PROCESSO DISCIPLINAR
AUSÊNCIA DO ARGUIDO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário

Em processo disciplinar não precedido de qualquer diligência probatória dos factos constantes da Nota de Culpa, realizadas estas na reabertura do processo, deve ser dado ao trabalhador novo prazo para exercer o contraditório, se as diligências levadas a cabo forem susceptíveis de diminuir o direito de defesa do trabalhador, nomeadamente por lhe coarctar a possibilidade de, na resposta à Nota de Culpa, ter feito uso dos meios de defesa que entendesse necessários.
(sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


I – Relatório
M… propôs o presente procedimento cautelar de suspensão de despedimento individual contra
A…., Lda
pedindo que seja decretada a suspensão do despedimento de que foi alvo por parte da requerida.
Alega, em síntese, que foi despedida no seguimento de processo disciplinar inválido por não acatamento do princípio do contraditório e porque não existe justa causa de despedimento, porque não praticou os factos que lhe vêm imputados
Proferido despacho a designar dia para a audiência, veio a requerida deduzir oposição ao decretamento da providência defendendo que foi assegurado o princípio do contraditório, não cabendo, nesta sede, aferir dos meios probatórios.

Juntou aos autos o processo disciplinar.

Na data designada para a audiência de julgamento veio a Senhora Juíza a proferir dois despachos (fls. 94 a 96):

- Do primeiro, perante a invocação de nulidade do processo disciplinar e consequente ilicitude do despedimento, consta, para além do mais, o seguinte:

“1 - Convido a Ré a corrigir a deficiência apontada, procedendo, no processo disciplinar, às diligências de prova pertinentes à sustentação das imputações feitas na Nota de Culpa, reabrindo consequentemente o processo disciplinar;
2 - Para o efeito, tem a Ré a palavra para, de imediato, indicar se pretende cumprir o despacho de aperfeiçoamento ora proferido, ou seja, se pretende usar da faculdade a que alude o art° 436° n° 2 do C.T. e requerer, a esse propósito o que tiver por pertinente, nomeadamente qual o prazo pelo que pretende a suspensão da presente instância”.

No seguimento deste despacho, a requerida disse pretender cumprir o despacho de aperfeiçoamento, requerendo a suspensão da instância até ao dia 4.7.2007 - suspensão em relação à qual a requerente disse nada ter a opor.

- O segundo despacho proferido de imediato pela Senhora juíza, foi do seguinte teor:

"Na sequência do despacho já aludido e atento o disposto no Art° 436° n° 2 do Código de Trabalho suspendo a presente providência cautelar até ao dia 4/7/2007, cessando a suspensão da instância a partir dessa data e desde já se designando dia para continuação da presente diligência o dia 12/07/2007 pelas 09h00m.
Mais se determina que até ao inicio da audiência a requerida junte o processo disciplinar respectivo na parte em que vai proceder à reabertura do mesmo sob a cominação a que alude o art° 38° do CPT.
Saliente-se que se designa audiência para essa data com vista a salvaguardar o prazo de cinco dias úteis que a lei confere ao trabalhador para reagir cautelarmente a uma decisão de despedimento.
Devem as partes comparecer nos termos já assinalados."

A requerida juntou aos autos o Relatório Final com decisão de despedimento com justa causa, proferida em 29.06.2007 e autos de inquirição de testemunhas no processo disciplinar reaberto efectuados em 28.06.2007.

Após essa junção, remeteu ao tribunal, em 04.07.2007 (às 19h 20m) “fax” de “Requerimento Probatório” da trabalhadora, dirigido ao processo disciplinar, para produção de prova testemunhal e outra, com vista a contrariar a prova testemunhal produzida e para cabal descoberta da verdade – requerimento indeferido pelo instrutor do processo com a invocação de que o momento para responder à nota de culpa já estava completamente ultrapassado, sendo que o processo disciplinar estava concluido.

Do despacho que “mandou suspender a instância e mandou proceder à reabertura do processo” recorreu de agravo a requerente, em 09.07.2007, requerendo a subida imediata e nos próprios autos, e apresentou alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Termina pedindo a revogação do despacho proferido nos autos e, em consequência, suspender-se o despedimento da Recorrente, porque ilicito e infundado.
A recorrida contra-alegou pondo, como questão prévia, a inadmissibilidade do recurso por extemporâneo uma vez que deveria ter sido arguido perante a instância que praticou o acto nulo e, por outro lado, vindo recorrer de uma decisão da qual, quando dela teve conhecimento, expressamente disse nada ter a opor, constitui um abuso de direito.

Pede, por isso, a condenação da recorrente como litigante de má fé.

No mais sustenta que a suspensão foi decretada por acordo das partes.

Na audiência de julgamento a senhora juíza determinou o depoimento de parte de requerente e requerida.

Debruçando-se sobre o recurso interposto, entendeu que a recorrente interpusera recurso de ambos os despachos (suspensão e aperfeiçoamento) e, por isso, - já tendo sido ultrapassado a utilidade da subida imediata em relação ao despacho que determinou a suspensão da instância - lhe fixou a subida a esta Relação com o primeiro que depois dele houvesse de subir.

No despacho de sustentação afirma que não foi o tribunal a “promover a reabertura do processo disciplinar”, limitando-se a proferir despacho de aperfeiçoamento.

Foi proferida sentença julgando improcedente a providência cautelar.

Inconformada com a sentença, veio a requerente interpor recurso de agravo para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes conclusões:
(…)
Termina pedindo a revogação da decisão recorrida, e, em consequência, suspender o despedimento da Recorrente, porque ilícito e infundado.

A requerida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Admitidos os recursos na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação.
Por despacho do Relator, não foi admitido o agravo do despacho de fls. 94 a 96 conforme consta de fls. 264.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer.
Nada obstando ao conhecimento da causa, cumpre decidir.

O âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).

Assim, as questões a que cumpre dar resposta são as seguintes:
- Se o processo disciplinar é inválido por violação do princípio do contraditório;
- Se no processo disciplinar não existe prova que conduza à justa causa de despedimento.

II - FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos assentes para a apreciação dos recursos são os constantes do relatório, sendo que, na decisão, foram dados como indiciariamente assentes os seguintes:
1. Em 8 de Setembro de 1998 a requerente começou a exercer funções de recepcionista para a requerida, trabalhando sob a sua direcção, entre as 8 e as 11 horas, rio posto de colheitas r,no na Rua…, em Cascais.
2. A requerente trabalhava ainda como empregada de limpeza:
a) em instalações da requerida, sitas na Rua… em Cascais
b)) em instalações da associada da requerida, B…, SGPS, SA, sitas na Rua… em Lisboa:
3. Auferindo, pelo exercício das funções aludidas em 1. e 2., da requerida, a retribuição mensal ilíquida de €600.
4. Em 7 de Maio de 2007 a requerida decidiu instaurar processo disciplinar à requerente, com intenção de despedimento, nomeando o instrutor do processo conforme consta de fls. 63.
5. Em 10/05/2007 a requerida enviou à requerente a missiva datada de 08/05/2007, cuja cópia consta de fls. 67 , comunicando-lhe, nomeadamente, a suspensão preventiva de funções, sem perda de vencimento, comunicação que foi acompanhada da nota de culpa cuja cópia consta de fls. 68 a 70, que a requerente recebeu, conforme documentos de fls. 71 e 72.
6. A requerente apresentou a resposta que consta de fls. 73 a 76, terminando da seguinte forma:
"`Requer como diligência probatória a comprovação dos factos que indubitavelmente conduzam à apropriação, por parte da trabalhadora arguida, dos objectos e produtos descritos nos n.ºs 5 e 6 da Nota de Culpa".
7. Em 31/05/2007 o instrutor do processo disciplinar elaborou o relatório e conclusões constante de fls. 79 a 82 do processo disciplinar.
8. Tendo a requerida concordado com esse parecer "pelo que se decide despedir a trabalhadora arguida com justa causa", conforme consta de fls. 82.
9. Em 1 de Julho de 2007 a requerida comunicou a decisão de despedimento à requerente, com cópia desse relatório, por carta registada enviada com A/R, que a requerente recebeu, conforme fls.78 a 84 dos autos.
10. A requerida enviou à requerente a carta datada de 20/04/2007, cuja cópia consta de fls. 90 e 91 dos autos, comunicando-lhe conforme daí consta.
11. Em 28 de Junho de 2007 foram tomadas as declarações juntas a fls. 105 a 116 dos autos.
12. Em 29 de Junho de 2007 o instrutor do processo disciplinar elaborou o relatório e conclusões constante de fls. 99 a 104.
13. Tendo nessa data a requerida proferido a decisão de despedimento e notificado a requerente, conforme fls. 118 e 119 dos autos, bem como o mandatário respectivo, conforme fls. 120.
14. A requerente apresentou ao instrutor do processo o requerimento junto, em cópia, a fls. 150 a 151, objecto do despacho do Sr. Instrutor junto a fls. 192 e 193.
15. Em data não concretamente apurada - entre os dias 14 a 17 de Abril de 2007 - a requerente deslocou-se à residência supra referida, sita na Rua…. em Cascais e daí retirou, sem autorização e contra a vontade da requerida, diversas garrafas de bebida - vinho, whisky e vinho do Porto – pertencentes à requerida e que esta destinava a ofertas de Natal, agindo com intenção de fazer suas tais garrafas.

III – FUNDAMENTOS DE DIREITO

Nas conclusões de recurso vem a recorrente, repisando os argumentos que já adiantara no agravo que não veio a ser admitido nesta Relação, invocar a ingerência do Tribunal nas competências de outrém, ao mandar reabrir um processo disciplinar, cuja instrução e conclusão é da competência exclusiva da entidade patronal.
É questão que está fora do âmbito do presente recurso e, por isso, sobre ela não haverá nada a decidir.
Todavia, sempre se dirá que a competência para a reabertura do processo disciplinar é, exclusivamente, da entidade patronal, não devendo o tribunal, na nossa interpretação, - nem a título de sugestão, porque poderá ser sempre entendido como uma tomada de posição a destempo, sobre a validade do processo desciplinar, – alertar a entidade patronal para a necessidade de reabertura do processo face à à invocação de nulidade do mesmo por parte do trabalhador.
Dito isto, entremos nas questões pertinentes do recurso.

A primeira questão que se coloca no recurso consiste em saber se, no processo disciplinar, a entidade patronal violou o princípio do contraditório ao não realizar as diligências de prova arroladas pela trabalhadora, após a notificação da prova produzida na reabertura do processo.
Relembremos os factos.
A entidade patronal imputou à trabalhadora, na Nota de Culpa, diversos comportamentos susceptíveis de integrar o conceito de justa causa de despedimento – e até o preenchimento de crime de furto – sem para tal ter efectuado, no processo disciplinar, uma única diligência.
Convidada pela senhora juíza a reabrir o processo para efectuar “as diligências de prova pertinentes à sustentação das imputações feitas na Nota de Culpa” a ré reabriu o processo e, de imediato, ouviu testemunhas tendo, no dia seguinte, elaborado nova decisão de despedimento.
Tendo notificado a trabalhadora da realização dessas diligências e da “nova” decisão de despedimento, veio esta requerer diligências com vista à descoberta da verdade, nomeadamente acareação, audição de testemunhas e junção de documentos.
Por entender que:
- a trabalhadora nada mais queria do que prolongar de modo injustificado o processo disciplinar;
- o processo disciplinar já estava concluído;
- e que à trabalhadora já tinha sido concedido o direito de defesa antes da reabertura do processo disciplinar,
o senhor instrutor do processo indeferiu a realização dessas diligências
É contra este entendimento que a trabalhadora se insurge, invocando a violação do princípio do contraditório.
Vejamos.
O princípio do contraditório é uma emanação do princípio fundamental constitucionalmente garantido do direito de defesa.
Estabelece o art.º 32.º n.º 10 da CRP que “Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa."(sublinhado nosso).
Estes mencionados direitos enformam o princípio do contraditório, princípio geral de direito disciplinar que impõe que a ninguém pode ser aplicada uma sanção antes de lhe ser proporcionada a possibilidade de ser ouvido e de se defender. (V. Ac. STJ de 30.01.89)
Para exercer o direito de defesa, o trabalhador arguido dispõe (agora), nos termos do art.º 413.º do actual Código do Trabalho (CT), “ …de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevante para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.”
Este direito de defesa aqui estabelecido desdobra-se, nos termos do referido normativo, no:
1 – Direito de consulta do processo disciplinar (formalidade procedimental que se destina a assegurar o mencionado direito de defesa garantindo-lhe o conhecimento dos factos e elementos que fundamentam a nota de culpa, de modo a permitir uma defesa eficaz.
Trata-se, por isso, de uma exigência formal que só poderá considerar-se suprida ou sanada se for de admitir, segundo os princípios gerais de direito, que, no circunstancialismo do caso, o arguido não foi efectivamente prejudicado pela ocorrência da nulidade ou dispensou a realização da formalidade (neste sentido, o acórdão do STJ (4.ª) de 20 de Novembro de 2003, processo n.º 3502/03, que considerou aplicável, como princípio geral de direito, o artigo 121º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do Código de Processo Penal) – V. Ac STJ de 4.2.2004 in www.dgsi.pt..
Para que exerça do direito de defesa a lei não se satisfaz com o conhecimento, pelo arguido, dos factos que lhe são imputados pela entidade empregadora.
Se assim fosse, a lei não lhe conferiria o direito de consulta do processo disciplinar, bastando-se com a mera remessa da nota de culpa, onde terão de constar todos os factos atendíveis para efeitos de aplicação de qualquer sanção – mormente a sanção máxima que é o despedimento do trabalhador.
Entendemos, pois, que o direito de consulta do processo disciplinar é fundamental para o exercício do direito de defesa.
2- Direito de resposta à nota de culpa deduzindo por escrito “os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos…”(art.º 413.º).
3 – Direito à realização das diligências probatórias requeridas e pertinentes nos termos do art.º 414.º do CT.

Nos termos do art.º 430.º n.º 2 do CT “O procedimento só pode ser declarado inválido se:
a) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa ou não tiver esta sido elaborada nos termos previstos no artigo 411.º;
b) Não tiver sido respeitado o princípio do contraditório, nos termos enunciados nos artigos 413.º, 414.º e no n.º 2 do artigo 418.º;
c) A decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, nos termos do artigo 415.º ou do n.º 3 do artigo 418.º
Ou seja, o procedimento é inválido se não for respeitado o princípio do contraditório, por não ter sido concedido ao arguido o direito de defesa que a lei – mesmo a lei fundamental - lhe confere.
No caso dos autos, quando foi dado à arguida o direito de defesa, o processo disciplinar nada mais tinha do que a Nota de Culpa.
Assim, a arguida trabalhadora mais não poderia do que contrariar os factos que lhe eram imputados, não podendo, sequer, arrolar prova que pudesse abalar todo e qualquer indício da prática dos factos.
E não apenas por causa da falta de elementos indiciários no processo disciplinar, mas, também, por imprecisão de um dos factos descritos na Nota de Culpa.
Efectivamente, ao contrário do que consta do n.º 15 dos factos considerados indiciariamente assente na decisão ora em crise, a data da prática dos “furtos” que vêm imputados à arguida recorrente, não nos parece estar devidamente discriminada na Nota de Culpa.
O que ali se diz – cfr. art.º 4.º da Nota de Culpa a fls. 68 – é que “em data que não pode precisar, uma vez que a trabalhadora arguida acedia aos mencionados locais de trabalho livremente, mas que se constatou em 16 e 17 de Abril de 2007, verificou-se que a trabalhadora arguida fez seus bens pertencentes à entidade patronal…”.
O que se deduz da redacção deste artigo, não é que “Em data não concretamente apurada - entre os dias 14 a 17 de Abril de 2007 - a requerente deslocou-se à residência supra referida, sita na Rua… em Cascais e daí retirou… (art.º 15 dos factos indiciáramente assentes na decisão recorrida), mas, antes, que a entidade patronal só constatou os “furtos” em 16 e 17 de Abril, porque a trabalhadora tinha livre acesso aos locais de trabalho.
Não nos parece, pois, devidamente concretizada na Nota de Culpa, a data e as circunstâncias de tempo e modo da prática dos factos.
Perante a descrição dos factos constantes da Nota de Culpa, a trabalhadora apenas apresentou, na resposta e como diligência probatória “a comprovação dos factos que indubitavelmente conduzam à apropriação, por parte da trabalhadora arguida, dos objectos e produtos descritos nos números 5 e 6 da Nota de Culpa”.
Com a reabertura do processo e a inquirição das testemunhas que a entidade patronal entendeu ouvir para suportar a acusação aparecem novos dados – não só as datas da alegada prática dos factos, como o modo de actuação da arguida.
Estamos perante elementos novos – que até conduziram a que, na decisão da matéria de facto, a senhora juiza tivesse “especificado” datas da actuação da arguida que poderão ser algo diferentes das constantes da Nota de Culpa – justificadores de uma nova oportunidade para a arguida exercer cabalmente o direito de defesa.
Como acima dissemos, e o reafirmamos agora, para que exerça do direito de defesa a lei não se satisfaz com o conhecimento, pela arguida, dos factos que lhe são imputados pela entidade empregadora.
Se assim fosse, a lei não lhe conferiria o direito de consulta do processo disciplinar, bastando-se com a mera remessa da nota de culpa, onde terão de constar todos os factos atendíveis para efeitos de aplicação de qualquer sanção – mormente a sanção máxima que é o despedimento do trabalhador
É evidente, pois, que, perante os novos - e únicos - elementos de prova que corroboram a acusação juntos ao processo disciplinar, a trabalhadora tem todo o direito de consultar o processo e requerer novas diligências probatórias em sua defesa.
É que, agora, estamos perante elementos de prova acusatória que especificam o tempo e o modo de actuação – tempo e modo que não resultavam claros da nota de culpa – pelo que, inviabilizar a produção de prova por parte da trabalhadora quanto a estes novos elementos – que, sublinhe-se, até serviram para descrever melhor, na decisão em crise, a data da actuação da arguida – seria coarctar-lhe o direito de defesa inerente ao procedimento disciplinar.
Não desconhecemos que a jurisprudência tem entendido que o contraditório a que o processo disciplinar está sujeito e que pode inquinar o processo disciplinar, não inclui o contraditório dos elementos de prova, – dado que o processo disciplinar tem natureza inquisitória - mas a possibilidade de ser ouvido sobre os factos que lhe são imputados na nota de culpa (com a inerente possibilidade de indicar provas em sua defesa ou com o fim de esclarecer a verdade) (neste sentido, cfr. os Acórdãos desta Relação de 10.12.97 in CJ 1997/V/166 e 18.02.98 in CJ 1998/I/175).
E que o processo disciplinar tem natureza inquisitória – no sentido de que o trabalhador arguido não tem o direito de exercer o contraditório no acto de produção de provas – se têm pronunciado quer a doutrina quer a jurisprudência (cfr. Pedro de Sousa Macedo in Poder Disciplinar Patronal, Coimbra 1990, pág. 150 e Paula Quintas e Helder Quintas em anotação ao art°. 414° do Código do Trabalho ou, na jurisprudência e a título de exemplo, o Ac. do STJ de 21.05.2003 in www.dgsi.pt,).
Contudo, essa natureza inquisitória do procedimento disciplinar no sentido indicado, - ou seja, de que o trabalhador arguido não tem o direito de exercer o contraditório no acto de produção das provas, nomeadamente de fazer perguntas às testemunhas quer por si arroladas quer arroladas pela entidade empregadora, - não colide com o princípio do contraditório.
Este, como vimos, confere ao trabalhador o direito “de consultar o processo disciplinar e responder à nota de culpa deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos…”(art.º 413.º do CT) devendo o empregador proceder “…às diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa…”, nos termos do art.º 414.º do CT.
São estes, pois, repetimos, os direitos do trabalhador que enformam o princípio do contraditório – pilar de qualquer processo sancionatório:
- O direito de consulta do processo disciplinar;
- O direito de responder à nota de culpa:
- O direito a que sejam efectuadas as diligências probatórias que requereu (com as limitações constantes do art.º 414.º do CT).
Conforme já acima referimos, o direito de consulta é instrumental em relação ao direito de defesa mas é-lhe intrínseco, de tal modo que este não é cabalmente atingido se aquele se mostrar postergado.
Daqui se infere que a ausência do direito de consulta do processo disciplinar conforme determina o art.º 413.º, cerceando a possibilidade de defesa do arguido, viola o princípio do contraditório.
Desse modo, cai sob a alçada do art.º 430.º n.º 2 al. b) do CT, tornando inválido o procedimento disciplinar.
Ora, no caso dos autos, quando foi dada à arguida a possibilidade de exercer o direito do contraditório, o processo disciplinar não tinha mais do que a Nota de Culpa.
Os elementos que vieram a ser juntos ao processo após a sua reabertura, trouxeram algo de novo à compreensão da acusação – a descrição do tempo e do modo de actuação da trabalhadora.
E, conforme já acima concluímos, entendemos que, denegar à trabalhadora o direito de se pronunciar sobre estes elementos é coarctar-lhe o direito de defesa sem justificação, é violar o princípio do contraditório.
Assim sendo, dado que ao caso não é aplicável o disposto no art.º 418.º do CT, entendemos que:
- Em processo disciplinar não precedido de qualquer diligência probatória dos factos constantes da Nota de Culpa, realizadas estas na reabertura do processo, deve ser dado ao trabalhador, novo prazo para exercer o contraditório, se as diligências levadas a cabo forem susceptíveis de diminuir o direito de defesa do trabalhador, nomeadamente por lhe coarctar a possibilidade de, na resposta à Nota de Culpa, ter feito uso dos meios de defesa que entendesse necessários.

Por tal motivo, e visto o estabelecido no art.º 430.º n.º 2 al. b) do Código do Trabalho, o procedimento disciplinar tem de ser considerado inválido e, por consequência, decretar a suspensão do despedimento (art.º 39.º n.º 1 do CPT).

Face ao decidido inútil se torna a análise da eventual justa causa para despedimento.

IV - DECISÃO
Em conformidade com os fundamentos expostos, concedendo provimento ao agravo, julga-se inválido o procedimento disciplinar por violação do princípio do contraditório e, em consequência, decreta-se a suspensão do despedimento.
Custas em ambas as instâncias pela recorrida.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2008

Natalino Bolas
Seara Paixão
Ferreira Marques