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RESOLUÇÃO DO CONTRATO
JUSTA CAUSA
POLIVALÊNCIA FUNCIONAL
JUS VARIANDI
INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE
Sumário
I – A alteração das funções da autora, com afastamento da chefia na empresa, implicando a mudança substancial da posição do trabalhador, sem o seu consentimento, não pode ser considerada efectuada ao abrigo das figuras da mobilidade funcional (art.º 151.º n.º 2) ou do jus variandi (art.º 314.º) II – Na fixação do valor da indemnização devida por resolução do contrato de trabalho por justa causa, são de ponderar: (1) o valor da retribuição auferida pelo trabalhador, (2) a ilicitude do comportamento assumido pelo empregador e (3) a culpa deste na assunção desse comportamento (sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
A… instaurou no 3.º Juízo – 2.ª Secção, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra
B… – Sucursal em Portugal
pedindo que a Ré seja condenada a:
a) pagar à Autora uma indemnização pela resolução do contrato de trabalho entre ambas celebrado, por justa causa, no montante de 59.994,90 €
b) pagar à Autora uma indemnização por danos morais motivados por assédio moral e discriminação de que foi objecto a Autora, no montante de 58.312,98 €
c) pagar à Autora uma indemnização pelo seu dano patrimonial correspondente às mensalidades do ginásio que pagou sem o poder frequentar por motivo de discriminação, no montante de 225,44 €
d) juros vencidos e vincendos até integral pagamento sobre todas as quantias peticionadas
Alega em síntese:
(…)
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto por despacho de fls. 534 a 566.
Foi proferida sentença cuja parte dispositiva se transcreve: “Pelo exposto decide-se: a) condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de 34.414,87 € acrescida de juros de mora vencidos desde a data da cessação do contrato de trabalho – 30/4/2004 – e vincendos até integral pagamento à taxa legal, que está fixada em 4% b) absolver a Ré do mais que era pedido c) condenar a Autora e a Ré nas custas na proporção de vencido (art. 446º do CPC) d) não condenar a Ré como litigante de má fé”
Inconformada com a sentença, veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes conclusões:
(…)
Termina pedindo a revogação da sentença, sendo a Apelante absolvida do pedido formulado pela Apelada, ou, subsidiariamente, sendo reduzido em dois terços o montante pecuniário em que foi esta condenada
A Autora contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, condenando-se a recorrente como litigante de má fé.
A recorrente exerceu o direito de resposta em relação ao pedido de condenação por litigância de má fé.
Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser confirmada a sentença.
Nada obstando ao conhecimento da causa, cumpre decidir.
O âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Assim, as questões a que cumpre dar resposta no presente recurso são as seguintes:
- se as funções atribuídas à autora o foram ao abrigo da polivalência funcional;
- Se a autora não tinha justa causa de resolução do contrato de trabalho;
- Se a indemnização fixada não possui substrato legal
II – FUNDAMENTOS DE FACTO
Os factos considerados provados, são os seguintes:
(…)
III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
A primeira questão que vem suscitada no presente recurso consiste em saber se a autora não tinha justa causa de resolução do contrato de trabalho.
A recorrente entende que não tinha, porquanto:
- As funções distribuídas à apelada foram-no ao abrigo da polivalência funcional sendo adequadas às suas qualificações profissionais;
- ainda que as funções atribuídas à Apelada não fossem tomadas como afins das funções contratualmente acordadas, as novas funções atribuídas à apelada foram-no no exercício pela Apelante da faculdade comummente denominada como ius variandi;
- Para que possa operar a resolução do contrato de trabalho não se mostra suficiente a atribuição ao empregador, a título presuntivamente culposo, de uma violação de direitos ou garantias do trabalhador. É necessário "um terceiro requisito, que relaciona aquele comportamento com o vinculo laboral, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência desse vínculo", sob pena de a resolução do contrato apenas poder realizar-se ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 3 do art. 441.º doCT - o que não se provou.
A decisão ora em crise entendeu que, ao retirar à Autora as funções de Wholesale Supervisor e ao não lhe atribuir outras funções compatíveis com a sua categoria profissional – tenha-se presente que das tarefas descritas naquele papel se provou que apenas a de recuperação do trabalho leasing/ALD se enquadrava nas funções de um trabalhador de grau 8 -, atribuindo-lhe apenas no dia a dia tarefas que iam sendo designadas pela Directora Geral, a Ré violou ostensivamente o direito da Autora a ver respeitada a sua categoria profissional e a exercer funções adequadas a esta, atento o disposto nos art. 122º al e), 151º nº 1 e 5 do Código do Trabalho.
Analisemos a questão.
A cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador está inserida na Secção V do Capítulo IX do Código do Trabalho (diploma a que pertencerão todos os artigos que, doravante, forem referidos sem menção da origem)
Conforme resulta dessa Secção, o trabalhador pode fazer cessar o contrato de trabalho invocando justa causa (resolução do contrato de trabalho – subsecção I, art.ºs 441.º e segs.), ou, independentemente de justa causa, com aviso prévio (denúncia do contrato, Subsecção II, art.ºs 447.º e segs).
Nos termos do art.º 441.º n.º 1 do Código do Trabalho, “ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato”.
A resolução do contrato de trabalho traduz-se na cessação do vínculo contratual derivada de uma declaração de vontade, unilateral e receptícia, que o trabalhador dirige ao empregador com o fim de extinguir o contrato de trabalho para o futuro.
A extinção dos efeitos pode ser imediata ou diferida. “A cessação do contrato é imediata no caso de se estar perante uma resolução com justa causa”, nos termos do n.º 1 do art.º 441.º. “…a dissolução do vínculo poderá ser diferida na eventualidade do trabalhador antever a verificação de determinadas situações, por exemplo da necessidade previsível de cumprimento de obrigações legais (art.º 441.º n.º 3, al. a) do CT)” (Pedro Romano Martinez, “Contrato de Trabalho”, 2.ª Ed. pág. 987/8).
O art.º 441.º indica, de forma exemplificativa, quais os comportamentos do empregador que podem constituir justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador, nos seguintes termos: “Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança, higiene e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensas à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, puníveis por lei, praticadas pelo empregador ou seu representante legítimo.(n.º 2 do mesmo artigo)
Por seu turno, o n.º 3 do referido artigo estabelece que “Constitui ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) Necessidade de cumprimento de obrigações legais incompatíveis com a continuação ao serviço;
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes do empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
A apreciação da justa causa de resolução do contrato, será efectuada nos termos do n.º 2 do art.º 396.º (normativo que descreve os vários aspectos a que deve atender-se na apreciação da justa causa de despedimento do trabalhador pela entidade patronal) “com as necessárias adaptações” (art.º 441.º n.º 4).
Perante este último normativo, tem surgido alguma divergência – mormente na doutrina – sobre o “rigor” com que deve ser apreciado o conceito de justa causa de resolução do contrato de trabalho versus “rigor” com que deve ser apreciado o conceito de justa causa no despedimento por iniciativa da entidade patronal.
Assim:
Albino Mendes Baptista in “Notas sobre a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador”, A Reforma do Código do Trabalho” Coimbra Editora, págs. 548, defende que “o rigor com que se aprecia a justa causa invocada pelo empregador não pode ser o mesmo com que se aprecia a justa causa quando invocada pelo trabalhador”. (No mesmo sentido, João Leal Amado, “Salários em atraso – rescisão e suspensão do contrato”, Revista do Ministério Público n.º 51, 1992, p. 161 e Júlio Gomes, “Da rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do Trabalhador” – V Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias”, Coimbra, 2003, p. 148).
E continua Albino Mendes Baptista: “Se há hoje uma abertura crescente, por parte do legislador, dos tribunais e da doutrina, para aceitar a licitude de cessações operadas pelos empregadores quando estão em causa cargos de direcção ou de chefia, seja pelo regime jurídico da comissão de serviço, seja por particulares exigências em matéria de deveres laborais, nomeadamente de lealdade e de urbanidade, seja pela possibilidade agora consagrada, para os casos de direcção, de afastamento da reintegração a pedido do empregador (art.º 438.º), impõ-se igual abertura relativamente às situações em que o trabalhador que exerce um cargo desse tipo decide tomar a iniciativa da ruptura, uma vez que dada a sua posição na estrutura da empresa devem ser exigidos dos empregadores deveres igualmente acrescidos, que não afectem a sua dignidade profissional e pessoal. Quem tem um determinado “status” na estrutura da empresa tem de ser tratado com este “status” em toda a vida do contrato. É uma questão de dignidade do cargo, da função e da pessoa” (idem, pág. 549).
Também José Eusébio Almeida, “A cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador” A Reforma do Código do Trabalho” Coimbra Editora, págs. 557/558 opina: “… a compreensão de justa causa de resolução (…) indica-nos um conceito de inexigibilidade, bem mais do que um de gravidade e de culpa, sem prejuizo de, tantas vezes, estes estarem ínsitos no primeiro ou serem – mormente a culpa – expressamente exigidos nos exemplos típicos” (…) “ em rigor, não faz inteiro sentido remetermos para a cláusula relativa à justa causa do despedimento (artigo 396.º n.º 1)”.
Por seu turno Pedro Romano Martinez, “Contrato de Trabalho”, 2.ª Ed. pág. 987/8. afirma que “…nem toda a violação de obrigações contratuais por parte do empregador confere ao trabalhador o direito de resolver o contrato: é necessário que o comportamento seja ilícito, culposo e que, em razão da sua gravidade, implique a insubsistência da relação laboral. Dito de outro modo, a justa causa a que alude o art.º 441.º n.º 1 do CT deve ser entendida nos termos da idêntica locução constante do art.º 396.º n.º 1, do CT, até porque, como determina o art.º 441.º n.º 4, do CT, a justa causa imputável ao empregador é apreciada nos moldes estabelecidos para o despedimento por facto imputável ao trabalhador”.
Não nos parece, face aos elementos descritos no n.º 2 do art.º 396.º e a que deve atender-se para a apreciação da justa causa de despedimento, que essa apreciação se possa ajustar ao caso da resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador.
Daí que, o legislador também tenha ressalvado essa aplicação “com as necessárias adaptações”.
No que se refere ao rigorismo da apreciação do conceito de justa causa, não nos parece necessário defender a diferenciação nas situações acima referidas por Albino Mendes Batista, para que o conceito de justa causa, possa ser mais aberto na resolução do contrato ou no despedimento: basta que, como refere o mencionado autor, nos exemplos dados de cargos de chefia, se faça uma apreciação com “…igual abertura relativamente às situações em que o trabalhador que exerce um cargo desse tipo decide tomar a iniciativa da ruptura, uma vez que dada a sua posição na estrutura da empresa devem ser exigidos dos empregadores deveres igualmente acrescidos, que não afectem a sua dignidade profissional e pessoal. Quem tem um determinado “status” na estrutura da empresa tem de ser tratado com este “status” em toda a vida do contrato. É uma questão de dignidade do cargo, da função e da pessoa” (idem, pág. 549).
Tendo em conta que a redacção dos art.ºs 441.º n.º 4 e 396.º n.º 2, ambos do CT, são idênticas à constante do art.º 35.º n.º 4 e 12.º n.º 5 ambos da LCCT, diploma revogado com a entrada em vigor do CT, seguiremos os ensinamentos que se foram cimentando na vigência daquelas normas que, por esse motivo, continuarão a ter actualidade.
Existe justa causa para o trabalhador resolver o contrato de trabalho, motivadamente e com direito a indemnização (art.º 443.º n.º 1), desde que se verifiquem os seguintes elementos:
- Comportamento da entidade empregadora enquadrável em qualquer das alíneas do n.º 2, do citado art.º 441 (elemento objectivo) ;
- Que esse comportamento possa ser imputado à entidade empregadora a título de culpa (elemento subjectivo);
- Que tal comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível, a subsistência da relação de trabalho, em termos de não ser exigível ao trabalhador a conservação do vínculo laboral (elemento causal) (cfr. Ac. RP de 29.11.2006 in www.dgsi.pt).
A declaração de resolução do contrato deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos (art.º 442.º n.º 1), só podendo ser atendidos, para efeito de apreciação da (i)licitude da resolução, os factos constantes da comunicação (art.º 44.º n.º 3).
Compete ao trabalhador provar a existência do comportamento do empregador subsumível a qualquer uma das alíneas referidas no n.º 2 do art.º 441.º, ou outros comportamentos que, não estando ali expressamente previstos, violem as garantias do trabalhador (art.º 342.º, n.º, do Código Civil), e à entidade patronal demonstrar que esse comportamento não procede de culpa sua, nos termos do art.º 799.º, do mesmo diploma legal.
Percorridos, em termos genéricos, os normativos que definem a justa causa e a forma como deve ser feita a resolução do contrato de trabalho, avancemos para uma descrição, ainda que breve, das figuras jurídicas nas quais a recorrente fundamenta a legitimidade para ordenar à trabalhadora o cumprimento das tarefas que, segundo a sentença, são violadoras do direito da autora “a ver respeitada a sua categoria profissional e a exercer funções adequadas a esta, atento o disposto nos art. 122º al e), 151º nº 1 e 5 do Código do Trabalho”.
Em primeiro lugar a recorrente invoca a figura da polivalência funcional, remetendo para o n.º 2 do art.º 151.º do CT.
O mencionado art.º 151.º, sob a epígrafe “Funções desempenhadas”, tem a seguinte redacção “1 - O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que foi contratado. 2 - A actividade contratada, ainda que descrita por remissão para categoria profissional constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional. 3 - Para efeitos do número anterior, e salvo regime em contrário constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as actividades compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional. 4 - O disposto nos números anteriores confere ao trabalhador, sempre que o exercício das funções acessórias exigir especiais qualificações, o direito a formação profissional não inferior a dez horas anuais, nos termos previstos nos n.os 3 a 5 do artigo 137.º 5 - O empregador deve procurar atribuir a cada trabalhador, no âmbito da actividade para que foi contratado, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional.”
A análise deste artigo não pode deixar de ser conjugada com o disposto no art.º 111.º que, sob a epígrafe “Objecto do contrato de trabalho” estabelece: 1 – Cabe às partes definir a actividade para que o trabalhador é contratado; 2 – A definição a que se refere o número anterior pode ser feita por remissão para categoria constante do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável ou de regulamento interno da empresa; 3 – (…)
Na determinação do objecto do contrato, a lei aposta claramente na liberdade contratual, ou através da descrição no contrato ou por remissão para a categoria normativa.
Do art.º 151.º extrai-se o princípio geral da invariabilidade da prestação - as funções a desempenhar são, em princípio, as que correspondem à actividade para que o trabalhador foi contratado (n.º 1), devendo o empregador atribuir-lhe as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional (n.º 5).
Da conjugação desses normativos com os n.ºs 2 e 3 do mesmo art.º 151.º podem descortinar-se dois núcleos de funções:
- as funções directamente correspondentes à actividade contratada, conteúdo nuclear da actividade laboral;
- As funções afins ou funcionalmente ligadas à actividade contratada que correspondem a outras actividades compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional ou carreira profissional do trabalhador (art.º 151.º n.º 3); “estas actividades integram o sentido amplo da actividade laboral e podem ser exercidas acessoriamente à actividade laboral nuclear” (cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações laborais individuais, pág. 374 e segs. cujos ensinamentos seguiremos de perto).
As funções referidas em último lugar constituem a, chamada, polivalência funcional (figura que foi introduzida pela Lei n.º 21/96 de 23.07, alterando o art.º 22.º da LCT, mas que suscitou algumas dificuldades de interpretação e que o actual Código pretendeu aperfeiçoar).
As funções afins ou funcionalmente ligadas à actividade contratada exigem a verificação dos seguintes requisitos cumulativos:
- Só integram a actividade contratada em sentido amplo, a actividade nuclear do trabalhador e as «funções afins ou funcionalmente ligadas» àquela função nuclear;
- É necessário que o trabalhador tenha qualificação profissional adequada para o desempenho daquelas funções;
- As funções a desempenhar não podem implicar desvalorização profissional do trabalhador.
Questão que se coloca com a interpretação dos normativos que regulam a figura da polivalência funcional é a de saber se as funções afins só podem ser desenvolvidas a título acessório da função nuclear do trabalhador ou também a título principal ou mesmo substitutivo daquela função.
Temos para nós que as funções afins, devem manter-se afins da actividade nuclear do trabalhador e, não, tornarem-se, elas próprias –apenas por vontade de uma das partes – funções nucleares do contrato. A possibilidade de alargamento do princípio geral da invariabilidade da prestação estabelecida no n.º 1 do art.º 151.º deve ser excepcional – trata-se de um poder do empregador que excepciona o princípio geral pacta sunt servanda do art.º 406.º do Civil (neste sentido se pronunciou Maria do Rosário Palma Ramalho, Ob. Citada, págs. 378/379, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, pág. 215)
Admitir o contrário (que a entidade patronal pudesse, por sua livre iniciativa, e sem - ou mesmo contra - a vontade do trabalhador, tornar as funções afins em nucleares do contrato) conduziria, obviamente, à alteração das funções nucleares contratadas em violação do objecto do contrato de trabalho acordado nos termos do art.º 111.º do CT.
*
A par da referida polivalência funcional, o Código manteve, no art.º 314.º, a figura do ius variandi (anteriormente prevista no art.º 22.º da LCT) tratada como vicissitude do contrato de trabalho.
Assim, rege o n.º 1 do referido art.º 314.º: “O empregador pode, enquanto o interesse da empresa o exija, encarregar temporariamente o trabalhador de funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador”.
De acordo com o n.º 2 deste mesmo artigo, as partes podem, por estipulação contratual, alargar ou restringir a faculdade conferida no n.º 1.
O n.º 1 permite ao empregador que, unilateralmente, por necessidade de compatibilizar os imperativos da gestão da empresa com as disponibilidades de mão de obra e verificados os demais requisitos, introduza uma modificação no objecto do contrato.
A lei (art.º 314.º n.º 1) faz depender essa modificação do objecto do contrato aos seguintes requisitos:
- que essa modificação corresponda ao interesse da empresa;
- que a modificação da função seja transitória;
- e que dessa modificação não implique uma modificação substancial da posição do trabalhador”
Desde que respeite os requisitos legais, o jus variandi configura-se como um direito do empregador.
*
Vejamos, agora, o caso concreto.
As partes definiram, nos termos do art.º 111.º, o objecto do contrato. Constam, efectivamente, do contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre autora e ré em 22.11.1996, cuja cópia se encontra a fls. 29-31, designadamente, as seguintes cláusulas:
“PRIMEIRA
1 - A Segunda Contratante exercerá a sua actividade profissional por conta e sob a direcção e autoridade da Primeira Contratante. 2 - As funções a exercer pela Segunda Contratante, objecto deste contrato, são as inerentes à Categoria de “Chefe de Secção” consistentes, fundamentalmente, em:
- Coordenar o trabalho a realizar na área de sistemas;
- Analisar as especificações necessárias à implementação de novas formas de operação informática;
- Acompanhar e ou conduzir a introdução de novas formas de operação informática a nível local; - Produzir relatórios de situação periódicos das actividades conduzidas na sua secção e outros serviços conexos. 3 - A Segunda Contratante desde já dá o seu acordo à execução de tarefas não incluídas nas funções objecto do contrato, quando tal se revele necessário ou conveniente e seja solicitado pela Primeira Contratante, dentro dos limites decorrentes da lei. A ocorrência de tal situação não envolverá alteração ou restrição do âmbito das funções objecto do contrato, independentemente do tempo de duração. 4 - Sem prejuízo da atribuição da categoria profissional prevista no número precedente, a Primeira Contratante poderá estabelecer as classificações e designações internas que mais se adequem à sua organização específica.
SEGUNDA
1 - O local de trabalho da Segunda Contratante será nas instalações da B…, em Lisboa, na Av…, ou na área de actividade imposta pelo exercício das suas funções, quando estas não sejam exercidas em local fixo. 2- À Primeira Contratante assiste a faculdade de deslocar temporariamente a Segunda Contratante para outro local ou área de actividade, em conformidade com as necessidades ou conveniências de funcionamento da Primeira Contratante, podendo tais deslocações ocorrer dentro de Portugal ou para o estrangeiro. Igualmente assiste à Primeira Contratante a faculdade de transferir o local de trabalho, se tal se revelar conveniente por razões de serviço. 3 - À Primeira Contratante assiste a faculdade de, a todo o tempo, mudar a Segunda Contratante para outra secção ou sector, independentemente das condições de trabalho existentes nestes locais. 4 – (….)
TERCEIRA
1 (…) 2 – (…)Compete à Primeira Contratante a fixação dos dias de trabalho e do horário de trabalho da Segunda Contratante, ou o estabelecimento de isenção de horário de trabalho, podendo a mesma Primeira Contratante, livremente, de acordo com as suas necessidades ou conveniências, alterar futuramente os dias de trabalho e o horário de trabalho ou fazer cessar o regime de isenção de horário de trabalho, sem que a Segunda Contratante possa opôr-se ou invocar quaisquer direitos adquiridos e independentemente do tempo de duração de determinado horário ou isenção. 3 – (…) 4 – (…) 5 – (…) 6 – (…) 7 – (…)
QUARTA
1 –(…) 2 - Caso a Segunda Contratante preste o seu serviço em regime de isenção de horário de trabalho, terá direito a um complemento de remuneração. 3 – (…)
QUINTA
1 –(…)---‑ 2 – (…)
SEXTA
(…)
SÉTIMA
(…)
OITAVA
1 - O presente contrato de trabalho produz efeitos a contar de 22 de Novembro de 1996, durando por tempo indeterminado. 2 – (…)
NONA
(…)
DÉCIMA
A Segunda Contratante reconhece ter lido o texto deste contrato e compreendido todo o seu teor, aceitando que para a FORD as condições clausuladas constituem um pressuposto essencial à sua contratação.”
Estes foram, no que ao caso ora interessa, os termos contratados.
Como resulta claramente da cláusula primeira, foi atribuída à autora a categoria profissional de “Chefe de Secção” com funções devidamente especificadas, dando, no entanto, a trabalhadora o seu acordo na execução de “tarefas não incluídas nas funções objecto do contrato, quando tal se revele necessário ou conveniente e seja solicitado pela Primeira Contratante, dentro dos limites decorrentes da lei. A ocorrência de tal situação não envolverá alteração ou restrição do âmbito das funções objecto do contrato, independentemente do tempo de duração”
A alteração das funções descritas no contrato ficou, pois, dependente:
- da necessidade ou conveniência da empregadora;
- da solicitação dessa execução à trabalhadora;
- e dos limites permitidos pela lei.
A execução de tarefas fora das funções que constituem o objecto do contrato não determina a alteração ou restrição do objecto do contrato.
Sabemos – dos factos assentes - que a ré/recorrente alterou as funções da trabalhadora.
Diz a recorrente que o fez, quer ao abrigo da polivalência funcional, ou ao abrigo do jus variandi.
Mas a decisão recorrida não o entendeu assim.
E bem, como veremos.
Já vimos qual a categoria – chefe de secção - e as funções que foram contratadas.
Sabemos que a trabalhadora, na execução do contrato conforme acordado, exerceu na ré as funções de Systems Coordinator, inicialmente com o grau 6 e depois com o grau 7, em 1/4/1999 passou a ter as funções de Business Development Specialist (facto sob 11), em 1/9/99 passou a ter as funções de Retail Supervisor mantendo o grau 7 até 1/2/2000 (facto sob 12), data em que subiu para o grau 8 (facto sob 13) e em 7/10/2002 passou a ter as funções de Whloesale Supervisor mantendo a categoria, grau e salário (facto sob 14).
O Wholesale Supervisor é o chefe de departamento de Wholesale.
Em 22/3/2004 foram retiradas à Autora as funções de “Wholesale Supervisor” (facto sob 16) e, na comunicação interna por correio electrónico utilizado para dar conhecimento aos restantes trabalhadores da reorganização da empresa, a ré/recorrente anunciou que as novas funções da autora “serão objecto de futura nota”.
As tarefas que lhe foram dadas para executar constam do documento com o seguinte teor:
« Recuperação do trabalho leasing/ALD
Tradução de cursos
Tradução das instruções de processos (ARPD)
Timings estimados .: Feed –back diário » (facto sob 58).
Em Abril de 2004 a Directora Geral Dra M… entregou aos trabalhadores da Ré o novo organograma da empresa no qual passou a constar a função de «Floater» e que esta é desempenhada pela Autora (facto sob 65).
E, conforme também ficou assente, foi dito na ré/recorrente, à coordenadora de qualidade, a quem cumpre descrever no Manual de Qualidade as funções referentes às categorias internas, que «Floater» “é uma pessoa que faz o que é preciso”.
Tendo em conta que a autora/recorrida foi contratada com a categoria de Chefe de Secção, (com as funções devidamente identificadas) e exercia as funções de Chefe de Departamento, tendo-lhe sido retiradas essas funções de chefia e sido reconduzida a um posto de trabalho com as funções de “uma pessoa que faz o que é preciso”, não lhe tendo sido atribuída nenhuma função de supervisão (facto sob 28) torna-se evidente, desde logo, que à autora foram retiradas as funções próprias da sua actividade e impostas outras que implicam, necessariamente, uma desvalorização profissional proibida por lei (cfr. art.º 151.º n.º 2, parte final).
Repare-se que, na altura foi criado um cargo de Direcção - o cargo de Staff Operations que consta no organograma 43 de fls. 71 nele foi colocada outra pessoa (facto sob 118).
Está, assim, afastada, à partida, a possibilidade de integrar a alteração de funções da autora na figura da mobilidade funcional.
E outro tanto se tem de concluir, conforme fez a sentença, no que se refere à figura do jus variandi, uma vez que a nova situação implicou a mudança substancial da posição do trabalhador – passou de Chefe de departamento, a “uma pessoa que faz o que é preciso”.
(Não nos impressiona a alegação da ré de que o seu apurado comportamento se verificou por razões de conformidade com uma política de boa gestão empresarial, com atribuição de novas funções à Apelada.É que a boa gestão empresarial tem de se conformar com o direito em que se insere). A alteração das funções da autora (com afastamento da sua posição como chefia na empresa), sem o seu consentimento, não pode, pois, ser considerada efectuada ao abrigo do contrato assinado pelas partes, ou das figuras da mobilidade funcional (art.º 151.º n.º 2) ou do jus variandi (art.º 314.º)
Tal como escreveu na sentença ora em crise, transcrevendo o Ac. do STJ nº 9/2006 – in DR I série nº 244 de 21/12/2006, «A garantia de preservação da categoria, consignada nos artigos 21º nº 1 alínea d) da LCT e 122º alínea e) do Código do Trabalho, tem o alcance de impedir a degradação do estatuto sócio-profissional, que traduz a posição em que o trabalhador se encontra por determinação de regulamentação colectiva aplicável pela correspondência das suas funções a uma dada «categoria» ou «classe» ou «grupo», relevantes, nomeadamente para efeito de hierarquia salarial. Tal garantia reporta-se ao conceito de categoria normativa ou estatutária, que, muitas vezes, não se define apenas pelas funções, mas também por outros elementos, de que se destacam as habilitações escolares, a aptidão profissional certificada, a experiência, o nível de autonomia técnica e de responsabilidade. Nesta acepção, a categoria é a designação para um estatuto próprio – compreendendo um complexo de direito, benefícios e garantias predeterminados – definido por referência a quadros, descritivos e tabelas de instrumentos de regulamentação colectiva. (…) respeitada que seja a categoria, na dimensão de estatuto sócio-profissional, em que se inclui a posição hierárquica e o nível remuneratório, prevalece a «ideia básica de que releva do poder de organizar e gerir a empresa, investido na entidade empregadora, a escolha das actividades exigíveis ao trabalhador (isto é, das funções que, em cada momento, deverá exercer), dentro do género identificado pela categoria que lhe está atribuída.»
Bem andou, portanto, nesta parte a sentença recorrida, cujos fundamentos aqui se acolhem. Improcedem, assim, as conclusões sob I a XI do recurso.
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Em tese, a alteração das funções da trabalhadora e da sua posição de chefia dentro da empresa com evidente desvalorização profissional, viola o estabelecido no art.º 122.º al. e) do CT, violação susceptível de integrar o conceito de justa causa de resolução do contrato de trabalho nos termos do art.º 441.º n.º 2 al. b) do CT.
Vejamos, agora, os termos em que a autora/recorrida procedeu à resolução do contrato de trabalho, porque são os factos constantes da comunicação de resolução do contrato os únicos atendíveis para justificar essa resolução (art.º 444.º n.º 3 do CT).
A trabalhadora/recorrida resolveu o contrato de trabalho por carta registada com aviso de recepção datada de 20 de Abril de 2004 com o seguinte teor: «Assunto: Resolução do Contrato de Trabalho por justa causa Exmos Senhores Pela presente venho proceder à resolução do meu contrato de trabalho por justa causa, nos termos e para os efeitos legais, pelos motivos a seguir indicados. a) Em 22 de Março de 2004 fui confrontada com o facto de as minhas funções de Wholesale Supervisor terem sido transferidas para um colega, Dr J…; b) Este facto foi-me comunicado pessoalmente na manhã deste dia, sendo de seguida enviado um e-mail a confirmar; c) Não me foi perguntado nada sobre esta alteração que inclui uma alteração às funções que me encontrava a desempenhar, pelo que a alteração de funções não tem o meu acordo; d) Foram-me de seguida entregues tarefas diversas, mas não me foram entregues funções correspondentes à minha categoria profissional na empresa, até hoje; e) Em 25 de Março de 2004 foi-me comunicado que me iria ser retirada, no final de Maio, a isenção de horário de trabalho e correspondente remuneração; f) Tal foi-me comunicado na manhã do dia 25, sendo de seguida confirmado por e-mail; g) Igualmente nada me foi perguntado sobre esta alteração que inclui uma alteração ao meu horário de trabalho e à minha remuneração, pelo que esta alteração de horário de trabalho e de remuneração não tem, igualmente, o meu acordo; h) Até hoje não me foi comunicado até quando me manteria nesta situação de não ter funções atribuídas, mas apenas encarregue de proceder a tarefas, fora do âmbito da minha qualificação profissional; i) Igualmente até hoje não me foram conferidas posições compatíveis com a minha qualificação profissional sendo certo que existem no quadro de pessoal da empresa vagas as seguintes posições nessas condições: Retail Supervisor, posição anteriormente assumida pelo meu substituto, Business Development Specialist e Staff Operations Supervisor; j) Ontem, dia 19, procedeu-se a nova reestruturação de pessoal para a qual não fui chamada, nem nada me foi comunicado. Por todos estes motivos venho a resolver o meu contrato de trabalho por justa causa, com efeitos imediatos, ficando a aguardar o V/ contacto para me serem entregues as quantias a que tenho direito, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. Não pretendendo causar qualquer prejuízo à empresa, disponho-me a manter-me ao serviço da empresa até sessenta dias após a data de recepção desta carta. Nada dizendo V. Exas até ao final do presente mês entendo que aceitam a minha rescisão e não pretendem que eu continue a prestar serviço até ao final dos sessenta dias atrás mencionados. » (facto sob 73).
Os fundamentos descritos na carta de rescisão são, pois:
1 – A alteração de funções sem o acordo da trabalhadora;
2 – A comunicação de futura retirada da isenção de horário de trabalho e correspondente retribuição, sem o acordo da trabalhadora;
3 – Atribuição de tarefas fora do âmbito da qualificação profissional da trabalhadora;
4 – Não inclusão da trabalhadora em posições compatíveis com a qualificação profissional, havendo vagas nessas posições.
Dos invocados fundamentos está fora de questão a comunicação que foi efectuada à trabalhadora/recorrida da futura retirada da isenção do horário de trabalho e correspondente retribuição sem o seu acordo, conforme decidido em 1.ª instância e não posto em causa.
Cumpre, apenas, face a conclusão, já acima exposta, da existência de ilicitude na atribuição de funções fora do âmbito da sua qualificação profissional e a não inclusão da trabalhadora em posição compatível com essa qualificação, - comportamento da entidade empregadora enquadrável na al. b) do n.º 2, do citado art.º 441 (elemento objectivo) acima referido – analisar se esse comportamento foi culposo e grave de modo a tornar impossível a relação laboral.
Já concluímos que o comportamento da ré/recorrida foi violador do contrato estabelecido com a trabalhadora.
Na responsabilidade contratual presume-se a culpa do devedor (art.º 799.º do CCivil).
No caso, incumbia à ré/recorrente o ónus da prova da ausência de culpa – o que não conseguiu.
Daí que tenhamos de concluir que a violação, por parte da ré/recorrente, das garantias legais e contratuais do trabalhador, foi culposa.
A gravidade do comportamento afere-se, conforme já referido, em termos de não ser exigível ao trabalhador a conservação do vínculo laboral.
E, o apurado comportamento da recorrente, que, na prática, se traduziu em despromoção e desvalorização profissional da trabalhadora é, objectivamente, um comportamento de tal modo grave, que se torna inexigível a manutenção da relação laboral.
A recorrente defende a inexistência de justa causa porque a “Apelada continuou no desempenho normal e corrente das suas funções laborais, facto que, por si só, demonstra que a justa causa invocada não encontra, afinal, sustentação bastante. Não se verificou qualquer imediatividade comportamental entre o facto (supostamente) gerador da resolução do contrato (a baixa de categoria do trabalhador) e a sua invocação pela Apelada, sendo certo que (i) o exercício das funções laborais da Apelada envolvia o contacto diário e permanente, no mesmo espaço físico, com os seus superiores hierárquicos na Apelante (assim se explanando as relações existentes entre as partes), bem como que não se não verificou qualquer lesão patrimonial para a Apelada, cuja retribuição não se mostrou, em momento algum, afectada pela reorganização empresarial ocorrida na Apelante. De igual modo, não se verificou – nem foi sequer alegada – a existência de qualquer tratamento vexatório da Apelada por parte da Apelante, sendo antes dado como provado a existência de um bom ambiente de trabalho nesta última”.
Mas sem razão.
A lei não exige que, face a um comportamento do empregador violador do contrato de trabalho, o trabalhador reaja de imediato, resolvendo o contrato de trabalho.
Perante um tal comportamento, a lei confere ao trabalhador o prazo de 30 dias para a resolução do contrato - prazo, ainda assim, bastante mais curto do que o prazo conferido ao empregador para promover o processo disciplinar.
Trata-se de um período em que o trabalhador tem de ponderar toda a situação – até o seu próprio futuro.
Daí que, o facto de o trabalhador se ter mantido ao serviço da recorrente por mais alguns dias, não tenha qualquer “peso” na análise da gravidade do comportamento da ré. Improcedem, assim, as conclusões sob XII a XIV
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Outra questão colocada no presente recurso diz respeito à indemnização fixada, que, no entender da recorrente não tem “substrato legal”.
Nos termos do art.º 443.º n.º 1 do CT “A resolução do contrato com fundamento nos factos previstos no n.º 2 do artigo 441.º confere ao trabalhador o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade”.
A decisão recorrida fixou em 45 dias por cada ano de trabalho a indemnização devida.
Fundamentou a fixação no máximo legal do seguinte modo:
“Considerando a desqualificação profissional a que a Autora foi sujeita com a atribuição das funções de Floater e que a Ré é uma empresa sucursal de um Banco, pertença do Grupo Ford, entende o Tribunal que a indemnização por danos patrimoniais deve ser fixada em 45 dias por cada ano completo de antiguidade”
Vejamos se a sentença deve ser alterada, quanto ao montante da indemnização a fixar.
O art.º 443.º não estabelece critérios para fixação da indemnização.
Têm sido relativamente escassos os contributos dados pela doutrina quanto aos critérios a utilizar pelo julgador para concretização do montante indemnizatório.
José Eusébio de Almeida, in "A Reforma do Código do Trabalho", Coimbra, 2004, a pags. 565 e 566, adianta alguns critérios que, no seu entender, deverão ser ponderados, a saber: o desemprego no local de residência do trabalhador; a sua idade; as dificuldades inerentes à sua concreta actividade; ilicitude; a retribuição (ponderada esta como aumentando os dias de indemnização na medida em que maior for a parcela retributiva não incluída na retribuição base e diuturnidades; e diminuindo no caso inverso); e outros que cada caso exemplificará.
Maria do Rosário Palma Ramalho, ob, cit, pág. 916, considera manifesto o paralelismo entre as regras estabelecidas no art.º 443.º e as regras para cálculo da indemnização por despedimento ilícito a que se refere o n.º 1 do art.º 439.º do CT, remetendo para estas.
No âmbito jurisprudencial, no Ac. da Rel. de Coimbra de 22/3/2007 disponível em www.dgsi.pt/jtrc, P. nº 593/05.6TTAVR.C1, considerando-se que "A lei remete o julgador para uma graduação de uma verdadeira indemnização/sanção, a qual terá, portanto, de ser aferida de acordo com a gravidade da ilicitude e da culpa do lesante, bem como dos danos causados", indicam-se como critérios atendíveis, a gravidade da ilicitude, a culpa do lesante, os danos causados relacionados com a perda da estabilidade da fonte de proventos salariais. No Ac. da Rel. de Coimbra de 10/5/2007 disponível em www.dgsi.pt/jtrc, P. nº 851/04.7TTCBR.C1, para além dos critérios referidos naquele outro Acórdão, acrescentam-se ainda: as características laborais do trabalhador; o número de anos de serviço; o fundamento da resolução; e quebra na saúde do trabalhador.
No Ac. RL de 3.10.2007 in www.dgsi.pt elegeu-se, como critério, a ponderação do valor da retribuição auferida pelo trabalhador, a ilicitude do comportamento assumido pelo empregador e a culpa deste na assunção desse comportamento
Seguiremos os critérios apontados neste último acórdão, até porque são próximos com os estabelecidos na lei para a fixação da indemnização por despedimento ilícito.
Assim, tendo em conta os factos assentes, verificamos que se trata de trabalhadora com salário mensal muito superior à média nacional – a trabalhadora auferia € de retribuição base € 2.575,00 acrescido de subsídio de refeição diário de € 6,29, subsídio de isenção de horário de trabalho de € 664,61 e outras regalias.
Foi-lhe retirada qualquer função de chefia (supervisão – facto sob 28), deixando de ser convocada para reunião em que foi convocado o superior hierárquico e o subordinado da autora (facto sob 40), não lhe sendo remetida informação por e-mail sobre assuntos comunicados desta forma ao superior hierárquico e ao subordinado, vindo a ter conhecimento do seu conteúdo através deste por considerarem que a autora deveria ter conhecimento desses assuntos (facto sob 41); deixou de ter uma extensão telefónica especificamente atribuída, apesar de na ré todos os restantes funcionários terem telefone com extensão (facto sob 56), tudo factos que indiciam vontade da ré de “pôr de parte” a trabalhadora.
Por outro lado, ficou assente que a autora/recorrida não gostava nem se sentia à vontade no exercício das funções de Wholesale, tendo manifestado ao seu superior hierárquico directo Dr A…, o desconforto que sentia no cargo de Wholesale por ser uma função muito exigente e também devido à carga de trabalho e que se sentia muito desmotivada nessas funções (facto sob 101) - o que atenua um pouco a culpa da entidade patronal na decisão de a retirar dessas funções..
Também a atenuar a culpa da ré/recorrente temos também o facto de os superiores hierárquicos Dra M… e o Dr A… terem conversado sobre a situação da Autora no sentido de tentar encontrar uma posição adequada ao seu perfil e ao que eram as suas características e qualificações profissionais (facto sob 103) sendo que a única hipótese que lhes ocorreu era ela voltar para Retail Supervisor e o Dr J… voltar para Wholesale Supervisor (facto sob 104) – o que demonstra alguma preocupação da ré com a situação da trabalhadora – tendo, mesmo, chegado a perguntar-lhe qual seria a área de interesse em que preferiria trabalhar, não tendo a Autora apresentado qualquer sugestão para a sua recolocação – facto sob 105.
Tudo ponderado, temos de aceitar como excessiva a fixação da indemnização no seu limite máximo, julgando equilibrada a fixação dessa indemnização em 30 dias (afinal, o termo médio, que a lei revogada considerava ajustado em qualquer situação) de retribuição-base por cada ano completo de antiguidade, sendo, no caso de fracção de ano, calculado proporcionalmente (art.º 443.º n.ºs 1 e 2 do CT). Procede, nesta parte, o recurso
IV - DECISÃO
Pelo exposto se acorda em julgar parcialmente procedente a apelação reduzindo o valor da indemnização em que a R. foi condenada a pagar à A. para o montante de € 22.943,25 (€ 2575,00 x 8,91 - 8 anos e 11 meses), confirmando, no demais, a sentença recorrida.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.