MARCAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
ACORDO
MANDATÁRIO
ADIAMENTO
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário

I - O sistema de marcação de diligências judiciais, particularmente, na designação das datas de julgamentos, consignado no art.º 155, do CPC, que impõe ao juiz a audição prévia dos Mandatários Judiciais com intervenção nos respectivos processos, não se esgota na primeira marcação, mas tem plena aplicação quer nos casos de adiamento, quer em quaisquer situações de continuação do julgamento.
II – De acordo com o preceituado nos art.ºs 155, n.ºs 1 e 2 e 651, n.º 1, alínea c) do CPC, e atenta a mens legis evidenciada no preâmbulo do DL 183/2000, de 10/08, impende sobre o julgador o dever de adiar o julgamento sempre que a data não tenha resultado do acordo prévio dos senhores advogados e falte um deles à audiência.
III - O incumprimento do dever de adiamento, inviabilizando a possibilidade da mandatária da parte estar presente na audiência de julgamento para inquirição de testemunha, consubstancia a prática de nulidade processual com evidente influência no exame e decisão da causa.

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa,

I - Relatório

Partes:
M (Autora/Recorrida)
E e R (Réus/Recorrentes)

Pedido:
Cessação do contrato de arrendamento por caducidade com condenação dos Réus no despejo e entrega do locado livre de pessoas e bens.
Fundamento:
- Cessação do usufruto (simultâneo e sucessivo por falecimento da última usufrutuária) ao abrigo do qual foi celebrado o contrato de arrendamento com os Réus relativo ao 3º andar direito do prédio sito na Amadora.
- Não comunicação pelos Réus da pretensão de novo arrendamento após 30 dias da recepção da comunicação da caducidade do contrato.

Contestação
Defesa por excepção (ilegitimidade do Autor; não comunicação da caducidade do contrato; abuso do direito) e por impugnação.
Reconvenção: dedução da comunicação a que se refere o art.º 94, n.º1, do RAU; diferimento da desocupação.

Saneador
Julgada improcedente a excepção de ilegitimidade do Autor e relegadas para sentença as excepções de caducidade do contrato, direito a novo arrendamento e abuso do direito.
Sentença
Acção procedente, bem como o deferimento da desocupação.
Improcedência da reconvenção com absolvição do Autor.
Condenação dos Réus a despejarem o arrendado com entrega do arrendado após oito meses sobre o trânsito em julgado da sentença.

Recurso interposto pelos Réus do despacho de fls. 602 que indeferiu o requerimento apresentado pela Exma. Mandatária que solicitava a alteração da data fixada pelo tribunal para realização da audiência de julgamento.

Conclusões dos Agravantes (por súmula):
à As regras constantes do art.º 651, do CPC, são aplicáveis, não só ao início da audiência de julgamento, mas também às posteriores sessões designadas para continuação daquele.
à Não tendo o tribunal a quo providenciado pela marcação da diligência nos termos do n.º1 do art.º 155 do CPC, e tendo a mandatária dos Réus tomada a iniciativa de contactar o tribunal apresentando alternativa para a realização da nova sessão com prévia anuência da mandatária da parte contrária, impunha-se o deferimento do requerido.
à As partes não podem ser prejudicadas pelas incapacidades logísticas por parte do tribunal no que se refere à circunstância de apenas possuir um sistema de aparelhagem para realização das teleconferências, sendo certo que tal situação não constitui obstáculo para anteriormente ter sido agendado dia para realização de julgamento (sessão de 18-05-2007) com acordo das advogadas.
à A dúvida por parte do tribunal no que se refere à autenticidade do impedimento invocado pela Mandatária dos Réus para comparecimento no dia designado pelo tribunal para julgamento deveria e poderia ter sido dissipado oficiosamente (aceder ao sistema H@bilus.NET) e consultar as diligências marcadas uma vez que no requerimento apresentado constava a correcta identificação do processo com diligência anteriormente agendada para o dia designado pelo tribunal a quo.
à A falta de aparelhagens suficientes no tribunal não constitui justificação para o não cumprimento do art.º 155, n.º1, do CPC.
à Não tendo o tribunal a quo cumprido o disposto no art.º 155, n.º1, do CPC, a impossibilidade de comparência da Mandatária dos Réus atempadamente comunicada nos termos do art.º 155, n.º5, do CPC, constitui motivo de adiamento da diligência marcada.
à O indeferimento do requerimento e a realização da diligência com inquirição da testemunha arrolada pelos Réus sem a presença da Mandatária constitui a prática de uma nulidade que é susceptível de influir no exame e decisão da causa, nos termos do art.º 201, do CPC.

Conclusões dos Agravados (por súmula):
§ É elemento constitutivo do direito estatuído no art.º 155, n.º2, do CPC, de que os Agravantes se pretendem fazer valer que exista previamente marcada a diligência em sobreposição.
§ Impendia sobre a Mandatária dos Réus o ónus de levar ao conhecimento do tribunal a efectiva demonstração do impedimento em causa.
§ Ainda que lograsse considerar como verdadeira a justificação invocada pela Mandatária em causa, não dispunha o tribunal de alegação suficiente para decidir em sentido diverso do despacho recorrido.
§ Sendo a Mandatária dos Réus, patrona nomeada, sempre poderia, nos termos do art.º 35, n.º1, da Lei 34/2004, de 29-07, requerer à Ordem dos Advogados nomeação de um substituto para a diligência, prevalecendo assim o interesse plasmado no art.º 656, n.º2, do CPC.

Recurso interposto pelos Réus do despacho de fls. 711, que indeferiu a arguição de nulidade da audiência de julgamento de 04-06-2007 requerida pelos Réus

Conclusões dos Agravantes (por súmula):
à Tendo os Agravantes requerido a reforma do despacho de fls. 602 que indeferiu o requerido a fls. 599, tal despacho apenas transitou em julgado após a notificação remetida via fax ocorrida em 05-06-2007, só constituindo caso julgado formal a partir dessa data, não se encontrando, por isso, definitivamente resolvida a questão da realização do julgamento na data fixada pelo tribunal, isto é, em 04.06.2007.
à A realização da audiência naquela data – 04.06.2007 –, antes do trânsito em julgado do despacho de fls. 602, constitui a prática de uma irregularidade com influência no exame e decisão da causa, por omissão de formalidade que a lei prescreve.

Conclusões dos Agravados (por súmula):

  • Tendo os Réus recorrido do despacho de fls. 602 quando requereram a reforma do mesmo, nunca poderia ocorrer trânsito em julgado daquele despacho e, nessa medida, não só inexiste a prática de qualquer nulidade, como a pretensão dos Agravantes constitui má fé processual, consubstanciando venire contra factum proprium.

    Conclusões da apelação (por súmula):
    (…)

    Não foram juntas contra alegações

    (….)
    III – Apreciação dos recursos

    Tendo presente o disposto no art.º 710, n.º 1, do CPC, e por uma questão de ordem lógica, há que conhecer, primeiramente, do recurso de agravo interposto do despacho de fls, 602 (1º agravo) uma vez que na eventualidade da sua procedência ficará prejudicado o conhecimento quer do 2º agravo, quer da apelação.

    1. Do recurso do despacho de fls. 602

    1.1 Os factos:
    Com relevância para o conhecimento do recurso registam-se as seguintes ocorrências:
    Þ Após prévio contacto com as Exmas. Mandatárias das partes e com o Tribunal Judicial de Nelas a fim de auscultar as respectivas disponibilidades, tendo em vista o agendamento das sessões de julgamento (por estar em causa audição de testemunha através de videoconferência), o tribunal a quo designou os dias 24 de Abril e 22 de Maio, de 2007 para audição das testemunhas arroladas, tendo determinado que, nesta última sessão, se processaria a audição da testemunha dos Réus, H, residente na comarca de Nelas, a realizar por videoconferência;
    Þ A Exma. Mandatária dos Réus não compareceu à sessão de julgamento do dia 22.05.2007, encontrando-se consignado em acta que o escritório da Srª Advogada em causa tinha acabado de comunicar telefonicamente da impossibilidade de comparência da mesma por se encontrar na urgência do hospital da Cuf.
    Þ Por se terem mostrado infrutíferas as tentativas de estabelecer comunicação com o Tribunal Judicial de Nelas para realização do depoimento da testemunha por videoconferência, o tribunal a quo, após ter obtido o acordo da Exma. Advogada do Autor presente em audiência e tendo em consideração a impossibilidade por parte da testemunha na semana de 28-5-2007 a 04-06-2007 (internamento hospitalar para intervenção cirúrgica), designou para continuação do julgamento o dia 4 de Junho de 2007, pelas 11 horas, enquanto “primeira data em que houve disponibilidade para a marcação de teleconferência”.
    Þ Por requerimento, que deu entrada em tribunal a 28 de Maio de 2007, a Exma. Mandatária dos Réus veio juntar aos autos “Declaração de Presença” emitida pelo Hospital CUF Descobertas, justificando a impossibilidade da sua comparência na audiência do dia 22 de Maio.
    Þ Após ter sido informada pelo tribunal, telefonicamente, em 23-05-2007, da data designada para o julgamento, a Exma. Mandatária dos Réus, em 28 de Maio de 2007, juntou ainda ao processo requerimento no qual informa, ao abrigo do n.º 5 do art.º 155 do CPC, não lhe ser possível comparecer no dia 04-06-2007 em virtude de já lhe ter sido marcada outra diligência judicial “continuação de julgamento – agendada pelo Tribunal de Ovar no âmbito do Processo n.º ”. Refere-se ainda no requerimento que: “Assim, de harmonia com o disposto no artigo 155º do Código de Processo Civil, após confronto de agenda com a ilustra Mandatária do Autor, Drª M, sugere para realização da diligência os dias 14 de Junho (período da manhã), dia 19 de Junho, dia 20 (período da manhã), dia 29 de Junho (período da tarde e dia 9 de Julho (período da manhã. Pelo que se requer a V. Exa. se digne ordenar a marcação da diligência em causa para um das datas acima indicadas.
    Þ Sobre este requerimento recaiu o despacho objecto de recurso, datado de 01-06-2007, que, sustentado no disposto nos art.ºs 656, n.º2, 623, n.º2 e 155, n.º3, todos do CPC, indeferiu o requerido, dele constando, designadamente no que para o efeito assume relevância:
    A audiência de discussão de julgamento iniciou-se e está em curso, designadamente com sessão prevista para o próximo dia 4 do corrente mês.
    Por outro lado, as razões invocadas não constituem caso de força maior ou de absoluta necessidade determinante da pretendida transferência daquela sessão para outra data.
    Com efeito, se assim fosse a impossibilidade de comparência do advogado conduziria sempre ao adiamento da audiência final.
    Por isso, ponderadas de acordo com a necessidade e a obrigação de providenciar pela melhor concentração da audiência, as razões invocadas não são suficientes para determinar a transferência daquela sessão para outra data com o consequente protelamento da integral realização da audiência final.
    Acresce, desde logo porque nessa sessão a inquirição será feita por teleconferência, que a escolha de nova data para inquirição da testemunha não respeita apenas à disponibilidade das ilustres advogadas.
    Com efeito, para além do programa de sessões deste tribunal, cumpre primacialmente atender à disponibilidade para a realização de teleconferência por parte do tribunal onde a testemunha deve prestar depoimento compaginada com a disponibilidade deste para a realização de teleconferências.
    Efectivamente, porque para o efeito apenas existe uma aparelhagem neste tribunal, cumpre compatibilizar datas para teleconferências pretendidas por este tribunal e para teleconferências pedidas a este tribunal.
    De resto a ilustra requerente nem sequer alega que a diligência, que invoca como sendo impeditiva da sua comparência à sessão da audiência designada para o próximo dia 4 do corrente mês, foi marcada antes da marcação desta sessão e assim nada demonstra que tal diligência deva prevalecer para determinar a transferência desta sessão para outra data.
    Þ Por requerimento que deu entrada em tribunal em 01-06-2007, os Réus, com fundamento no incumprimento do disposto no art.º 155, n.º1, do CPC, vieram requerer a reforma do despacho em causa, ao abrigo do disposto no art.º 669, n.º2, alínea b) e n.º3, do CPC, a fim do mesmo ser substituído por outro que desse sem efeito a diligência agendada para o dia 4 de Junho. Informaram ainda que no caso de assim não ser entendido pretendiam recorrer daquele despacho.   
    Þ O tribunal a quo, por despacho proferido na audiência do dia 4 de Junho de 2007, indeferiu o pedido de reforma de despacho requerido pelos Réus, tendo, em consequência, recebido o recurso interposto.
    Þ Notificados (a 05-06-2007) do indeferimento do pedido de reforma do despacho que negou o pedido de transferência da data de julgamento marcada para o dia 4 de Junho de 2007, vieram os Réus, invocando o disposto nos art.ºs 201, 205, 672 e 677, todos do CPC, arguir a nulidade do julgamento realizado por estar em causa irregularidade com influência no exame e decisão da causa, a qual, por despacho de fls. 711, foi objecto de indeferimento[1].
    Þ Na audiência de julgamento do dia 4 de Junho de 2007 não esteve presente a Exma. Mandatária dos Réus tendo sido ouvida a testemunha arrolada pelos Réus, H, a toda a matéria constante da BI. Na referida audiência e a solicitação do tribunal foi novamente ouvida a testemunha M para prestar esclarecimentos.

    1.2 O direito

    Questões a conhecer (delimitadas pelo teor das conclusões do recurso e na ausência de aspectos de conhecimento oficioso – art.ºs 690, n.º1, 684, n.º3, 660, n.º2, todos do CPC)

    Determinar se o tribunal a quo incumpriu do art.º 155, n.º1, do CPC
    Determinar das consequências desse incumprimento

    1.2.1 Do incumprimento do art.º 155, n.º1, do CPC
                      Em termos facticos o fundamento do recurso sustenta-se no seguinte pressuposto:
                      - ter o tribunal indeferido o pedido de transferência da data da sessão de julgamento não obstante informado do impedimento por parte da Exma. Mandatária dos Réus e ciente de que, relativamente à mesma, não havia obtido a sua anuência quanto à data então designada (sendo certo que relativamente à Exma Mandatária do Autor e na sequência do que se encontra consignado em acta, a data em causa foi determinada com o seu acordo tendo ainda em linha de conta o impedimento da testemunha a ouvir).
          Evidencia-se, assim, sem sombra de dúvida, que a marcação da data de continuação da audiência (designada para o dia 4 de Junho de 2007) não foi levada a cabo com o prévio e integral cumprimento do art.º 155, n.º1,do CPC, pois que a Exma. Mandatária dos Réus não foi consultada para o efeito. A questão que se coloca é a de saber se no caso se impunha o seu cumprimento.
          A particularidade da situação dos autos assenta no facto da marcação da nova sessão de julgamento ter sido feita em audiência (tendo por subjacente o adiamento do julgamento por impossibilidade técnica - realização da inquirição por videoconferência), com a presença da Srª Advogada do Autor, mas sem a presença da Mandatária dos Réus.
                      Sendo inquestionável que o regime estabelecido no art.º 155, do CPC, visa prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os Exmos. Mandatários Judiciais (evitando, assim, adiamentos das diligências), carece de cabimento questionar se o cumprimento do dever de audição assume lugar na marcação das sessões de continuação de julgamento.
                      Evidencia-se, pois, que o sistema de marcação de diligências judiciais, particularmente, na designação das datas de julgamentos, consignado no art.º 155, do CPC, que impõe ao juiz a audição prévia dos Mandatários Judiciais com intervenção nos respectivos processos, não se esgota na primeira marcação, mas tem plena aplicação quer nos casos de adiamento (como, aliás, decorre da própria epígrafe do preceito), quer em quaisquer situações de continuação do julgamento[2].
                      Na situação sub judice verifica-se que a marcação da sessão de julgamento designada para o dia 22 de Maio foi levada a cabo com o cumprimento do estabelecido no art.º 155, n.º1, do CPC, sendo certo que a Exma. Mandatária dos Réus não pôde estar presente por se encontrar, nesse dia e hora, na urgência de um hospital (sendo legítimo inferir que estaria em causa uma situação de doença súbita, a ausência à referida sessão tem por subjacente impedimento que, obviamente, terá de ser considerado prontamente comunicado, pois que encontra-se consignado na acta da diligência que o escritório da Exma. Mandatária informou que a Srª. Advogada se encontrava na urgência de um hospital[3]).
                      Embora o tribunal tenha adiado o julgamento com fundamento na impossibilidade técnica de realização de vídeo conferência, o certo é que, a inexistir tal impedimento de ordem técnica, sempre se imporia o respectivo adiamento da diligência com fundamento na falta de comparência da Sr.ª Advogada, atento o que dispõe o art.º 651, alínea c) do CPC[4].
                      Perante a impossibilidade de comparência da Srª Advogada devidamente comunicada (e mesmo justificada), tendo-se presente o disposto no n.º1 do citado art.º 155 do CPC, impunha-se que na designação da nova data para a sessão de julgamento o tribunal tivesse o cuidado de providenciar que a respectiva marcação fosse levada a cabo mediante a anuência da Srª Advogada faltosa, pelo que deveriam ter sido estabelecidos os contactos prévios para o efeito (ou, pelo menos, a fim de facilitar o sistema tornando-o mais célere e, mesmo, tendo em vista a simplificação de procedimentos de secretaria, nomeadamente com notificações que poderiam ser levadas a cabo no próprio acto, a designação da referida data deveria ter por subjacente o tendencial encontro de agenda com a Mandatária dos Réus, pois que quanto à mesma não havia sido ponderada a condicionante decorrente da marcação de serviços judicias incompatíveis).
                      Tal, porém, não aconteceu tendo, ocorrido efectivo incumprimento do art.º 155, n.º1, do CPC, na designação da audiência do dia 4 de Junho de 2007.
                      Impõe-se determinar das consequências desse incumprimento no posterior processado as quais, por isso, deveriam ter estado subjacentes à decisão a proferir perante a pretensão de substituição da data de julgamento requerida pela Mandatária dos Réus.
                      O art.º 155, n.º 2, do CPC, dispõe que Quando a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar o facto ao Tribunal, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários.”
                      O art.º 155, n.º 5, do CPC, estatui Os mandatários judiciais devem comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença e que determinam o adiamento da diligência marcada.
                      No caso dos autos, a Exma. Mandatária dos Réus, informada telefonicamente da data da continuação do julgamento em 23.05.2007, veio por requerimento, que deu entrada em tribunal a 28.05, solicitar designação de nova data invocando incompatibilidade de agenda atenta a circunstância de, no dia e hora designados, se encontrar impedida com uma continuação de julgamento previamente designada, no âmbito de processo que identifica (através do respectivo número, tribunal e juízo). Nesse mesmo requerimento a Srª Advogada indicou cinco datas alternativas para marcação da sessão, todas elas já com assentimento por parte da Exma. Mandatária do Autor.
                      Foi dado assim integral cumprimento ao preceituado no mencionado art.º 155, n.º2, do CPC.
                      Preceitua o n.º 3 do art.º 155 do CPC, que O juiz, ponderadas as razões aduzidas, poderá alterar a data inicialmente fixada, apenas se procedendo à notificação dos demais intervenientes no acto após o decurso do prazo a que se alude no número anterior.
                      No despacho recorrido o tribunal a quo indeferiu a pretendida substituição da data aludindo a seguinte ordem de argumentos:
    1. por não estar em causa um impedimento de força maior ou de absoluta necessidade;
    2. por a audiência a realizar implicar a inquirição por vídeo conferência, cabendo compaginar outras disponibilidades (as do tribunal onde a testemunha deverá prestar depoimento e as condições técnicas para o efeito, tal como a disponibilidade do material existente no tribunal) que não apenas as dos Senhores Mandatários Judiciais.
    3. por a Srª Advogada não demonstrar a autenticidade do alegado impedimento.
                      Conforme se evidencia do despacho sob censura, o indeferimento da pretendida substituição de datas não teve por subjacente uma efectiva impossibilidade por parte do tribunal na realização da diligência em qualquer das datas sugeridas pela Srª Advogada (quer por inexistência de meios, quer por incompatibilidade de agenda por parte do tribunal a quo ou do tribunal onde iria decorrer a inquirição da testemunha), antes se deteve em mera considerações hipotéticas[5] que só no caso de se verificarem poderiam, de alguma forma, justificar a não alteração da data marcada.
                      Concluiu-se pois que na ponderação das razões aduzidas (para que aponta o n.º3 do art.º 155 do CPC), o tribunal não só descurou a ratio da norma que estabelece o dever legal de audição dos Mandatários Judiciais com vista a eliminar a marcação de serviços judiciais incompatíveis (exigência de celeridade e racionalização na administração da justiça através da prevenção de adiamentos de julgamento com os consequentes inconvenientes daí decorrentes para todos os intervenientes processuais), como inconsiderou dois princípios fundamentais estruturantes de todo o processo civil, o princípio da cooperação na condução do processo[6] e o da igualdade das partes ínsitos, respectivamente nos art.ºs 266, n.º1 e 3ºA, ambos do CPC.
                      Vejamos.
                      De acordo com o art.º 651, n.º 1, alínea d), do CPC, na redacção aplicável aos autos e resultante do DL 183/2000 de 10/08, Feita a chamada das pessoas que tenham sido convocadas, a audiência é aberta, só sendo adiada, se faltar algum dos advogados que tenha comunicado a impossibilidade da sua comparência, nos termos do n.º 5 do art.º 155.
                      Também estatui a alínea c) do n.º 1 do art.º 651 do CPC: Feita a chamada das pessoas que tenham sido convocadas, a audiência é aberta, só sendo adiada se o juiz não tiver providenciado pela marcação mediante acordo prévio com os mandatários judiciais, nos termos do art.º 155 e faltar algum dos advogados.
                      Conforme vimos, no caso concreto, a data para o julgamento, designada para o dia 4 de Junho de 2007, não foi fixada nos termos do n.º 1 do art.º 155 do CPC, ou seja, a data não foi marcada com o “acordo prévio” das Srªs. Advogadas. Por outro lado e na sequência do referido, verificou-se a situação a que alude o n.º 2 do art.º 155 do citado CPC (que na sua previsão abrange tanto as situações em que a marcação não pode ser feita de acordo com o n.º 1, como aquelas em que o juiz não observou o de audição prévia) pois que a Srª Advogada, adstrita à obrigação de comunicar, no prazo de cinco dias a contar dessa data, o impedimento consubstanciado na existência de um outro serviço já marcado, propôs cinco datas alternativas, o que constitui, sem dúvida, afloramento do princípio da cooperação (na vertente das partes perante o tribunal).
                      Acontece que, conforme já referido, nada nos autos nos permite concluir que esse outro serviço judicial não se encontrava já marcado.
                      No preâmbulo do DL 183/2000, de 10/08, e no que se refere à questão dos adiamentos das audiências de julgamento encontra-se consignado “(…) No que concerne aos mandatários judiciais…, só existirá adiamento da audiência por falta de advogado se o tribunal não houver diligenciado a marcação da audiência por acordo ou se, tendo havido tentativa de marcação da audiência por acordo, o advogado comunicar atempadamente a impossibilidade de comparecer.”.
                      Desta forma, tendo presente o preceituado nos art.ºs 155, n.ºs 1 e 2 e 651, n.º 1, alínea c) do CPC, atenta a mens legis evidenciada no preâmbulo do DL 183/2000, de 10/08, não pode deixar de se entender que o legislador impôs ao juiz o dever de adiamento do julgamento quando a data não tenha resultado do acordo prévio dos senhores advogados e falte um deles à audiência.
                      Nestas circunstâncias, a falta da Srª Advogada a julgamento na data marcada e não substituída (no dia 4 de Junho de 2007), determinaria sempre o dever de adiar a audiência de discussão e julgamento (que, no caso, não ocorreu não obstante a ausência da ilustre Mandatária antecipadamente comunicada[7]), aspecto que deveria ter sido ponderado aquando do proferimento do despacho recorrido.
                      Evidenciando-se a existência de fundamento para adiamento da diligência agendada, o despacho recorrido ao indeferir o requerido assumiu posicionamento claramente violador dos art.ºs 155, n.ºs 1, 3, 5, do CPC, e, bem assim, do princípio da cooperação estabelecido no art.º 266, n.º1, do mesmo Código, incumprindo o que legalmente se lhe impunha.

    1.2.2 Das consequências desse incumprimento
                      Conforme decorre dos elementos do processo, o indevido indeferimento do requerimento de substituição da data designada para julgamento, determinou a prossecução do julgamento, que se realizou sem a presença da Exma Mandatária dos Réus, no qual foi produzida prova (depoimento da testemunha arrolada pelos Réus, Haydeé Fragata de Almeida Lopes).
                      Por conseguinte, a inobservância do art.º 155, do CPC, e a violação do princípio da cooperação redundou na prática de uma nulidade com evidente influência no exame e decisão da causa – art.º 201, n.º1, do CPC -, pois que a realização do julgamento sem a presença da Srª Advogada constituiu violação clara dos princípios do contraditório e da igualdade das partes ínsitos nos art.ºs 3 e 3-A, do CPC, nulidade essa que terá de se considerar atempadamente invocada (logo que os Réus foram notificados do indeferimento do pedido de reforma do despacho que não admitiu a substituição da data de julgamento marcada para o dia 4 de Junho de 2007), nos termos do art.º 205, do CPC.
                      No que se refere à influência que a prática de tal nulidade processual assume no exame e decisão da causa cumpre deixar salientado:
                      - O n.º 1 do art.º3, do CPC, impõe ao juiz a audição da parte contra a qual é deduzida uma pretensão, estatuindo o n.º2 do mesmo preceito que só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providência contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
                      Preceitua ainda o n.º3 do mesmo artigo que O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
                      Na sequência do já referido, encontra-se consignado na lei o princípio do contraditório que se assume desde logo, na sua essencialidade, como proibição de situações de indefesa ou de limitação do direito de defesa do particular.
                      No que se refere ao aspecto específico da produção de prova, preceitua o art.º 517, do CPC, que salvo disposição em contrário, as provas não serão admitidas nem produzidas sem audiência da parte a quem hajam de ser opostas.
                      Relativamente à forma como se deverá processar o depoimento da testemunha em audiência rege o art.º 638, do CPC, segundo o qual o interrogatório deverá ser levado a cabo pelo mandatário da parte que a ofereceu tendo por objecto os factos por ela articulados ou impugnados.
                      No caso sob apreciação está em causa acção destinada a obter a cessação do contrato de arrendamento por caducidade (extinção do usufruto e inexistência do direito a novo arrendamento), com a condenação dos Réus no consequente despejo do arrendado.
                      Em sua defesa os Réus invocaram, para além do mais, a inexistência da comunicação de caducidade e existência de abuso do direito (este essencialmente reconduzido à circunstância de, através de actos e declarações proferidas, ter sido ficado subjacente entre as partes a intenção de manter o contrato de arrendamento); nessa medida, foi levado à Base Instrutória factualismo cuja prova se mostrava crucial para a defesa dos Réus e cujo ónus aos mesmos competia (cfr. factos n.ºs 1 a 6 a que o tribunal respondeu Não provados).
                      Embora o tribunal a quo, não obstante a falta da Exma. Mandatária dos Réus, tenha procedido à inquirição da testemunha a toda a matéria da BI, isso não substitui a indispensabilidade da intervenção dos Réus, por intermédio da sua Advogada, de forma a poder dar o exercício pleno do contraditório na prossecução de uma defesa integral.
                      Cabe assim concluir que tendo o tribunal a quo inviabilizado a possibilidade da Srª Advogada dos Réus estar presente na audiência de julgamento para inquirição de testemunha, particularmente de testemunha arrolada pela respectiva parte, foi praticada uma nulidade com evidente influência no exame e decisão da causa.
                      Consequentemente, há que dar provimento ao agravo, ficando prejudicado o conhecimento quer do recurso do despacho de fls. 711, quer da apelação.

    IV - Decisão

    Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em revogar o despacho recorrido, anulando o julgamento realizado a 4 de Junho de 2007 e todos os actos a ele subsequentes.
    Custas pelo vencido a final


     Lisboa,15de Abril 
      
            Graça Amaral
        Orlando Nascimento
        Ana Maria Resende
    ______________________________________________________

    [1] Em despacho do seguinte teor:
    Pretendem os Réus, com a intervenção de fls. 647, que se declare nulo o julgamento efectuado nos autos.
    Para tanto, em síntese, alegam que a sessão da audiência final de 4/6/2007 não se podia ter realizado porque, a essa data, não tinha transitado em julgado o despacho de fls. 602 que indeferiu a sua pretensão de adiamento dessa sessão.
    Sucede que os Réus, com a intervenção de fls. 610, haviam pedido a reforma desse despacho de fls. 602 para obter outro que lhes deferisse a sua pretensão de adiamento dessa sessão e, para o caso de indeferimento da pretendida reforma, logo interpuseram recurso do despacho de fls. 602.
    Verifica-se que, pelo despacho de fls. 629 a 630, foi indeferida a pretendida reforma e admitido o recurso com efeito devolutivo.
    Assim face a esse efeito do recurso, independentemente de outras considerações sobre as possibilidades legais de suspensão de audiência em curso, logo se verifica que nada obsta, como não obstou, ao prosseguimento da sessão da audiência final com a sessão de 4/6/2007.
    Pelo exposto se indefere a pretendida nulidade. Notifique”.
    [2] Não se entende, por isso, qual o alcance do posicionamento assumido no despacho de sustentação do agravo ao afirmar “Por outro lado, ainda que se entenda que a marcação de datas para sessão de audiência final em curso se deve reger pelo artigo 155º do Código de Processo Civil ”.
    [3] Note-se que a justificação da presença da Srª Advogada no hospital em hora que, necessariamente, a impediu de estar presente na sessão de julgamento foi posteriormente apresentada pela mesma através da junção aos autos de documento emitido pelo próprio hospital. Cumpre realçar que a lei não impõe no art.º 651, n.º1, alínea d), do CPC, a justificação da impossibilidade de comparência, bastando, para o efeito, a comunicação da impossibilidade. 
    [4] De acordo com o art.º 651, n.º 1, alínea d) do CPC, na redacção aplicável aos autos e resultante do DL 183/2000 de 10/08, Feita a chamada das pessoas que tenham sido convocadas, a audiência é aberta, só sendo adiada (…) Se faltar algum dos advogados que tenha comunicado a impossibilidade da sua comparência, nos termos do n.º 5 do artigo 155.º. Resulta assim do preceito em causa que mesmo no caso de marcação da diligência por acordo, há adiamento com base na falta de advogado se o mesmo comunicar prontamente a impossibilidade de comparência, neste caso, até ao início da audiência, como efectivamente aconteceu.
    [5] Cabe salientar que a suspeição por parte do tribunal a quo no que se refere à veracidade do impedimento invocado pela Srª Advogada não poderia legitimar um imediato indeferimento sem conceder a oportunidade à mesma de documentar a situação, pois que, de modo algum, se poderá entender que tenha ocorrido insuficiência de alegação e prova por parte da Srª Advogada uma vez que a mesma identificou convenientemente o processo onde se encontraria retida e nada nos autos permitia inferir de que se tratava de uma inverdade com vista a iludir o tribunal.
    [6] Na sua vertente de colaboração do tribunal com as partes, o princípio da cooperação assume concretização no poder-dever do tribunal providenciar pelo suprimento de obstáculos procedimentais à realização do normal efeito dos actos processuais ou que impeçam as partes de uma actuação eficaz comprometendo o êxito da acção ou da defesa – cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, Almedina, 2ª edição, pág. 264 e ss.
    [7] Não obstante haver quem defenda que a falta de advogado não é causa de adiamento se houve acordo prévio quanto à data designada (cfr Sénio Manuel dos Reis Alves, Estudos Jurídicos, in wwwverbojuridico.net, citado no Acórdão desta Relação de 19-04-2007, processo n.º312/07, a que se poderá aceder através das Bases Documentais do ITIJ), entendemos que a alínea d) do n.º1 do art.º 651 do CPC se mostra explícita no sentido de que, ainda que a data da audiência de discussão e julgamento resulte de um acordo com os senhores advogados, igualmente se impõe o seu adiamento face à ausência do advogado, desde que comunique prontamente a circunstância impeditiva (cfr. neste sentido Miguel Teixeira de Sousa, R.O.A, ano 61, n.º 1, 2001, págs. 90 e 81, referenciado no acima citado acórdão da Relação de Lisboa) .