BUSCA DOMICILIÁRIA
CONSENTIMENTO
COABITAÇÃO
Sumário

I – A busca domiciliária efectuada pela autoridade judiciária sem o consentimento do visado, mesmo que ele esteja presente aquando da diligência, é nula.
II – No caso de coabitação o consentimento do proprietário do local para a busca, releva apenas às quanto às zonas de utilização comum.
III – Num domicilio com vários usurários, onde há espaços comuns e privativos, deve ser obtido o consentimento de todos os titulares do espaço que se encontrem presentes.

Texto Integral

Processo nº 23/15.5SFPRT.P1

Acordamos juízes que integram esta 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

Relatório.
Em processo comum, com intervenção de tribunal singular, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento do arguido B…, filho de C… e de D…, natural de …, Trofa, nascido em ..-..-1987, solteiro, residente na Rua …, n.º .., …, no Porto.
O tribunal decidiu julgar procedente a acusação, condenando o arguido como autor material de um crime de furto, p. p. pelo artº 203º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €5,00 que perfaz um total de €400,00.
Questão prévia:
Em sede de alegações foi invocada a eventual nulidade da busca efectuada nos autos.
Compulsados os autos podemos verificar que no dia 19-02-2015 foi efectuada busca domiciliária na casa onde reside o ora arguido B….
Dispõe o artº 174 do CPP que:
“1 - Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.
2 - Quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.
3 - As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.
4 - O despacho previsto no número anterior tem um prazo de validade máxima de 30 dias, sob pena de nulidade.
5 - Ressalvam-se das exigências contidas no n.º 3 as revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos:
a) De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa;
b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado;
ou
c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão.
6 - Nos casos referidos na alínea a) do número anterior, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação.”
Por sua vez dispõe o artº 177 do CPP, referente à busca domiciliária, que:
“1 - A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade.
2 - Entre as 21 e as 7 horas, a busca domiciliária só pode ser realizada nos casos de:
a) Terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada;
b) Consentimento do visado, documentado por qualquer forma;
c) Flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.
3 - As buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal:
a) Nos casos referidos no n.º 5 do artigo 174.º, entre as 7 e as 21 horas;
b) Nos casos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior, entre as 21 e as 7 horas.
4 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 174.º nos casos em que a busca domiciliária for efectuada por órgão de polícia criminal sem consentimento do visado e fora de flagrante delito.
5 - Tratando-se de busca em escritório de advogado ou em consultório médico, ela é, sob pena de nulidade, presidida pessoalmente pelo juiz, o qual avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados ou da Ordem dos Médicos, para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente.
6 - Tratando-se de busca em estabelecimento oficial de saúde, o aviso a que se refere o número anterior é feito ao presidente do conselho directivo ou de gestão do estabelecimento ou a quem legalmente o substituir.”
As buscas e revistas são meios de obtenção de prova não sendo actos processuais. Assim, e uma vez que tais meios são uma forma de se imiscuir na vida privada das pessoas, agentes ou não do crime, tais buscas e revistas devem ser autorizadas ou ordenadas pela autoridade judicial competente - Ministério Público ou Juiz de Instrução, cfr artºs 267 e sgs do C.P.P.
Em certos casos a lei dispensa a prévia autorização. Tais situações prendem-se com interesses superiores da investigação ou da eficácia da mesma e as mesmas estão previstas no n.º 5 do artº 174, do C.P.P.
Para além dos casos previstos no referido preceito legal estatui ainda o artº 251 do C.P.P.que: “1 - (...) os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária: a) à revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção e a buscas no lugar em que se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem a prova e que de outra forma poderiam perder-se; b) à revista de pessoas que tenham de participar ou pretendam assistir a qualquer acto processual, sempre que houver razões para crer que ocultam armas ou outros objectos com os quais possam praticar actos de violência. 2 - é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 174.º, n.º 5.”
Resulta de fls. 7 e ss. que a PSP procedeu a uma busca domiciliária às dez da manhã na casa onde reside o ora arguido sem que tivesse mandado prévio do Juiz. No entanto foi elaborado – cfr. fls. 7 - um auto de autorização de busca domiciliária. Tal autorização encontra-se assinada quer pelo chefe da PSP quer por E… proprietário e residente da casa sita na Rua …, nº .., ….
O proprietário não é o ora arguido, todavia o arguido encontrava-se presente.
Tem sido entendimento jurisprudencial que a autorização de busca só pode ser dada por quem usufrui da casa ou dependência onde será realizada a busca, não bastando, assim, que seja dada autorização pelo proprietário do edifício.
Conforme podemos ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 7-4-2015, disponível em www.dgsi.pt “Assim, independentemente de se tratar ou não, de um domicílio definido nos termos referidos no artigo 34º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, certo e indiscutível é que se trata de um lugar reservado ou não livremente acessível ao público, que para ser objecto da realização de busca por um OPC, sem o competente mandado de busca emitido por autoridade judiciária, terá de ser expressa e documentalmente autorizada pelo visado, que será quem tiver a livre disponibilidade em relação a esse lugar e, não necessariamente, a pessoa visada com a diligência ou seja o arguido.
A lei exige que o consentimento fique documentado, o que, para além de afastar a possibilidade de o consentimento ser tácito ou presumido, parece admitir que o registo possa ter lugar em qualquer suporte compatível com a noção de documento, ou seja admite qualquer forma de documentação.
Então, cumpre aferir casuisticamente, da legitimidade para dar consentimento válido e eficaz, legitimidade que assiste ao titular dos valores ou interesses em nome de cuja salvaguarda a lei decretou a inviolabilidade do espaço e, não necessariamente o arguido dos autos.
Assim, em caso de arrendamento de imóvel, seja para fins habitacionais, comerciais, industriais, agrícolas, recreio ou, quaisquer outros legalmente admissíveis, o consentimento só pode ser dado pela pessoa cuja privacidade/intimidade se exprime e realiza através do arrendado, ou seja o arrendatário, sendo certo que em todas estas situações, são estes, e não o proprietário, quem pode dar o referido consentimento, sendo o consentimento do proprietário ilegítimo e ineficaz e, este arrendatário poderá ser ou não o arguido, referindo-se o termo visado constante dos do artigo 174º, nº 5, alínea b) e, 177º, nº 4, do Código de Processo Penal, ao afectado pela violação da intimidade legalmente tutelada e, não o visado pelo processo instaurado ou a instaurar.
O consentimento do visado não é uma simples formalidade, mas sim um pressuposto ou condição de validade da busca, que tendo lugar fora dos casos legalmente previstos e sem consentimento do visado geram proibição de prova nos termos dos artigos 126º, nº3 e, 118º, do Código de Processo Penal e, nos termos do artigo 32º, nº 8 da Constituição, que determina que “são nulas todas as provas obtidas mediante (…), abusiva intromissão (…) no domicílio, (…)”.
Ou seja, o visado é quem tenha a fruição da habitação ou dependência não sendo necessariamente o arguido.
No caso dos autos, quem deu o consentimento para a busca foi o proprietário E… que reside na fracção objecto da busca.
O arguido também reside nessa morada e estava presente aquando da busca.
Como resulta do auto de busca e apreensão a fls. 8 foi o próprio arguido que retirou debaixo do sofá o colete policial, tamanho L, com a inscrição Polícia, e o entregou ao agente da PSP que procedeu à busca, e assinou o próprio auto de busca e apreensão.
Ou seja, mesmo que o arguido, residente também naquela morada tal como quem deu autorização para a busca, não tenha também assinado a autorização de fls. 7, sendo certo que o mesmo estava presente aquando da busca, entregou o objecto da apreensão a agente policial e assinou o auto, concordando desta forma com a busca efectuada e dado o seu assentimento para a mesma.
Com efeito, o artº 174 do CPP não exige uma formalidade apenas referindo que o consentimento deve ser documentado por qualquer forma.
Em primeiro lugar entendemos que o proprietário e residente na mesma casa deu autorização para a busca, sendo tal consentimento válido.
Em segundo lugar o arguido estava presente a assentiu na busca realizada, assinando até o auto de busca e apreensão.
Assim, e no nosso modesto entendimento, não se verifica qualquer nulidade na busca efectuada nos autos, designadamente a prevista no artº 126 nº 3 do CPP.

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
A. No dia 18 de Fevereiro de 2015, entre as 22h30 e as 23h30, o arguido dirigiu-se à 6.ª Esquadra da PSP, sita na Rua …, n.º …, no Porto – Esquadra … - e, através de método não concretamente apurado, entrou para a esquadra.
B. Uma vez no interior, o arguido percorreu várias divisões daquele edifício que também alberga a 3.ª Esquadra de Investigação Criminal e dirigiu-se ao vestiário, donde retirou um par de calças de ganga azul, um casaco de malha de cor azul, vermelha e branca, uma sweatshirt e um cinto de cor preta, tudo de valor não concretamente apurado mas não inferior a €115,00 (cento e quinze euros) pertencentes ao agente da PSP F…, e ainda a chave da residência deste.
C. Enquanto deambulou pelo edifício o arguido ainda pegou e levou consigo um colete de marca e modelo G…, tamanho L, com os dizeres POLÍCIA, no valor de €40,00 (quarenta euros) pertencente ao agente da PSP H… e que estava pousado nas costas de uma cadeira.
D. O colete veio a ser recuperado no dia 19 de Fevereiro de 2015, pelas 09h, no interior da residência do arguido e o casaco e as calças foram encontrados no chão, no entroncamento da Rua … com a Rua …, nesta cidade.
E. O arguido actuou livre, deliberada e consciente, na execução de um plano que previamente delineou com o propósito concretizado de se introduzir nas instalações da PSP, do modo como o fez, bem sabendo que o fazia contra a vontade e sem o consentimento da PSP e de aí se apoderar dos objectos mencionados na presente acusação pertencentes aos agentes da PSP, F… e H…, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que deles se apoderava sem conhecimento, contra a vontade e sem consentimento dos seus donos.
F. O arguido sabia que a conduta é proibida e punida por lei.
G. O arguido tem os antecedentes criminais de fls. 100 a 102 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
H. O arguido é estudante, não tem rendimentos próprios, vive em união de facto, e recebe a ajuda de familiares. O arguido tem o 11º ano de escolaridade.
(transcrição parcial do acórdão)

Recurso do arguido B…:
Conclusões:
1) Conforme se encontra documentado a fls. 8 sgs dos autos, no dia 19/02/2015, às 9 horas, foi efectuada uma busca na casa onde reside o arguido, no decurso da qual veio a ser apreendido um colete, tamanho L, com os dizeres POLÍCIA.
2) Esta busca foi efectuada no domicílio do arguido a coberto de uma autorização prestada pelo proprietário da casa, conforme consta a fls. 7 dos autos.
3) Invocada a nulidade relativa à busca, o tribunal recorrido entendeu não se verificar qualquer nulidade, uma vez que a busca foi autorizada pelo proprietário, residente na mesma casa, o arguido estava presente e assentiu na busca realizada, assinando até o auto dc busca e apreensão.
4) O arguido discorda deste entendimento porque a busca domiciliária tem de ter o consentimento do visado.
5) O visado com a busca efectuada nos presentes autos foi, sem dúvida o arguido. Era sobre ele, na percepção do órgão de polícia criminal que efectuou a busca, que incidiam as suspeitas da prática de crime; e era o arguido o titular do domicílio afectado com a mesma.
6) Sendo verdade que o arguido estava presente aquando da busca, já não é verdade que tenha assentido na mesma, como se afirma na decisão recorrida.
7) O facto de o arguido ter assinado o auto dc busca e apreensão, o qual foi elaborado após a busca, não supre a falta do seu consentimento para a mesma, o qual teria que ser, necessariamente, prévio e estar documentado.
8) Assim, a busca efectuada nestes autos foi realizada fora de qualquer pressuposto e condicionalismo legal que a permitisse, designadamente os previstos nos diversos números do artº 177, do CPP, pelo que constituiu uma intromissão ilegal no domicílio do arguido.
9) As provas obtidas mediante intromissão ilegal no domicílio, são nulas, não podendo ser utilizadas - cfr. Artº126, nº 3, do CPP.
10) Pelo que, no presente caso, nunca poderia ser utilizada como prova o que consta dos autos de busca c apreensão a fls. 8 e 9.
11) O tribunal recorrido violou as disposições legais citadas.
12) O tribunal recorrido deu como provado:
a. (...) “o arguido, através de método não concretamente apurado, entrou para a esquadra." - no ponto A. da matéria dc facto provada;
b. (…) " Uma vez no interior, o arguido percorreu várias divisões daquele edifício que também alberga a 3ª Esquadra de Investigação Criminal e dirigiu-se ao vestiário, donde retirou um par de calças de ganga azul, um casaco de malha de cor azul, vermelha e branca, uma sweatshirt e um cinto de cor preta” (...) - no ponto B. da matéria de facto provada;
c. (…) "Enquanto deambulou pelo edifício o arguido ainda pegou e levou consigo um colete de marca e modelo G…, tamanho L, com os dizeres POLÍCIA” (…) — no ponto C. da matéria de facto provada;
d. (…)"O colete veio a ser recuperado no dia 19 de Fevereiro de 2015, pelas 09h, no interior da residência do arguido” (...) - no ponto D. da matéria de facto provada; e
e. (…)"O arguido actuou livre, deliberada e consciente, na execução de um plano que previamente delineou com o propósito concretizado de se introduzir nas instalações da PSP, do modo como o fez, bem sabendo que o fazia contra a vontade e sem o consentimento da PSP e de aí se apoderar dos objectos mencionados na presente acusação pertencentes aos agentes da PSP, F… e H…, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que deles se apoderava sem conhecimento, contra a vontade e sem consentimento dos seus donos." - no ponto E. da matéria de facto provada.
13) O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção para dar como provados tais factos nos depoimentos prestados pelos ofendidos e testemunhas, conjugados com o auto de busca junto a fls. 8 e 9 e com as regras da experiência comum.
14) Os factos supramencionados foram incorrectamente julgados. Tais factos deveriam ter sido julgados não provados.
15) Os depoimentos prestados pelos ofendidos c testemunhas foram gravados e são os seguintes:
a. H…, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado dc gravação digital, com início pelas 10:27:06 horas c termo pelas 10:32:52 horas;
b. F…, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado dc gravação digital, com início pelas 10:32:53 horas c termo pelas 10:45:56 horas;
c. I…, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado dc gravação digital, com início pelas 10:45:56 horas c termo pelas 10:56:02 horas;
d. J…, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado dc gravação digital, com inicio pelas 10:56:04 horas c termo pelas 11:10:10 horas.
16) Como se pode constatar das gravações assinaladas:
a. Do depoimento de H… e do F…, resultou que estes eram agentes da PSP a prestar serviço no local indicado na acusação como sendo o do furto. Nenhum deles presenciou os factos supra impugnados, tendo-se limitado a reproduzir em julgamento aquilo que ouviram dizer a alguns colegas de trabalho, a afirmar serem os proprietários dos objectos tidos por furtados e a indicar o valor dos mesmos.
b. Do depoimento do I…, resultou não ter presenciado quaisquer dos factos impugnados, com excepção do que diz respeito à busca domiciliária que foi por si efectuada no domicílio do arguido. Na passagem gravada de 09:17 a 09:56, afirmou que, aquando da busca, o arguido justificou a posse do colete, dizendo que o tinha encontrado em cima dc um muro junto da esquadra.
c. Do depoimento de J…, resultou, constando das passagens da gravação que se indicam, o seguinte:
i. 01:20 a 03:16 - Que no ília 28/02/2015, esteve ao serviço de porta da esquadra, a partir das 22:00 horas. Que se apercebeu de o arguido ter entrado na esquadra, o que fazia frequentemente para utilizar as máquinas de café ali existentes, no espaço de acesso ao público.
ii. 05:15 a 06:18 - Que quando o arguido saiu da esquadra não levava nada com ele.
iii. 06:55 a 09:00 - Que na data apontada como de ocorrência do furto, estava uma janela aberta no compartimento onde estavam os cacifos dos agentes e que era possível entrarem por essa janela na esquadra sem que quem estivesse a fazer porta se apercebesse.
17) O auto de busca e apreensão de fls. 8 e 9 constituem prova obtida por métodos proibidos, nos termos do disposto no nº 3, do artº 126, do CPP, e que, como tal, são nulos e não podiam ser utilizados.
18) Em face das declarações prestadas pelos ofendidos e testemunhas, nos presentes autos, e do auto de fls. 8c9, não poderia o tribunal ter julgado, mesmo que por presunção, de acordo com as regras da experiência, provados os factos impugnados.
19) Os factos que o tribunal considerou para julgar como provada a matéria de facto impugnada, não autorizam esta conclusão.
20) 0 juíz ao lançar mão de presunções judiciais tem que ter em consideração toda a factualidade indiciária provada, considerada na sua globalidade de forma articulada, extraindo daí os factos presumidos de acordo com as regras da experiência.
21) Da matéria de facto indiciária provada consta que na parte de trás da esquadra que dá para a estação de serviço estava uma janela aberta que dava acesso directo ao compartimento onde se fardam os agentes e a dita janela fica junto do solo e é facilmente acessível. O que segundo um raciocínio lógico e de acordo com as regras da experiência permite concluir que qualquer pessoa, para alem do arguido, poderia aceder à esquadra pela janela e furtar os bens identificados na acusação. Consta, igualmente, que o arguido, aquando da busca, justificou a posse do colete encontrado em sua casa, dizendo que o tinha encontrado em cima de um muro junto da esquadra.
22) Não tendo sido feita prova directa dos factos impugnados, os mesmos não podiam ser dados como provados por força de presunção judicial, porquanto os factos indiciários considerados na sua globalidade, analisados à luz das regras de experiência, fazendo uso de um raciocínio lógico, não permitem firmar com um mínimo de certeza e garantia aqueles factos.
23) O tribunal recorrido julgou incorrectamente os factos impugnados e fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no artº 349, do CC.
Termos em que … julgando procedente o presente recurso e revogando a sentença recorrida…
(transcrição parcial do recurso/conclusões)

Resposta do MP.
Do objecto do recurso.
Das conclusões formuladas no douto recurso retira-se, na essência, que o recorrente:
- sustenta que a busca domiciliária efectuada com a autorização do proprietário da residência, aí residente, mas sem o consentimento do arguido, também aí residente, é nula, nos termos do artº 126º, nº 3, do CPP;
- impugna … a matéria de facto, discordando assim da convicção alcançada pelo tribunal a quo após análise e valoração da prova produzida em audiência de julgamento.
Conclusões.
1. Sustenta o recurso que a busca domiciliária efectuada com a autorização do proprietário da residência, aí residente, mas sem o consentimento do arguido, também aí residente, é nula, nos termos do artº 126, nº 3, do CPP.
2. O Tribunal Constitucional produziu já jurisprudência, é certo que desprovida de cariz geral e obrigatório, sobre a questão suscitada, defendendo que se o visado pela diligência residir no local, ainda que juntamente com terceiros, é por isso um dos titulares do direito à inviolabilidade do domicílio, pelo que se mostra necessário obter o seu consentimento para que a busca possa ser realizada.
3. Com efeito o Tribunal Constitucional, através do acórdão n.º 507/94, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Dezembro de 1994, julgou inconstitucional o entendimento de que o consentimento exigido para a busca domiciliária em casa habitada, realizada por órgão de polícia criminal, poderia ser prestado apenas por quem, não sendo visado por tal diligência, tivesse a disponibilidade do lugar em que a busca é efectuada.
4. Mais recentemente o mesmo tribunal reforçou a descrita posição, através do acórdão nº 126/2013, de 27 de Fevereiro.
5. Da aplicação do entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional ao caso concreto decorrem as subsequentes conclusões.
6. Impunha-se como necessário, para a realização da busca domiciliária, obter o consentimento expresso do arguido (consentimento não pode ser tácito ou presumido).
7. A busca decorreu sem essa autorização expressa.
8. Nos termos do artº126, nº 3, do CPP, por ter sido obtido mediante intromissão não consentida no domicílio, o colete táctico da PSP assim apreendido constitui prova nula.
9. Trata-se, no entanto, de uma nulidade relativa de prova, a qual não é de conhecimento oficioso, só pode ser conhecida a requerimento dos sujeitos processuais.
10. Contudo, e porque é inaplicável o regime previsto para as nulidades processuais, previsto nos artsº 118 a 123, do CPP, pode ser conhecida em qualquer fase do processo e só se convalida com o trânsito em julgado da sentença.
11. Tendo o conhecimento da nulidade sido suscitado em sede de recurso pelo arguido, tendo a prova nula sido utilizada na fundamentação da sentença, sendo aliás elemento determinante na formação da convicção do julgador e, consequentemente, na condenação do arguido (na nossa óptica sem a apreensão do colete tácito pela PSP, no decurso da busca, inexistiria prova que permitisse a condenação), é também, desta feita nos termos do art. 122º, nº 1, do CPP, nula a própria sentença.
12. A consequência legal que daí advém é a da repetição da sentença pelo tribunal recorrido, sem a ponderação da prova proibida, nos termos dos artsº 410 n°3, e 426°, do CPP, este a contrario.
13. Sem prescindir, impugna ainda o recorrente a decisão proferia sobre a matéria de facto, discordando assim da convicção alcançada pelo tribunal a quo após análise e valoração da prova produzida em audiência de julgamento.
14. Caso seja negado provimento ao recorrente, quanto à invocada nulidade, mantendo-se a utilidade probatória da prova obtida através da realização da busca domiciliária, então deve também soçobrar o douto recurso nesta parte, dado que o tribunal a quo efectuou uma correta apreciação e valoração da prova produzida em audiência de julgamento.
Nestes termos … deve ser julgado procedente o douto recurso, considerada nula a sentença e determinado o reenvio do processo para que seja produzida nova sentença pelo tribunal recorrido, sem a ponderação da prova proibida, nos termos dos artºs. 122º, nº 1, 410° n°3, e 426°, do CPP, este último a contrario.
(transcrição integral das conclusões da resposta)

Parecer de fls 225/227.
O Senhor PGA, depois de breves considerações, seguiu a posição arguindo a nulidade da prova defendida, não só pelo recorrente, mas sobretudo pela veiculada pelo MP a quo, que trata da matéria exaustivamente deixando pouco campo de manobra para quaisquer outras especulações.

Foi dado cumprimento ao artº 417, nº2 do CPP.
Colhidos os vistos foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta à apreciação do mérito.
Mantém-se a regularidade da instância.

Fundamentação e Direito.
Das conclusões formuladas, no douto recurso interposto pelo recorrente, podemos destacar a seguinte argumentação como objecto do recurso:
- a busca domiciliária efectuada com a autorização do proprietário da residência, mas sem o consentimento do arguido - ambos aí residentes - é nula, nos termos do artº 126º, nº 3, do CPP;
- a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, discordando da convicção apresentada pelo tribunal a quo suportada na análise e valoração da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
O recorrente coloca em causa a legalidade da busca domiciliária e configura um erro de julgamento por incorrecta análise e valoração da matéria de facto.

Da nulidade da busca:
Quanto ao enquadramento legal, sobre esta matéria, descrevem-se os seguintes artigos:
Artº 174, do CPP:
“1 - Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.
2 - Quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.
3 - As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.
4 - O despacho previsto no número anterior tem um prazo de validade máxima de 30 dias, sob pena de nulidade.
5 - Ressalvam-se das exigências contidas no n.º 3, as revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos:
(…)
b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado;
(…)
Artº 177, do CPP (buscas domiciliárias).
“1 - A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade.
2 - Entre as 21 e as 7 horas, a busca domiciliária só pode ser realizada nos casos de:
a) Terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada;
b) Consentimento do visado, documentado por qualquer forma;
c) - Flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.
3 - As buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal:
a) Nos casos referidos no n.º 5 do artigo 174.º, entre as 7 e as 21 horas;
b) Nos casos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior, entre as 21 e as 7 horas.
4 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 174.º nos casos em que a busca domiciliária for efectuada por órgão de polícia criminal sem consentimento do visado e fora de flagrante delito.
(…)
Artº 126, do CPP nº 3 do CPP:
“3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.”

Da lei e actividade jurisprudencial resulta que é necessário, para a realização da busca domiciliária, obter o consentimento do arguido (visado);
O acto de busca decorreu sem essa autorização;
O colete da PSP foi apreendido – encontrava-se debaixo do sofá na sala de estar - mediante intromissão não consentida no domicílio, o que constitui prova nula nos termos do artº 126, nº3 do CPP;
Estamos perante uma nulidade relativa de prova, que não é de conhecimento oficioso, mas pode ser conhecida a requerimento dos sujeitos processuais;
O regime previsto para as nulidades processuais, nos artºs 118 a 123, do CPP precisa de ser complementado com o disposto no artº 126 do CPP, podendo esta, contudo, ser conhecida em qualquer fase do processo e só se convalida com o trânsito em julgado da sentença;
O conhecimento da nulidade suscitou-se em sede de recurso pelo arguido e a prova nula foi declaradamente utilizada na fundamentação da sentença, apresentando-se como elemento determinante na formação da convicção do julgador, o que levou à condenação do arguido.
Sem a apreensão do colete, propriedade da PSP, efectuada no decurso da busca, inexistiria prova que permitisse a condenação do arguido.
Os efeitos da declaração de nulidade são os previstos no artº 122 do CPP.
Resulta que terá de ser repetida a sentença pelo tribunal a quo, sem a ponderação da prova proibida, nos termos dos artºs 410, n.°3, e 426, do CPP, este a contrario ou, caso assim não se entenda, decidir de imediato por se encontrarem reunidos todos os elementos necessários.
A busca efectuada pela competente autoridade judiciária e sem consentimento do visado - arguido B… - é nula.
Dos factos que aqui nos interessam convém analisar, por surpreendentes, a autorização de busca domiciliária e o auto de busca e apreensão, respectivamente documentos juntos a fls 7 e 8.
A busca domiciliária, em casa habitada ou numa dependência fechada, só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz (artº 177, nº1 do CPP). As buscas domiciliárias podem ainda ser ordenadas pelo MP ou ser efectuadas por órgão de policia criminal, designadamente no caso de consentimento do visado – artºs 174, nº5 e 177 nº 2, alªs b) e c), ambos do CPP.
A autorização de busca foi efectuada não pelo arguido mas sim pelo proprietário e ocupante da mesma casa: E…. A autorização para desencadear a busca não está suportada por um termo de autorização, porque a mesma tinha que ser expressamente dada pelo arguido B…. A autorização de fls 7 está assinada pelo E….
O auto de busca e apreensão de fls 8 tem como destinatário o E…, proprietário do local buscado e é ele que autoriza a busca por via do documento atrás referido. De caminho, porque no interior da habitação se encontrava o arguido, decidem interpelá-lo sobre o colete apreendido … prosseguindo com considerações que vão além da simples apreensão. Curioso, no momento das assinaturas, o proprietário deixa de ser o actor central nesta recolha de prova e o auto acaba por ser assinado pelo arguido, no lugar de visado, assinando os restantes intervenientes de seguida: agentes executantes e, a final, o primitivo destinatário E….
Compulsados os documentos podemos concluir que o auto de busca, relativamente ao arguido, não foi ordenado por órgão de polícia criminal, uma vez que o destinatário era o E… e o mesmo se diga da autorização de busca domiciliária, pois também não foi dada pelo arguido, mas antes pelo proprietário E….
Da subsunção dos factos ao direito.
Alega o recorrente que o arguido visado pela diligência, deveria ter dado expressamente consentimento para a sua realização, uma vez que estava presente no acto.
O consentimento em momento algum foi concedido, vale dizer que a busca decorreu sem a autorização do arguido.
A prova foi obtida mediante intromissão ilegal no domicílio, pelo que é nula, nos termos do artº 126, nº 3, do CPP e não pode ser utilizada pelo tribunal a quo.
O consentimento do visado, nas buscas domiciliárias, pode ser documentado por qualquer forma – artº 177, nº2, alª b) do CPP.
O consentimento não se encontra sujeito a qualquer exigência de forma, pode ser dado por escrito, verbalmente, aposição de impressão digital, contudo tem de ser registado, documentado, por escrito.
O artigo 177º, do CPP regula especialmente a busca domiciliária e contempla a realização da busca por OPC, com consentimento do visado, sem precedência de mandado, sem qualquer especialidade face ao regime geral.
A inviolabilidade do domicílio encontra-se protegida no artigo 34º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, apresentando-se como um lugar reservado ou não livremente acessível ao público, que para ser objecto da realização de busca por um OPC, sem o competente mandado de busca emitido por autoridade judiciária, terá de ser expressa e documentalmente autorizada pelo visado
O consentimento deve ser livre e esclarecido e prestado pelo visado, desde que tenha disponibilidade do lugar de habitação, onde vai ocorrer a busca. O consentimento deve ser prestado antes da busca mas nada impede que o visado assegure a regularidade da diligência em momento posterior, questão é que seja documentado, pelo que afastada está a hipótese de ser tácito ou presumido.
Para os efeitos previstos no artº 174, nº 5, al. b) e 177º, nº 2, al. b), ambos do CPP, interessa saber quem deve ser considerado “visado” pela busca, sobretudo quando estamos perante mais de que uma pessoa a residir no local. Em bom rigor devemos aferir quem é a pessoa ou pessoas que têm a titularidade do espaço de modo a consentirem no acto. A questão ainda mais se complica quando é duvidoso que a legitimidade para prestar o consentimento seja do titular dos valores ou interesses em nome de cuja salvaguarda a lei decretou a inviolabilidade do espaço ou ao invés do agente infractor - arguido.
O arguido não autorizou a busca, o que determina que “o consentimento do visado não se encontra documentado por qualquer forma”. O arguido não autorizou a busca e o auto de busca e apreensão está assinado, mas o destinatário da diligência é o E…, o que não nos permite, a não ser por leviandade, dizer que o acto está regular.
Este tema da autorização é assaz problemático e na co-domiciliação há que estabelecer regras, procurando caminhar na senda traçada pelo TC.
Nos casos de coabitação é preciso delimitar o âmbito do consentimento dado pelo proprietário: este estende-se tão só às zonas de utilização comum da residência, sendo ilegítimo e ineficaz relativamente ao acesso ao concreto quarto onde reside o suspeito/arguido.
O caso de escola é o do quarto de hóspedes, onde convém diferenciar lugares comuns de áreas privativas dos usuários ou hóspedes.
O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 16.10.2006, Proc. 76/06-1, Rel. Fernando Monterroso, poderia favorecer a posição firmada pelo tribunal a quo, pois bastaria o consentimento de quem tem a disponibilidade do local …
Aplicando o descrito critério ao presente caso concluiríamos, da mesma forma que o tribunal a quo, que estando o colete apreendido no decurso da busca na sala, zona comum da habitação, bastaria o consentimento do proprietário aí residente sendo que, para a busca ao concreto quarto do arguido, seria já necessário o consentimento deste último.
O Tribunal Constitucional vem firmando jurisprudência em sentido contrário pugnando que se o visado residir no local da diligência, com outros, é obrigatório o seu consentimento como titular do direito à inviolabilidade do domicílio. Com efeito o Tribunal Constitucional, através do acórdão n.º 507/94, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Dezembro de 1994, julgou inconstitucional, em caso idêntico, o entendimento oferecido pelo tribunal a quo, solução propugnada por Costa Andrade em considerações sobre a proibição de prova, seguindo a doutrina e jurisprudência dos EE.UU e da RFA. Assim apresenta-se com propriedade, um extracto do aresto citado pelo MP a quo: "Na realidade, o domicílio tem de se ver como uma projecção espacial da pessoa que reside em certa habitação, uma forma de uma pessoa afirmar a sua dignidade humana. Daí que, no caso de várias pessoas partilharem a mesma habitação, deva ser exigido o consentimento de todas.”
Ainda mais recentemente o Tribunal Constitucional produziu o acórdão nº 126/2013, de 27 de Fevereiro, sedimentando a anterior posição, ao julgar inconstitucional, por violação do n.º 3 do artigo 34.º da Constituição, a norma da alínea b) do n.º 3, com referência al. b) do n.º 2, do art.º 177.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que o “consentimento” para a busca no domicílio do arguido possa ser dado por pessoa diferente deste, mesmo que tal pessoa seja um co-domiciliado com disponibilidade da habitação em causa.”
Não obstante a controvérsia gerada por estas duas posições julgamos mais consentânea a interpretação expendida pelo TC na defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nomeadamente a da inviolabilidade do domicílio – interpretação conforme a constituição - circunstância que facilmente pode ser superada, de forma avisada, pelos órgãos de polícia criminal, socorrendo-se das autoridades judiciárias competentes ou obtendo os devidos consentimentos. A actuação do órgão de polícia criminal não peca só no plano formal, substancialmente a ordem é imperfeita, pelas razões supra mencionadas.
O artigo 126 do CPP estabelece um regime bem diferenciado ao impor a invalidade quanto a métodos proibidos quando obtidos com e sem consentimento do titular, respectivamente para violações que contendam com a “integridade física e moral … ou intromissão na vida privada – domicílio, correspondência e telecomunicações”.
O que verdadeiramente define a essência do regime é o duplo propósito de: por um lado estabelecer um limite intransponível à redução da dissonância e da conflitualidade; e, por outro lado, reflexamente, salvaguardar a identidade e imagem de um processo penal com as credenciais de um estado de direito.
Consenso e Oportunidade in Jornadas de Direito Processual Penal – fls 337 – Costa Andrade.
Da abundante jurisprudência, acima citada na resposta, claramente se destrinça um regime de nulidades previsto nos artºs 118/123 do CPP, por contraposição às nulidades decorrentes da proibição de prova disciplinadas no artº 126 do CPP.
Nulidade sanável ou insanável? A discussão apenas tem relevo por causa da arguição do vício: relativa se arguida pelo interessado e absoluta se, também, desencadeada oficiosamente. A certeza que a prova apenas poder ser usada se preenchido o requisito do artº 126, nº4 do CPP, caso contrário a aquisição é proibida. A ausência de consentimento parece levar que a todo tempo se possa arguir a nulidade por via de requerimento ou oficiosamente.
Estamos perante realidades diversas, aquelas tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem, e aqueles que puderem afectar – artº 122, nº1 do CPP – estas são inadmissíveis porque proibidas por lei. A prova obtida por métodos proibidos não pode ser utilizada pelo tribunal (artº 125/126 do CPP).
Expressamente o nº3 do artº 126 do CPP consagra que … não podem ser utilizadas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
Em síntese, no nº1 estão previstos métodos absolutamente proibidos, no nº 3 métodos (apenas) relativamente proibidos, enquanto susceptíveis de consentimento relevante do respectivo titular. Neste último caso as provas obtidas também serão nulas, mas tal nulidade, porque sanável, depende da arguição do interessado.
As proibições de prova implicam provas nulas (artºs 125 do CPP e artº 32, nº 8, da CRP).
A nulidade das provas proibidas obedece um regime distinto da nulidade insanável e da nulidade sanável. Trata-se de um regime complexo, que distingue dois tipos de proibições de provas consoante as provas atinjam a integridade física e moral da pessoa humana ou a privacidade da pessoa humana
O regime da nulidade da prova proibida é o seguinte: a nulidade da prova proibida que atinge o direito à integridade física e moral previsto no artigo126, nº 1 e 2 do CPP é insanável; a nulidade da prova proibida que atinge os direitos à privacidade previstos no artigo 126, nº 3 é sanável pelo consentimento do titular do direito. A legitimidade para o consentimento depende da titularidade do direito em relação ao qual se verificou a intromissão ilegal. O consentimento pode ser dado “ex ante ou ex post facto”. Se o titular do direito pode consentir na intromissão na esfera jurídica do seu direito, ele também pode renunciar expressamente à arguição da nulidade ou aceitar expressamente os efeitos do ato, tudo com a consequência da sanação da nulidade da prova proibida. Em síntese, o artigo 126, nº 1 e 2, prevê nulidades absolutas de prova e o n.° 3 prevê nulidades relativas de prova.
A nulidade da prova é conhecida oficiosamente ou a requerimento do interessado. No caso do artº 126, nºs 1 e 2 do CPP é oficiosa ou a requerimento, já na prescrição do artº 126, nº3 do CPP - direito à privacidade ou intromissão na vida privada – tem que ser arguida pelo lesado na esfera do direito.
(citações supra em itálico são a reprodução de algumas passagens da resposta do MP a quo).
Esta regra de exclusão tem um conjunto de razões como suporte; a tutela do direito fundamental; o efeito dissuasor – deterrence effect – sobre os agentes de polícia e a ideia de integridade judicial da constituição que impede suportar uma decisão com elementos de prova obtidos ilegalmente.
O instituto processual da regra de exclusão (exclusionary rule) acabou por firmar a teoria “the fruit of poisonous tree doctrine” - (frutos da árvore envenenada), a qual, por razões várias vem hoje cedendo. A jurisprudência internacional caminha no sentido de valorar provas ilícitas directas, com recurso à “good faith exception” – excepção da boa-fé e confissão voluntária do arguido - onde entre o binómio segurança/legalidade (liberdade) se dá primazia aquela, fenómeno a que não é alheio o terrorismo internacional e as organizações criminosas transnacionais, geradoras de instabilidade securitária. Assim se limitam sibilinamente os direitos fundamentais do arguido – suporte de cidadania e da estrutura do Estado de Direito – e se aprecia uma tendência de auxílio em favor das vítimas e protecção da segurança pública e interesses da sociedade.
De perto La Prueba Ilícita Penal – Decadencia Y Extinción – José Manuel Alcaide González – fls 185/189 – Editorial Lei 57.
Apesar de a obtenção da prova em análise estar confinada à ausência de consentimento, facilmente se alcança, sem aquele elemento, a fragilidade e improcedência da decisão.
A nulidade da prova proibida pode ser conhecida em qualquer fase processual e apenas se convalida com o trânsito em julgado, eventualmente considerando, em casos excepcionais, o recurso de revisão.
A nulidade da prova proibida inquina a decisão e por isso não é possível motivá-la com recurso a elementos não atendíveis. A convicção não pode ter por suporte uma prova nula, ainda que não determinante, muito embora, no nosso caso, constitua um elemento de facto imprescindível. A procedência da nulidade, resultado de métodos proibidos de prova, pode levar à repetição da sentença, expurgando aquela fundamentação estratificada na prova proibida (artºs 410 nº3 e 426, ambos, do CPP).
As provas obtidas através de métodos proibidos não podem ser utilizadas e valoradas pelo tribunal, por maioria de razão, limitando a fundamentação da convicção.
O caso concreto não sofre hoje grande contestação pelo facto de o consentimento dos co-domiciliados – de todos - ser obrigatório como forma de preservar a intromissão na vida privada, nomeadamente a inviolabilidade do domicílio. Num domicílio com vários usuários, onde há espaços comuns e privativos, por via de dúvida e como forma de evitar a recolha de prova proibida, o órgão de polícia criminal, entre outros requisitos, deve observar o consentimento de todos os titulares do espaço. A lei não sugere exclusivamente o consentimento do titular jurídico da propriedade ou do locado, fala apenas em titular, que pode permanecer no local com uma relação jurídica bem distinta. A sinonímia que, sob este ponto de vista estritamente gramatical, oferece o vocábulo domicílio, implica depararmo-nos juridicamente com um conceito de difícil apreensão e de contornos inexactos, que requer um esforço criativo e de definição jurisprudencial, na sua normal função de resolver caso a caso as múltiplas situações fácticas com que se vem enfrentando. La Prueba Ilícita Penal – Estudo Jurisprudencial – Editora Aranzadi – Eduardo de Urbano Castrillo, fls 141.
Neste sentido e ainda o mesmo autor, citando González-Cuéllar, refere que dado o carácter personalíssimo do direito à intimidade e vida privada, há que reclamar a prestação do consentimento ”por todas e cada uma das pessoas que habitem o lugar e se encontrem presentes”.
A segunda questão – erro de julgamento – está prejudicada.
O recorrente faz referência à matéria de facto expressa no ponto D) como prova proibida, mas essa análise reconduz-se à nulidade do auto de busca e apreensão, minuciosamente acima tratado.
A nulidade da prova ou obriga à repetição da sentença ou, caso o tribunal superior reúna todos os elementos necessários para se pronunciar sobre a causa, decide-a de imediato.
Em conclusão urge afirmar que era imprescindível obter o consentimento do arguido, enquanto pessoa visada pela diligência. A ausência de consentimento determina como efeito jurídico a nulidade da prova obtida, que é proibida.
O fundamento do recurso centra-se na inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada (artº 410, nº1 do CPP). A nulidade ainda não está sanada e pode ser arguida a todo tempo, designadamente a requerimento do recorrente.
Acaba por concluir o MP a quo “ a procedência da nulidade tem a consequência da repetição da sentença pelo tribunal recorrido, sem a ponderação da prova proibida”. De facto são inúmeros os casos determinados pela jurisprudência, onde se ordena a repetição do julgamento pelo tribunal recorrido, com base na existência em vícios do artº 410, nº3 do CPP, reafirmando-se que só há reenvio no caso de verificação dos vícios previstos no artº 410, nº2 do CPP.
Nada obstaria à repetição da sentença pelo tribunal recorrido, caso não estivéssemos perante um acto inútil.
A sentença debruçou-se sobre esta matéria como questão prévia porque o recorrente a colocou, de forma avisada, em sede de alegações. Decidiu o tribunal que o auto de busca e apreensão não é nulo e, ao dar como provada a matéria de facto, expressou e fez constar que o “colete veio a ser recuperado no dia 19 de Fevereiro de 2015, pelas 09h, no interior da residência do arguido”… e na motivação adiantou-se … “a convicção positiva de prova resultou essencialmente da conjugação dos depoimentos prestados pelos ofendidos e testemunhas, os quais prestaram depoimentos de forma espontânea e clara merecendo-nos total credibilidade. Tais depoimentos foram ainda conjugados com o auto de apreensão e busca junto a fls. 8 e 9 e com as regras da experiência comum que nos permitem concluir que foi o arguido, naquele dia, quem retirou as peças de roupa e levou-as consigo. O ofendido, E…, agente da PSP, apenas o informaram que o seu colete foi encontrado numa busca domiciliária. A testemunha F…, ofendido e agente da PSP disse que no dia 19, já ao final da manhã, parte da sua roupa foi descoberta ao pé de uns contentores do lixo … e os seus colegas foram fazer uma busca porque suspeitaram de imediato do arguido. A testemunha I…, chefe da PSP, esclareceu que resolveram ir a casa do arguido para verem se conseguiam reaver os bens. Quando chegaram ao local da residência do arguido bateram à porta e aperceberam-se que estavam no seu interior, mas não abriram de imediato. Por isso insistiram. Entretanto o proprietário da casa abriu a porta e foi de imediato chamar o ora arguido e autorizou a busca domiciliária. Não encontraram a roupa mas encontraram um colete que pertencia ao agente H…. O F… disse que era o proprietário da casa e que residiam lá os dois e o arguido é que disse que tinha o colete consigo e que o teria encontrado em cima do muro junto à esquadra. As outras roupas encontraram junto a um contentor na Rua …, mas a sweatshirt não apareceu.
Em comentário mais adiante o tribunal diz: o colete subtraído foi encontrado na posse do arguido na busca realizada à sua residência, conforme resulta do auto de busca e de apreensão.
É por demais evidente que a fundamentação assenta na imputação de que foi o arguido quem subtraiu o colete porque encontrado no lugar onde reside. Os restantes objectos estavam junto a um contentor de lixo. A prova essencial está no facto de o colete ter sido apreendido na casa que o arguido habitava. A restante prova é circunstancial e de per si não chega para condenar o arguido.
Se expurgarmos esses factos, objecto de prova proibida, que o recorrente assinala também como erro de julgamento, ao caracterizar o ponto D), concluímos que não foi produzida prova directa que permita a condenação do arguido, resultando como imperativo a modificação da decisão recorrida, por via da eliminação daquela matéria de facto. Suprimindo aquela matéria de facto, inexiste o elemento objectivo e subjectivo do crime imputado, daí resultando a absolvição do arguido.
Sobre matéria bem diferente mas onde se pode retirar a conclusão de o TR condenar ou absolver, em casos limite, como os aí determinados; em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1ª instância, se o TR concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos e disposições conjugadas dos artºs 374, nº3, alª b), 368, 369, 371, 379, nº1, alªs a) e c) e, primeiro segmento, do 424, nº2 e 425, nº4, todos do CPP.
Se uma absolvição, por via da reanálise – produção de prova - da matéria de facto, pode converter-se em condenação inversamente, a ausência de matéria de facto, terá que nos levar a uma improcedência da acusação.
Ac do STJ nº 4/2016 – DR nº 36/2016, Série I de 22/02/2016.
Pelo exposto – nulidade do auto de busca e apreensão e erro de julgamento da matéria de facto julgada no ponto D) – entende este tribunal superior declarar nula, por proibida, a aquisição daquela matéria de facto e absolver o arguido.

Assim acordam os juízes que integram esta 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação em dar provimento ao recurso, absolvendo o arguido B….

Sem custas.
Registe e notifique.

Porto, 25 de Janeiro de 2017.
Horácio Correia Pinto
Moreira Ramos