PROCURAÇÃO
ADVOGADO
SÓCIO GERENTE
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
CONTRATO DE FORNECIMENTO
Sumário

1. É válida a procuração forense concedida por uma empresa a advogado que é sócio-gerente da mesma, do mesmo modo que é lícito ao advogado advogar em causa própria.
2. A exigência de menção da licença de utilização reporta-se ao contrato de arrendamento e a sua prova é ónus do senhorio, não do arrendatário.
3. No sub-arrendamento não há que fazer qualquer menção a tal licença de utilização na exacta medida em que aquela é ónus do senhorio e não do arrendatário ou do sub-arrendatário.
4. O contrato de fornecimento de água não foi rescindido pela Aª, mas sim pelo titular de tal contrato.
5. O Réu poderia ter celebrado novo contrato de fornecimento de água com a EPAL e não o fez.
6. Ao não entregar as chaves à Aª o Réu manteve a disponibilidade de utilização do locado, quer vivesse ou não no mesmo, privando a Aª de tal utilização.
(AV)

Texto Integral

APELAÇÃO Nº 10605/07


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

D… , LDA., veio interpôr a presente acção de despejo contra J…,  P… e esposa A…, pedindo a rescisão do contrato, bem como a condenação dos réus a entregarem à autora o andar livre e desocupado e, ainda, no pagamento das rendas vencidas e vincendas, acrescidas dos juros, à taxa legal, até à entrega do andar livre e desocupado.

Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese e com relevo, que na qualidade de arrendatária, sublocou ao 1.º réu o rés-do-chão esquerdo do prédio sito na Rua…, pela renda mensal de 400 euros, assumindo os 2.º e 3.º réus o compromisso de fiadores. Invocou, ainda, que o 1.º réu deixou de pagar a renda em Maio de 2005, referente a Junho, assim como as seguintes e apesar das diversas insistências da autora, o 1.º réu nada mais pagou, nem entregou as chaves do dito andar e nem respondeu às cartas enviadas.

Regularmente citados, apenas o réu J… apresentou contestação, invocando, no essencial, que o locado não possui licença de habitabilidade/utilização, o que determina a invalidade do contrato e confere ao réu o direito de resolver o contrato.

Mais alegou que o imóvel em causa, logo desde o início da vigência do contrato, revelou a existência de problemas com a água e respectiva canalização, que a autora não entregou um único recibo das rendas pagas e litiga com má fé, uma vez que desde Junho de 2005 se encontra na posse do locado, sempre possuindo uma 2.ª chave do mesmo.

Terminou pedindo que seja decretada a invalidade do contrato de subarrendamento, nos termos do artigo 8.º, n.º 4, do RAU e, subordinadamente, seja decretada a resolução do contrato em causa, nos termos do artigo 9.º, n.º 6, do RAU, devendo, ainda, a acção ser julgada improcedente, com fundamento na excepção de não cumprimento do contrato (artigo 428.º, do Código Civil) e a autora condenada em litigante de má fé, em multa e indemnização fixada a favor do 1.º réu.

A autora respondeu, pugnando pela improcedência das excepções invocadas e requerendo o despejo imediato e a condenação do réu como litigante de má fé, em multa e indemnização à autora, em quantia não inferior a 1.000 euros.

Por despacho proferido em 21 de Março de 2006 foi decretado o despejo imediato do locado – rés-do-chão esquerdo do prédio sito na R…, tendo o respectivo mandado de despejo sido cumprido em 31 de Outubro de 2006 (fls. 137 a 143).

                                                    *

A fls. 116 foi proferido despacho que decidiu existir irregularidade no mandato conferido por procuração da Aª, notificando-se esta para em 10 dias juntar nova procuração.

Sobre este despacho recaiu recurso de agravo da Aª.

                                                *

No decurso da audiência de julgamento, o réu J…, através do seu mandatário, veio requerer que se declare ficar sem efeito tudo o que foi praticado pelo mandatário da autora, irregularmente constituído nos presentes autos, ao abrigo do artigo 40.º, n.º 2, segunda parte, do Código de Processo Civil e se declare a absolvição do réu da instância, de acordo com o previsto nos artigos 493.º, n.º 2 e 494.º, al. h), do mesmo diploma legal. Para tanto, alegou, no essencial, que se verifica a irregularidade no mandato de fls. 6, que não foi sanada no prazo de 10 dias, fixado no despacho de 26.10.2006.

A autora pronunciou-se pelo indeferimento do requerido pelo réu, sustentando, em síntese que a alegada irregularidade do mandato foi objecto de interposição de recurso e que a autora juntou nova procuração. Acrescentou que, sanada a eventual irregularidade, não se vislumbra qual a utilidade processual de requerer a absolvição da instância, que, em última análise (e a ser admitida), só obrigaria à propositura de nova acção e à repetição de toda a causa.

Foi proferido despacho, indeferindo a requerida declaração de ineficácia dos actos praticados pelo mandatário da autora, bem como a absolvição do réu da instância.

Também sobre este despacho recaiu recurso, desta vez do Réu.

                                               *

Veio a ser proferida sentença que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de resolução do contrato, condenando os Réus a pagarem à Aª a quantia de € 2.000,00 acrescida de juros, relativa às rendas vencidas até à data da propositura da acção e vincendas desde essa data e até 31/10/2006.

                                    
O Réu J… apelou de tal sentença.

                                             *
Foram dados como provados os seguintes factos:

       A) Por acordo escrito datado de 10.11.2004, denominado “contrato de sub-     arrendamento”, a autora cedeu ao réu J… o gozo   temporário do rés do chão, lado esquerdo, do prédio sito na R…, inscrito na matriz predial urbana da        freguesia … sob o art. ….
B) Nos termos do contrato referido em A), as partes acordaram que o réu                 J… pagaria à autora a renda mensal de 400 euros, no          primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito.
C) Segundo a cláusula 7.ª do contrato a que se alude em A), o local destinava-se exclusivamente a habitação do réu J…, reconhecendo este que o mesmo realiza cabalmente o fim a que é destinado.

D) De acordo com a cláusula 14.ª do mencionado contrato, os réus P…. e A…, como «fiadores e principais pagadores», assumiram solidariamente com o réu J… a «obrigação do fiel cumprimento de todas as cláusulas deste contrato, seus aditamentos legais e suas renovações até à efectiva restituição do local livre e devoluto e nas condições estipuladas e, bem assim, declara que a fiança que acaba de prestar subsistirá ainda que haja alteração da renda agora fixada e mesmo depois de decorrido o prazo de cinco anos a que alude o n.º 2 do art. 655º do Cód. Civil em vigor».
E) O réu J… deixou de pagar a renda em Maio de 2005, referente a Junho desse ano, bem como as seguintes.
F) Apesar das diversas insistências da autora, o réu J… não pagou as referidas rendas, nem entregou as chaves do andar em causa.
G) Em data não concretamente apurada, a água quente do local descrito em A) não chegava à casa de banho por defeito da canalização.
H) Por escrito datado de 22.06.2005, o réu P… enviou à autora e esta recebeu o fax com o conteúdo constante de fls. 27.


                                           *
Começaremos por apreciar o recurso que incidiu sobre o despacho que declarou o mandato como irregular.

Em conclusão, diz a recorrente:
- A representação e a assistência por advogado são sempre admissíveis e não           podem ser impedidas por qualquer jurisdição.
- Ao escolher e constituir como seu mandatário o advogado que também é o seu representante legal, através de procuração junta com a petição inicial e subscrita por aquele, a ora agravante deu cumprimento ao disposto nos arts. 32º nº 1 b) e 35º do CPC.
- No caso não se verifica nenhum dos impedimentos ou incompatibilidades previstos no E.O.A.
- Apesar de se poder suscitar o depoimento de parte, a lei processual não questiona a possibilidade de o advogado patrocinar a causa própria e, por maioria de razão, a possibilidade de patrocinar a causa de sociedade de que seja o representante legal.

   
Cumpre apreciar.
A questão suscitada tem a ver com o facto de o mandatário da sociedade Aª ser simultaneamente o seu representante legal. Além disso, havia sido requerido e admitido o depoimento de parte do Dr. A…, enquanto legal representante da “P…” Lda.
Entendeu o Mº juiz a quo que tal situação, acrescida do facto de ter sido o mesmo Dr. A…. a subscrever o contrato de sub-arrendamento aqui em causa, gera a irregularidade do mandato.

Embora o Mº juiz não explique, no seu despacho de fls. 115/116, o porquê dessa irregularidade, ou seja, qual a razão legal que tornava irregular o mandato no caso de o advogado ser igualmente o legal representante da parte, supomos que tal terá a ver com um juízo de incompatibilidade e impedimento.



Ora, se é verdade que o artº 85º nº 2 do EOA estabelece que “o advogado, no exercício da profissão, manterá sempre e em quaisquer circunstâncias a maior independência e isenção, não se servindo do mandato para prosseguir objectivos que não sejam meramente profissionais”, não vemos em que medida isso afecta a possibilidade de o advogado representar em juízo sociedade de que seja legal representante.
Esta situação não implica que o advogado não respeite os grandes princípios deontológicos a que alude António Arnaut - “Estatuto da Ordem dos Advogados” p. 56 – a saber: “independência, dignidade, probidade, isenção, respeito pela verdade, lealdade, urbanidade”.
O dever de independência e isenção não significa, note-se, que o advogado tenha uma perspectiva equidistante de ambas as partes em litígio. Significa que aceita representar uma delas por entender que a posição da mesma assenta em fundamentos sérios e justos, e defendê-la-á usando os meios processuais à sua disposição com escrupuloso respeito pela verdade e pela lei.

Em parte alguma do EOA ou do CPC se prevê a incompatibilidade ou impedimento do advogado representar em juízo sociedade de que seja legal representante.
De resto, o advogado pode advogar em causa própria – artº 164º do EOA – situação bastante comum, nomeadamente nas acções de honorários. E pode ser advogado da parte com a qual mantenha relação de trabalho subordinado – que implica uma subordinação jurídica.
Ora, se tais situações são pacificamente aceites e ocorrem no dia a dia dos tribunais, não se compreende por que razão se deverá decidir de modo diferente o caso em que o advogado é simultaneamente representante legal do seu representado.


A exigência que sempre se terá de fazer é de que o advogado actue com isenção e respeito pela verdade, mesmo que se patrocine a si próprio ou a pessoa colectiva que represente.

Assim não se vislumbra qualquer motivo para julgar irregular o mandato ou a procuração para o seu exercício.

Revoga-se pois o despacho que julgou irregular a procuração, declarando-se a validade da mesma.

                                           *
Assim sendo, não tem a Aª de juntar nova procuração.
Por isso, fica prejudicado o recurso da decisão que julgou sanada a irregularidade do mandato, uma vez que, como se disse, inexiste qualquer irregularidade.
Não conheceremos assim da primeira parte do recurso interposto pelo Réu a fls. 226 e seguintes dos autos.

                                            *
Quanto ao recurso da sentença.
São estas e em síntese as conclusões do recorrente:
- O recurso é interposto da sentença, na parte em que condenou os RR a pagarem à Aª a quantia de € 2.000,00 relativa às rendas vencidas até 31/10/2006.
- Impugna-se a resposta negativa aos pontos 2, 3, 4, 5 e 6.
- Tais quesitos deveriam ter sido dados como provados, atentos os depoimentos das testemunhas L…, Ad… e Ma…. 
- Além disso, deveria ter sido acrescentado um novo ponto à matéria de facto, referindo que o Réu J… abandonou o locado a partir de Agosto de 2005, na sequência de lhe ter sido retirado o contador da água.
- Bem como deveria ter ficado assente que Julho de 2005 a Aª rescindiu o contrato de fornecimento de água relativo ao locado em carta dirigida à EPAL.
- E que o locado padecia de diversas anomalias e que o Réu, já em Junho de 2005 manifestou a intenção de entregar as chaves do locado.
- De resto, é a própria Aª que confessa ter rescindido o contrato de fornecimento de água no locado, em 15/7/2005.
- Por outro lado, o artº 9º nº 1 do RAU determina que só podem ser objecto de arrendamento urbano, os edifícios ou suas fracções cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato esteja atestada pela licença de utilização passada pela autoridade municipal competente.
- Devendo o contrato indicar a existência da licença de utilização, o seu número, a sua data e a entidade emitente.
- Incumbia à Aª a prova de existência de tal licença de utilização.

A Aª alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.

                                               *
Uma vez que a apelação incide, em grande parte, na impugnação da decisão fáctica, começaremos por reapreciar a prova produzida e adequadamente gravada.

Os pontos que o recorrente pretende ver alterados são os constantes dos nºs 2, 3, 4, 5 e 6, que mereceram resposta de “não provado” pelo Tribunal.

Têm o seguinte teor:

2) Desde o início da vigência do contrato mencionado em A) que o imóvel revelou a existência de problemas com água e respectiva canalização;

3) O réu J… teve que se socorrer da casa de familiares e colegas de trabalho para executar os actos inerentes à sua higiene pessoal, designadamente tomar banho;

4) Após a intervenção do técnico enviado pela autora, o andar ficou a padecer de uma fuga de água na casa de banho;

5) Em consequência do descrito em 4), por mais de uma vez, provocou uma inundação em praticamente todo o andar;

6) A autora mandou retirar o contador da água do andar em causa;

Pretende o recorrente que tais matérias deveriam ter sido dadas como provadas.

É certo que existiram problemas com a canalização, nomeadamente com a água quente. Isso foi confirmado por todas as testemunhas.

Mas não resulta provado, do confronto dos diversos depoimentos, que tais problemas tenham existido desde o início do contrato de arrendamento.

De resto, relativamente à própria natureza e extensão dos problemas, os depoimentos das testemunhas são divergentes.

As testemunhas An… e Nn… referem que o problema residia na conduta da água quente o que, naturalmente dificultava ou impedia o Réu de tomar banho. Esse problema teria sido resolvido, de acordo com essas testemunhas, ao fim de 3 ou 4 semanas.

A testemunha L… confirma o problema com a circulação da água quente mas acrescenta que ocorriam inundações.

A testemunha Ad… refere que o Réu lhe disse que havia um cano roto e sofria de inundações e que, uma vez, viu a mãe do Réu com um balde e um pano a remover água do chão.

A testemunha M …mostra menos conhecimento sobre esta matéria, até porque esteve hospitalizada tendo permanecido em casa da filha por tempo indeterminado após a saída do hospital.

Relativamente ao ponto 2 dos factos não provados a resposta dada pelo tribunal a quo parece-nos indiscutível, já que deu como assente que “em data não concretamente apurada, a água quente do locado não chegava à casa de banho por defeito de canalização”.

Com efeito, dos focados depoimentos não é possível concluir que os defeitos se tenham manifestado desde o início do contrato de arrendamento.

Quanto ao ponto 3, é verdade que uma das testemunhas, vizinha do Réu, confirmou que este fora tomar banho a sua casa, por estar impossibilitado de o fazer no locado dos autos. Mas fica a ideia de que a testemunha se estava a referir ao período em que foi retirado o contador e cortado o fornecimento de água e não a qualquer deficiência da canalização.

A testemunha L… referiu que tinha oferecido a sua casa para o Réu lá ir tomar banho, mas que isso nunca veio a acontecer.

Ora, o certo é que não se prova que o Réu se tenha socorrido da casa de familiares e colegas de trabalho para tomar banho.

E acima de tudo, não se prova que isso tivesse a ver com deficiências da canalização, que é o que está em causa aqui – ver arts. 15º a 18º da contestação.

Assim, a resposta negativa era inevitável.

 Quantos aos pontos 4 e 5, ou seja, a questão de o locado ter sofrido inundações, verificam-se duas posições distintas: as testemunhas An… e P… dizem que não houve, as testemunhas P… e Ad… dizem que houve.

Aqui chegados há que fazer um comentário relativamente às testemunhas.

Ant… é sócio da Aª e era em nome dele que se encontrava o contador da água.

A… é secretária da anterior testemunha.

L… é colega de trabalho do Réu J… e os seus patrões são os outros RR P… e A ….

Ad… e M… moram no prédio em causa e ambas foram objecto de acções de despejo da iniciativa da testemunha Ant…, manifestando uma expressiva hostilidade contra este, o que é bem patente nos seus depoimentos.

Pela mera audição dos depoimentos gravados torna-se impossível privilegiar uns deles em detrimento dos outros. A testemunha Ant… tem interesse no desfecho da causa, embora indirecto, a testemunha P… está subordinado juridicamente a dois dos Réus e as testemunhas Ad… e M …estão em situação de conflito com A. A testemunha Na P…está subordinada juridicamente à primeira testemunha.

Perante isto e até pelo tom emotivo que perpassa nalguns depoimentos, entendemos que a posição assumida pelo tribunal a quo, de resto a partir de uma perspectiva bem mais completa e abrangente que a nossa, é de respeitar, considerando esta matéria como “não provada”.

Relembre-se que dar como não provada determinada ocorrência não significa dar como provado que ela não ocorreu. Significa apenas que não existe credibilidade e consenso suficientes para alicerçar uma resposta positiva.

Assim, não vemos razões para modificar, neste ponto, a decisão factual.

Quanto ao ponto 6 dos factos não provados.

Aqui sim, a posição do recorrente está indiscutivelmente sustentada em prova documental e testemunhal.

Só que não foi a Aª que mandou retirar o contador da água, dado que este nem sequer estava em seu nome, mas sim no de Ant…. E foi este que mandou retirar o contador, como de resto o próprio confirma no seu depoimento. É igualmente essa a conclusão que se retira do documento de fls. 42 (comunicação à EPAL, de Ant…, da rescisão do contrato de fornecimento de água).

A resposta a dar a esta matéria deverá pois ser a seguinte:

Provado que em 15/7/2005, Ant… mandou retirar o contador da água do locado, contador esse que se encontrava em seu nome”.

                                                   *

Pretende ainda o recorrente que se deveria dar como assente que abandonou o locado em Agosto de 2005, na sequência do corte da água.

Contudo, na sua contestação, o mesmo Réu afirma ter abandonado o locado em finais de Maio de 2005.

Acresce que o facto de Ant… ter comunicado à EPAL a rescisão do contrato de fornecimento de água por carta de 15/7/2005 não implica, obviamente, que a EPAL tenha ido retirar o contador e cortado a água nesse mesmo dia.

A testemunha M…afirmou que antes de ter ido de férias em Agosto de 2005 o Réu ainda se encontrava na casa e que, quando regressou, já lá não morava. Contudo, como acima referimos, esta testemunha passava longos períodos em casa da filha (às vezes de 2ª a 6ª feira como ela própria referiu).

É indiscutível que o Réu deixou a casa, mas não é possível determinar a altura exacta em que o fez, já que não se provou que tenha entregue as chaves à senhoria.

Por outro lado, o fax de fls. 27 mais não representa que uma proposta do Réu P…, dirigida à Aª, declarando que o Réu J… entregaria a chave no apartamento até final de Junho de 2005, fazendo um único depósito de € 500,00.

Mas na realidade não se pode afirmar sequer que o Réu J… tenha alguma vez chegado a entregar as chaves à Aª. Daí que, na execução do despejo, tenha sido necessário arrombar a porta.

Desocupar a casa significa, não só deixar de lá permanecer fisicamente, mas igualmente entregar a chave ao locador. A chave é o meio de acesso ao locado e, com a sua entrega, o locatário fica assim privado de aceder à casa, entregando a plena posse desta ao senhorio.

Por tudo isto, não existe fundamento para acrescentar qualquer outra factualidade e em particular a pretendida pelo apelante.

                                            *

Passando agora a conhecer dos fundamentos jurídicos invocados no presente recurso, começaremos pela questão da licença de utilização.

Alega o recorrente que cabia à Aª provar que o locado dispunha de licença de utilização, nos termos dos arts. 8º nº 2 c) e 9º nº 1 do RAU. 

Com efeito, nos termos do artº 9º nº 1 do RAU, “só podem ser objecto de arrendamento urbano os edifícios, ou suas fracções, cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestado pela licença de utilização (...)”.

De resto, o próprio contrato de arrendamento deverá mencionar a existência de licença de utilização, o seu número, data e entidade emitente, artº 8º nº 2 c).

E, face a isto, caso o contrato não mencione tal licença, é ao locador que incumbe a prova da sua existência, uma vez que estamos perante elemento constitutivo da validade do contrato.

Contudo, nos presentes autos, estamos perante um contrato de sub-arrendamento, no qual a Aª actua enquanto arrendatária do andar.

O ónus de apresentação da licença de utilização refere-se ao contrato de arrendamento e incumbe ao senhorio, não ao locatário.

No caso de sub-arrendamento não faz sentido pretender-se a exibição ou prova da licença de utilização pelo arrendatário, já que o sub-arrendamento é, por natureza, um contrato dependente de um prévio contrato de arrendamento. E é neste que se poderá discutir a existência ou não da licença de utilização.

Ora o Réu não invoca qualquer irregularidade no contrato de arrendamento celebrado entre a Aª e o senhorio do imóvel.

A falta de licença de utilização poderia afectar a validade do contrato de arrendamento; nesse caso, não tendo a Aª a qualidade de arrendatária por invalidade ou nulidade do contrato, seria igualmente inválido o sub-arrendamento.

Contudo a questão não pode ser colocada directamente ao nível deste sub-arrendamento já que a Aª, celebrando-o enquanto arrendatária do imóvel não pode ser censurada por não exibir licença de utilização: essa licença, como dissemos, é ónus do senhorio, não do arrendatário.

Assim, contrariamente ao alegado pelo recorrente, não entendemos que coubesse à Aª a prova da existência de uma licença de utilização. Esta reporta-se ao contrato de arrendamento celebrado entre a Aª enquanto inquilina e o senhorio, e o ónus da apresentação da licença incumbe a este último.

                              

Daqui decorre igualmente que não assiste ao Réu o direito de resolver o contrato nos termos do artº 9º nº 6 do RAU. Mais uma vez se confunde a figura do senhorio – que não interveio no contrato dos autos – com a do arrendatário, no caso a Aª, que, essa sim, celebrou o contrato de sub-arrendamento enquanto arrendatária do andar.

                                     *

Quanto ao alegado incumprimento do contrato.

Diz o Réu que a Aª, ao rescindir unilateralmente o contrato de fornecimento de água com a EPAL, incumpriu o contrato, impedindo o Réu de gozar o locado para os fins a que se destinava.

Como vimos, não foi a Aª que rescindiu o contrato de fornecimento de água, que nem se encontrava em seu nome, mas sim A…. O facto de este ser sócio da Aª é irrelevante, na medida em que não procedeu a tal rescisão em representação da sociedade D…, mas sim em nome próprio, como contraente de tal acordo com a EPAL.

Por um lado, que o A… rescindisse o contrato não representa qualquer ilícito nem atenta contra quaisquer direitos contratuais do Réu. Ninguém pode ser obrigado a manter um contrato de fornecimento de água em seu nome quando não habita o respectivo andar nem tem sequer qualquer contrato de arrendamento ou sub-arrendamento que o legitime para tal.

Por outro lado, o Réu poderia e deveria ter celebrado com a EPAL um novo contrato, desta vez em seu nome, como de resto é natural fazer-se nestes casos.

Não ficou provado que o Réu tenha tentado celebrar tal contrato e o mesmo haja sido recusado pela EPAL.

Bastaria ao Réu contratar em seu nome o fornecimento de água, para poder “gozar o locado para os fins a que se destinava”. Não o tendo feito, não pode imputar à Aª qualquer incumprimento contratual e muito menos usar esse pretexto para justificar o facto de ter deixado de pagar as rendas.

Aliás, diga-se de passagem que o Réu deixou de pagar a renda em Maio de 2005 e a carta de rescisão do contrato de fornecimento de água data de 15/7/2005.

                                                  *

Temos assim que ponderar as seguintes conclusões:

- É válida a procuração forense concedida por uma empresa a advogado que é sócio-gerente da mesma, do mesmo modo que é lícito ao advogado advogar em causa própria.

- A exigência de menção da licença de utilização reporta-se ao contrato de arrendamento e a sua prova é ónus do senhorio, não do arrendatário.

- No sub-arrendamento não há que fazer qualquer menção a tal licença de utilização na exacta medida em que aquela é ónus do senhorio e não do arrendatário ou do sub-arrendatário.

- O contrato de fornecimento de água não foi rescindido pela Aª, mas sim por Ant…, que era o titular de tal contrato.

- O Réu poderia ter celebrado novo contrato de fornecimento de água com a EPAL e não o fez.

- Ao não entregar as chaves à Aª o Réu manteve a disponibilidade de utilização do locado, quer vivesse ou não no mesmo, privando a Aª de tal utilização.

Assim e tudo visto, concede-se provimento ao agravo interposto pela Aª, ficando deste modo prejudicado o conhecimento do agravo interposto pelo Réu.

Julga-se a apelação improcedente.

Custas pelo apelante.

LISBOA, 21/2/08

António Valente

Ilídio Sacarrão Martins

Teresa Pais