CONTRAORDENAÇÃO
DECISÃO POR SIMPLES DESPACHO
NULIDADE INSANÁVEL
NOTIFICAÇÃO
Sumário

I - Para que o juiz decida por simples despacho, é absolutamente indispensável a concordância do arguido e do MºPº (artº 64º2RGCO).
II - A omissão de tal audição ou a decisão por simples despacho sem a concordância daqueles, constitui a nulidade insanável da al. c) do artº 119º CPP enquadrável na al. d) do nº2 ao artº 120º CP tornando invalida tal decisão (artº 122º1 CPP).
III - O cumprimento do artº 64º2 RGCO basta-se com a notificação ao mandatário ou defensor do impugnante, não sendo necessária a notificação pessoal do impugnante.

Texto Integral

Processo nº 255/16.9Y2VNG.P1
Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia - Instância Local – Secção Criminal – J1

Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:
No processo de contraordenação com o nº ………., a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária aplicou à arguida B… (melhor identificada nos autos) sanção acessória de inibição de conduzir especialmente atenuada, pelo período de 30 (trinta) dias pela prática, a título de negligência, de uma contraordenação p. e p. pelos artigos 27º, nºs 2 al a) e 3, 28º, nºs 1 al b) e 5, 138º e 146º, al. c), todos do Código da Estrada, ocorrida em 07/08/2013 (a arguida havia pago a correspondente coima no valor de € 300,00).
Notificada da decisão administrativa, apresentou a arguida competente impugnação judicial ao abrigo do disposto no artigo 59º do RGCC., defendendo, em síntese, ser nula a decisão administrativa por insuficiência de fundamentação pugnando, ainda, pela suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir, por considerar que a sua conduta deveria ser considerada como infração grave e não muito grave como foi cominada. Invoca, por fim, a ausência de registo de condenações anteriores e a sua situação profissional e familiar.
Proferido despacho nos termos do disposto no artigoº 64º, nº 2 do RGCO, o tribunal “a quo” decidiu mediante despacho, no qual manteve integralmente a decisão administrativa.
Novamente inconformada, recorreu a arguida para este Tribunal, terminando a motivação, após aperfeiçoamento, com as seguintes conclusões: (transcrição)
I. A sentença proferida nos presentes autos deve ser revogada
II. Com efeito, subsiste nos autos vícios que inquinam todo o processado, isto é, falta de notificação da arguida e falta de fundamentação do despacho e da desnecessidade da produção de prova oferecida pela arguida.
III. Vícios geradores de nulidade processual, que devem determinar a absolvição da arguida, com todas as legais consequências.
IV. O tribunal a quo deu, designadamente, como provado que:
- No dia 07.08.2013 pelas 17h10m, na Avenida … nesta cidade de Vila Nova de Gaia, sentido sul/norte, junto às bombas da C…, a arguida B…, identificada nos autos, circulava conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-LS-.., pelo menos à velocidade 93km/h, correspondente à velocidade registada de 98 km/h deduzido o valor de erro máximo admissível, sendo a velocidade máxima no local de 50km/h, velocidade essa verificada através do Radar Multanova, Mod. MR6FD, aprovado pela ANSR, pelo despacho n.º 15919/11 de 12.8.2011;
- A arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada e com a prudência a que o trânsito de veículos aconselha, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a conduta descrita é proibida e sancionada pela lei contraordenacional;
- Dos autos não resulta que com a sua conduta a arguida tenha provocado, em concreto, perigo para o restante tráfego ou pessoas;
- Do registo individual de condutor da arguida não resulta averbada a pratica de qualquer contraordenação;
- A arguida pagou voluntariamente a coima.
V. A arguida nunca foi notificada nos termos do artigo 113º nº 10º CPP
VI. Facto pelo qual foi violado o artigo 113.º n.º 10 CPP, o qual prevê a notificação do arguido, na sua pessoa, da decisão instrutória.
VII. Uma vez que, o despacho no qual se considere possível decidir por simples despacho (64º nº2 do RGCO) equiparar-se à decisão instrutória.
VIII. Na verdade, conforme douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no recurso nº 558/96 “No processo de contra-ordenação, o despacho que, aceitando a impugnação judicial, designe dia para julgamento, ou, no qual se considere possível decidir, por simples despacho conforme se permite nos artigos 64º e 65º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, equivale ao de pronúncia”.
IX. Assim, o despacho em causa constituiu-se num dos despachos que tem também de ser notificado à recorrente, independentemente de realizada a notificação na pessoa do seu mandatário, nos termos do disposto no artigo 113º., nº 10 CPP.
X. Acresce que, a falta de notificação da arguida causa uma diminuição efectiva das suas garantias de defesa, violando o previsto no artigo 32.º n.º 1 da CRP.
XI. Termos em que, o despacho em que se considerou possível decidir por simples despacho padece de nulidade, por preterição de notificação, nos termos do disposto no artigo 120º, nº 2 do CPP
XII. O mesmo se diga da falta de fundamentação do despacho no qual se considerou possível decidir por simples despacho.
XIII. Com efeito, o douto despacho não revela os motivos da desnecessidade de audiência de julgamento nem da produção de prova apresentada pela arguida.
XIV. É certo que o nº 2 do artigo 64º do RGCO não prevê expressamente o dever de fundamentação da decisão, apenas fazendo menção à exigência legal de notificar o Ministério Público e o arguido para estes declararem se se opõem ou não à decisão por simples despacho.
XV. Contudo, decorrência dos princípios gerais de direito e do artigo 97º, nº 5 do CPP, qualquer acto decisório tem de ser sempre fundamentado.
XVI. Isto porque, “o dever de fundamentação das decisões judiciais é uma garantia integrante do próprio Estado de direito democrático, artigo 2º da Constituição da República, ao menos quanto àquelas que tenham por objeto a solução da causa em juízo", cfr Gomes Canotilho e Vital Moreira, in "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3 ed. pág. 798), pois “são necessários para convencer da sua legalidade” e para “garantir o direito ao recurso, desde logo” (acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no processo n.º 216/07.9TAMBR-C.P1).
XVII. Acresce que tal fundamentação também não consta do douto despacho recorrido, o qual não faz qualquer menção aos motivos da desnecessidade da audiência de julgamento nem da produção de prova apresentada pela arguida.
XVIII. Pelo que, padece de vício de falta de fundamentação gerador de nulidade, face ao conteúdo das disposições conjugadas dos artigos 97.º n.º 5 do CPP e 2.º, 32.º n.º 1 e 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 119º. Al c) e al f) e 120º, nº 2 al b) do CPP.
XIX. Mais se diga que, a arguida indicou uma testemunha para ser ouvida em sede de audiência no recurso interposto da douta decisão da autoridade administrativa.
XX. E, “independentemente da relevância da defesa, é normal que o recorrente espere que o juiz apenas decida (…) depois de lhe serem comunicadas as razões porque se considera a prova irrelevante” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/09/2015.
XXI. Com efeito, conforme douta decisão do Tribunal da Relação do Porto, no processo nº 0311921, “a desnecessidade da audiência para a decisão do recurso de impugnação judicial pressupõe que o tribunal, ao formular o juízo sobre essa acusação, considera haver no processo todos os elementos de facto que viabilizam uma correcta decisão de direito”.
XXII. E, “em caso da manutenção da decisão administrativa, o juiz deve fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos, como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção (artigo 64.º nº 4 do RGCO)”.
XXIII. Com efeito, no caso concreto, a Mm. ª Juiz apenas dá como provado os factos constantes do auto de notícia.
XXIV. Não fundamentando a desnecessidade da produção de prova, violando o dever de fundamentação dos actos decisórios, conforme previsto no artigo 97º, nº 5 do CPP
XXV. Mais, tanto do artigo 48.º do RGCO, como subsidiariamente do artigo 243.º do CPP, não resulta expressamente que o auto de notícia faça fé em juízo.
XXVI. E, ainda que o artigo 151.º, nº 3, do C E estatua que "o auto de notícia levantado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário", a verdade é que esta norma, não pode erigir-se como princípio geral de todo o processo contraordenacional.
XXVII. Pelo que se concluí que, não sendo o auto de notícia o único elemento de prova, por a arguida ter oferecido prova testemunhal, o tribunal não poderia dar como provados os factos mencionados no despacho, o que é contraditório com o entendimento expresso de ser possível decidir por mero despacho e evidencia um ostensivo erro notório na apreciação da prova, configurando-se, pois, os vícios das alíneas b) e c) do nº 2 do art. 410 do CPP.
Termos em que e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente revogando-se a sentença recorrida, tudo com as legais consequências e em conformidade com as conclusões.
Fazendo-se assim, a habitual e necessária Justiça».

Recebido o recurso, o Ministério Público na 1ª instância apresentou resposta pugnando pela manutenção da decisão em recurso.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal, pronuncia-se pela manifesta improcedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, tendo a recorrente apresentado resposta, na qual reiterou a posição vertida nas suas conclusões.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

II-Fundamentação:
Constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
Em processo de contraordenação, o regime de recurso interposto para o Tribunal da Relação de decisões proferidas em primeira instância, deve observar as regras específicas referidas nos artigos 73º a 75º do DL 433/82, de 27/10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95, de 14/9 e pela Lei n.º 109/2001, de 24/12 (Regime Geral das Contraordenações), seguindo, em tudo o mais, a tramitação do recurso em processo penal (art.º 74º, n.º 4), em função do princípio da subsidiariedade genericamente enunciado no art.º 41.º, n.º 1, do RGCO.
O Tribunal da Relação apenas conhece, em regra, da matéria de direito, como estatui o n.º 1 do artigo 75.º do RGCO, sem prejuízo de poder “alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida” ou “anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido” (cfr. art. 75.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO).

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No caso vertente, face às conclusões apresentadas, são as seguintes as questões suscitadas:
- se se verifica a invocada nulidade insanável, por falta de notificação da arguida, em violação do disposto no nº 2 do artigo 64º do Decreto-Lei nº433/82 e o artigo 32º da CRP;
- se o despacho proferido nos termos do disposto no artigo 64º, nº 2 não se mostra fundamentado, violando o disposto nos artigos 97.º n.º 5 do Código Processo Penal e 2.º, 32.º n.º 1 e 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
- se a decisão padece de falta de fundamentação, violando o disposto nos artigos 97.º n.º 5 do CPP e 2.º, 32.º n.º 1 e 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
- se a decisão padece dos vícios referidos nas alíneas b) e c) do artigo 410º do Código Processo Penal .
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Cumpre decidir.
A primeira questão suscitada pela recorrente é a de nulidade insanável de falta de notificação da arguida, em violação do disposto no artigo 64º nº 2 do Decreto-Lei nº433/82 e o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
Vejamos se foi cometida a nulidade referida.
Dispõe o artigo 64º do RGCO sob a epígrafe “Decisão por despacho judicial”:
“1- O juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.
2- O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.
3- O despacho pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação.
4- Em caso de manutenção ou alteração da condenação deve o juiz fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção.
5- Em caso de absolvição deverá o juiz indicar porque não considera provados os factos ou porque não constituem uma contraordenação.”.
Por isso, e como resulta do nº 2 do normativo transcrito, o juiz, no caso de não considerar necessária a audiência, deverá notificar o arguido e o Ministério Público anunciando a sua intenção de decidir por despacho, para lhes dar a oportunidade de deduzirem oposição. Neste sentido, Simas Santos e Lopes de Sousa in Contra-Ordenações Anotações ao Regime Geral 6ª edição 2011, pág. 500.
Os direitos de audiência e defesa do arguido nos processos contraordenacionais são garantias asseguradas constitucionalmente (artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa) e, nelas, inscreve-se a garantia conferida ao arguido de que o recurso não seja decidido por simples despacho se se opuser a essa forma de decisão, a qual pressupõe que lhe seja dada a possibilidade de ser ouvido.
António Beça Pereira, Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Livraria Almedina, 2.ª edição – 1996, pág. 107 assim se pronuncia: «Se o Ministério Público ou o arguido deduzirem oposição, o juiz, mesmo que considere esta infundada ou materialmente inexistente, terá, mesmo assim, que designar dia para julgamento, ficando impedido de decidir o recurso por despacho. Da conjunção coordenada copulativa “e” utilizada neste n.º 2, resulta, inequivocamente, que estamos perante dois requisitos cumulativos a saber: 1.º O juiz não considera necessária a audiência de julgamento; 2.º O arguido e o Ministério Público não se oponham à decisão do recurso por despacho. «Daqui resulta que o legislador atribuiu ao arguido e ao Ministério Público o direito de submeter a acusação pública a julgamento, mesmo que este se afigure inútil ao juiz.».
Igualmente Manuel Ferreira Antunes, in Contra-Ordenações e Coimas Regime Geral, 2ª edição, pág. 409 a este propósito refere: «São pressupostos cumulativos da decisão por simples despacho que: - o juiz considere não ser necessária a audiência de julgamento; - o arguido não se oponha à decisão por despacho; - O Ministério Público igualmente não se oponha a tal»
Daí que, para que o juiz decida mediante simples despacho, para além de ser dada a possibilidade de audição da entidade administrativa – cfr. artigoº 70.º nº 2 do RGCO -, é absolutamente indispensável (sublinhamos) a concordância do arguido e do Ministério Público para que assim se possa decidir – artigo 64.º n.º 2 in fine.
Como refere Leonas Dantas, in O Despacho Liminar do recurso de impugnação no Processo das Contra-Ordenações, CEJ, Regime Geral das Contraordenações e Contraordenações Administrativas e Fiscais Coleção de Formação Contínua E Book Set de 2015 pág 16 e ss. disponível em www.cej.mj.pt. «(…) O conhecimento por despacho, previsto no artigo 64.º, envolve os sujeitos processuais e a própria autoridade recorrida, salvaguardando interesses subjacentes a essa intervenção e, sobretudo, a sindicabilidade por via de recurso do decidido. A sindicabilidade desta decisão é estruturante para o equilíbrio do processo, é um corolário do princípio do processo equitativo, que tem expressão no sentido da defesa, mas que se projeta também na tutela da posição de outros sujeitos processuais (…)».
A omissão de audição prévia do arguido e do Ministério Público para a decisão por simples despacho, tal como a decisão por despacho nos casos em que o arguido ou o Ministério Público se oponham a tal forma de decidir, enformará nulidade insanável prevista na alínea c) do artigo 119.º, suscetível de ser enquadrada na alínea d) do n.º 2 do artigo 120º, ambos do Código de Processo Penal, pois a imposição legal de só ser dispensável a decisão mediante audiência de julgamento, nos casos em que não haja oposição à decisão por simples despacho, tem como corolário a omissão de um ato (a realização da audiência) que pode reputar-se essencial para a descoberta da verdade, sendo consequentemente inválido, nos termos do nº 1 do artigo 122º do referido Código. Este entendimento foi já anteriormente por nós defendido (acórdão 9/11/2016 no recurso nº 993/16.6T8VFR.P1). Neste mesmo sentido se pronuncia Manuel Ferreira Antunes, ob. cit. pág. 409 e a jurisprudência, entre outros, ver acórdãos Relação de Lisboa de 22/3/2007, processo nº 10718/06, disponível em www.pdglisboa.pt., Relação do Porto de 9/2/2009, processo nº 0846813 e STA de 27/05/2015 processo nº 0463/15, disponíveis em www.dgsi.pt.
Retornando ao caso, defende a recorrente não ter sido ouvida sobre a decisão por simples despacho, porquanto não foi notificada nos termos do disposto no artigo 113º nº 10 do Código Processo Penal como se impunha.
Verificados os autos resulta o seguinte:
A arguida interpôs recurso de impugnação judicial através da sua Ilustre mandatária, tendo para o efeito junto a procuração forense constante de fls 12.
Na sequência do despacho que admitiu o recurso de impugnação interposto pela arguida, o tribunal “a quo” proferiu o seguinte despacho: «Uma vez que se me assemelha que o presente recurso pode ser decidido mediante simples despacho, notifique o Ministério Público e o arguido, para em 10 dias declararem se se opõe a tal procedimento.».
Deste despacho foi notificado o Ministério Público (fls 33) e remetida a notificação à Ilustre mandatária da arguida (constante de fls 34) com o seguinte teor: «Fica V. Exª notificada, na qualidade de Mandatária da Requerente B…, nos termos e para os efeitos a seguir mencionados:
De todo o conteúdo do douto despacho proferido, cuja cópia se junta, ou seja, para no prazo de DEZ (10) DIAS declarar se se opõe a que o presente recurso possa ser decidido mediante simples despacho.-(…)».
O Ministério Público manifestou a sua não oposição (fls 35).
A recorrente, através da sua Ilustre Mandatária, referiu o seguinte: «B…, recorrente nos autos supra mencionados e aí melhor identificada, notificada do douto despacho de 22.02.2016, vem nos termos do art.º64.º, nº 2 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro, declarar que não se opõe que a decisão dos autos seja proferida por despacho.» (fls 36).
Face à não oposição manifestada, o tribunal “a quo” proferiu o despacho ora em crise, decidindo o recurso de impugnação.
A arguida, porém, reclama nesta sede não ter sido notificada nos termos do artigo 64º nº 2 do RGCO, por considerar que tal notificação teria de ser-lhe diretamente efetuada, convocando o disposto no artigo 113º nº 10 do Código Processo Penal.
Estabelece tal preceito que “As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática do ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar”.
Assim, em matéria de regras gerais sobre notificações a lei adjetiva penal, aplicável ao processo contraordenacional ex vi artigo 41º do RGCO, estabelece que as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas através do respetivo defensor ou advogado – 1ª parte do n.º 10 do art. 113.º do Código Processo Penal.
No caso ora em análise dúvidas não subsistem de ter o tribunal “a quo” procedido à notificação da arguida através da sua Ilustre mandatária, nos termos do disposto no artigo 64º nº 2 do RGCO.
Teria tal notificação de ser efetuada diretamente à arguida como esta reivindica?
Entendemos ser negativa a resposta.
Com efeito, não se nos afigura que tal notificação se encontre abrangida pela exceção contida na 2ª parte do aludido nº 10 do artigo 113º do Código Processo Penal como pretende a recorrente. A ressalva expressa no citado preceito refere-se à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença (…).
O despacho a que alude o artigo 64º, nº 2 do RGCO não configura qualquer das situações que devam ser notificadas aos sujeitos processuais por elas visados e aos respetivos mandatários. Tal despacho não se equipara a acusação ou a sentença ou, como pretende a recorrente, seja equivalente, para o efeito, a decisão instrutória. Assim, e porque a arguida foi notificada em obediência ao disposto no nº 2 do artigoº 64º do RGCO, não se mostra verificada a nulidade invocada, improcedendo o recurso neste segmento.
Assevera, ainda a recorrente padecer aquele referido despacho de falta de fundamentação, porquanto o mesmo não revela os motivos da desnecessidade de audiência de julgamento nem da produção de prova apresentada pela arguida, pelo que o mesmo é nulo nos termos do disposto no artigos 119º, alíneas c) e f) e 120º, nº 2 alínea b) do Código Processo Penal e 2º, 32º, nº 1 e 205, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Cumpre, antes de mais, relembrar que a arguida, notificada do despacho proferido e que ora refere como infundamentado, não invocou qualquer nulidade ou irregularidade do mesmo. Limitou-se a declarar expressamente a sua aceitação a que a decisão fosse proferida mediante simples despacho. Só após proferido este é que a recorrente vem alegar o vício de nulidade insanável do prévio despacho.
Sem razão, contudo, como passaremos a explicitar.
Como anteriormente se deixou dito, de harmonia com o disposto no artigo 64º, nº 1 do RGCO, é possibilitada ao juiz a faculdade de decidir a impugnação judicial, através de duas vias: mediante audiência de julgamento ou de simples despacho. Contudo, a possibilidade de decisão por simples despacho, encontra-se condicionada, para além da não oposição do arguido e do Ministério Público a essa forma de decidir, à desnecessidade da realização da audiência.
Neste sentido escrevem António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral in Notas ao Regime Geral das Contra–Ordenações e Coimas, 3.ª Edição, págs. 228 a 230: «Consideramos, assim, adquirido que a decisão do recurso da entidade administrativa apenas se pode efectuar através de despacho desde que, para além do juízo nesse sentido formulado pelo julgador e da não oposição do M.º P.º e do arguido, não exista prova cujos respectivos meios de produção apenas tenham a possibilidade de ser contraditados em sede de audiência de julgamento. Significa o exposto que apenas quando o juiz considera adquiridos os factos recolhidos em sede administrativa e que não existem outras provas a produzir é que deverá decidir através de despacho (…).»
Essa desnecessidade de realização de audiência verifica-se quando a decisão final não dependa da realização de diligências de prova, ou seja, quando se verifique exceção ou nulidade, ou o recurso apenas coloque questões de direito ou, quando coloque questões de facto, os autos contenham todos os elementos necessários para a decisão.
A este propósito refere-se Simas Santos e Lopes de Sousa in Contra-Ordenações Anotações ao Regime Geral, 6ª edição, pág. 501 «Assim, poderá decidir-se por despacho sempre que for de julgar procedente alguma excepção, dilatória ou peremptória, ou a questão que é objecto do recurso for apenas de direito ou, quando a questão que é objecto de recurso for de facto, o processo forneça todos os elementos necessários para o seu conhecimento.».
Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pág 266, segue a mesma linha de pensamento, acrescentando que «O tribunal pode decidir por despacho judicial mesmo quando necessite de proceder a esclarecimentos sobre a matéria de facto que possam ter lugar fora da audiência de julgamento (…). Neste caso, os sujeitos devem ter oportunidade de se pronunciar sobre os novos elementos de prova, bem como requerer a realização da audiência».
Expostos os pressupostos necessários para que o juiz possa decidir do caso mediante simples despacho, a questão que se coloca é saber se no despacho de notificação a que se refere o nº 2 do artigo 64º, se impõe ao juiz a fundamentação/exposição dos motivos porque considera desnecessária a realização da audiência, como reclama a recorrente.
Entendemos que não. De facto, o artigo 64°, nº 2, do RGCOC não exige que o juiz fundamente o motivo pelo qual considera que o recurso pode ser decidido por simples despacho. O que impõe é que sejam notificados – arguido e Ministério Público - para se pronunciarem se se opõem, ou não, a tal procedimento. Tal despacho que manda cumprir uma exigência legal (exigência de audição do arguido e do Ministério Público para estes declararem se se opõem à decisão por despacho), não carece de ser fundamentado. O n.º 2 do artigo 64.º o que reclama é a comunicação da intenção de decidir por simples despacho, no que não se compreende outra fundamentação.
Como decorre do teor do nº 3 do artigo 64º, ao fazer apelo ao despacho de decisão sem realização da audiência, o juiz tem ao seu dispor um leque de possibilidades, que vão desde o arquivamento do processo, à absolvição do arguido ou manutenção ou alteração da condenação. Daí que, para que sejam garantidos os princípios de um processo equitativo inerentes ao processo contraordenacional, se exija a não oposição referida no nº 2 do preceito determinando-se, para o efeito, as competentes notificações.
Na hipótese de discordância do arguido ou do Ministério Público, o que necessariamente ocorre, como já anteriormente explanado, é a realização da audiência, ainda que o juiz entenda a mesma como desnecessária.
Acresce dizer que vista a impugnação judicial, a mesma continha apenas questão de direito, pelo que bem fez o tribunal recorrido, na ausência de oposição da arguida e do Ministério Público, decidir por simples despacho.
Destarte, não se verificam, minimamente, beliscadas as garantias de defesa do arguido, designadamente, as referidas pela recorrente.
Do que se expôs resulta não padecer o despacho proferido nos termos do disposto no nº 2 do artigo 64º do RGCO de qualquer nulidade ou vício, pelo que o recurso improcede, igualmente, quanto a este fundamento.
Insurge-se, igualmente, a recorrente sobre o despacho que decidiu o recurso invocando a sua nulidade por ausência de fundamentação sobre a desnecessidade da audiência de julgamento, já anteriormente alegado quanto ao despacho proferido nos termos do disposto no artigo 64º nº 2 do RGCO e, ainda, a sua nulidade por erro notório na apreciação da prova, elencando as alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do Código Processo Penal.
É do seguinte teor a decisão recorrida (transcrição):
«No processo de contra-ordenação n° ………, que correu termos na Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária à arguida B…, identificada nos autos, foi imputada a prática de um ilícito contra-ordenacional, previsto e punido pelos artigos 27.º n.ºs 1, 2. al. a) e 3 do Código da Estrada, por no dia 07.08.2013 pelas 17h10m, na Avenida … nesta cidade circular a uma velocidade de 93 KM /h sendo a máximo permitida para o local de 40 KM/h.
Pela prática de tal contra-ordenação foi aplicada à arguida por decisão administrativa a sanção acessória de inibição de conduzir veículos na via pública, por 30 dias.
Não se conformando com tal decisão, veio a arguida, nos presentes autos, impugná-la judicialmente, invocado em síntese:
- A nulidade da decisão administrativa por não conter os factos atinentes à negligência;
- Que a arguida excedeu em apenas 3 Km a velocidade máxima permitida, pelo que a sua conduta deve ser a conduta subsumida a contra ordenação grave e consequentemente deve ser suspensa na sua execução.
Recebido o recurso interposto foi notificado o M.P. e a arguida para se pronunciarem no sentido de se poder decidir por despacho, ao que aqueles não se opuseram.
O tribunal é o competente.
Questão prévia - Da invocada nulidade da decisão administrativa Estabelece o artigo 58°, do RGCO, que:
"1. A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) a identificação dos arguidos;
b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão
d) a coima e as sanções acessórias.
Ora, analisada a decisão administrativa em causa nestes autos, constata-se que a mesma identifica o infractor e enumera os factos em que se traduz a infracção, quer na vertente objectiva (ponto 1), quer na vertente subjectiva (ponto 6), sem qualquer omissão.
A decisão administrativa elenca ainda as provas em que se baseou.
No que concerne aos factos de natureza subjectiva, a decisão administrativa fundamenta ainda os motivos que ocasionaram a imputação subjectiva (ponto 6).
Assim, sem necessidade de mais considerações, e simples leitura da decisão administrativa em apreço, e do auto de notícia, para a qual a decisão remete, permite-nos concluir que nela estão plasmados inequivocamente, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreu a infracção, o que constitui a descrição objectiva (cfr. ponto 1 da decisão administrativa), igualmente se constata que da mesma consta a descrição subjectiva da conduta (cfr. ponto 6 da decisão administrativa),e ainda o elenco das provas indicadas.
Improcede pois, a excepção da nulidade invocada, devendo os autos prosseguir para apreciação da conduta da arguida.
Não existem outras nulidades, questões previas ou excepções que cumpra apreciar e que obstem ao conhecimento da causa.
Dos autos resulta provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia 07.08.2013 pelas 17h10m, na Avenida … nesta cidade de Vila Nova de Gaia, sentido sul/norte, junto às bombas da C…, a arguida B…, identificada nos autos, circulava conduzindo o veiculo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-LS-.., pelo menos à velocidade de 93 KM/h, correspondente à velocidade registada de 98 Km/h deduzido o valor de erro máximo admissível, sendo a velocidade máxima no local, de 50Km/h , velocidade essa verificada através do Radar Multanova, Mod. MR6FD, aprovado pela ANSR, pelo despacho n.º 15919/11 de 12.8.2011.
2. A arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada e com a prudência a que o trânsito de veículos aconselha, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a conduta descrita é proibida e sancionada pela lei contra ordenacional.
3. Dos autos não resulta que com a sua conduta a arguida tenha provocado, em concreto, perigo para o restante tráfego ou pessoas.
4. Do registo individual de condutor da arguida não resulta averbada a prática de qualquer contra-ordenação.
5. A arguida pagou voluntariamente a coima.
Convicção do tribunal
A convicção do tribunal quanto à fixação da factualidade dada como provada baseou-se no teor do auto de fls. 5, prova fotográfica de fls, 6 e aprovação do radar de fls, 7, registo individual de condutor de fls. 8.
Á arguida foi aplicada, por decisão administrativa, a sanção acessória da inibição de conduzir pelo período de 30 dias, por ter praticado o ilícito contra-ordenacional previsto e punido pelos artigos 27.° n.º 1, 2.° al. a) e 3 e 138.° e 146.° do Código da Estrada.
De acordo com o disposto no art. 27.° n.1 (a velocidade máxima permitida dentro das localidades é de 50 Km/h; Sendo que o excesso desse limite em mais de 40 Km é punido com coima de € 300,00 e 1.500,00 e com sanção acessória de inibição de condução de dois meses a 2 anos - art.º 147.° do CE
Resulta do artigo 146°, al. i) e 145.° n.º 1 al. b) do C.E. que constitui contra­ordenação muito grave “(...) a infracção prevista na al. b) do artigo anterior, quando o excesso de velocidade for superior a 60 Km/h, 40 KM/h respectivamente ... (...)”.
A arguida com a sua conduta e dada como provada excedeu a velocidade máxima permitida dentro da localidade em 43 Km /h.
Ora, tendo a arguida agido da forma descrita, actuando de forma descuidada, cometeu a contra-ordenação em causa, classificada como muito grave, pelo que terá de ser punido pela mesma, com uma coima, que já pagou, e com a sanção acessória de inibição de conduzir, tendo esta última a duração mínima de dois meses e máxima de dois anos
Tal sanção acessória pode ser especialmente atenuada nos termos do disposto no artigoº 140.° do CE.
A determinação da medida da sanção faz-se em função da gravidade da contraordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes do infractor relativamente ao não cumprimento das leis e regulamentos sobre o trânsito (art. 139° do C.E.).
Assim, tendo-se em conta que se trata de uma contra-ordenação muito grave; que a culpa não foi dolosa, pois dos autos não temos elementos que nos apontem nesse sentido, e que, não obstante a situação em apreço não ter feito perigar a vida ou integridade física dos demais utentes da via, a arguido não antecedentes contra-ordenacionais graves cometidos há menos de 5 anos, entende o Tribunal que a aplicação ao arguido da sanção acessória da inibição de conduzir por 30 dias, especialmente atenuada, que lhe foi aplicada, alias, diga-se pelo mínimo, satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial que devem ser consideradas na aplicação de qualquer reacção sancionatória e é adequada ao caso concreto.
Nos termos do artigo 1410 do C.E. pode ser suspensa a execução da sanção de inibição de conduzir no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, e no tocante às contra ordenações graves.
Ora, a presente contra ordenação é classificada de muito grave, e não obstante a arguida de não ter colocado, em concreto, em perigo qualquer utente da via, o certo é que o disposto no art.º 141.0 do CE, não permite tal suspensão, atenta a classificação de muito grave da contra ordenação cometida pela arguida.
Assim sendo, entende-se que a decisão em apreço não violou qualquer normativo legal, e a sanção acessória revela-se adequada.
Assim, e face ao exposto, decide-se:
1º Confirmar a decisão administrativa objecto de recurso, nos precisos termos em que foi proferida, devendo a arguida cumprir a sanção acessória de inibição de conduzir por 30 dias, devendo, para tanto, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado desta decisão, entregar na secretaria deste tribunal a carta de condução que possua.
2 º Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
Notifique, dando cumprimento ao disposto no art.º 70.0 n.º 4 do D.L 433/82 de 27de Outubro.».

Sendo este o texto do despacho recorrido vejamos, em primeiro lugar, se a decisão não se mostra fundamentada.
A decisão da impugnação judicial mediante despacho, não isenta o juiz do dever de fundamentação da decisão nos termos do disposto no artigo 374º do Código Processo Penal. Esta exigência resulta do princípio geral da fundamentação das decisões contido no artigo 97º do Código Processo Penal.
Em processo contraordenacional, o dever de fundamentação encontra-se consagrado nos nºs 4 e 5 do mencionado artigo 64º. Nos termos do nº 4, ou seja, no caso de manutenção ou alteração da condenação, o juiz deve fundamentar a decisão quanto aos factos e enquadramento jurídico dos mesmos, bem como da graduação das sanções; em caso de absolvição, deverá o juiz indicar porque não considera provados os factos ou porque se entende que os mesmos não constituem uma contraordenação – nº 5.
Parece entender a recorrente que este despacho deveria fundamentar as razões porque considera desnecessária a realização da audiência e da audição da testemunha arrolada.
Não vislumbramos, porém, a razão da fundamentação pretendida pela recorrente no despacho decisório. Com efeito, obtida a concordância do Ministério Público e do arguido para que a decisão seja proferida mediante despacho, é manifesto não ter o juiz que pronunciar-se em tal despacho que decide o recurso pela desnecessidade da realização da audiência ou de produção de prova. Tal questão ficou definitivamente resolvida com a notificação efetuada nos termos do nº 2 do artigoº 64º e a não oposição da arguida e do Ministério Público a que o recurso fosse decidido sem necessidade da audiência.
De resto, analisando a decisão recorrida constata-se que a fundamentação a que se reporta o nº 4 do artigo 64º se mostra devida e profusamente cumprida.
Com efeito, a decisão pronuncia-se sobre a questão prévia suscitada pela recorrente, esclarecendo as razões da inexistência da invocada nulidade da decisão administrativa; seguidamente, elenca os factos que considerou provados, motivando a sua convicção e, finalmente, procede ao enquadramento jurídico dos mesmos, pronunciando-se sobre a graduação da sanção. Ou seja, efetua uma explícita revisão da decisão condenatória.
Em suma, a decisão recorrida não padece do apontado vício de falta de fundamentação, não se mostrando violadas as normas jurídicas mencionadas.
Finalmente, suscita a recorrente a existência de erro notório na apreciação da prova.
Decorre do artigo 410.º n.º 2 que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum. Por isso e tratando-se de vícios intrínsecos da sentença, a mesma terá quanto a eles, que ser auto-suficiente.
O erro notório na apreciação da prova é um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta. Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum. Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97 e Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pags 61 e seguintes).
De modo quase impercetível, no final das conclusões e a propósito da alegada existência de erro notório na apreciação da prova, invoca a recorrente a violação da alínea b) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal (alínea respeitante ao vício da “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão).
A verificação deste vício, como refere Pereira Madeira in Código de Processo Penal Comentado, 2014, pág 1358 «tanto pode emergir entre factos contraditoriamente provados entre si, como entre estes e os não provados (…), como finalmente entre a fundamentação (em sentido amplo, abrangendo a fundamentação de facto e também a de direito) e a decisão.».
Percorrendo o teor da decisão recorrida, não se vislumbra a existência de qualquer dos vícios invocados. Como já se salientou, a decisão apresenta-se lógica e coerente, mostrando-se elencados os factos provados, sem qualquer contradição entre si, com base nas provas existentes e legalmente admissíveis e deles se fazendo adequado enquadramento jurídico.
Aliás, a recorrente ancora a existência dos vícios que lhe aponta, no facto de, tendo apresentado uma testemunha, não poder o auto de notícia constituir-se como o único elemento de prova. Porém, tal argumento, não configura os vícios reclamados pela recorrente.
Ademais, não tendo existido oposição da arguida a que fosse proferida decisão através de simples despacho (sem recurso a audiência) tal declaração expressa e sem quaisquer condições revela o significado de prescindir da inquirição da testemunha apresentada, aceitando a matéria de facto provada inserta na decisão da autoridade administrativa. Não havendo lugar à audiência, não pode a testemunha ser ouvida, donde não há possibilidade da alteração da matéria de facto (cf., neste sentido, Acórdãos da RP de 19/2/2003 processo nº 0210927 e de 17/10/2001 processo nº 014050, disponíveis em www.dgsi.pt). Igualmente, na doutrina, Paulo Pinto de Albuquerque in ob. cit. pág 267.
Em síntese, naufragando todas as pretensões do recorrente e não se mostrando violados quaisquer princípios ou preceitos legais, designadamente os invocados no recurso, terá o mesmo que improceder, confirmando-se a decisão recorrida.

III – Decisão
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente que se fixam em 3 UCs

Porto, 25 de Janeiro de 2017
Maria Ermelinda Carneiro
Raúl Esteves