IMÓVEL
DANO PRESUMIDO
RESPONSABILIDADE
Sumário

I- Em caso de danos resultantes de infiltrações de água provenientes de fracção superior à do lesado presume-se a culpa dos proprietários de tal fracção.
II- A “simples” privação ou perturbação do uso de fracção autónoma comporta um prejuízo efectivo na esfera jurídica do condómino respectivo, correspondente à perda temporária da plenitude dos poderes de fruição.
III- A intervenção da equidade permitindo fixar um montante indemnizatório inferior ao que corresponderia aos danos causados, não contempla a exclusão pura e simples da indemnização.
IV- Não colhe nessa sede de equidade a consideração do minimalismo da renda percebida pelo senhorio da fracção a partir da qual ocorreram as infiltrações.
(E.M.)

Texto Integral

Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação de Lisboa


I- T intentou acção declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra Ó, pedindo a condenação do Réu:
a) A proceder à reparação integral e definitiva das infiltrações no imóvel de que é proprietário;
b) A proceder à integral substituição do tecto da cozinha da A.
c) A picar as paredes danificadas na cozinha, no corredor e no quarto da A., devendo as mesmas ser ainda rebocadas, estucadas e pintadas;
d) A proceder a todas as reparações necessárias a eliminar por completo todos estragos derivados das infiltrações.
e) A pagar à A. uma quantia nunca inferior a 2.500,00 Euros (dois mil e quinhentos Euros), a título de indemnização pelos estragos causados pela água e humidade nos seus livros e quadro, a que acrescem juros de mora contados à taxa legal desde a citação até efectivo e integral cumprimento;
f) A pagar à A. uma quantia nunca inferior a 3.500,00 Euros (três mil e quinhentos Euros), a título de indemnização pela forma como o comportamento do R. violou o direito que à A. assiste de fruir na íntegra do seu imóvel, a que acrescem juros de mora contados à taxa legal desde a citação até efectivo e Integral cumprimento;
g) A pagar à A. uma quantia nunca inferior Euros (cinco mil e quatrocentos Euros), a título de indemnização pelo facto de A. ver coarctado o direito a usar o seu imóvel durante todo o tempo de duração dos trabalhos.
Alegando, para tanto e em suma, que é proprietária da fracção autónoma correspondente ao 4º andar Dt.º do prédio que identifica, sito em Lisboa.
Sendo o R. proprietário da fracção correspondente ao 5º andar do mesmo prédio, e que se encontra arrendada.
No final de 2003 apurou a A. que o tecto da sua cozinha estava a ser alvo de infiltrações provenientes do 5º andar.
Nunca tendo o R. respondido ao seu apelo para que procedesse às necessárias reparações.
Pelo que continuou a degradação do tecto da cozinha, de que caíram já pedaços.
Avançando as infiltrações para o seu quarto, com destruição de livros quadros e prateleiras, para além do ar bafiento e húmido.
Vendo-se a A. na necessidade de implantar duas barras de ferro na cozinha, colocadas na vertical, a segurar uma placa de madeira, evitando que o tecto desabe.
E mostrando-se degradadas, por via da humidade, as paredes da cozinha, corredor e quarto da A.

Contestou o R., arguindo a sua ilegitimidade, na circunstância de não ser proprietário do referido 5º andar, que foi adquirido por E, Lda. e M, na proporção de 2/3 para a 1ª e 1/3 para a 2ª, por compra a M e L, conforme escritura notarial de 24-06-1998.
Rematando com  a sua absolvição da instância.

Na sequência de tal contestação veio a A. requerer a intervenção principal dos identificados compradores da fracção correspondente ao 5º andar do prédio respectivo.
Admitida aquela, e citados os chamados, contestaram os mesmos, alegando que a fracção está arrendada e a inquilina respectiva acamada há vários meses, sendo assistida pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, pelo que os RR. “não têm a posse nem acesso à fracção”.
Nunca tendo sido informados quer pela A. quer pela inquilina sobre eventuais deficiências.
A terem existido infiltrações na fracção da A. provenientes do 5º andar, as mesmas terão sido provocadas pelo alegado entupimento da pia situada na cozinha, situação que foi corrigida pela inquilina.
Situação que, a ter-se verificado, os RR. apenas agora dela tiveram conhecimento.

Rematam com a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

O processo seguiu seus termos, com saneamento – julgando verificada a excepção dilatória de ilegitimidade passiva do Réu Ó, que foi absolvida da instância – e condensação.
Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente provada e parcialmente procedente, condenando as Chamadas E LDA. e M, solidariamente, na posição de Rés:
- a repararem, por si ou a expensas suas, os danos que por via da infiltração e escorrêncía de águas da fracção "G" ocorreram nas paredes e tecto da cozinha, nalguma extensão de paredes do corredor e ainda num quarto da casa da A., fracção "F" do prédio em causa, sito na Rua das Salgadeiras 40, em Lisboa, correspondente ao 4° andar
- Podem porém, querendo, optar por depositar nos autos ou entregar à Autora a quantia de 2.500 euros, quantia essa que se reputa suficiente para o custeio das obras – nesse caso a efectivação das mesmas será, quando, como, e por quem a A. entender.

Inconformada recorreu a A., formulando, nas suas alegações – e “completadas” na sequência de convite do relator nesse sentido – as seguintes, nominadas, conclusões:
“A. Perante as alegações trazidas a juízo, cumpre salientar que não se conforma a ora Recorrente com a decisão de que, pela presente, se recorre.
B. Com efeito, a Recorrente, no seu modesto entendimento, considera que a douta Sentença não se baseou na justa e correcta ponderação dos factos, de acordo com os elementos fornecidos.
C. Não obstante terem sido condenadas as Recorridas no ressarcimento de alguns dos danos provocados pelas infiltrações provocadas pela atitude negligente que demonstram para com os bens de que são proprietários, entende a Recorrente que a douta Sentença ficou aquém do que deveria na condenação aplicada, pois o preenchimento à saciedade dos requisitos do instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos, de acordo com o previsto no artigo 483° do Código Civil, isso permitia, ou seja, a existência de facto voluntário, a ilicitude, a imputação do facto ao agente, o dano e o nexo de causalidade entre facto e dano.
D. Sendo por consequência adequado o total ressarcimento dos danos, o que foi inexplicavelmente negado pelo Meritíssimo Juiz a quo.
E. O que se estranha sobretudo quando a factualidade assente nos Autos facultava elementos suficientes para um entendimento noutro sentido. Senão vejamos:
F. Na douta Sentença, é facto assente (alínea f)) que os Recorridos não têm levado a cabo obras no interior da fracção "G", a qual está em avançado estado de degradação.
G. Em decorrência das infiltrações provenientes da fracção "G", propriedade das Recorridas, houve uma deterioração das condições de higiene de toda a cozinha da fracção da Recorrente (alínea j)), tornando-a num local constantemente sujo e húmido.
H. Em decorrência dessas infiltrações, um técnico chamado ao local (al. m) dos factos assentes), achou conveniente colocar duas escoras metálicas e um suporte em madeira na cozinha da Recorrente, que ainda hoje se mantêm.
I. Em consequência das aludidas infiltrações, a Recorrente não viu reunidas as condições de salubridade, higiene e segurança alimentar, para além de enfrentar o desconforto visual e de manobra, no interior do espaço que habita, o que ainda se verifica (al. p) da factualidade assente).
J. As Recorridas nada repararam (al. q)), isto quando as infiltrações se deveram a um entupimento junto do único ponto de água da fracção (situação que tiveram que ser os vizinhos a corrigir), motivado por a ruptura ou fuga se ter dado no tubo de saída da pia da cozinha para o esgoto.
K. Concluindo o Meritíssimo Juiz a quo, mesmo em face de toda a factualidade assente, decide por um lado ser apenas necessária a colocação de uma placa de pladour no tecto, afirmando que outra solução seria desnecessária.
L. Baseando ainda o seu entendimento, no facto de o tecto das fracções ser parte comum, de acordo com o estatuído no art.1421°, n.°1 a) do Código Civil, o que não é aplicável ao caso descrito nos Autos.
M. Até porque a leitura que se retira do relatório pericial junto aos autos, indica que a estabilidade e integridade da laje do tecto da cozinha se encontra comprometida, existindo fortes indícios que esta terá perdido grande capacidade resistente em resultado directo das infiltrações que comprovadamente ocorreram.
            N. Sendo assim evidente que se encontram preenchidos, ao contrário do que o Meritíssimo Juiz a quo conclui, todos os requisitos previstos no n.° 1 do art. 483° do Código Civil para condenar as Recorridas nos moldes peticionados pela Recorrente na sua Petição Inicial.
0. Não podendo afastar-se essa responsabilidade, imputando-a ao condomínio, pois este acto se deve exclusivamente à irresponsabilidade e negligência comprovada das Recorridas.
P. A fragilidade do tecto da fracção "F" é consequência directa das infiltrações, que por seu lado, surgem na sequência de uma atitude negligente que é imputável as Recorridas.
Q. Sendo certo que, perante tal moldura factual, devem as Recorridas ser condenadas na realização de todas as obras que se revelem necessárias para a reparação efectiva do tecto da fracção que habita a Recorrente, pois esta tem direito efectivo a ver reparados todos os prejuízos decorrentes das infiltrações.
R. De facto, revela-se incomportável continuar a permitir que a Recorrente viva sem as condições consideradas essenciais para a normal funcionalidade da sua casa devido a um facto praticado pelas Recorridas, tendo sido ainda obrigada a colocar duas escoras metálicas de cofragem ajustáveis e um suporte de madeira para que não vivesse na constante iminência de ver o tecto da sua casa a cair-lhe em cima da cabeça.
S. Por tanto, não se conforma a Recorrente com o facto de lhe ser imputado e considerado da sua inteira responsabilidade, o recurso aos meios que entendeu serem necessários para a sua segurança, nomeadamente, na colocação das referidas escoras metálicas e o suporte de madeira
T. A Recorrente viu-se impelida a colocar os já mencionados objectos não por sua livre e espontânea vontade, mas sim, devido às infiltrações ocorridas na fracção imediatamente superior à sua.
U. Estes factos são causa-efeito um do outro, estando por isso preenchido o requisito do nexo de causalidade do citado preceito legal.
V. Não se conforma ainda a Recorrente com a improcedência do pedido de indemnização devido pela violação da fruição, na íntegra, do seu imóvel.
W. É facto assente que a Recorrente não viu reunidas as condições de salubridade, higiene e segurança alimentar, enfrenta também desconforto visual e de manobra dentro do espaço que habita em consequência das aludidas infiltrações, logo, isto não se trata de uma contingência de habitar um edifício antigo tal como explica a factualidade assente, estamos sim perante, mais uma vez, uma causa-efeito dos danos provocados pelos Recorridos.
X. A Recorrente não usufrui em pleno do seu Direito de Propriedade, porque se encontra privada das condições encaradas como necessárias para que o possa fazer.
Y. Não podendo proceder a argumentação da irresponsabilização das Recorridas de que a renda devida pelo arrendamento da fracção "G" é de apenas 75 (setenta e cinco) cêntimos, porque quanto a isso, não tem culpa alguma a ora Recorrente.
Z. O mesmo raciocínio se deve retirar quando defronte do facto dos danos terem sido provocados apenas por um entupimento de um cano, e não pela ruptura do mesmo, uma vez que tal é irrelevante, o que importa aqui aferir é tão-somente a dimensão dos danos, independentemente da dimensão do facto gerador dos mesmos.
AA. E facto é que a Recorrente vive há três anos num ambiente em nada profícuo, em condições degradantes devido a um entupimento do cano na fracção "G", imediatamente superior à sua.
BB. Assim, tal como peticionado, entende a Recorrente que deve ser ressarcida pelas condições em que habita a sua casa há três anos e que não lhe permitem fruir do seu imóvel, como gostaria e tem direito.
CC. É por isso não só équo, mas acima de tudo uma decorrência do regime jurídico da responsabilidade civil por factos ilícitos previsto nos art. 483° e seguintes do Código Civil, o pedido de responsabilização pelo desconforto por si sofrido.
DD. Sobretudo quando nos Autos ficou provado que as infiltrações são causa directa da degradação do imóvel, estando assim provada nos Autos a existência do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
EE. E consequentemente o dever de indemnizar nos termos dos art. 562° e seguintes do Código Civil.
FF. Até porque o comportamento das Recorridas sempre foi de total inércia, nada fazendo para alterar a situação, o que demonstra a culpa das Recorridas no estado de degradação a que chegou a fracção "F"
GG. Considera assim Autora, ora Recorrente, que o que não seria équo era entendimento diverso do supra referido, porque dúvidas não podem subsistir que está claramente preenchido o nexo de causalidade entre as infiltrações causadas pelos Recorridos e a falta de condições em que vive a Recorrente.
HH. O que leva a Recorrente a considerar não ser adequada a improcedência do seu pedido de indemnização de alimentação e alojamento durante o período em que decorrerem as obras de reparação.
II. Isto quando de acordo com a factualidade assente, durante as obras para reparar as consequências das infiltrações, a A, ora Recorrente, ver-se-á impossibilitada de fazer as refeições na zona da cozinha (alínea r).
JJ. Sendo no modesto entendimento da Recorrente descabida a sugestão de que pode a Recorrente fazer as refeições em horas diferentes e em espaços diferentes daqueles em que os trabalhadores estiverem e executar as suas funções.
KK. Com o devido respeito que cumpre ter pela douta decisão do Meritíssimo juiz, não pode deixar a Recorrente de alegar que o que aqui se coloca não é o local onde fará a Recorrente as suas refeições, mas sim como poderá a mesma cozinhar num espaço onde decorrem obras de reparação, sujeita por isso ao pó, à toxicidade das tintas e a todas as contrariedades que advêm de obras dentro de um imóvel.
LL. Não considera razoável ter a Recorrente de se sujeitar a alterar a seu comportamento, mais do que já tem alterado, devido aos danos que sofreu e sobre os quais não pode lhe pode ser imputada qualquer culpa.
MM. Razoável também não se pode considerar ter a Recorrente de mudar o fogão para a sala ou para o quarto para que possa cozinhar.
NN. E pela mesma ordem de razão, não percebe a Recorrente porque deve mudar a sua cama para a sala ou para a cozinha para que possa dormir.
00. Dado o supra exposto e perante a fundamentação explanada, considera a Recorrente que devem proceder todos os pedidos que efectuou em, sede de Petição Inicial, uma vez que se encontram preenchidos os requisitos exigíveis para a aplicação do instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos, nomeadamente a existência provada, sem margem para dúvidas, do nexo de causalidade entre a conduta dos Recorridos e os danos provocados na fracção da Recorrente.
PP. Provado ficando igualmente o dever das Recorridas de indemnizar a Recorrente, nos termos do art. 562° do Código Civil.
QQ. Devendo a douta Sentença ora Recorrida ser revogada, e substituída por outra que condene nos precisos moldes requeridos na Petição Inicial.”.

Requer a revogação da sentença recorrida na parte em que absolve as Recorridas dos pedidos da Recorrente, determinando-se que aquelas realizem a expensas suas todas as obras necessárias à reposição da fracção da Recorrente no estado em que se encontraria não fosse a infiltração de que são responsáveis, indemnizando-a ainda nos moldes requeridos na Petição Inicial pela violação do direito de fruição do imóvel, com juros desde a citação, bem como pelos montantes que serão dispendidos em alimentação e alojamento durante o período em que decorrerem as obras.

Contra-alegaram as recorridas, pugnando pela manutenção do julgado.

II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Preliminarmente, e no confronto do teor das conclusões da Recorrente, na parte relativa ao “compromisso” da laje do tecto da cozinha e à “fragilidade” daquele (M. e P.), importará assinalar que os art.ºs 9º, 11º e 16º da Base Instrutória, para os quais foi carreada a factualidade correspondentemente alegada pela A., mereceu “respostas” restritivas, que não comportam o assim pretendido pela Recorrente, como de folhas 292 a 297 se alcança.
Sendo que não foi deduzida impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, por qualquer modo recondutível aos quadros do art.º 690º-A, do Código de Processo Civil.
E nem o referenciado relatório pericial – elemento sujeito à livre apreciação do tribunal, cfr. art.º 389º, do Código Civil – tem, em processo onde foram produzidos outros meios de prova – qual seja, desde logo, a testemunhal – a virtualidade de impor decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, como se contempla no art.º 712º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.
Hipótese aquela que, a verificar-se – como assim não é o caso – fundamentaria a alteração oficiosa da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.    

Isto posto:
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se no âmbito das reparações a efectuar pelas chamadas/recorridas, se deverá considerar, para além do positivamente definido na sentença recorrida, e pelo que ao “tecto” da cozinha respeita, o mais que naquela peça expressamente se rejeitou.
- se é de arbitrar a peticionada indemnização pela violação do direito da A. a fruir na íntegra o imóvel, com juros desde a citação.
- se é de arbitrar a igualmente peticionada indemnização por privação do direito da A. de usar o seu imóvel durante todo o tempo de duração dos trabalhos de reparação. 
*
Considerou-se assente, na 1ª instância, a factualidade seguinte:
a. A A tem registada a seu favor a partir 19-1-2000 - fls.        98 - a propriedade da fracção autónoma designada pela letra "F" correspondente ao 4° andar do prédio sito, por doação ;
b. As Chamadas na posição de RR têm registada seu favor a partir de 9-11-1988 a propriedade da fracção autónoma designada pela letra "G" correspondente ao 5° andar do prédio sito,  por compra, sendo para a sociedade 2/3 e para a M 1/3 - fls. 68;
c. A fracção G fica imediatamente por cima fracção F;
d. A A reside na fracção F;
e. A fracção G está arrendada a uma inquilina;
f. As RR não têm levado a cabo obras no interior da fracção G, a qual está em adiantado estado de degradação;
g. Igualmente está degradado todo o edifício;
h. Em relação a algumas das partes comuns do edifício os moradores têm realizado algumas intervenções;
i. No final de 2003 a A. notou que o tecto da sua fracção, principalmente na cozinha, começava a apresentar manchas, bolores, empolamentos, deslocamentos, escorrimentos líquidos, tudo por via de infiltrações e escorrências líquidos com origem na fracção das RR;
j. À degradação do tecto que era de cor branca, e foi adquirindo uma cor alaranjada, seguiu-se a deterioração das condições de higiene de toda a cozinha, com a água a correr pelas paredes, tornando-a num local constantemente sujo e húmido, que a A. procura, como pode, manter limpo e habitável;
l. O agravamento das consequências da infiltração era galopante, e a A. solicitou a uma empresa de construção civil, uma vistoria aos tectos e paredes afectados da sua fracção, uma elencagem das medidas preconizadas, e orçamento, o que esta veio a fazer em Set. de 2004, juntando-se o         relatório a fie. 29 e 30;
m. A testemunha P aquando da vistoria supra referida, colocou provisoriamente duas escoras metálicas de cofragem ajustáveis e um suporte em madeira, na cozinha, que ainda hoje se mantêm, e que estão fotografadas a fls. 213 214;
n. As escorrências        e infiltrações deixaram igualmente marcas no quarto da A, contíguo à cozinha, onde se constatam manchas de humidade, de bolores bem colo empolamentos de reboco;
o. É necessário a reparação dos danos nas paredes e tectos provocados pelas mesmas infiltrações;
p. Em consequência das aludidas infiltrações a A. não viu reunidas as condições de salubridade, higiene segurança alimentar, para além de enfrentar desconforto visual e de manobra, no interior do espaço que habita, o que ainda se verifica à data da perícia colegial realizada - 9 de Junho de 2006;
q. As RR nada repararam;
r. Durante as obras para reparar as consequências das infiltrações, para o que serão necessárias três semanas de trabalho, a A. vai ver-se impossibilitada de fazer as refeições na zona da cozinha;
s. A reparação das paredes e tectos na fracção F demorará, duas semanas em picagem, rebocos estuques e pinturas e eventualmente mais uma semana se for necessário para executar um novo suporte no tecto da cozinha;
t. O prédio em causa é de origem pombalina, pelo que tem mais de 200 anos;
u. No decurso dos presentes autos o representante da Ré visitou a fracção do 5° andar, que se encontra em estado de degradação, embora a funcionalidade da fracção não esteja significativamente afectada;
v. Na cozinha da fracção do 5° andar pôde verificar que existe uma pia - que segundo a versão da inquilina, em determinada altura teve problemas de escoamento de águas, os quais foram solucionados;
x. As infiltrações a que a A. alude deveram-se a entupimento junto do único ponto de água da fracção G, situação que foi corrigida pelos vizinhos da inquilina das RR., esclarecendo-se que se apurou concretamente que a ruptura ou fuga deu-se no tubo de saída da pia da cozinha para o esgoto tendo-se solucionado com a instalação de outra saída como se vê de fls. 216; Não se apurou porém em que lugar do tubo a fuga ou ruptura ocorreu;
z. Desta situação teve a A conhecimento pela própria inquilina bem como pelas pessoas que a assistem algumas delas residentes no prédio;
aa. Resolvido o entupimento, as infiltrações e escorrências pararam.
*
Vejamos.
II-1- Da maior abrangência das reparações a efectuar ao nível da cozinha da A.

1. Peticionou aquela a condenação do(s) R(R). a procederem à “integral” substituição do tecto da sua cozinha.

Sendo que na sentença recorrida se considerou, e pelo que agora interessa:
São estes os danos que as Demandadas têm de reparar ou têm de suportar os custos da reparação.
Se olharmos bem a elencagem de fls. 29 trata-se de retirar e de colocar e pintar o tecto em pladour da cozinha da fracção da A. Picar paredes danificadas da cozinha, corredor e quarto. Rebocar, estucar e pintar as ditas paredes.
Nada mais.
No relatório de fls. 29 fala-se de demolir tecto da cozinha. Mas não. Não se sabe o que lá está. As infiltrações estragaram o pladour - no fundo o gesso cartonado. Há que substituir e pintar, o que é tarefa fácil e rápida. Quanto a demolir o tecto e a retirar " a estrutura apodrecida do pavimento por cima”, tal trabalho não tem qualquer cabimento. A tal estrutura é da casa das Chamadas. Não tem ver com este processo. Nem a A. tem legitimidade para pedir tal. O tecto não pode ser demolido, uma vez que quer seja sobrado, quer seja de viga, o tecto é parte comum, e não foi certamente a infiltração de águas em tempo delimitado que estragou, tanto mais que isso já foi há muito tempo e a água secou. Nem se trata de executar lage aligeirada nenhuma. Isso a ser necessário, é obra em parte comum, a ser suportada pelo condomínio, e mesmo que fosse consequência das infiltrações em causa, o condomínio não está demandado no processo.
Se o condomínio entender por bem, pode realmente reparar o que entender no piso entre o 4° e o 5° andar e retirar e colocar, o que entender. Mas isso tem a ver com condomínio e é este a suportar os custos exclusivamente. Nada tem, a ver com este processo.”.

2. Contrapondo a Recorrente, a propósito, e como visto, que “se encontram preenchidos, ao contrário do que o Meritíssimo Juiz a quo conclui, todos os requisitos previstos no n.° 1 do art. 483° do Código Civil para condenar as Recorridas nos moldes peticionados pela Recorrente na sua Petição Inicial…Não podendo afastar-se essa responsabilidade, imputando-a ao condomínio, pois este acto se deve exclusivamente à irresponsabilidade e negligência comprovada das Recorridas.”.

Temos para nós que a sentença recorrida, e salvo o devido respeito, também no trecho assim em crise não equaciona a questão em termos adequados, e para lá da bondade da solução a final alcançada.

Com efeito:

3. Nos termos do art.º 1422º, n.º 1, do Código Civil, “Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhe pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis”.
Sendo (n.º 2), “…especialmente vedado aos condóminos: a) prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício”.

Os actos ou omissões do condómino, na sua própria fracção, podem assim dar origem a responsabilidade civil, no confronto de outro(s) condómino(s).

Como se concluiu ser o caso, na sentença recorrida que, dess’arte, deu por verificados os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual, por reporte expresso ao art.º 483º do Código Civil, e para lá da questão da exacta extensão dos danos, assim ora em causa.
Sendo porém que – e para lá do acto ilícito, dos danos concedidos, e do nexo de causalidade entre aquele e estes – se expendeu, no tocante à culpa, nos seguintes termos:
A alegação segundo a qual as Chamadas desconheciam as infiltrações e as deficiências da fracção “G”, que se levou à base instrutória na pergunta 23, não se provou.
Não provando as Chamadas que não tinham culpa, passa a A. a ter o ónus de provar os requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos do art.º 483º do Código Civil, que é uma fonte geral da obrigação de indemnizar”, (SIC).

Tanto quanto deste modo se logra extrair do transcrito excerto decisório, e na consideração da economia geral da sentença, enfileirou-se com a orientação jurisprudencial segundo a qual em caso de danos resultantes de infiltrações de água provenientes de fracção superior à do lesado estaria estabelecida uma inversão do ónus da prova, “cabendo pois ao lesante encarregado da vigilância do seu imóvel, para se eximir à sua responsabilidade, ilidir a sua presunção de culpa”.
E isto, assim, v.g. no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2002-01-31,[1] sustentando-se a aplicabilidade, nestas hipóteses, do disposto no art.º 493º do Código Civil.
Normativo que, diga-se, não surge, por qualquer modo, citado ou sequer aludido na sentença recorrida.
Tratando-se pois, pelo que ao lesado respeita, apenas da prova dos demais pressupostos.
Ponto este que não é posto em crise pela Recorrente.
  
4. Ora, assim definida a culpa dos RR., pelo que respeita à ocorrência das infiltrações no andar da A., não se vê como, a serem as mesmas causa adequada de danos na parte estrutural do tecto da cozinha daquela, e por se tratar de parte comum…a correspondente obra tenha de ser suportada pelo condomínio.
Nem, assim, que o mesmo condomínio tivesse de ser “demandado no processo”.

Já se concedendo, porém, que tratando-se de pedido de demolição e reconstrução de parte comum – como claramente é o caso da estrutura do tecto de habitação pombalina, cfr. art.º 1421º, n.º 1, al. a) – o mesmo haja de ser formulado em acção intentada pelo condomínio, podendo a A., na falta de aquiescência dos demais condóminos não lesantes, provocar a sua intervenção principal.
Sem prejuízo, claro está, da possibilidade de reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício serem levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino, nos termos do art.º 1427º, do Código Civil.

Uma tal via não a tendo seguido a A., que por isso carece de legitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário. [2]

Como, em aparente ambivalência, afinal também se considerou na sentença recorrida.

Para além disto, e como em preliminar do enunciado das questões a resolver se deixou assinalado supra, os art.ºs 9º, 11º e 16º da Base Instrutória, para os quais foi carreada a factualidade porventura reportável ao apodrecimento estrutural do tecto, com eminência de ruína, correspondentemente alegada pela A., mereceu “respostas” restritivas, que não comportam o assim pretendido pela Recorrente, como de folhas 292 a 297 se alcança.
O que, excluindo o correspondente dano, logo prejudica a responsabilidade civil que, por reporte ao mesmo, a Recorrente pretende assacar às Recorridas.

Com improcedência das conclusões da Recorrente, nessa parte.

 II-2- Da peticionada indemnização pela violação do direito da A. a fruir na íntegra o imóvel.
Está provado, com interesse para a matéria, que:
i. No final de 2003 a A notou que o tecto da sua fracção, principalmente na cozinha, começava a apresentar manchas, bolores, empolamentos, deslocamentos, escorrimentos líquidos, tudo por via de infiltrações e escorrências líquidos com origem na fracção das RR;
j. À degradação do tecto que era de cor branca, e foi adquirindo uma cor alaranjada, seguiu-se a deterioração das condições de higiene de toda a cozinha, com a água a correr pelas paredes, tornando-a num local constantemente sujo e húmido, que a A. procura, como pode, manter limpo e habitável;
m. A testemunha P, aquando da vistoria supra referida, colocou provisoriamente duas escoras metálicas de cofragem ajustáveis e um suporte em madeira, na cozinha, que ainda hoje se mantêm, e que estão fotografadas a fls. 213 214;
n. As escorrências        e infiltrações deixaram igualmente marcas no quarto da A, contíguo à cozinha, onde se constatam manchas de humidade, de bolores bem como empolamentos de reboco;
p. Em consequência das aludidas infiltrações a A. não viu reunidas as condições de salubridade, higiene segurança alimentar, para além de enfrentar desconforto visual e de manobra, no interior do espaço que habita, o que ainda se verifica à data da perícia colegial realizada - 9 de Junho de 2006;

Considerando-se a propósito, na sentença recorrida:
São as contingências de viver num edifício antigo.
Será justo - pergunta-se - condenar o senhorio do andar de cima no pagamento destes danos, quando a renda é 75 cêntimos mensais, e o entupimento do cano, foi isso - entupimento... e não um rompimento, uma ruptura? Se houve entupimento foi porque alguma coisa, dejectos ou lixo, impediu a água de sair da pia. E isso não é culpa do senhorio, e sim do inquilino. Vale a aplicação do art.º 494° do CC.
Não é équo responsabilizar as Demandadas p este desconforto.”.

Contra um tal entendimento se insurgindo a Recorrente.

Logo se anotará que a sentença recorrida, e no trecho assim ora em análise, não rejeita a integração da “simples” privação ou perturbação do uso (da fracção autónoma da Recorrente) na categoria de dano concreto.
E que tal privação comporta um prejuízo efectivo na esfera jurídica do lesado, correspondente à perda temporária da plenitude dos poderes de fruição, é realidade alcançável na base de juízos assentes em padrões de normalidade e, se necessário, com recurso às presunções naturais ou judiciais.
Como decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça, v.g., no seu Acórdão 29-03-2001,[3] e, em sede de sinistralidade automóvel, no seu Acórdão de 09-05-2002.[4]
No mesmo sentido, desta feita relativamente à privação da fruição de imóvel arrematado, se tendo pronunciado esta Relação em Acórdão de 30-10-2007.[5]          

Em hipóteses como a ora em apreço, o apuramento do correspondente montante indemnizatório encontrará meio operatório no instituto da equidade. [6]-[7]
Que prevista genericamente no art.º 494º do Cód. Civil, tem na área da responsabilidade civil o seu principal campo de aplicação, já quando está em causa a fixação de montantes indemnizatórios relativamente a situações de inexistência, per natura, de elementos objectivos – art.º 496º, n.º 3 – já quando se revela impossível a determinação exacta dos outros danos, de acordo com a teoria da diferença, vd. art.º 566º, n.ºs 2 e 3, como o anterior, do mesmo Cód. Civil.   
Os riscos de se cair no campo da discricionaridade, podem ser atenuados se se fizer um uso prudente das regras da experiência, tomando, por exemplo, como ponto de referência a quantia estimada necessária para o arrendamento de apartamento de características semelhantes.
Sendo que em todos os casos deverão ser sempre ponderados os princípios da boa fé, tal como o modo como o responsável e o lesado agiram na resolução do caso.[8]

O que na decisão impugnada se conclui é que operando o art.º 494º do Código Civil, e assim por força do aludido critério da equidade, não há lugar a indemnização da A.

Não podemos aceitar um tal entendimento.

Desde logo, a intervenção da equidade permitindo fixar um montante indemnizatório inferior ao que corresponderia aos danos causados…não contempla a exclusão pura e simples da indemnização.

Depois, e salvo o devido respeito, não se vislumbra como possa operar nessa sede de equidade a consideração de os chamados, enquanto senhorios da fracção a partir da qual ocorreram as infiltrações, receberem de renda daquela apenas a quantia de 75 cêntimos mensais.
A A./Recorrente é absolutamente estranha à relação locatícia existente entre aqueles e a inquilina respectiva.
E, como se nos afigura meridiano, não pode ver comprimido o seu direito, designadamente na vertente ressarcitória, por via de uma tal relação contratual aliena.

Não colhendo igualmente a afirmação de que se houve entupimento foi porque alguma coisa, dejectos ou lixo, impediu a água de sair da pia, circunstância que não seria culpa do senhorio, e sim do inquilino…“Valendo” a aplicação do art.º 494° do Código Civil.
Aliás uma tal asserção choca frontalmente com aquilo que anteriormente, e no estilo próprio, se considerou na mesma sentença, quando se afirmou:
Não provando as Chamadas que não tinham culpa, passa a A. a ter o ónus de provar os requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos do art.º 483º do C. C…
O tubo de esgoto que vai da pia da cozinha da fracção "G" para o esgoto, é pertença da fracção "G". O entupimento deu-se aí.
Não se sabe se por falta de manutenção, se por utilização deficiente.

As escorrências de águas vieram do andar das Chamadas, e provocaram danos nas paredes da cozinha, quarto, corredor, e tecto da cozinha da fracção "F" da A.
Há quanto a isto prova dos requisitos da responsabilidade civil - art 483° do CC.

Quer dizer, depois de darem por assentes os pressupostos da responsabilidade civil das Chamadas, no tocante à reparação dos danos nas paredes da cozinha, quarto, corredor e tecto da fracção da A. – e assim considerando, implicitamente, não terem aquelas ilidido presunção de culpa recaindo sobre as mesmas – e que se desconhece a causa do entupimento – como é efectivamente o caso – passa-se na mesma sentença ao alvitre relativo…à causa do entupimento…que seriam afinal… dejectos ou lixo, tratando-se de circunstância imputável, a título de culpa, não ao senhorio… mas ao inquilino.
O que, diga-se, excluindo a responsabilidade das Chamadas, tornaria até descabida a referência ao art.º 494º do Código Civil.
Aquela “nouvel” presunção carece porém de suporte factual bastante.
Como melhor se disse primeiro na sentença recorrida, desconhece-se a causa do entupimento, não se sabendo se aquele ocorreu por falta de manutenção, se por utilização deficiente.
Sendo que a primeira circunstância pode reportar a situações várias, e, desde logo, ao estrangulamento do tubo por carga da própria parede onde aquele está inserido, ou por depósito de aderentes resultante da normal utilização ao longo de muitos anos (trata-se de prédio pombalino).

Finalmente que entre as contingências de se viver “num edifício antigo”, em fracção autónoma, de que se é proprietário, se conte a de ter de suportar sem ressarcimento a privação do pleno uso daquela, em consequência de acto/omissão culposa do proprietário de outra fracção do mesmo prédio, é opinativo quanto ao qual julgamos não se justificarem mais comentários.

Ora, tudo isto visto, temos pois que é caso de arbitrar indemnização à A.
Importando levar em consideração, para além do mais já referenciado, a total inércia das Chamadas no tocante à reparação dos danos.
Tendo-se presente que a situação de insalubridade, falta de higiene e segurança alimentar, para além de desconforto visual e de manobra, no interior do espaço habitado pela A., decorrente dos apurados estragos na fracção daquela, vindo de finais de 2003, ainda se verificava em 2006-06-09.
Sem embargo de, no tocante ao desconforto visual e de manobra ser de ponderar não se ter provado que a colocação das duas escoras metálicas de cofragem ajustáveis, que sustentam um suporte em madeira, aplicado à placa de pladour do tecto da cozinha, haja sido determinada pela iminência da queda do tecto da cozinha.
Mas sendo porém certo que, como também se referiu na mesma sentença, “As infiltrações estragaram o pladur – no fundo o gesso cartonado. Há que substituir e pintar…”.
O que legitima receios da parte da A./recorrente, ao menos quanto à estabilidade da placa de pladour.
Dest’arte justamente acautelados.

Assim, e pelo que ao ressarcimento dos danos emergentes ora em causa respeita, temos por ajustado, em sede de equidade, e com reporte à presente data, nos termos do art.º 566º, n.º 2, do Código Civil, o quantitativo de € 3.500,00, aliás numericamente correspondente ao peticionado.
Resultando prejudicada a pretendida condenação nos juros de mora desde a citação.
Sendo aqueles devidos apenas desde a data do presente acórdão, e à taxa supletiva legal de 4% ao ano, cfr. Portaria n.º 291/03, de 08 de Abril.
Certo que como se dá nota no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-11-2007[9] – com citação do Assento n.º4/2002,[10] agora com força de Acórdão Uniformizador – em matéria de responsabilidade civil por acto ilícito, como assim é o caso, havendo actualização, não haverá lugar a juros de mora entre a citação e a sentença, nos termos do art.º 805º, n.º 3, do Código Civil.
É que como se considerou no citado Assento, “O critério regra é o estabelecido no n.º 2 do artigo 566º, limitando-se o critério introduzido pela nova redacção do n.º 3 do artigo 805º a ter um valor complementar do primeiro «destinado a garantir a plena eficácia da respectiva intenção normativa»”.

II-3- Da peticionada indemnização por privação do direito da A. de usar o seu imóvel durante todo o tempo de duração dos trabalhos de reparação
Deu-se como provado, na 1ª instância, que:
“r. Durante as obras para reparar as consequências das infiltrações, para o que serão necessárias três semanas trabalho, a A vai ver-se impossibilitada de fazer as refeições na zona da cozinha;
 s. A reparação das paredes e tectos na fracção F demorará, duas semanas em picagem, rebocos, estuques e pinturas e eventualmente mais uma semana se fôr necessário para executar um novo suporte no tecto da cozinha;”.

Assim, e como se esclarece na sentença recorrida… “Isto é: para reparar as consequências das infiltrações, as obras na fracção da Autora demorarão duas semanas. Porém se o condomínio entender que é necessário executar um novo suporte no tecto da cozinha, a expensas do condomínio, então a intervenção demorará 3 semanas. Nesse período a A. não poderá fazer as refeições na cozinha.”.

Ou seja, e tendo presente o já equacionado supra relativamente à questão da ruína da estrutura do tecto da cozinha, importa aqui considerar um período de privação da utilização daquela zona, para confeccionar refeições, por ocasião das reparações das consequências das infiltrações, de duas semanas.

Pretendendo-se, na sentença recorrida que “Porém poderá fazê-las à noite, ou em horas diferentes, pois os trabalhadores não estarão sempre a trabalhar, não ocuparão a cozinha todas as horas do dia, e igualmente não se contaram sábados e domingos. Porém não se provou que a A. tenha de abandonar a fracção, nem que nela não possa permanecer. Não há factos provados com suficiência. Colocam-se aqui os argumentos do art.º 494º do C.C.”.

E uma vez mais se não concede a bondade do assim expendido na sentença recorrida.
A A./recorrente, ao deixar de poder utilizar a cozinha da fracção autónoma de que é proprietária, e onde reside, no contexto referenciado, estará, uma vez mais, a ser privada do pleno uso e fruição daquela.
E em termos que se não podem minimizar, para se concluir não haver lugar à indemnização do correspondente dano, como se faz na dita sentença.

O que provado está é que durante o período das obras a A. não poderá fazer as refeições na cozinha.
E ponto.
Nada legitimando a especulação quanto à possibilidade de, “afinal”, poder a A. fazer as refeições na cozinha “à noite, ou em horas diferentes”, nem aos “sábados e domingos”.
Para lá de não conseguirmos imaginar os operários da construção civil que vierem a proceder a tais obras…a, no fim de cada dia de trabalho…deixarem a cozinha limpa e livre de poeiras, entulhos, materiais e ferramentas.
Como também se não percebe a que título seria exigível à A. que, abdicando do seu direito de proprietária, suportasse, sem compensação, a privação do uso da cozinha, para a confecção de refeições em horários consentâneos com a normalidade das coisas.
Certo que, para além dos tais horários nocturnos, se não vislumbram as “horas diferentes” assim tidas em vista na sentença recorrida, não se concebendo que se pudesse ter considerado o período da madrugada.

Naturalmente está assim em causa a definição de indemnização relativa, desta feita, a danos futuros – vd. art.º 564º, n.º 2, do Cód. Civil – representantes de danos emergentes, derivados dessa outra situação de necessária privação de uso da coisa.[11]
Sendo porém que não resultou provado, nessa sede de danos, a impossibilidade de a A. viver na fracção durante as obras a realizar e de essa circunstância, bem como a da provada impossibilidade de ali fazer as suas refeições, lhe acarretarem uma despesa diária, com hospedagem e alimentação, de € 120,00.

Tendo-se dest’arte que não estando provada a integralidade dos factos suporte do montante por aquele título peticionado, a saber, € 5.400,00, se reputa equilibrado, para ressarcimento da, apenas apurada, impossibilidade de utilização da cozinha, durante duas semanas, o quantitativo, actualizado à presente data, de € 300,00.
Sobre o qual igualmente incidirão juros, nos termos já definidos supra, em II-2.
*
Procedendo assim apenas parcialmente as conclusões da Recorrente, no tocante à matéria da indemnização relativa à privação do pleno uso e fruição da sua fracção autónoma.  

III- Nestes termos, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, revogando correspondentemente a sentença recorrida,-----------
condenam as Chamadas no pagamento à A. de três mil e oitocentos euros (€ 3.800,00), a título de indemnização pela privação do pleno uso da sua fracção, acrescidos de juros de mora à taxa supletiva legal de 4% ao ano, desde a presente data, até integral e efectivo pagamento,----------------------------
confirmando, no mais, tanto condenatório como absolutório, a referida sentença.

Custas, nesta Relação, na proporção de 60% para a Recorrente e 40% para as Recorridas e, na 1ª instância, na proporção do respectivo decaimento. 

Lisboa, 2008-02-28

(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Neto Neves)

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[1] JSTJ00042791.ITIJ.Net. Podendo ver-se, aparentemente no mesmo sentido o Acórdão desta Relação, de 1993-11-25, JTRL000114006.ITIJ.Net.
[2] Assim, Antunes Varela, in R.L.J., 117º. – 352 e 376 e seguintes, em anotação concordante ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.1981. 
[3] In www.cidadevirtual.pt/jstj/jurisp.
[4] Revista n.º  935/02 – 1ª secção. in www.stj.pt/jur..
[5] Proc. 7445/2007-7, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf.
[6] Que é a justiça do caso concreto, em que na solução do mesmo se atende, fundamentalmente, à sua própria especificidade ainda que com prejuízo de alguns critérios legais.
[7]  Vd., Acórdãos citados supra, e Abrantes Geraldes, in “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, Almedina, 2001, págs. 53-54.
[8] Abrantes Geraldes, in op. et loc. cit.
[9] Proc. 07B3697, in www.dgsi.pt/jstj.nsf        
[10] In D. R., I Série, n.º 146, de 27.6.2002
[11] Como anotam P. Lima e A. Varela, in Cód. Civil Anotado, Coimbra Editora, Vol. I, 3ª ed., pág. 549, com citação de Vaz Serra, na RLJ, Ano 112º, págs.  325 e seguintes, os danos futuros “tanto podem representar danos emergentes como lucros cessantes.