CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
MERA DETENÇÃO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário

A detenção de cerca de 500 gr de cannabis integra o crime p.p. pelo art 25º al. a) DL 15/93 e não a mera detenção para consumo exclusivo, de acordo com as regras da experiência e na ausência de declarações do arguido.

Texto Integral

Proc. Comum Colectivo nº 46/15.4SFPRT.

Acordam os Juízes que integram esta 4ª Secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.

Relatório.
Em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, o tribunal procedeu a audiência de discussão e julgamento dos arguidos (arguidos recorrentes)
(…)
1. B…, solteiro, resineiro, filho de C… e de D…, natural de Viana do Castelo, nascido em 6 de Fevereiro de 1993, residente no …, nº …, …, Caminha, titular do Bilhete de Identidade nº ……..;
2. E…, solteiro, fotógrafo, filho de F… e de G…, natural de …, Viana do Castelo, nascido em 12 de Maio de 1986, residente na Rua …, Lt .., 2º, Esqº, Viana do Castelo, titular do Bilhete de Identidade nº ……..;
3. H…, solteiro, treinador-adjunto de futebol, filho de I… e de J…, natural de …, Viana do Castelo, nascido em 17 de Fevereiro de 1983, residente na Rua …, 1º Bl, 2º, Esqº, Viana do Castelo, titular do Bilhete de Identidade nº ………;
(…)
Discutida a causa resultou o seguinte dispositivo:
(…)
F) Condenar o arguido B… pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artº 40º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-C e II-A anexas ao referido diploma, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, no total de € 200,00.
G) Condenar o arguido E… pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artº 40º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa ao referido diploma, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, no total de € 200,00.
H) Condenar o arguido H… pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artº 40º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa ao referido diploma, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, no total de € 400,00.
De relevante para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
(…)
11. No 25/07/2013, pelas 01H15, na Travessa …, em …, o arguido B… tinha na sua posse uma placa de cannabis (resina), com o peso líquido de 97,176 gramas, que o mesmo destinava ao seu próprio consumo.
12. Também no dia 31/10/2013, pelas 14H30, na K…, sita em …, o arguido B…, após ter regressado da cidade do Porto, trazia consigo duas placas e meia de cannabis (resina), com o peso líquido de 244,920 gramas, que o mesmo igualmente destinava ao seu próprio consumo.
13. Outrossim, no dia 21/09/2015, o arguido B… tinha na sua posse, no interior do maço de tabaco, cannabis (resina) com peso líquido de 1,990 gramas, que o mesmo também destinava ao seu próprio consumo.
14. Tinha, ainda, na sua residência, sita na …, nº …, …, na última gaveta da cómoda do quarto, no interior de um invólucro de plástico de cor castanha:
- Duas placas de cannabis (resina) com peso líquido de 188,276 gramas;
- Duas "bolotas" envolvidas em plástico transparente, contendo cannabis (resina) com peso líquido de 19,087 gramas;
- No interior de dois sacos plásticos transparentes contendo MDMA com peso de 9,997 gramas.
Produtos que o arguido B… também destinava ao seu próprio consumo.
(…)
18. Por sua vez, no mencionado dia 21/09/2015, o arguido H… tinha na sua posse, no interior da sua residência sita na Rua …, Bloco ., 2º Esqº, Viana do Castelo:
a) Na casa de banho:
- Dois invólucros contendo no seu interior nove placas de cannabis (resina), com o peso líquido de 896,496 gramas;
b) No seu quarto;
- Três placas de cannabis (resina), com o peso líquido de 292,106 gramas;
- € 405,00 em notas do BCE;
- Um x-acto contendo vestígios de cannabis;
- Um telemóvel da marca Samsung, modelo …, com a respectiva bateria, com o IMEI …………… e cartão SIM com o pin ….;
- 73 sacos transparentes, contendo vestígios de cannabis;
- Um computador.
19. O arguido H… destinava aqueles produtos estupefacientes ao seu próprio consumo.
20. Por último, o arguido E…, tinha no seu quarto, na sua residência sita na Rua …, lote .., 2º Esqº, Viana do Castelo.
- Quatro placas de cannabis (resina) com o peso líquido de 397,238 gramas;
- Uma placa de cannabis (resina) com o peso líquido de 146,738 gramas;
- Uma navalha contendo resíduos de cannabis;
- € 510,00 (Quinhentos e dez euros) em numerário;
- Duas navalhas contendo resíduos de cannabis.
- Um telemóvel de marca iPhone, modelo .., IMEI ……………, com um cartão SIM da operadora L… com o contacto ………, com o PIN de desbloqueio.
21. O arguido E… destinava aqueles produtos estupefacientes ao seu próprio consumo.
22. Os arguidos M…, N…, B…, E…, H…, O… e P… conheciam as características estupefacientes dos produtos que tinham na sua posse, e sabiam que a sua compra, detenção, cedência, transporte, venda e consumo, sem estarem autorizados, como não estavam, lhes estavam legalmente vedadas.
(…)
24. Os arguidos M…, N…, B…, E…, H…, O… e P… agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
(…)
74. O processo de desenvolvimento de B… decorreu em contexto rural, na freguesia de …, Caminha, integrado numa família monoparental, economicamente carenciada, desorganizada e disfuncional sob o ponto de vista relacional e das práticas educativas.
75. Filho de mãe solteira, cresceu junto dos avós maternos cujo agregado familiar incluía, além da mãe, duas irmãs, uma mais velha, actualmente autonomizada, e outra mais nova, estudante, que se mantém economicamente dependente da mãe.
76. O arguido não estabeleceu qualquer ligação com o progenitor uma vez que este nunca assumiu responsabilidades parentais relativamente ao filho, não contribuiu para os seus alimentos nem alguma vez demonstrou, sequer, interesse em relacionar-se com ele. O avô materno, falecido há aproximadamente oito anos, foi a figura de referência masculina que, no decurso do desenvolvimento do arguido, substituiu, de algum modo, a figura paterna.
77. Apesar da escassez de recursos, o sustento do arguido foi sempre assegurado pela mãe e pelos referidos avós. Contudo, no plano educativo, a progenitora enfrentou muitas dificuldades em exercer a sua função parental, revelando pouca capacidade para lidar com as problemáticas que o filho evidenciou, particularmente durante a adolescência, após o falecimento do avô.
78. No capítulo da formação escolar, B… frequentou o primeiro ciclo do ensino básico na escola da freguesia, o segundo ciclo na … de …, e o terceiro ciclo na Q…, em …. Apresentando baixo rendimento escolar e elevado absentismo, o arguido deixou o ensino regular quando frequentava o 8º ano de escolaridade, tendo sido integrado num curso de …, na escola profissional S…, em Viana do Castelo, curso que também deixou de frequentar por excesso de faltas.
79. Sem ocupação profissional consistente, tendo realizado apenas ocasionalmente “biscates” na construção civil e no corte e abate de árvores, o arguido evidenciou um comportamento problemático que o levou a confrontar-se com o sistema de justiça penal em vários processos e à conotação que o tem marcado com um ambiente de drogas, associado a grupos de pares socialmente marginalizados.
80. Paralelamente, a sua relação familiar degradou-se substancialmente, ao ponto de por várias vezes a mãe o ter expulsado de casa, alegadamente devido a comportamentos agressivos e, mesmo, violentos que se terão registado em ambiente doméstico.
81. Revelando instabilidade nas várias vertentes da sua vida, o arguido tem sido motivo de reacções igualmente instáveis do seu meio familiar, por parte da mãe, que tanto o acarinha e acolhe, como rejeita.
82. À data dos factos pelos quais foi acusado no âmbito dos presentes autos, o arguido B… residia, como reside actualmente, junto da família de origem, com a mãe (a avó faleceu há cerca de um ano) e com a irmã mais nova, estando esta deslocada em Viseu, a frequentar um curso superior.
83. A família mora numa casa arrendada (pela qual paga € 50,00 mensais de renda), propriedade da Junta de Freguesia de …, que oferece condições básicas de habitabilidade e tem como meios de subsistência o vencimento da mãe, cantoneira na Junta de Freguesia, que aufere o ordenado mínimo nacional. Ocasionalmente conta com a comparticipação do arguido, actualmente trabalhador florestal/resineiro ao serviço da Associação de Compartes dos Baldios ….
84. Depois de uma curta experiência de trabalho em França, realizada entre os meses de Abril e Agosto do ano 2015, ao serviço de uma empresa portuguesa que faz montagem de construções em madeira, o arguido despediu-se dessa empresa e foi reintegrado na Associação acima referida, onde tinha trabalhado, havendo referências positivas sobre o trabalho desenvolvido pelo arguido.
85. O arguido B… é consumidor de drogas fumadas, estando actualmente submetido a programa de tratamento no CRI de Viana do Castelo.
86. Embora haja boas referências sobre o seu comportamento actual, no meio comunitário a que pertence o arguido continua a ser conotado com o envolvimento em ambiente de drogas e a ser associado a grupo de pares envolvidos nesses consumos, a quem são atribuídos alguns comportamentos criminais.
87. O CRC do arguido apresenta as seguintes condenações:
87.1. No âmbito do Proc. Comum Singular nº 315/10.0GBCMN, por sentença de 14/02/2013, do Tribunal Judicial de Caminha, foi condenado na pena única de 24 meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo mesmo período, co regime de prova e encaminhamento para serviços de tratamento da toxicodependência e inserção formativa e/ou laboral e ainda o endereçamento de pedido de desculpas ao ofendido, pela prática, em 04/12/2010, de um crime de dano simples e de um crime de furto qualificado.
87.2. No âmbito do Proc. Sumário nº 27/12.0MACMN, por sentença de 04/07/2012, do Tribunal Judicial de Caminha, foi condenado na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 03/07/2012, de um crime de furto simples.
87.3. No âmbito do Proc. Comum Singular nº 208/12.6TACMN, por sentença de 27/06/2014, da Instância Local de Caminha, foi condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, pela prática, em 05/2012, de um crime de injúria.
88. O arguido E… é oriundo de uma família de recursos económicos modestos, sendo o mais velho de uma fratria de dois. O seu processo educativo decorreu numa família organizada, tendo-lhe sido incutidos os valores e normas subjacentes à vida em sociedade, existindo grande preocupação familiar em proporcionar aos descendentes um nível de vida confortável. O arguido viveu sempre e até ao presente, integrado no agregado dos pais, tendo nos últimos anos a dinâmica familiar sido afectada pela situação de doença da progenitora, que se reformou por invalidez precocemente e pelo desemprego do pai.
89. Iniciou a escolaridade na idade própria, sendo considerado um aluno irrequieto, com dificuldades ao nível da concentração. Registaram-se algumas retenções, no 1º e 2º ciclo, não tendo conseguido concluir os estudos do 3º ciclo no ensino normal, tendo obtido o 9º ano de escolaridade, através da frequência de um curso de formação profissional, numa escola sedeada em Viana do Castelo, de “operador de construção naval”.
90. Posteriormente, ingressou nos T…, tendo aí obtido uma formação profissional de curta duração, na área de soldador.
91. Cerca dos vinte e dois anos de idade, o arguido ingressou numa unidade fabril, ligada às energias renováveis, onde se manteve durante um ano e meio.
92. Posteriormente as dificuldades em encontrar um posto de trabalho regular, levaram-no a pensar estabelecer-se por conta própria, tendo contado com a ajuda dos familiares para o efeito. Assim, entre 2012 e 2015 o arguido abriu um quiosque, na cidade, que encerrou por não conseguir obter o rendimento esperado.
93. O arguido iniciou o consumo de drogas leves aos dezanove anos de idade, em contexto do grupo de pares, mantendo por alguns anos o consumo destas substâncias em contexto lúdico. Neste âmbito, foi encaminhado pelas forças policiais, em três ocasiões distintas, para a Comissão de Dissuasão da Toxicodependência, tendo a última vez ocorrido no ano de 2010.
94. Os pais do arguido usufruem de uma imagem positiva no meio social de residência, sendo considerados pessoas idóneas e responsáveis.
95. Na comunidade, não foram recolhidas informações relevantes acerca do arguido, mantendo um relacionamento interpessoal adequado com os concidadãos
96. Em Setembro de 2015, o arguido residia com o pai (56 anos de idade, casado, 4ª classe, fotógrafo) a mãe (52 anos de idade, casada, 12º ano de escolaridade, reformada por invalidez) e a irmã (24 anos de idade, solteira, licenciada em Ciências e Desporto, desempregada), num apartamento tipo T3, situado num bairro residencial da cidade, adquirido através de empréstimo bancário.
97. O agregado dispunha de um rendimento fixo no valor de € 328,00 proveniente da reforma da mãe, e de cerca de € 595,00 relativo ao subsídio de desemprego do progenitor, que é acrescido pela realização de um part-time na área da fotografia, no templo de …, sendo este trabalho mais rentável nos meses de verão. O progenitor recebeu ainda uma indemnização dos T… onde laborou cerca de trinta e cinco anos, sendo com essa quantia que tem conseguido fazer face às despesas do agregado familiar. A situação económica é considerada satisfatória pelos membros do agregado, sendo as despesas mais relevantes do agregado dizem respeito à aquisição da habitação, no valor mensal de € 270,00 aproximadamente.
98. O ambiente familiar era considerado equilibrado. O arguido não trabalhava, tinha encerrado a empresa em Fevereiro de 2015, estando desocupado. O seu quotidiano decorria sem preocupações, tendo aproveitado o período do verão para actividades de lazer. As saídas nocturnas constituíam alguma preocupação para os progenitores, pois ocorriam com frequência. No mês anterior tinha terminado um relacionamento amoroso com uma jovem, estudante universitária, que durou aproximadamente dois anos, sendo esta relação bem aceite no agregado do arguido. O grupo de pares de E… era constituído por jovens alguns deles sem ocupação e com hábitos de consumos de drogas leves. O arguido nesse período era pressionado pelos familiares para procurar integrar-se profissionalmente, nomeadamente, sendo-lhe sugerido a aprendizagem da arte de fotógrafo com o apoio do avô materno.
99. Desde Setembro de 2015 que não se verificaram grandes alterações no seu quotidiano, mantendo-se a residir junto dos progenitores. Porém, E… passou a estar mais centrado na vida familiar e na preparação da sua actividade profissional, tendo deixado de sair à noite com o anterior grupo de pares.
100. Ainda não conseguiu uma ocupação laboral, muito embora já esteja receptivo a aprender a arte do avô, e acompanhe por vezes o progenitor no exercício da sua actividade profissional. Aos fins-de-semana e no período de Verão projecta desenvolver esta actividade junto ao templo de …, no Gerês, onde já se deslocou em trabalho, na companhia do avô materno. Aos fins-de-semana, realiza a distribuição do pão numa padaria local, recebendo cerca de sessenta euros, que utiliza para as suas despesas de bolso.
101. O seu CRC apresenta a seguinte condenação:
101.1. No âmbito do Proc. Comum Singular nº 401/09.9PBVCT, por sentença de 17/01/2011, do 1º Juízo Criminal de Viana Do Castelo, foi condenado na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, substituída pela pena de admoestação, pela prática, em 24/06/2009, de um crime de condução sem habilitação legal.
102. O arguido H… cresceu na família de origem, cuja dinâmica foi marcada por uma dinâmica instável gerada pelo comportamento do pai, que exibia uma atitude de algum distanciamento relativamente aos problemas do agregado.
103. Os pais acabariam por se separar quando o arguido tinha 8/9 anos, ficando o arguido e a irmã mais velha entregue aos cuidados da mãe. Esta considera que o filho revelou dificuldades em superar a separação dos pais.
104. Naquela data a mãe trabalhava numa empresa de transportes, tendo exercido a função de apoio aos passageiros nas viagens de Viana do Castelo – Lisboa – Viana do Castelo, mas no presente está colocada nos serviços administrativos da empresa.
105. H… frequentou a escola em tempo normal, tendo desistido de estudar, no decurso da frequência do 11º ano de escolaridade. Posteriormente, inscreveu-se num curso de formação profissional na área da informática, na S…, mas não foi admitido.
106. Por volta dos 20 anos de idade iniciou-se na vida activa, tendo trabalhado na empresa de calçado, U…, cujo contrato tinha a duração de seis meses. Trabalhou na empresa V…, nos períodos de paragem da empresa, para manutenção e limpeza de máquinas.
107. Manifestou a sua intenção de obter o curso de treinador, uma vez que por questões de saúde (doença de Berger – insuficiência renal) não pode praticar futebol. Assim, apesar de não ter formação específica, H… já treinou, como adjunto do treinador, num clube de futebol de W… e no clube de futebol X..., do qual saiu por incompatibilidade com os responsáveis. Teve os primeiros consumos de drogas por volta dos 18/19 anos de idade.
108. Do seu grupo de pares fazem parte jovens, mais novos, ligados à prática do futebol.
109. H… reside com a mãe, estabelecendo-se entre ambos e com a família alargada um relacionamento estável e afectuoso, tomando, diariamente, a refeição da noite com o pai e a avó paterna.
110. À data dos factos pelos quais foi acusado no âmbito dos presentes autos H… vivia integrado no contexto familiar da mãe, da qual depende ao nível económico, dado não exercer actividade profissional remunerada. Mantinha ligação ao grupo de futebol X…, dando apoio ao treinador, como voluntário, do qual se desligou.
111. Actualmente, está integrado no “Y…” treinando, como voluntário e adjunto do treinador, jovens com 17/18 anos de idade, três vezes por semana, ao final do dia e acompanha o grupo, aos fins-de-semana, na realização dos jogos.
112. As suas rotinas diárias circunscrevem-se à permanência em casa, utilizando o computador, ou participando nas actividades de um Z… sedeado em Viana do Castelo.
113. O seu projecto de vida passa pela obtenção de certificação de treinador de futebol, tendo para o efeito que frequentar um curso específico, no qual parece não estar a investir de forma motivada.
114. Actualmente, a mãe confronta-se com uma situação de fragilidade económica, decorrente do facto de se encontrar de baixa médica.
115. Ao nível da saúde, o arguido refere que actualmente não mantém consumo de substâncias psicoactivas.
116. Na comunidade de residência e nas “Y…” foi considerado um jovem educado, bem integrado, estabelecendo uma relação cordial com todos.
117. O seu CRC não apresenta qualquer registo.
(…)
De relevante para a decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos…
(…)
4. A partir de pelo menos 2014, os arguidos N…, B…, E…, H…, O…, AB… e P… passaram, também eles, a dedicar-se, de forma sistemática, à venda de substâncias estupefacientes, nomeadamente cannabis, a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra, sendo que, para o efeito adquiriam, previamente, a substância estupefaciente ao arguido M…, o qual lhes vendia cada placa de cannabis (resina) pelo preço aproximado de € 155,00 cento e cinquenta e cinco euros).
(…)
13. Ainda nesse mesmo dia e após regressar, já com o produto estupefaciente, dirigiu-se à residência do arguido N…, sita na Rua …, …, … e do arguido H…, sita na Rua …, 1º Bl, 2º esq, Viana do Castelo, onde entregou, mediante contrapartida monetária, parte do produto estupefaciente que havia adquirido anteriormente.
14. No dia 10/04/2015, pelas 21h00, junto do …, o arguido M… encontrou-se com o arguido E…, que se fazia transportar no veículo de matrícula ..-..-ZE, onde lhe entregou, mediante contrapartida monetária, produto estupefaciente, em quantidade não apurada.
(…)
22. Após, pelas 22h40, o arguido M… deslocou-se à residência de H…, e uma vez aí, entregou a este produto estupefaciente, em quantidade que não se logrou apurar, mediante contrapartida monetária.
(…)
26. A partir de 28/04/2015 os arguidos N…, B…, E…, H…, O…, AB… e P… passaram a adquirir o produto estupefaciente a indivíduo cuja identidade não se logrou apurar.
(…)
28. Os arguidos N…, B…, E…, H…, O…, AB… e P…, após adquirirem o produto estupefaciente, procediam, cada um deles, na sua residência, à divisão, corte e acondicionamento, para depois o vender a indivíduos que os contactavam para o efeito, por um preço superior ao da sua aquisição.
29. O arguido M… era o responsável por vender o produto estupefaciente aos restantes arguidos, para que estes posteriormente o revendessem aos consumidores.
30. As quantias monetárias apreendidas aos arguidos foram obtidas através da venda de doses individuais de produto estupefaciente a consumidores das respectivas substâncias, uma vez que os arguidos não têm actividade profissional conhecida.
(…)
33. Os arguidos N…, B…, E…, H…, O…, AB… e P…, através da sua conduta descrita, agiram motivado pelo desejo de alcançar lucro que lhe permitisse custear a compra e obtenção de quantidades de produto estupefaciente, com o objectivo de as vender a terceiros, mediante contrapartida monetária.
(transcrição parcial da sentença)

Recurso do MP
Do objecto do recurso.
…as circunstâncias objectivamente apuradas, que são no fundo aquelas que resultaram dos autos de busca e apreensão referentes às diligências realizadas nas residências dos arguidos em causa, não permitem, dentro das boas regras da lógica e experiência comum, concluir que os produtos estupefacientes apreendidos detidos pelos arguidos destinavam-se ao seu exclusivo consumo.
No caso, a prova objectiva sobre a matéria foi a que resultou do teor dos autos de busca e apreensão que estão, no essencial, vertidos na matéria de facto assente.
(…)
Conclusões.
1 - O presente recurso vem impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto na sentença recorrida, ao abrigo do disposto nos art.º s 410º, nº1, e 428º e 431º, al. b) do Código de Processo Penal.
2 - No que concerne aos factos que mereceriam apreciação diversa, os mesmos consistem naqueles que dão como assente existência de uma intenção exclusiva de consumo próprio, na detenção dos estupefacientes apreendidos nos autos, por parte dos arguidos B…, H… e E…, designadamente, todos os segmentos constantes dos artºs. 11, 12, 13, 14, 19. e 21. da decisão, onde se escreve que os arguidos em apreço destinavam as substâncias descritas ao seu próprio consumo.
3 - A prova produzida sobre a matéria, em julgamento, não permitiu a conclusão de que os arguidos B…, H… e E… detinham o produto estupefaciente apreendido com intenção exclusiva de consumo.
4 – Tal prova consiste no teor dos autos de denúncia, de busca e apreensão incidentes sobre os arguidos B…, H… e E…, respeitantes aos dias 25 de Julho de 2013, 31 de Outubro de 2013 e 21 de Setembro de 2015 e nos relatórios periciais de toxicologia forense juntos a fls. 69, 72, 187, 644, 693 e ss. e 151 e 268 do apenso A.
5 - Nenhum dos arguidos em apreço prestou declarações em julgamento, não tendo ainda sido prova testemunhal pertinente quanto ao respectivo sentido de vontade na detenção que vem dada como assente.
6 - Conforme ressalta da decisão recorrida, a fls.45, no seu 1º parágrafo, o tribunal a quo fundamentou a sua decisão nos seguintes termos: «Realçando-se que a matéria dada como provada, atinente aos consumos de produtos estupefacientes, está a mesma perfeitamente estribada no conjunto da prova produzida e que resultou, além do mais, dos relatórios sociais elaborados, que claramente espelham esses consumos, sendo legítima a conclusão, até face às regras de normalidade e da experiência comum, de que os produtos em causa, que lhes foram apreendidos, se destinavam ao seu próprio consumo».
7 - As circunstâncias objectivamente apuradas, que são no fundo aquelas que resultaram dos autos de busca e apreensão referentes às diligências realizadas nas residências dos arguidos em causa, não permitiriam, dentro das boas regras da lógica e experiência comum, concluir que os produtos estupefacientes apreendidos detidos pelos arguidos destinavam-se ao seu exclusivo consumo.
8 - A prova objectiva sobre a matéria foi a que resultou do teor dos autos de busca e apreensão que estão, no essencial, vertidos na matéria de facto assente.
Assim, provou-se, quanto ao arguido B…, que:
- No dia 25 de Julho de 2013, pelas 1h15minutos, na travessa …, em …, tinha na sua posse uma placa com o peso líquido de 97,176 gramas;
- No dia 31 de Outubro de 2013, pelas 14h30m, na K… sita em …, após ter regressado da cidade do Porto, trazia consigo duas placas e meia de canábis (resina), com o peso líquido de 244,920 gramas, sendo que tinha, na sua residência, sita no …, nº…, …;
- Nesse mesmo dia, o arguido detinha na última gaveta da cómoda do quarto, no interior de um invólucro de plástico de cor castanha, duas placas de canábis (resina) com peso líquido de 188,276 gramas, duas “bolotas” envolvidas em plástico transparente, contendo canábis (resina) com peso líquido de 19,087 gramas e ainda 9,997 gramas de MDMA, no interior de dois sacos transparentes.
Por seu turno, o arguido H…, no dia 21 de Setembro de 2015, tinha na sua posse, no interior da sua residência sita na Rua …, bloco ., 2º esq., em Viana do Castelo, dois invólucros contendo no seu interior nove placas de canábis (resina) com o peso líquido de 866,496 gramas, guardados na casa de banho, bem como, no seu quarto, mais 3 placas de canábis, com o peso líquido de 292,106 gramas, assim como, de relevante, 405€ em notas do BCE, um x-acto contendo vestígios de canábis e 73 sacos transparentes, contendo vestígios de canábis.
Finalmente, o arguido E… tinha, no mesmo dia 21 de Setembro, no interior do seu quarto, quatro placas de canábis (resina), com o peso líquido de 397, 238 gramas, uma outra placa com o peso líquido de 146,738 gramas, 3 navalhas contendo vestígios de canábis e 510€ em numerário.
9 - A quantidade de produto estupefaciente detido, as quantias e demais objectos encontrados não permitiriam concluir, razoavelmente, que as detenções apuradas se destinavam a consumo exclusivo dos próprios.
10 – Atendendo ainda o teor dos relatórios de perícia toxicológica de fls.693 e sgs, de onde resulta o nº de doses diárias que os produtos em apreço propiciariam aos seus possuidores, perfeitamente incongruente com uma detenção para exclusivo consumo, face ainda às condições económicas dos visados.
11 - Mais se contesta que os relatórios sociais sirvam para provar a matéria em causa, já que os mesmos resultam de recolhas de informações de técnicos de reinserção, que não foram inquiridos, tendo obtido tais informações dos próprios visados ou de familiares próximos, bem como de elementos constantes de dossies dos próprios serviços de reinserção.
12 - No entanto, compulsados os relatórios pertinentes, dos mesmos apenas resulta que os arguidos consomem ou consumiram estupefacientes, sem qualquer concretização quanto ao tempo em que o fizeram ou quanto à natureza dos estupefacientes consumidos, pelo que o salto dado, para a prova da intenção de consumo próprio e exclusivo dos produtos que detinham, face ainda ao que supra se expôs, é enorme e sem sustentáculo lógico.
13 - Caso seja considerada procedente a impugnação da matéria de facto supra exposta, deverão os arguidos em causa serem condenados pela prática, cada um deles, de um crime de tráfico de estupefacientes do artº 25º do DL 15/93, de 22.01, atento a natureza do produto apreendido e a ausência de outras indicações sobre as circunstâncias em que os mesmos entraram na posse de tais substâncias.
14 – Considera-se ter a decisão recorrido feito errada aplicação das normas previstas no art.127º, do Código de Processo Penal e nos arts. 21, 24º, 25º e 40 do DL 15/93, de 22/01.
(transcrição das conclusões do recurso)

Resposta de E….
O arguido insurge-se contra o facto de o MP considerar relevante o facto de os arguidos não terem prestado declarações e que os relatórios sociais sirvam como meio de prova.
O tribunal tomou uma decisão que reflecte o decurso da prova em audiência de discussão e julgamento.
Do auto de busca e apreensão resulta ter sido encontrado o produto estupefaciente mas em momento algum se podem associar actos de venda ou cedência de estupefaciente.
O arguido é um consumidor inveterado e por várias vezes foi encaminhado para tratamento especializado.
O MP teve a liberdade de indicar a prova que bem entendesse.
Da discussão da causa resulta a presunção de inocência, que sempre se teria que impor pela aplicação do in dúbio pro reo.
O princípio da livre apreciação foi cabalmente cumprido e em nem um momento se aventou a possibilidade de detenção para venda ou cedência.
O recurso deve improceder.

Resposta de B….
O arguido rebate a argumentação do MP de que os factos deveriam servir para incriminar os arguidos por tráfico de menor gravidade.
O produto apreendido destina-se exclusivamente a consumo próprio. O tribunal formou a sua livre convicção apoiado no acervo de prova ou na sua ausência.
Durante a audiência de discussão e julgamento não se ventilou a hipótese de venda ou cedência de estupefacientes.
Os relatos de vigilância não traduzem a prática de concretos actos de tráfico. Por outro lado o arguido não pode ser condenado por tráfico de menor gravidade, porque esta situação sempre implicaria uma relação factual de tráfico que é inexistente. Não é possível falar de diminuição considerável da ilicitude do facto porque a conduta não integra qualquer operação de tráfico.
Os relatórios sociais são meios de prova suportados na informação recolhida pelos técnicos da DGRSP que recolhem aspectos da vida social, pessoal, familiar e económica do arguido.
Se dúvidas houvesse sempre seria de intervir o princípio in dúbio pro reo devendo considerar-se o produto apreendido como destinado a consumo.

Parecer do Senhor PGA.
No parecer reiterou-se a argumentação expendida no recurso interposto pelo MP a quo, firmando-se a convicção que as expressivas quantidades de estupefaciente; os meios usados para corte e acondicionamento, bem como as quantias apreendidas sugerem que o estupefaciente se destina à venda.
O recurso deve proceder.

Cumpriu-se o artº 417, nº2 do CPP.
Colhidos os vistos foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta à apreciação do mérito.
Mantém-se a regularidade da instância.

Fundamentação e Direito.
Do objecto do recurso.
O recorrente MP insurge-se contra a existência de uma intenção exclusiva de consumo próprio, na detenção dos estupefacientes apreendidos nos autos, por parte dos arguidos B…, H… e E…, designadamente, colocando em causa todos os segmentos constantes dos pontos 11. 12. 13. 14. 19. e 21, suporte da decisão.
A questão é de interpretação jurídica, batendo-se o recorrente pela conclusão que o produto apreendido destinava-se ao tráfico, ainda que pequeno tráfico de estupefacientes.
Com efeito, entende-se que a prova realizada em julgamento, não permitiu a conclusão de que os arguidos B…, H… e E… detinham o produto estupefaciente apreendido com intenção exclusiva de consumo.
Convém analisar a forma como o tribunal a quo determinou e fundamentou a matéria de facto.

Os factos controversos são os seguintes:
Arguido B….
11. No 25/07/2013, pelas 01H15, na Travessa …, em …, o arguido B… tinha na sua posse uma placa de cannabis (resina), com o peso líquido de 97,176 gramas, que o mesmo destinava ao seu próprio consumo.
12. Também no dia 31/10/2013, pelas 14H30, na K…, sita em …, o arguido B…, após ter regressado da cidade do Porto, trazia consigo duas placas e meia de cannabis (resina), com o peso líquido de 244,920 gramas, que o mesmo igualmente destinava ao seu próprio consumo.
13. Outrossim, no dia 21/09/2015, o arguido B… tinha na sua posse, no interior do maço de tabaco, cannabis (resina) com peso líquido de 1,990 gramas, que o mesmo também destinava ao seu próprio consumo.
14. Tinha, ainda, na sua residência, sita na …, nº …, …, na última gaveta da cómoda do quarto, no interior de um invólucro de plástico de cor castanha:
- Duas placas de cannabis (resina) com peso líquido de 188,276 gramas;
- Duas "bolotas" envolvidas em plástico transparente, contendo cannabis (resina) com peso líquido de 19,087 gramas;
- No interior de dois sacos plásticos transparentes contendo MDMA com peso de 9,997 gramas.
Produtos que o arguido B… também destinava ao seu próprio consumo.
Arguido H….
18. Por sua vez, no mencionado dia 21/09/2015, o arguido H… tinha na sua posse, no interior da sua residência sita na Rua …, Bloco ., 2º Esqº, Viana do Castelo:
a) Na casa de banho:
- Dois invólucros contendo no seu interior nove placas de cannabis (resina), com o peso líquido de 896,496 gramas;
b) No seu quarto;
- Três placas de cannabis (resina), com o peso líquido de 292,106 gramas;
- € 405,00 em notas do BCE;
- Um x-acto contendo vestígios de cannabis;
- Um telemóvel da marca Samsung, modelo …, com a respectiva bateria, com o IMEI …………… e cartão SIM com o pin ….;
- 73 sacos transparentes, contendo vestígios de cannabis;
- Um computador.
19. O arguido H… destinava aqueles produtos estupefacientes ao seu próprio consumo.
Arguido E….
20. Por último, o arguido E…, tinha no seu quarto, na sua residência sita na Rua …, lote .., 2º Esqº, Viana do Castelo.
- Quatro placas de cannabis (resina) com o peso líquido de 397,238 gramas;
- Uma placa de cannabis (resina) com o peso líquido de 146,738 gramas;
- Uma navalha contendo resíduos de cannabis;
- € 510,00 (Quinhentos e dez euros) em numerário;
- Duas navalhas contendo resíduos de cannabis.
- Um telemóvel de marca iPhone, modelo .., IMEI ……………, com um cartão SIM da operadora L… com o contacto ………, com o PIN de desbloqueio.
21. O arguido E… destinava aqueles produtos estupefacientes ao seu próprio consumo.

Factos que assentam basicamente nos autos de busca e apreensão e exames subsequentes, onde foram encontradas substâncias estupefacientes, neste caso cannabis. Estes arguidos foram ainda submetidos a vigilâncias, com reportagem fotográfica.
Desta prova a mais significativa pode subsumir-se aos diferentes autos de busca que aqui damos por reproduzidos.
- Auto de busca de fls. 380/381 referente à busca levada a cabo no dia 21/09/2015, pelas 07H10, na residência do arguido B…; auto de apreensão de fls. 383; suporte fotográfico de fls. 384/388; testes M.M.C. de fls. 389, 391, 393 e 395; e autos de pesagem de fls. 390, 392, 394, 396 368, 370, 372, 374, 376 e 378;
- Auto de busca/apreensão de fls. 405/407 referente à busca levada a cabo no dia 21/09/2015, pelas 07H10, na residência do arguido H…; suporte fotográfico de fls. 414/419; testes M.M.C. de fls. 420 e 422; autos de pesagem de fls. 421 e 423; e folha de suporte de fls. 424; e
- Auto de busca de fls. 430/431 referente à busca levada a cabo no dia 21/09/2015, pelas 07H20, na residência do arguido E…; auto de apreensão de fls. 438; suporte fotográfico de fls. 439/443; teste M.M.C. de fls. 447; auto de pesagem de fls. 445; nota de fls. 446 atinente ao dinheiro apreendido a esse arguido; e DUC de fls. 544, comprovativo do depósito da aludida quantia, no valor de € 510,00.
Ademais, foram relevantes as perícias levadas a cabo pelo LPC da Polícia Judiciária, demonstrativas da natureza, peso e grau de pureza dos produtos estupefacientes apreendidos aos vários arguidos, a saber, os diversos relatórios de exame descritos no acórdão a quo.
As testemunhas de acusação variaram entre conhecidos consumidores e amigos dos recorrentes e os agentes de autoridade que, resumidamente, não foram capazes de comprovar quaisquer actos de aquisição ou venda de estupefacientes. Os agentes que intervieram nos mais diversos actos estão todos identificados no acórdão mas não se retira que, das vigilâncias e apreensões, se possa concluir por uma actividade de cedência ou venda de produto estupefaciente.
O tribunal também reputou como muito importantes os relatórios sociais dos arguidos em causa, onde se reflectem aspectos pessoais, sociais e económicos:
- De fls. 917/920 (arguido B…);
- De fls. 924/926 (arguido H…);
- De fls. 808/809 (arguido E…);
De facto, joeirando toda a prova produzida, analisando documentos, vigilâncias, exames, perícias e prova testemunhal ficam muitas dúvidas que os arguidos recorrentes, para o que nos interessa, tenham praticado actos de cedência ou venda de estupefacientes. Veremos que a lei não dá grande margem com estas quantidades de produto apreendidas e muito menos com dinheiro e utensílios. Por razões de natureza legal veremos como deve ser tratada a matéria de facto carreada para os autos.
Os arguidos recorrentes não prestaram declarações mas essa conduta não os pode prejudicar. Por outro lado não há nos autos a mais leve suspeita que estes arguidos, consumidores impenitentes, se tenham dedicado alguma vez ao tráfico de estupefacientes, nem algo de idêntico se pode extrair dos antecedentes criminais. É neste sentido que o tribunal realça os relatórios sociais, não porque estes documentos sejam inatacáveis no domínio probatório mas tão só porque espelham consumos e uma vivência familiar e social marcada por via desses consumos. Os relatórios até podiam ter sido postos em causa mas era necessário arrolar, como testemunhas, os seus relatores para darem explicações complementares em caso de dúvida.
Como se pode ver do teor do recurso o MP centra a sua argumentação nas apreensões e quantidades para daí procurar abalar a tese do consumo: as circunstâncias objectivamente apuradas, que são no fundo aquelas que resultaram dos autos de busca e apreensão referentes às diligências realizadas nas residências dos arguidos em causa, não permitiriam, dentro das boas regras da lógica e experiência comum, concluir que os produtos estupefacientes apreendidos, detidos pelos arguidos destinavam-se ao seu exclusivo consumo.
No caso, a prova objectiva sobre a matéria foi a que resultou do teor dos autos de busca e apreensão que estão, no essencial, vertidos na matéria de facto assente.
Como meio de prova nuclear resta-nos considerar os autos de busca e apreensão dos estupefacientes, visto que a restante prova é claramente insuficiente. O recurso terá que se debater com a detenção dos estupefacientes apreendidos.
As apreensões são expressivas. Quanto ao arguido B… compreendem os seguintes pesos líquidos de cannabis: 97,176g + 244,920g + 188,276g + 19,087g + 9,997g. Ao arguido H…: 866,496g + 292,106g, ainda a quantia de 404,00 euros e 73 embalagens e um X-ato com vestígios de cannabis. Ao arguido E…: 397,238g + 146,738g e ainda a quantia de 510,00 euros e 3 navalhas com vestígios de cannabis.
Dos exames periciais ao produto estupefaciente apreendido revela-se não só o seu peso líquido como também o respectivo grau de pureza. Para os casos de tráfico de menor gravidade – pretensão do recorrente – além do circunstancialismo previsto no artº 21 do D/L 15/93 de 22 de Janeiro - é necessário levar em consideração o período de tempo em actividade; o número de pessoas identificadas como adquirentes; a frequência das vendas e os montantes pecuniários envolvidos de forma considerar a conduta ilícita como diminuída. Das apreensões resulta apenas a quantidade de produto estupefaciente e, em relação a dois arguidos, algum dinheiro apreendido e objectos com vestígios de droga. O pequeno tráfico pressupõe alguma logística; avaliar as circunstâncias da acção; a qualidade e quantidade do estupefaciente; o número de consumidores afectados pela distribuição ou venda e a própria personalidade do arguido, designadamente se estamos perante um consumidor. No caso em análise temos muito pouco, exceptuando as quantidades detidas, algum dinheiro e vestígios em objectos. Actos expressos de tráfico, como a venda, são inexistentes. Acontece que a detenção, de apreciável quantidade de droga, no nosso caso cannabis, pode fazer presumir a intenção de a vender ou traficar, tanto mais que há dinheiro apreendido, panfletos e vestígios de droga em objectos, mas mesmo que assim não se entendesse sempre a mera detenção destas quantidades de estupefaciente constituiria crime. Apesar da natureza do produto: cannabis e perfil consumidor dos arguidos recorrentes; mesmo não possuindo na retaguarda qualquer estrutura organizada, nem rendimentos ou sinais exteriores de riqueza que permitam presumir um modo de vida ilícito, sempre a detenção destas quantidades é indiciadora de tráfico, posição que de resto a jurisprudência vem sufragando. Para se determinar se o agente cometeu o crime previsto e punido pelos artºs 21, nº1 e 25, alª a) do D/L 15/93 de 22/1 é necessário apurar qual a intenção com que se detinha ou possuía o produto estupefaciente: se para uso pessoal e exclusivo ou se para o vender a terceiros.
AC da RP de 17/05/200 – Relator: Fernando Fróis.
A discussão não ocorre em saber se há um crime de consumo – porque esses casos confinam-se à utilização de pequenas quantidades de estupefaciente tal como estão definidas na jurisprudência – mas sim entre um tráfico (artº21 do citº D/L) ou pequeno tráfico de estupefacientes (artº 25 do mesmo diploma).
A simples detenção não faz presumir imediatamente a venda mas, certamente, a apreensão de tão expressivas quantidades, também não faz presumir um exclusivo consumo, razão que nos faz cair no tráfico de menor gravidade, dada a relevância da quantidade apreendida.
Os arguidos bem sabiam que detinham produtos proibidos e que essa detenção estava vedada por lei, incluindo o consumo, decisão que voluntariamente tomaram. O estupefaciente apreendido, embora proibido, apresenta-se como o menos nocivo de entre outros proibidos, muito embora as quantidades expressivas e o circunstancialismo fáctico dos autos nos permitam concluir que a simples detenção se destina ao pequeno tráfico. As apreensões ultrapassam largamente as necessidades de consumo médio individual, por período que vai muito além dos critérios definidos no artº 40, nº2 do citº D/L.
Posto isto resulta dos autos que os arguidos detinham aquele produto para pequeno tráfico, tendo em conta a quantidade; os valores monetários apreendidos e alguns vestígios de droga em objectos. Entendemos por isso que não estão preenchidos os requisitos do artº 40, nº2 do D/L 15/93, apresentando-se a detenção daquelas quantidades de estupefaciente, muito significativas, com a restante apreensão: panfletos, dinheiro e objectos integradoras de um crime de pequeno tráfico. A tipologia do tráfico de menor gravidade é a que melhor se adequa à nossa situação, onde não podemos olvidar a qualidade do produto e as quantidades apreendidas, bem como as restantes envolvências do caso. Por esta razão a ilicitude do facto mostra-se consideravelmente diminuída, daí resultando a integração do crime previsto no artº 25, alª a) do D/L 15/93 de 22 de Janeiro.
Da matéria de facto dada como provada resultam todos os elementos fácticos necessários para caracterizar o pequeno tráfico, decorre também que os arguidos não podiam desconhecer, ao accionar meios e deter aquelas quantidades, que estavam a incorrer na prática de um crime de tráfico de menor gravidade, circunstância porque também o elemento subjectivo se encontra verificado.
Em conclusão a conduta dos arguidos integra, sem mais, em autoria e na forma consumada, um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. nos termos do artº 25, alª a) do citado D/L.
Posto isto temos de convir que o acórdão enferma de erro notório de apreciação da prova (artº 410, nº 2, alª c) do CPP) que resulta do próprio texto da decisão recorrida. Este erro é ostensivo e prescinde da análise da prova, para se ater apenas ao texto da decisão recorrida, por si e conjugada com as regras de experiência comum.
Como dissemos os elementos de facto do tipo objectivo caracterizador do pequeno tráfico de estupefacientes estão todos no texto do acórdão. Uma detenção nestes termos, prescindindo da restante prova, prefigura um conhecimento e proibição dos produtos detidos o que preenche o elemento subjectivo.
Observados quase todos os requisitos da sentença resta-nos a moldura concreta das penas a aplicar pela prática, por cada um dos arguidos, dos crimes de pequeno tráfico de estupefacientes.
A conduta dos arguidos pelas razões aduzidas supra integra, por cada um dos arguidos, a prática de um crime de tráfico de menor gravidade (artº 25 alª a) do D/L nº 15/93 de 22 de Janeiro), cuja moldura abstracta, por se tratar de substâncias compreendidas na tabela I-C, é de pena de 1 a 5 anos de prisão.
As penas têm por finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração dos arguidos, obedecendo a critérios de prevenção especial e geral. Tendo em conta o diminuído grau de ilicitude; a culpa de cada um dos arguidos; os seus antecedentes criminais, (com excepção do arguido H…) condições pessoais e económicas e demais circunstâncias do caso concreto, entendemos sancionar os arguidos nos seguintes termos:
a) Condenar o arguido B… pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artº 25, alª a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa ao referido diploma, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo mesmo período de tempo.
b) Condenar o arguido E… pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artº 25, alª a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa ao referido diploma, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua e execução, pelo mesmo período de tempo.
c) Condenar o arguido H… pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artº 25, alª a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa ao referido diploma, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo mesmo período de tempo.
Optamos por penas privativas de liberdade tendo em atenção a natureza dos crimes, circunstâncias da acção, antecedentes criminais e aspectos sociais e económicos dos agentes. No caso dos arguidos B… e E…, além da detenção e circunstancialismo fáctico, os antecedentes criminais não são despiciendos. No caso do arguido H…, apesar de não ter antecedentes, a detenção é significativa, apresentando objectos comprometedores do tráfico de estupefacientes.
Em todos os casos o tribunal suspende a execução da pena (artº 50 do CP) de prisão aplicada, atendendo à personalidade dos arguidos – marcada fortemente pelo consumo – conduta anterior e posterior – sobretudo os antecedentes criminais e condições pessoais e económicas – e circunstâncias globais do caso sob análise. De facto entende-se que a simples censura da prática dos factos e a ameaça das penas de prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Com este enquadramento é possível fazer um juízo de prognose positiva e acreditar que os arguidos não vão voltar a delinquir.
Em conclusão este tribunal decide condenar os arguidos nos termos definidos supra, com suspensão de execução das respectivas penas.

Assim acordam os Juízes que integram esta 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso do MP, revogando a decisão recorrida, fixando o dispositivo nos termos acima enunciados.

Declaram-se perdidos a favor do Estado as substâncias estupefacientes, objectos e dinheiro apreendidos nos termos dos artºs 35 e 36 do citado D/L 15/93 de 22/1.
Comunicar a decisão nos termos do artº 64 do citado decreto lei.

Sem custas por não serem devidas.
Registe e notifique.

Porto, 25 de Janeiro de 2017.
Horácio Correia Pinto
Moreira Ramos