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ARRENDATÁRIO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DANO CAUSADO POR EDIFÍCIOS OU OUTRAS OBRAS
Sumário
I – No caso de danos em prédio arrendado por obras levadas a cabo no prédio contíguo o arrendatário – que é titular de um direito de raiz obrigacional – não tem o direito de exigir do causador dos danos a realização das obras de reparação, por tal direito caber ao proprietário; II - O Autor, simples locatário do prédio danificado, apenas tem o direito a exigir do causador dos danos uma indemnização pela lesão do seu direito a fruir o prédio, se verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nos termos do nº2 do art. 1037º do Cód. Civil; III – Tal indemnização será fixada com recurso à equidade. (F.L.)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
J viúvo, reformado, residente no Funchal, intentou contra D. Lda, acção declarativa sob a forma de processo ordinário pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização no valor global de € 238.000,00 correspondente a:
a) 73.000,00 pelos danos morais e materiais relativamente a si próprio e ao respectivo agregado familiar, por ter estado privado de utilizar normal e regularmente a sua habitação, com a sua família, entre 19.09.2002 e 19.09.2003;
b) €100.000,00 pelos danos morais decorrentes do medo, a angústia e incerteza por si sofridos quanto ao perigo de ele próprio e os filhos, o neto, ou a nora sofrerem danos físicos, bem como assistir à degradação progressiva de todos os seus bens, em consequência do acidente provocado pela Ré, sem que esta tomasse providências e reconstruísse seriamente o edifício até 19.09.2003;
c) €40.000,00 pelos danos morais resultantes do medo, angústia e incerteza quanto ao futuro do seu direito de arrendamento, sofridos pelo mesmo até 19.09.2003;
d) €25.000,00 pelos danos patrimoniais e morais que sofreu em consequência da degradação e/ou inutilização dos móveis, máquinas, equipamentos, objectos de uso pessoal e utensílios que constituem o recheio da sua casa e foram agredidos pela queda de materiais de construção, chuva e trabalhos executados com negligência pela Ré.
Alegou para tanto, e em síntese, ser arrendatário do 2º e 3º pisos e logradouro do prédio urbano (…) que foi gravemente afectado na sua estrutura e segurança em consequência das obras que a Ré realizou num prédio contíguo, tendo-se visto obrigado a sair de casa e ir viver para um apartamento que a Ré colocou à sua disposição. Acresce ainda que operários da Ré ao repararem danos que as obras causaram na sua casa, danificaram mobiliário que ali se encontrava.
Citada, a Ré contestou dizendo, em resumo:
Não tem responsabilidades nos danos invocados, pois antes de iniciar as obras tomou todas as precauções para que o Autor não sofresse prejuízos; acordou com o Autor ele ir viver para um apartamento pago por ela; o Autor nunca entregou à Ré as chaves do prédio para que este fizesse as obras decididas judicialmente, tendo-as realizado consoante tecnicamente mais viável. Continua disposta a realizar as obras na casa onde vivia o Autor mas este terá de lhe disponibilizar a chave, sob pena de deixar de pagar a renda do apartamento onde aquele vive.
Procedeu-se a audiência preliminar e foi elaborado o despacho saneador.
No decurso da audiência de julgamento o Autor requereu a ampliação do pedido para o montante de 306.000,00€:
1º. € 76.000,00 pelos danos materiais sofridos por si e respectivo agregado familiar, por ter estado privado de utilizar normal e regularmente a sua habitação;
2º. €100.000,00 pelos danos morais decorrentes do medo, a angústia e incerteza que sofreu, quanto ao perigo de ele próprio e os filhos, o neto ou a nora, sofrerem danos físicos bem como por assistir à degradação progressiva de todos os seus bens, em consequência do acidente provocado pela Autora, sem que esta tomasse providências e reconstruísse seriamente o edifício entre 19.09.2003 e 23.03,2006.
3º. €30.000,00 pelos danos patrimoniais e morais que sofreu em consequência da degradação e ou inutilização dos móveis, máquinas, equipamentos, objectos de uso pessoal e utensílios que constituem o recheio da sua casa e foram agredidos pela queda de materiais de construção, chuva e trabalhos executados com negligência pela Ré.
4º. €1500,00 por cada mês que decorra, após 31.12.2005, sem que a casa do Autor seja reparada ou substituída por habitação de espaço, localização e qualidade equivalente, a liquidar em execução de sentença.
5º- Seja a Ré condenada a reparar a casa arrendada pelo Autor no prazo máximo de três meses, nos moldes definidos pela Câmara Municipal do Funchal em 18.11.2004, (apenso B) dos presentes autos, demolindo o interior e a cobertura do mesmo, reconstruindo todo o edifício conforme levantamento do existente e facultando a Ré ao Autor meios de remoção e espaço adequados para armazenamento do recheio da casa durante o tempo em que decorrerem estas mesmas obras.
Ouvida a Ré, foi proferido despacho a admitir a ampliação do pedido.
Efectuado o julgamento e dirimida a matéria de facto, foi proferida sentença que na parcial procedência da acção, condenou a Ré a pagar ao Autor:
- € 90.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais “causados no direito de aquele viver e manter o arrendamento (…)”;
- € 10.000,00 por danos morais;
- A quantia a liquidar em execução de sentença pelos danos causados nos bens que se encontram no arrendado.
Inconformada, a Ré apelou tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª. Desde o início das obras na sua propriedade que a Recorrente colocou um apartamento à disposição do Recorrido, pagando a respectiva renda, no valor de € 690,00 mensais;
2ª. A Recorrente tem tentado, por todas as formas, proceder às obras de reparação no prédio onde vivia o Recorrido;
3ª. Contudo este, como resulta dos factos dados como provados na sentença, impediu sem qualquer margem para dúvidas, a realização das mesmas;
4ª. Nem se diga que as obras realizadas pela Recorrente eram inadequadas pois as mesmas nunca foram concluídas e só após a sua conclusão se poderia dizer se eram ou não, adequadas;
5ª. Se, eventualmente, tais obras se revelassem inadequadas, os senhores peritos saberiam apontar as correcções a fazer, sendo certo que a Recorrente nunca se negou a realizar tais obras;
6ª. Daí que o Recorrido não tenha o direito a ser indemnizado pela Recorrente;
7ª. O Recorrido tem actuado com evidente má fé em todo este processo;
8ª. O prédio onde vivia o Recorrido como inquilino é aquele que está assinalo como uma cruz, a fls.37 dos autos, tem mais de cem anos, não sendo pintado há vários anos, tem as janelas em mau estado de conservação e as portas com brechas;
9ª. O Recorrido quer aproveitar-se da presente situação para continuar instalado num apartamento totalmente novo, pelo qual a Recorrente já pagou de rendas o montante aproximado de € 20.000,00 ou, em alternativa, obter uma casa totalmente nova, em propriedade;
10ª. Face à matéria dada como provada, se o Recorrido tivesse o direito a que lhe fosse paga uma indemnização, deveria perder tal direito, face ao abuso de que o mesmo está eivado;
11ª. Se assim não for entendido, face ao estado da casa, à renda paga, à idade do inquilino, é por demais evidente que a indemnização a pagar a este, não deve ultrapassar o montante de € 10.000,00;
12ª. A sentença seria sempre nula, uma vez que não poderia fixar uma indemnização, nos termos em que o fez, sem que previamente declarasse a caducidade do contrato de arrendamento em causa;
13ª. Ao condenar a Recorrente nos termos em que o fez, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação, os art.s 334º, 562º, 563º, 564º do Cód. Civil e art. 668º/1, alíneas c) e d) do CPC.
Não foram apresentadas contra alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
///
Fundamentação.
A sentença recorrida deu provado o seguinte acervo factual:
(…) O direito.
Visto as conclusões da Recorrente as quais, como se sabe, delimitam o âmbito do recurso (artigos 684º/3 e 690º/1 do CPC), cumpre-nos apreciar as seguintes questões:
- Nulidade da sentença;
- Condenação da Ré a indemnizar o Autor;
- Abuso de direito.
Abordemos cada uma delas.
Diz a Recorrente que a sentença é nula por ter incorrido nas causas de nulidade previstas nas alíneas c) e d) do CPCivil. E isto porque “não poderia fixar uma indemnização, nos termos em que o fez, sem que previamente declarasse a caducidade do contrato de arrendamento em causa.”.
Não tem, porém, qualquer razão.
O nº1 do art. 668º do CPC indica os casos de nulidade da sentença. Nas alíneas c) e d) dispõe-se ser nula a sentença:
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Verifica-se o primeiro daqueles fundamentos quando ocorre contradição real entre os fundamentos e a decisão: os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto, ou pelo menos, de sentido diferente.
E o vício da alínea d), pressupõe que o juiz não se pronunciou sobre questões que as partes colocam à apreciação do tribunal, ou quando decide questões não suscitadas pelas partes, salvo quando a lei lho permita, ou lhe imponha o conhecimento oficioso.
Nenhum destes vícios se verifica no caso.
Não foi pedida a declaração de caducidade do arrendamento e não sendo matéria de conhecimento oficioso, não podia o tribunal declará-la. Acresce que a vontade de fazer cessar o contrato com fundamento em caducidade, deve ser comunicada por escrito à outra por qualquer das partes (arts. 50º e 53º/2 do RAU), situação que não ocorreu no caso dos autos, uma acção em que não interveio o locador.
A segunda questão colocada no recurso.
A sentença, depois de considerar a Ré responsável pelos danos que tornaram inabitável o prédio de que o Autor é arrendatário e que a sua reparação não é viável, julgou o Autor com direito a ser indemnizado pela Ré, fixando com recurso à equidade em € 90.000,00 a compensação a título de danos patrimoniais.
Contra esta decisão a Apelante opõe essencialmente:
- Ter tentado por todas as formas proceder às reparações no locado; todavia, o Autor sempre a elas se opôs. Daí, que não tenha direito a qualquer indemnização;
- O Autor/Apelado está a agir com abuso de direito;
- A haver direito a indemnização, ela não deve exceder os € 10.000,00.
Vejamos.
Provou-se que o Autor e família (dois filhos, nora e neto) vivia desde 1978 num prédio no Funchal, como arrendatário. Em Setembro de 2002 a Ré iniciou obras de demolição num prédio contíguo, que causaram danos no prédio onde aquele vivia, que ficou em risco de ruína iminente. Por este facto, o Autor e família foram viver em Novembro de 2002 para um apartamento que a Ré lhes disponibilizou.
E segundo um relatório do Departamento de Urbanismo da Câmara Municipal do Funchal de 28.05.2003, o prédio de que o Autor é arrendatário não reúne as condições mínimas de segurança e salubridade, situação originada pelas obras a que a Ré procedeu no seu prédio, e que a sua recuperação só será viável se a estrutura interior for completamente demolida (factos referidos supra sob os nºs 9, 12 e 13).
Importa antes de mais qualificar juridicamente a posição do Apelado.
É ele arrendatário de um prédio, sendo locador um tal Rui, seu actual proprietário.
Ensina o Prof. Antunes Varela, RLJ, 119, pag. 249: “O direito do arrendatário é um direito de raiz estruturalmente obrigacional, assente no dever que recai sobre o locador de proporcionar ao arrendatário o gozo (temporário) da coisa para o fim a que ela se destina.”
A concessão do gozo, significa que nada se transmite, nada se transfere, nada se aliena, diz o Prof. Galvão Telles, citado por Aragão Seia, in Arrendamento Urbano, Almedina, 1995, pag. 57.
Desta concepção do direito do arrendatário - como titular de um direito a fruir o locado, portanto um direito de natureza obrigacional e não um direito sobre a coisa - logo nos leva a concluir que ao Autor não assiste o direito de exigir da Ré a realização de obras de reparação no prédio.
Isto mesmo ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, notas ao art. 1043º, citado no Ac. do STJ de 11.02.92, BMJ 414, pag. 455:
“Fácil é ver o contra senso que seria se, face à danificação do imóvel locado por terceiros, tivesse de ser o locatário a exigir-lhes as obras de recuperação ou restauro, enquanto o locador-proprietário se mantinha quieto, sem mexer um dedo, não obstante a violação do seu direito de propriedade, seria o mesmo que impor a alguém a defesa de um direito de que não é titular, seria transferir para o locatário o risco inerente ao direito de propriedade, o que não está certo.”
Importa por conseguinte assentar que:
Tendo a Ré causado danos no prédio arrendado ao Autor com as escavações que realizou num seu, contíguo àquele, incorre na obrigação de indemnizar o proprietário do prédio afectado, nos termos do art. 1348º do Cód. Civil;
O Autor, mero locatário do prédio em causa, apenas tem direito a ser indemnizado enquanto locatário, isto é, enquanto prejudicado no uso do prédio que tinha o direito de usar.
Direito que tem apoio no nº2 do art. 1037º do Cód. Civil, que lhe permite exigir uma indemnização pelos danos sofridos, ao abrigo do art. 1284º do mesmo diploma.
Assim decidiu o Ac. desta Relação de 19.03.98, CJ, 1998, II, pag. 98:
“As escavações, na medida em que prejudicaram o uso do locado, legitima o lesado, enquanto locatário, a poder propor uma acção de indemnização, ao abrigo do art. 1037º/2 do CC, independentemente de ser proprietário do prédio afectado.”
Para que haja obrigação de a Ré a indemnizar o Autor, a lei (o art. 483º do Cód. Civil) exige a prova de que o Autor tenha sofrido danos em resultado de uma actuação culposa da Ré.
E quanto a isto não podem restar dúvidas. Consistiu o dano na privação de poder fruir o prédio arrendado, em consequência dos danos que o prédio sofreu que foram causados pela abertura pela Ré de uma vala, com 20 metros de comprimento por 5 de profundidade, junto à parede mestra norte do edifício do Autor, sem escorar previamente essa parede (cfr. Factos supra com os nºs 16, 17 e 18). Foi este comportamento censurável da Ré que levou a que o prédio ficasse sem condições de habitabilidade.
Temos, assim, provado o dano bem como o nexo de causalidade entre este e a conduta da Ré.
A obrigação de indemnizar, pautada pelo princípio da restauração natural, tende a repor a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º do Cód. Civil).
O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado – danos emergentes – como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão – lucros cessantes (art. 564º), e ainda os danos de natureza não patrimonial que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º/1).
No caso, a Ré apenas questiona a indemnização fixada a título de danos patrimoniais.
O dano patrimonial existe manifestamente. O Autor tinha o seu problema de habitação resolvido mediante o pagamento de uma renda mensal de € 4,99 e agora vai ter de procurar habitação que satisfaça as necessidades do seu agregado familiar sendo certo que a opção pelo arrendamento não lhe custará menos que algumas centenas de euros/mês.
Não sendo viável no caso a restauração natural, nem se sabe se o proprietário tem interesse na recuperação de um prédio já com 100 anos, e estando em causa também danos futuros, cuja averiguação exacta é impossível, o recurso à equidade para fixação de uma indemnização pecuniária é inevitável (art. 566º/3).
Um juízo de equidade procura a solução mais justa para o caso concreto. A solução justa não pode olvidar circunstâncias como a idade do Autor, o valor ridículo que pagava como renda e as condições do prédio em que vivia. Uma indemnização justa não pode traduzir-se num enriquecimento injustificado à custa da Ré, o que poderia ocorrer com a fixada na 1ª instância, pelo que se impõe baixá-la. Pondere-se também que, conforme jurisprudência corrente, o recebimento imediato de um capital indemnizatório por danos futuros poderá, se não for corrigido, propiciar um enriquecimento injustificado à custa do lesante.
Tudo ponderado, tendo presente o valor da renda que a Ré vem suportando, entendemos ser equilibrado o montante de € 45.000,00 que se fixa.
Não vemos que o Apelado esteja a agir com abuso de direito. Foi a Ré a dar causa culposamente à situação com que o Autor se confronta, como os autos abundantemente mostram. A violação do direito do Autor a viver no prédio arrendado, é um dano de natureza patrimonial que a Ré deve ressarcir.
Mostra-se assim fundado apenas em parte o recurso.
Decisão.
Pelo exposto, na parcial procedência da apelação altera-se a sentença na parte em que fixou a indemnização por danos patrimoniais em € 90.000,00 quantum indemnizatório que agora se fixa em € 45.000,00 mantendo-se a sentença no mais.
Custas por Apelante e Apelado na medida do decaimento.