se digne conceder provimento ao agravo, e, em consequência:

a) Deverá ser revogado o R. despacho que deferiu o incidente;
b) Deverá revogar-se o R. despacho que condenou a Agravante nas custas, em 5 UC;
c) Quando assim se não entender, deverá reduzir-se o valor para 1 UC.

A agravada contra-alegou, defendendo a decisão recorrida no que respeita à admissão do incidente, não se pronunciando quanto a custas.

Concluída a discussão da causa, foi proferida a decisão sobre matéria de facto que consta de fls. 745 a fls. 762, rectificada na ocasião da respectiva publicação.
Seguiu-se a sentença onde, culminando o extenso rol dos factos fixados, se concluiu que a A. havia vivido em união de facto com o falecido C. desde, pelo menos, Maio de 2002 até ocorrer o óbito deste, e se julgou a acção procedente.

Inconformada, a R. apelou do assim decidido e manifestou interesse na apreciação do agravo retido.
No seguimento, apresentou alegações onde formula as seguintes conclusões:
……..
A apelada contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas respectivas conclusões, está em causa nos presentes autos:

No recurso de agravo, saber se não devia ter sido admitido o incidente de contradita requerido pela A. em relação à testemunha Idalina Rodrigues. E, a manter-se a decisão no incidente, saber se deve ser reduzida a condenação em custas.
……
Vejamos:

I – O agravo

Como se viu, está em causa saber se não deveria ter sido admitida a contradita de uma testemunha e, subsidiariamente, se deve ser reduzida a condenação em custas no respectivo incidente.
Com relevo para a decisão importa considerar os termos em que foi requerido, impugnado e deferido o questionado incidente de contradita. Por comodidade de exposição, reproduzem-se esses termos, transcrevendo-os da respectiva acta.

No final do depoimento da testemunha Idalina…, arrolada pela R., o ilustre mandatário da autora pediu a palavra, tendo no seu uso dito:
“A autora pretende contraditar a testemunha com o fundamento em que, sendo a testemunha I empregada doméstica da autora e do Prof. C., na casa comum do Edifício B, aproveitou-se ela da ausência da autora durante o internamento do Prof. C. no Hospital da Cuf para, sem autorização da mesma, como dona da casa, franquiar à ré B. a entrada naquela casa habitada pela autora e pelo Prof. C., permitindo que a ré devassasse o apartamento e dele retirasse documentação diversa, designadamente a carta íntima da autora ao Dr. C., a qual constitui fls. 602 deste processo e que a ré, por indevidamente dela se ter apoderado, veio, na primeira sessão de julgamento juntar aos autos. Ao ter noticia e confirmação daquele comportamento desleal da sua empregada doméstica, a autora, verberando-lhe aquele seu infiel e intolerável procedimento, despediu-a de imediato. Por isso é que, aliada à ré, apareceu ela agora a depor contra a autora adulterando a verdade dos factos e repetindo ponto por ponto a matéria da contestação. Esta circunstância é naturalmente capaz de abalar a credibilidade do depoimento da testemunha I, afectando não só a razão de ciência dela, mas também a fé que ela possa merecer, conforme expõe o art.° 640.° do C.P.C.

Para o caso da testemunha não confessar a matéria da contradita, a autora, para a comprovar, desde já indica a testemunha Dr. I…, presente neste Tribunal por a sua presença ter sido solicitada pelo ilustre mandatário da ré e oferece igualmente a própria carta privada da autora ao seu companheiro C. a qual pela mão da ré veio aos autos e está a fls. 602, bem como os documentos 7 a 13 que a ré B. juntou com o seu requerimento notificado ao advogado da autora em 08-06-2006 (fls. 621 a 627).”

*
Dada a palavra ao ilustre mandatário da ré, pelo mesmo foi dito:

“O expediente processual de que a autora lançou mão na perspectiva da ré mais não apresenta do que um expediente ilegal, embora, típico em face do disposto do art.° 640.° e 641.° do C.P.C.. Com efeito, a autora inventou factos supostamente da testemunha I quando, conforme consta do depoimento gravado a mesma referiu ao tribunal ter recebido instruções em vida do Prof. C. de que se algo lhe acontecesse deveria entregar determinado envelope com documentos à sua filha B.

A testemunha ora em causa referiu ao tribunal que após o óbito do Prof. C. fez tal entrega do envelope à ora ré sem ter feito qualquer referência em ter-lhe franquiado a porta para a que a mesma fizesse a invocada devassa na habitação da autora. Criou assim a autora um incidente processual em que inventa um facto, para que, segundo referiu, levar a testemunha a confessar aquilo que não disse. Conforme se decidiu no acórdão da Relação de Lisboa de 17-12-1995 BMJ 254, pag. 234, a contradita não é um ataque pessoal ao depoimento prestado pela testemunha nem o incidente da contradita pode ter por fundamento a afirmação de que o depoimento é falso no todo ou em parte ou que se encontra em desarmonia com o de outras testemunhas.

Considerando que a testemunha Dr.ª I no seu depoimento prestado nos autos não se referiu a esta factualidade ora posta em causa, entende-se não haver qualquer legal fundamento para o incidente suscitado pela autora e que por isso deverá ser rejeitado.

*
Seguidamente, pelo Mm. Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO
O incidente é tempestivo encontra-se devidamente fundamentado.
Conforme salientou a autora, pretende-se abalar a credibilidade da testemunha em função dos factos alegados, carecendo pois de total fundamento a oposição acrescentada.
Nestes termos admito o incidente e condeno a ré, pela oposição, em 5 U.C. de taxa de justiça.”
***

É o assim decidido que vem impugnado no presente recurso de agravo, estando em causa saber se não estavam verificados os pressupostos da contradita e se foi excessiva a condenação em custas.

Em relação à primeira questão, julga-se ser seguro que não assiste razão à agravante quando, designadamente, pretende que o incidente da contradita está limitado aos factos relatados no depoimento da testemunha a contraditar. Pois que, como a própria agravante reconhece, o incidente da contradita não visa o depoimento prestado, mas a própria testemunha, não questionando directamente o que a testemunha disse mas a sua credibilidade.

Bem pelo contrário, a contradita há-de assentar em factos não relatados pela testemunha, em relação aos quais é exigido, como único requisito, a sua susceptibilidade para abalarem a credibilidade dessa testemunha, seja quanto à razão de ciência invocada, seja quanto à fé que a mesma possa merecer.

Ora, o facto invocado pela A. para fundamentar a contradita, bem mais grave do que o que foi reconhecido pela testemunha ao longo do seu depoimento, era claramente susceptível de abalar a credibilidade da testemunha em causa, mostrando-se pois, justificada a sua invocação em sede de contradita.

É certo que, tanto quanto nos é dado avaliar, depois não foi feita prova desse facto, mas essa era uma questão posterior à admissão da contradita, estando aqui em causa apenas a admissão do incidente.

Assim, julga-se que o incidente em causa foi bem admitido e que, diversamente, era infundada a oposição contra ele deduzida pela ora agravante, devendo ser mantido o despacho agravado.

Quanto a custas, julga-se muito sumariamente que, estando em causa um incidente de manifesta simplicidade, que foi suscitado e decidido em alguns minutos, deve ser reconhecida alguma razão à agravante, não se vendo fundamento para fixar a taxa de justiça em montante superior a duas UC, o limite supletivo presentemente estabelecido no n.º 3 do art.º 16.º do CCJ, limite que, não sendo aqui directamente aplicável, pode ser atendido como valor de referência.

Assim, sem maiores considerações, será alterada a taxa de justiça devida no incidente de contradita para o valor de duas UC, nesta medida se dando parcial provimento ao agravo.

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Termos em que se acorda em julgar parcialmente procedente o recurso de agravo, reduzindo-se para duas UC a taxa de justiça devida no incidente de contradita …………… .

Custas em ambos os recursos pela recorrente, sendo as do agravo reduzidas a 4/5, vista a procedência parcial e a inexistência de oposição.

Lisboa, 31-01-2008

(Farinha Alves)

(Tibério Silva)

( Ezagüy Martins)