DIVÓRCIO LITIGIOSO
CULPA DO CÔNJUGE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
MATÉRIA DE FACTO
Sumário

I - A dissolução do casamento por divórcio causa frequentes danos patrimoniais a um dos cônjuges (sobretudo à mulher), sendo a reparação destes danos a considerar na fixação do montante da prestação de alimentos (art. 2016º, nº 3).
II - O art. 1792º CCivil obriga a indemnizar os danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento, isto é, a desconsideração social que, no meio em que vive, o divórcio terá trazido ao divorciado ou à divorciada; a dor sofrida pelo cônjuge que verá destruído o casamento, tanto maior quanto mais longa tenha sido a vida em comum e mais forte o sentimento que o prendia ao outro cônjuge.
III - A prova destes ou de outros danos não patrimoniais, a prova dos danos concretos sofridos, cabe ao cônjuge que deduz o respectivo pedido de indemnização, não bastando que o outro cônjuge tenha dado causa ao divórcio; a reparação dos danos não patrimoniais não nasce "ope legis", já que sempre impenderá sobre o cônjuge inocente o ónus de alegar e provar factos (imputáveis ao cônjuge culpado) e causados ao ofendido/inocente, tradutores de danos de ordem moral e/ou espiritual, designadamente, "prejuízos de carácter anímico (incómodos ou desgostos morais), tais como a perda da alegria de viver, a diminuição de prestígio e de reputação pública ou quaisquer outros danos não avaliáveis ou pecuniariamente não quantificáveis.
FG

Texto Integral

Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:
F, propôs acção especial de divórcio litigioso contra a sua mulher M, pedindo o decretamento do divórcio entre ambos, com fundamento em separação de facto entre ambos os cônjuges por mais de três anos consecutivos, bem como a declaração da culpa exclusiva da Ré.

A Ré contestou, impugnando os factos invocados pelo A. consubstanciadores da sua alegada violação de deveres conjugais, alegando que é ao Autor (e não à Ré) que se deve a ruptura no casamento e aduzindo que o mesmo violou de forma grave e reiterada os deveres conjugais de fidelidade, coabitação, cooperação, assistência e respeito, comprometendo a possibilidade da vida em comum do casal.
Alegou ainda que a dissolução do casamento lhe causa danos, pelos quais pretende ser indemnizada, pedindo a condenação do A. a pagar-lhe, a esse título, a quantia de € 15.000,00.
Peticionou ainda a condenação do Autor como litigante de má fé, por ter faltado intencionalmente à verdade, por excepção e por impugnação.

O Autor replicou, impugnando a matéria de facto alegada pela Ré e defendendo a inexistência de quaisquer danos decorrentes da dissolução do matrimónio.
Findos os articulados, o processo foi saneado, organizou-se a base instrutória e teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença (datada de 20/11/2006) que decidiu:
- julgar parcialmente procedente a acção;
- julgar totalmente procedente a reconvenção e, em consequência :
- decretar o divórcio entre Autora e Ré, assim se dissolvendo o casamento entre ambos celebrado, declarando-se o A. como único cônjuge culpado pela dissolução do matrimónio;
- julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil formulado pela Ré;
- absolver o A. do pedido de condenação como litigante de má fé.

Inconformada com o assim decidido, a Ré apelou da referida sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões:
“1ª) – O douto tribunal de 1ª instância julgou incorretamente a matéria de facto na presente acção.
2ª) – Nos termos do preceituado no Artº 690º-A/1 alínea a) do C.P.C., a recorrente entende que não foram correctamente julgados os factos que faziam o conteúdo material dos “quesitos” 20., 21., 22. e 23. da B.I., que devia ter sido dado como provado.
3ª) – Por outro lado, entende a recorrente que a prova testemunhal produzida quanto a esta matéria e gravada impunha que a referida matéria, devia ter sido dada como provada, nos termos do previsto no Artº 690º-A/1 alínea a do C.P.C..
(…)
5ª) – De facto, resulta da audição das gravações efectuadas e, portanto, dos depoimentos prestados e recolhidos que a recorrente acalentava um projecto comum de vida que viu esboroar-se com o pedido de divórcio que conduzia à dissolução do casamento.
6ª) – Esta situação era para ela inelutável já que, de facto, o seu marido a tinha abandonado e dela estava separado, há mais de três anos consecutivos, o que por si é, como se sabe, fundamento de divórcio.
7ª) – Estes factos causaram à recorrente, como foi testemunhado, tristeza e desgosto, o que vale por dizer sofrimento.
8ª) – E isto mesmo resulta dos depoimentos das aludidas testemunhas, razão pela qual o tribunal da 1ª instância devia ter dado como provados os factos constantes dos “quesitos” 20. a 23. da B.I..
9ª) – Provou-se que o recorrido abandonou a mulher os filhos e o lar conjugal, indo viver com outra senhora e assim violando de forma extremamente grave os deves conjugais de cooperação, assistência, coabitação, respeito e fidelidade.
10ª) – Fê-lo com culpa como foi reconhecido pelo tribunal de 1ª instância ao decretar a sua qualidade de cônjuge culpado.
11ª) – Provada a matéria de facto que se considera indevidamente julgada, também dúvidas não restam que a recorrente sofreu com a dissolução do casamento e de forma intensa a merecer a tutela do direito.
12ª) – Finalmente, é consabido que um divórcio, pela experiência da vida, causa, quando não querido nem desejado, desgosto, pena, tristeza e sofrimento o que determina um nexo de causalidade adequado entre a ocorrência da dissolução do casamento e a dor sofrida.
13ª) – Ficam assim preenchidos os requisitos que pressupõem a constituição do direito a indemnização por danos não patrimoniais, a saber (na sua enunciação mais simplificada): i) violação de um dever; ii) de forma culposa; iii) causando danos concretos; iv) de forma causal e adequada.
14ª) – Ao decidir como decidiu o douto tribunal de 1ª instância julgou incorrectamente a matéria de facto constante dos aludidos “quesitos” e fez, consequentemente, errada aplicação do previsto no Artº 1.792º do Código Civil.
NESTES TERMOS
E nos melhores de Direito que V.s Exªs suprirão se requer julguem as CONCLUSÕES apresentadas como procedentes, por provadas e fundamentadas, revogando a douta sentença proferida e julgando procedente o PEDIDO da recorrente, condenando o recorrido em indemnização a favor desta por danos não patrimoniais emergentes da dissolução do casamento”.

O Autor/Apelad não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O  OBJECTO  DO  RECURSO
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Ré ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito a três questões:
a) Se o tribunal “a quo” julgou erradamente a matéria de facto ao considerar não provados os factos indagados nos Quesitos 20º., 21º., 22º. e 23.º da Base Instrutória;
b) Se, uma vez alterada a decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal de 1ª instância, julgando-se provados (em lugar de não provados) os factos vertidos nos referidos Quesitos 20º, 21º, 22º e 23º da Base Instrutória, deve ser julgado procedente o pedido indemnizatório reconvencionalmente deduzido pela ora Apelante, por se mostrarem preenchidos os requisitos de que depende a constituição do direito a indemnização por danos não patrimoniais, a saber: i) violação de um dever; ii) de forma culposa; iii) causando danos concretos; iv) de forma causal e adequada.

MATÉRIA DE FACTO
Factos  Considerados  Provados na 1ª Instância:

Devidamente ordenados, segundo uma sequência lógica e cronológica, os factos que a sentença recorrida elenca como provados são os seguintes:
1) Autor e Ré casaram catolicamente em 10 de Maio de 1986 [A) da matéria de facto assente];
2) Do casamento existem dois filhos menores, nomeadamente T e C;
3) No início de Julho de 2001, o autor saiu de casa, que foi a casa de morada de família, sita em Seixal [resposta ao ponto 1º da base instrutória];
4) Desde Julho de 2001, o autor e a ré estão separados de facto, não existindo entre os cônjuges, desde essa data, comunhão de vida, não tomando refeições juntos, não dormindo juntos, não tendo qualquer contacto [resposta ao ponto 4º da base instrutória];
5) Neste momento o autor não tem intenção de voltar à casa de morada de família, sendo certo que há da parte de ambos o propósito de não restabelecer a vida em comum [resposta ao ponto 5º da base instrutória];
6) O local de habitação é uma moradia na Quinta, freguesia da Amora, tendo o Autor mantido na sua posse uma chave da porta de cozinha e do portão, tanto assim que mesmo depois de sair do lar conjugal o autor foi várias vezes à casa de morada de família [resposta restritiva ao ponto 7º da base instrutória];
7) Autor e ré decidiram adquirir uma moradia e nela estabelecer um infantário, já que a ré reconvinte é educadora de infância de formação e de profissão e, para tanto, compraram uma moradia sita (…) Amora, e aí abriram um infantário e passaram a habitar [resposta ao ponto 8º da base instrutória];
8) O autor ajudava a ré na actividade do infantário, ora na parte administrativa, ora conduzindo a carrinha de transporte dos alunos, do mesmo passo que exercia a sua própria profissão, primeiro na Guarda Fiscal, depois na Guarda Fiscal da GNR [resposta ao ponto 9º da base instrutória];
9) Foi em (…), que veio a conhecer uma empregada deste estabelecimento, com quem iniciou uma relação amorosa no ano de 2000 [resposta ao ponto 10º da base instrutória];
10) O autor foi então viver com quem mantinha a relação amorosa, referida em 9), passando a habitar com esta mulher de nome S, Amora, como se de marido e mulher se tratassem, vivendo na mesma casa, comendo juntos as refeições, dormindo na mesma cama e mantendo relações sexuais de cópula completa [resposta ao ponto 18º da base instrutória];
11) A partir do momento em que ocorreu a separação entre autor e ré o autor não mais colaborou com a ré na organização da vida ou da economia familiar, não contribuindo para os encargos da família [resposta restritiva ao ponto 19º da base instrutória]

Factos  Considerados  Não Provados  na 1ª Instância.
Dentre os factos controvertidos incluídos na base instrutória, o tribunal  a quo considerou não provados os seguintes:
a) que, no início de Julho de 2001, a Ré mudou a fechadura da porta da rua, sendo certo que o Autor nunca mais conseguiu entrar em casa, tendo aquela colocado todos os objectos pessoais do Autor fora de casa, nomeadamente toda a roupa e todos os produtos de limpeza pessoal, dentro de sacos plásticos, e o Autor recolheu na rua todos os seus objectos pessoais (quesito 2º da Base Instrutória);
b) que o Autor não pode entrar em casa desde Julho de 2001, pois a Ré não o autorizava (quesito 3º da Base Instrutória);
c) que, depois do Autor ter saído do lar conjugal, avariou-se a fechadura da porta principal, pelo que a fechadura teve que ser trocada (quesito 6º da Base Instrutória);
d) que a Ré veio a descobrir que o Autor mantinha uma relação amorosa e, confrontando o Autor com a situação, este confirmou a relação, mas do mesmo passo afirmou à Ré que tinha decidido acabar com a aludida relação amorosa e que aquela não mais fora do que um momento de fraqueza (quesito 11º da Base Instrutória);
e) que, face ao afastamento do Autor, o infantário passou a funcionar de forma mais deficiente e, por isso, a perder alunos e a rentabilidade e acabou por fechar (quesito 12º da Base Instrutória);
f) que o Autor deixou mesmo de colaborar nas despesas familiares, o que obrigou a que a Ré tivesse de deitar mão de um processo de regulação do poder paternal, para assegurar que o Autor participasse nos encargos de alimentos dos filhos (quesito 13º da Base Instrutória);
g) que, a partir de 2000, o Autor passou a pernoitar dias seguidos fora de casa e, em Julho de 2001, o Autor participou à Ré ia sair de casa, o que efectivamente aconteceu (quesito 14º da Base Instrutória);
h) que, posteriormente, o Autor fez, pelo menos, quatro tentativas de voltar para casa, tendo a última ocorrido em Agosto de 2003, e, nessa altura, o Autor ficou em casa cerca de 20 dias, o que, aliás, pode ser testemunhado pelas empregadas do infantário (quesito 15º da Base Instrutória);
i) que, quando ficou em casa nesta última tentativa, o Autor e a Ré mantiveram um relacionamento próprio de um casal, comendo e dormindo juntos (quesito 16º da Base Instrutória);
j) que, a partir desse mês de Agosto de 2003 e depois de voltar a sair de casa, Autor e Ré nunca mais viveram juntos, não mais tomaram refeições juntos e não mais dormiram juntos (quesito 17º da Base Instrutória);
l) que, com a atitude do Autor, ao pedir a dissolução do casamento por divórcio, a Ré, que gosta do seu marido, ficou profundamente desgostosa (quesito 20º da Base Instrutória);
m) que a Ré, que acalentava a retoma de um projecto comum de vida e a esperança de salvar esse projecto, ficou profundamente chocada com esse pedido de divórcio (quesito 21º da Base Instrutória);
n) que a Ré é uma pessoa de elevada educação, grande sensibilidade e sólida formação moral, que acredita na instituição do casamento como caminho único de vida comum e a dois (quesito 22º da Base Instrutória);
p) que a Ré ficou por isso perturbada, tendo tido momentos que se traduziram em tristeza profunda, crises de choro intenso e grande desalento (quesito 23º da Base Instrutória);
q) que foi sempre a Ré quem explorou sozinha a actividade referida no ponto 8, nunca tendo o Autor participado na actividade do infantário (quesito 24º da Base Instrutória);
r) que o Autor apenas conduziu a carrinha do infantário algumas vezes, a pedido da Ré, tendo-lhe prestado ajudas ocasionais (quesito 25º da Base Instrutória);
s) que o Autor jamais ajudou na parte administrativa do infantário, pois a Ré tinha sempre empregados, nomeadamente 1 cozinheira e 2 auxiliares (quesito 26º da Base Instrutória);
t) que desde cerca de 1995 que a Ré começou a ter problemas com a actividade do infantário, pois dizia que a raiz desses problemas eram as empregadas que lá trabalhavam e desde essa altura que o infantário explorado pela mesma começou a perder crianças (quesito 27º da Base Instrutória).

O  MÉRITO  DA  APELAÇÃO
1) SE O TRIBUNAL “A QUO” JULGOU ERRADAMENTE A MATÉRIA DE FACTO, AO CONSIDERAR NÃO PROVADOS OS FACTOS INDAGADOS NOS QUESITOS  20º, 21º, 22º E 23º  DA BASE INSTRUTÓRIA.
A Ré ora Apelante impugna, no presente recurso, a decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, no segmento em que considerou  não provados os factos vertidos nos quesitos 20º, 21º, 22º e 23º da Base Instrutória.
Na tese da Apelante, as provas testemunhais produzidas em audiência de julgamento reclamavam que o tribunal a quo tivesse respondido afirmativamente (em lugar de negativamente) aos referidos quesitos 20º, 21º, 22º e 23º da base instrutória.
Quid juris ?
Como é sabido, o CPC de 1939 estabelecia como regra a inalterabilidade da decisão do tribunal colectivo sobre a matéria de facto constante do questionário. Solução que, podendo ser criticada (por, eventualmente, cercear excessivamente as garantias de um bom julgamento), tinha, todavia, uma justificação lógica e cabal: «na verdade, não havendo redução a escrito das provas produzidas perante o tribunal colectivo, não podia a Relação controlar o modo como o mesmo Colectivo apreciara essas provas»[5].
Posteriormente, «o CPC de 1961 procurou ampliar os poderes da Relação no que toca, não só à apreciação das respostas à matéria de facto dadas pelo tribunal de 1ª instância, mas também à imposição duma fundamentação mínima relativamente às decisões do Colectivo, e determinou a possibilidade de anulação, ainda que oficiosa, quando as respostas à matéria de facto fossem deficientes, obscuras ou contraditórias»[6].
Todavia, «na prática, apesar de se prever um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, face à redacção anterior do art. 712º [do C.P.C.], só muito excepcionalmente tal garantia era exequível»[7].
De facto, perante a anterior redacção da al. a) do nº 1 do cit. art. 712º, a Relação só gozava do poder-dever de alterar a decisão sobre a matéria de facto se do processo constassem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão – o que apenas sucedia quando, havendo prova testemunhal, todas as testemunhas tivessem sido ouvidas por deprecada, estando os respectivos depoimentos reduzidos a escrito[8], ou se os elementos fornecidos pelo processo impusessem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas[9].
«Nos demais casos, que a experiência demonstrou constituírem a larga maioria, bastava que na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal indicasse, ainda que em termos genéricos ou imprecisos, a interferência de prova testemunhal, declarações emitidas pelas partes, esclarecimentos prestados pelos peritos ou por quaisquer outras pessoas ouvidas na audiência de discussão e julgamento ou, ainda, o resultado da observação directa que o tribunal retirasse das inspecções judiciais, para que o tribunal superior ficasse impedido de sindicar a decisão proferida pelo tribunal “a quo”»[10].
«Aqui se fundaram, embora em termos não exclusivos, as principais críticas apontadas ao sistema [da oralidade plena ou pura, implementado no CPC de 1939 e continuado no CPC de 1961] e que acabaram por levar o legislador a aprovar as medidas intercalares previstas no Dec-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, posteriormente mantidas na redacção final do CPC»[11].
Efectivamente, o cit. DL nº 39/95 veio possibilitar um recurso amplo sobre a matéria de facto, ao prescrever a possibilidade de registo ou documentação da prova, solução que a revisão do CPC operada em 1995/1996 (pelos Decretos-Leis nºs 329-A/95, de 12-XII,  e 180/96, de 25-IX)  sedimentou.
Assim, «a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto passou a poder ser alterada, não só nos casos previstos desde 1939, mas também quando, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tenha sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles proferida»[12].
O cit. DL. nº 39/95 aditou ao Código de Processo Civil então vigente os arts. 522º-A, 522º-B, 522º-C, 684º-A e 690º-A, atinentes ao registo dos depoimentos, à forma de gravação e ao modo como se deveria proceder para impugnar a matéria de facto, em sede de recurso.
Após a mencionada Revisão de 1995/96 do Código de Processo Civil, o fulcral art. 690º-A passou a ter a seguinte redacção:
[“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto”]
1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda.
3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à transcrição dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente.
4- O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso nos termos do nº2 do art. 684º-A”.
Posteriormente, o Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, eliminou a exigência (estabelecida na redacção originária do nº 2 deste art. 690º-A) de que o recorrente procedesse, sob pena de rejeição do recurso, à “transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda”, passando a prescrever que o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento devem ficar registados na acta da audiência de julgamento (cfr. o nº 2 aditado por este diploma ao cit. art. 522º-C do CPC) e possibilitando que as partes possam recorrer da matéria de facto com base na simples referência ao assinalado na acta (cfr. a nova redacção conferida por este diploma aos nºs 2 e 3 do cit. art. 690º-A), devendo o tribunal de recurso proceder à audição e visualização do registo áudio e vídeo, respectivamente, excepto se o juiz relator considerar necessária a sua transcrição, a qual será realizada por entidades externas para tanto contratadas pelo tribunal (cfr. o nº 5 aditado ao cit. art. 690º-A por este diploma).
Porém, o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto.
Desde logo, a possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos adrede estatuídos no art. 690º-A nºs 1 e 2 do CPC. «A expressão “ponto da matéria de facto” procura acentuar o carácter atomístico, sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto em regra deve revestir, estando em harmonia com a terminologia usada pela alínea a) do nº 1 do art. 690º-A: na verdade, o alegado “erro de julgamento” normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo “facto”, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente»[13] [14] [15] [16].
Por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, «a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no art. 655º, nº 1, do CPC: “o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição[17] [18].
Ora, «contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo»[19] [20] [21].
«O que é necessário e imprescindível  é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado»[22].
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art. 653º, nº 2, do CPC).
«Determinando a norma jurídica que o juiz faça uma análise crítica das provas produzidas (expressão que já estava prevista, no que concerne à sentença, no art. 659º, nº 3) e que especifique os fundamentos decisivos para a sua convicção, deve ser posto definitivamente de parte o método (ou o “expediente”) frequentemente utilizado de apresentar, como fundamentação, os simples meios de prova, v.g. “os depoimentos prestados pelas testemunhas e a inspecção ao local”»[23].
«A exigência legal, para ser acatada, impõe que, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, se estabeleça o fio condutor entre a decisão da matéria de facto (resultado) e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção (fundamentos), fazendo a respectiva apreciação crítica, nos seus aspectos mais relevantes»[24]. «Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados quer quanto aos factos não provados, deve o tribunal justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 655º do CPC), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares, etc.»[25].
«Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção»[26].
Daí que - conforme orientação jurisprudencial prevalecente - «o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição»[27] [28] [29].
Na verdade, «só perante tal situação [de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão] é que haverá erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal a quo, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não compete a este tribunal [ad quem] sindicar (artº 655-1 do CPC), e pelas razões já supra expandidas»[30] [31].
Em conclusão: «mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade»[32].
É que «o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si»[33].
«Sendo, portanto, um problema de aferição da razoabilidade - à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência (Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 348) -, da convicção probatória do julgador recorrido, aquele que essencialmente se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento fáctico operado pela 1ª instância, forçoso se torna concluir que, na reapreciação da matéria de facto, à Relação apenas cabe, pois, um papel residual, limitado ao controle e eventual censura  dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou»[34].
Casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas - v.g. por distracção - determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.
«A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação»[35]. «Assim, por exemplo:
a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;
b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrário daquele que foi considerado como provado;
c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas»[36].
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se a Apelante deu cumprimento aos procedimentos legalmente exigíveis que lhe possibilita o recurso sobre a decisão de facto e, em caso afirmativo, se lhe assiste razão.
Sob o ponto de vista formal, há que reconhecer que a ora Apelante cumpriu escrupulosamente o que lhe era exigido pela lei processual para poder atacar a decisão de facto da 1.ª instância, na medida em que indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al. a), do n.º 1 do art.º 690.º-A, do CPC) e referiu os concretos meios probatórios, constantes do processo, que – na sua perspectiva - imporiam decisão de facto diversa da recorrida (al. b), do n.º 1, do art.º 690.º-A, do CPC), tendo curado de o fazer por referência ao assinalado na acta, nos termos do art. 522º, nº 2, do CPC (como exige o nº 2 do cit. art. 690º-A).
Assente que tais formalismos foram integralmente respeitados pela ora recorrente, resta apurar se, no plano substancial, existem razões bastantes para – como preconiza a Apelante – dever ser alterada a factualidade apurada pelo tribunal “a quo”, no segmento posto em crise no presente recurso.
A Ré/Apelante considera terem sido indevidamente considerados não provados os quesitos  20º, 21º, 22º e 23º da Base Instrutória, nos quais se indagava, respectivamente:
a) se “com a atitude do Autor, ao pedir a dissolução do casamento por divórcio, a Ré, que gosta do seu marido, ficou profundamente desgostosa”;
b)  se “a Ré, que acalentava a retoma de um projecto comum de vida e a esperança de salvar esse projecto, ficou profundamente chocada com esse pedido de divórcio”;
c) se “a Ré é uma pessoa de elevada educação, grande sensibilidade e sólida formação moral, que acredita na instituição do casamento como caminho único de vida comum e a dois”;
d) se “a Ré ficou por isso perturbada, tendo tido momentos que se traduziram em tristeza profunda, crises de choro intenso e grande desalento”.
No despacho (proferido em 26/9/2005, depois de encerrada a discussão da causa: cfr. fls. 101-103) em que decidiu a matéria de facto controvertida, a Senhora Juiz do Tribunal a quo justificou do seguinte modo a sua decisão de considerar não provados os quesitos em causa:
“Tal deveu-se a não se ter feito qualquer prova sobre os mesmos [factos] em audiência de julgamento”.
(…)
Tendo esta Relação procedido – como determina o nº 5 do cit. art. 690º-A do C.P.C. – à audição dos depoimentos prestados em audiência de julgamento por estas duas testemunhas, constata-se que elas corroboraram toda a factualidade vertida nos mencionados quesitos 20º, 21º, 22º e 23º da Base Instrutória, tendo, designadamente, asseverado:
a) que a Ré, apesar de o Autor ter saído da ex-casa de morada de família e passado a co-habitar com uma mulher com quem já anteriormente mantinha uma relação amorosa, situação que perdura há mais de 3 anos, ainda hoje gosta do seu ex-marido;
b) que, a despeito da situação de separação de facto criada e da longevidade dessa situação, a Ré continuou sempre a ter esperanças numa eventual retoma da vida conjugal com o Autor;
c) que, por isso, o facto de o Autor ter instaurado o presente processo de divórcio, quando se perfizeram três anos sobre o início da separação de facto entre ambos, causou à Ré um profundo desgosto;
d) que a Ré tem uma concepção profundamente conservadora dos costumes e das relações homem-mulher, acreditando sinceramente na instituição do casamento e visualizando-a como algo de perene e indestrutível;
e) que a perspectiva da inelutável dissolução do seu matrimónio com o Autor perturbou psicologicamente a Ré, fazendo-a atravessar, frequentemente, momentos de tristeza e desalento e provocando-lhe amiudadas crises de choro.
(…)
Como assim, há que reconhecer que as provas testemunhais produzidas em audiência de julgamento foram erroneamente valoradas pelo tribunal de 1ª instância, não se mostrando minimamente justificada a afirmação – contida no despacho que decidiu a matéria de facto controvertida – de que não teria sido feita qualquer prova sobre os factos vertidos nos mencionados quesitos 20º, 21º, 22º e 23º da Base Instrutória.
O presente caso reconduz-se, portanto, a um daqueles casos flagrantes e excepcionais em que - como vimos - a alteração da decisão sobre matéria de facto é de ocorrência forçosa.
Assim sendo, o recurso quanto à impugnação da matéria de facto procede, pelo que há que alterar a decisão recorrida, quanto à matéria de facto, no que concerne às respostas (de “não provado”) dadas aos quesitos 20º, 21º, 22º e 23º da Base Instrutória, porquanto os factos indagados nesses quesitos têm de ficar, doravante, a figurar no elenco dos factos considerados provados.
Consequentemente,  esta Relação decide, nos termos do cit. art. 712º, nº 1, al. a), do C.P.C., alterar a decisão sobre matéria de facto do tribunal de 1ª instância, aditando, aos factos tidos por provados na sentença ora sob recurso, estoutros factos:
12) Com a atitude do Autor, ao pedir a dissolução do casamento por divórcio, a Ré, que gosta do seu marido, ficou profundamente desgostosa (quesito 20º da Base Instrutória);
13) A Ré, que acalentava a retoma de um projecto comum de vida e a esperança de salvar esse projecto, ficou profundamente chocada com esse pedido de divórcio (quesito 21º da Base Instrutória);
14) A Ré é uma pessoa de elevada educação, grande sensibilidade e sólida formação moral, que acredita na instituição do casamento como caminho único de vida comum e a dois (quesito 22º da Base Instrutória);
15) A Ré ficou por isso perturbada, tendo tido momentos que se traduziram em tristeza profunda, crises de choro intenso e grande desalento (quesito 23º da Base Instrutória).

2) SE, UMA VEZ ALTERADA A DECISÃO SOBRE MATÉRIA DE FACTO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE 1ª INSTÂNCIA, JULGANDO-SE PROVADOS (EM LUGAR DE NÃO PROVADOS) OS FACTOS VERTIDOS NOS QUESITOS 20º, 21º, 22º E 23º DA BASE INSTRUTÓRIA, DEVE SER JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO INDEMNIZATÓRIO RECONVENCIONALMENTE DEDUZIDO PELA ORA APELANTE, POR SE MOSTRAREM PREENCHIDOS OS REQUISITOS DE QUE DEPENDE A CONSTITUIÇÃO DO DIREITO A INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS, A SABER: I) VIOLAÇÃO DE UM DEVER; II) DE FORMA CULPOSA; III) CAUSANDO DANOS CONCRETOS; IV) DE FORMA CAUSAL E ADEQUADA.

Estabelece o art. 1792º, nº 1, do C.Civil, que "o cônjuge declarado único ou principal culpado ... deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento".
Ora, tais danos não patrimoniais - como é entendimento consensual tanto na doutrina como na jurisprudência mais relevantes [37] - são tão só os que resultam do próprio divórcio (dissolução do casamento), que não também os danos causados pelos factos geradores do pedido de divórcio, já que uma coisa é a indemnização pela dissolução do casamento, ali prevista, e outra, bem diferente, é a indemnização devida, nos termos gerais, pelos factos que conduziram a essa dissolução [38].

É certo que «a dissolução do casamento por divórcio também causa frequentes danos patrimoniais a um dos cônjuges (sobretudo à mulher); mas a reparação destes danos é ponto a considerar noutra sede, na fixação do montante da prestação de alimentos (art. 2016º, nº 3)»[39]. Todavia, o cit. art. 1792º apenas obriga a indemnizar os danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento.
«Como danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento, costumam referir-se a desconsideração social que, no meio em que vive, o divórcio terá trazido ao divorciado ou à divorciada; a dor sofrida pelo cônjuge que verá destruído o casamento, tanto maior quanto mais longa tenha sido a vida em comum e mais forte o sentimento que o prendia ao outro cônjuge, etc.»[40].
«Traduzem, no fundo, a ofensa de qualquer direito de personalidade, na genérica consagração do art. 70º do C.Civil, desde que daí advenham danos que mereçam a tutela do direito (art. 496º, nº 1, do mesmo diploma)»[41] [42] [43] [44].
«A prova destes ou de outros danos não patrimoniais, a prova dos danos concretos sofridos, cabe naturalmente ao cônjuge que deduz o respectivo pedido de indemnização»[45] [46].
Consequentemente, «não basta que o outro cônjuge tenha dado causa ao divórcio, a reparação dos danos não patrimoniais não nasce "ope legis", já que sempre impenderá sobre o cônjuge inocente o ónus de alegar e provar factos (imputáveis ao cônjuge culpado) e causados ao ofendido/inocente, tradutores de danos de ordem moral e/ou espiritual, designadamente, "prejuízos de carácter anímico (incómodos ou desgostos morais), tais como a perda da alegria de viver, a diminuição de prestígio e de reputação pública ou quaisquer outros danos não avaliáveis ou pecuniariamente não quantificáveis»[47] [48].
Ora, no caso dos autos, é evidente que a Ré/Apelante demonstrou cabalmente que, por virtude do decretamento do divórcio, sofreu e continuará a sofrer danos de natureza não patrimonial, cuja gravidade justifica a respectiva indemnização ou compensação pecuniária susceptível de lhe proporcionar bem estar social, prazeres e distracções capazes de diminuir, tanto quanto possível, os desgostos e provações que suportou.
Resulta, efectivamente, dos factos provados que a Ré sempre se opôs a aceitar o fim do seu casamento com o Autor, antes pelo contrário, sempre acalentou esperanças (afinal vãs) na manutenção da vida do casal.
Tanto assim que ela se absteve sempre de fazer uso do seu direito potestativo ao divórcio, nunca tendo instaurado contra o Autor nenhum processo de divórcio litigioso com base na reiterada violação dos deveres de fidelidade e de coabitação, por parte do mesmo, só se tendo decidido, finalmente, a pedir reconvencionalmente o decretamento do divórcio, ao ver-se confrontada com este processo de divórcio litigioso, contra si instaurado pelo Autor com base na situação objectiva consubstanciada numa separação de facto entre os cônjuges por período superior a três anos.
Provado ficou também que o divórcio e a dissolução do seu casamento constitui, para a Ré/Reconvinte, o desmoronamento de todos os seus sonhos de felicidade e o desencanto de uma vida que sempre procurou ter com o Autor.
De facto, demonstrou-se que:
a) com a atitude do Autor, ao pedir a dissolução do casamento por divórcio, a Ré, que gosta do seu marido, ficou profundamente desgostosa (quesito 20º da Base Instrutória);
b) a Ré, que acalentava a retoma de um projecto comum de vida e a esperança de salvar esse projecto, ficou profundamente chocada com esse pedido de divórcio (quesito 21º da Base Instrutória);
c) a Ré é uma pessoa de elevada educação, grande sensibilidade e sólida formação moral, que acredita na instituição do casamento como caminho único de vida comum e a dois (quesito 22º da Base Instrutória);
d) a Ré ficou por isso perturbada, tendo tido momentos que se traduziram em tristeza profunda, crises de choro intenso e grande desalento (quesito 23º da Base Instrutória).
Perante tais factos, não restam dúvidas de que a Ré/Apelante sofreu danos não patrimoniais com a dissolução do seu casamento, danos esses que devem ser ressarcidos ao abrigo do disposto no cit. art. 1792º do Código Civil [49].
«Essa indemnização pelos danos não patrimoniais terá por fim facultar ao lesado uma quantia em dinheiro que seja apta a proporcionar alegrias e satisfações que lhe façam esquecer, ou pelo menos mitigar, o sofrimento moral causado pela dissolução do casamento, devendo ser fixada equitativamente, nos termos dos arts. 496.º, n.º 3, e 494.º do CC, tomando em conta os elementos referidos neste último preceito e as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da via, bem como a jurisprudência vigente relativamente a casos com contornos semelhantes, sem esquecer que a indemnização tem natureza mista, já que visa reparar o dano e também punir a conduta» [50].
Lesante e lesada não possuem nível cultural elevado, sendo de estrato sócio-cultural idêntico: o Autor/Apelado é agente da Guarda Nacional Republicana e a Ré/Apelante é educadora de infância de formação e de profissão.
A Ré/Apelante é uma pessoa de elevada educação, grande sensibilidade e sólida formação moral.
O Autor/Apelado foi declarado único e principal culpado do divórcio que veio a ser decretado entre os cônjuges.
Não se dispõe de qualquer elemento, mínimo que seja, sobre a situação económica de qualquer dos cônjuges.
Perante o quadro circunstancial supra descrito, perfila-se como justa, equilibrada e criteriosa a atribuição à Ré/Apelante duma indemnização no montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de reparação dos danos não patrimoniais a ela causados pelo decretamento do divórcio [51].

DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em conceder parcial provimento à Apelação, revogando a sentença recorrida, no segmento em que julgou improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil formulado pela Ré ora Apelante.
Consequentemente, julga-se parcialmente procedente, por provado, o pedido indemnizatório reconvencionalmente deduzido pela Ré/Apelante e condena-se o Autor/Reconvindo a pagar àquela, a título de indemnização pelos danos de índole não patrimonial advindos à mesma pela dissolução do casamento, a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).
No mais, mantém-se a sentença recorrida.
Não são devidas custas pelo recurso de Apelação.
Lisboa, 22.4.2008
Rui Torres Vouga
José Gabriel Silva
Maria do Rosário Barbosa
_____________________________________________________
[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
[5] LEBRE DE FREITAS-ARMINDO RIBEIRO MENDES in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3º, 2003, p. 95.
[6] LEBRE DE FREITAS-ARMINDO RIBEIRO MENDES, ibidem.
[7] ABRANTES GERALDES in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Vol., 3ª ed., Janeiro de 2000, p. 186.
[8] Na verdade, com o CPC de 1961, a possibilidade de certos depoimentos ficarem registados por escrito só ocorria em caso de depoimentos antecipados (arts. 520º e 521º), cartas precatórias ou rogatórias (arts. 563º e 623º) e depoimentos de determinadas entidades (nos termos dos arts. 625º e segs.): cfr. ABRANTES GERALDES in ob. e vol. citt., p. 185.
[9] «É o caso de o tribunal a quo ter desprezado a força probatória dum documento não impugnado nos termos legais» (MANUEL DE ANDRADE in “Noções Elementares de Processo Civil”. 1979, p. 209).  «Com efeito, encontrando-se junto aos autos documento que faça prova plena de certo facto se o juiz, na sentença, não o der como provado, incumbe à Relação alterar a decisão de 1ª instância, nessa parte, fazendo prevalecer a força probatória do documento (arts. 371º, nº 1, 376º, nº 1, e 377º do CC)» (FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 4ª ed., Abril de 2003, p. 202). «E o mesmo fenómeno ocorrerá no respeitante a um facto sobre que verse confissão judicial escrita, desde que desfavorável ao confitente (art. 358º, nº 1, do CC)» (FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, ibidem).
[10] ABRANTES GERALDES in ob. e vol. citt., pp. 193-194.
[11] ABRANTES GERALDES in ob. e vol. citt., p. 186.
[12] LEBRE DE FREITAS-ARMINDO RIBEIRO MENDES in “Código de Processo Civil Anotado” cit., Vol. 3º cit., p. 96.
[13] CARLOS LOPES DO REGO in “Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol. I, 2ª ed., 2004, p. 608.
[14] Este é aliás o sentido que o legislador pretendeu dar à possibilidade do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, pois que expressamente refere, no preâmbulo do diploma que possibilitou a documentação da prova (Dec.-Lei n.º 39/95, de 15/12), que “…a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
[15] Cfr., também no sentido de que, «apesar da maior amplitude conferida pela reforma de processo civil a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, a verdade é que não se trata de um segundo julgamento, devendo o tribunal apreciar apenas os aspectos sob controvérsia», o Ac. da Rel. de Lisboa de 13-11-2001 (in Col. de Jur., 2001, tomo V, pág. 85).
[16] Cfr., igualmente no sentido de que «a reforma processual operada pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, dando nova redacção ao artº 712 do C. P. Civil, ampliou os poderes da Relação quanto à matéria de facto, mas não impõe a realização de novo e integral julgamento, nem admite recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto», o Ac. da Rel. do Porto de 19/09/2000 (in Col. Jur., Ano XXV - 2000, tomo IV, p. 186).
[17] Ac. da Relação de Coimbra de 3-10-2000 (in Col. de Jur., 2000, tomo IV, pág. 28).
[18] De facto, «é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.» (ABRANTES GERALDES in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 201). «E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância» (ibidem). «Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores» (ABRANTES GERALDES in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
[19] Ac. da Rel. de Coimbra de 25/5/2004, proferido no Proc. nº 17/04 e relatado pelo Desembargador JORGE ARCANJO RODRIGUES, cujo texto integral está disponível para consulta no site htpp//www.dgsi.pt.
[20] «Ressalvam-se (…) do poder de livre apreciação do tribunal colectivo os casos em que a lei exija, para a existência ou para a prova de algum facto, qualquer formalidade especial» (ANTUNES VARELA in “Manual de Processo Civil”, 1984, p. 643). «No 1º caso, a formalidade diz-se ad substantiam; no 2º, ad probationem» (ibidem). «Em qualquer das circunstâncias, o colectivo não pode considerar o facto como provado, enquanto a formalidade exigida (ou a forma do seu suprimento, no caso da formalidade ad probationem) não tiver sido observada» (ibidem).
[21] «Estão, de acordo com essa regra [da liberdade de apreciação da prova pelo tribunal], sempre sujeitas à livre apreciação do julgador a prova testemunhal (art. 396º CC), a prova por inspecção (art. 391º CC) e a prova pericial (art. 389º CC)» (LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2001, p. 635). «Têm, pelo contrário, valor probatório fixado na lei os documentos escritos, autênticos (art. 371º-1 CC) ou particulares (art. 376º-1 CC), e a confissão escrita ou reduzida a escrito, seja feita em documento autêntico ou particular, mas neste caso só quando dirigida à parte contrária ou a quem a represente (art. 358º-2 CC)» (ibidem). «Já quando não reúna os requisitos exigidos para ter força probatória legal, a confissão fica sujeita à regra da livre apreciação (art. 361º CC); o mesmo acontece com o documento escrito (art. 366º CC)». «Valor probatório fixado por lei têm também as presunções legais stricto sensu (art. 350º CC) e a admissão (arts. 484º-1, 490º-2, 505º e outros semelhantes)» (ibidem).
[22] Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348”.
[23] ABRANTES GERALDES in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 256.
[24] ABRANTES GERALDES, ibidem.
[25] ABRANTES GERALDES in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 259.
[26] Cit. Ac. da Rel. de Coimbra de 25/5/2004.
[27] Cit. Ac. da Rel. de Coimbra de 25/5/2004.
[28] Cfr., também no sentido de que, «porque se mantêm vigorantes os princípios de imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca, de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados”, o Ac. da Rel. do Porto de 19/09/2000 (in “Col. Jur., Ano XXV - 2000, tomo 4, p. 186).
[29] Cfr., igualmente no sentido de que «a reanálise das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção criada pelo Juiz da 1.ª instância, traduzida nas respostas aos quesitos, e determinar a alteração dessas respostas, em casos pontuais e excepcionais, quando, não se tratando de confissão ou de qualquer facto só susceptível de prova através de documento, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 21/1/2003, proferido no Proc. nº 02A4324 e relatado pelo Conselheiro AFONSO CORREIA (cujo texto integral está disponível para consulta no site htpp//www.dgsi.pt.).
[30] Ac. da Rel. de Coimbra de 25/11/2003, proferido no Proc. nº 3858/03 e relatado pelo Desembargador ISAÍAS PÁDUA (cujo texto integral está disponível para consulta no site htpp//www.dgsi.pt.).
[31] Cfr., igualmente no sentido de que, «quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum», o Ac. da Rel. de Coimbra de 6/03/2002 (in Col. Jur., 2002, tomo II, p. 44). Assim, «assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum» (Ac. da mesma Relação de 18/8/2004, prolatado no Proc. nº 1937/04 e relatado pelo Desembargador BELMIRO ANDRADE, cujo texto integral pode ser livremente consultado no site htpp//www.dgsi.pt).
[32] Ac. da Rel. de Lisboa de 13/11/2001 (in Col. Jur., 2001, tomo V, p. 85).
[33] Ac. da Relação de Coimbra de 3/10/2000 (in Col. Jur., 2000, tomo IV, p. 28).
[34] Ac. da Rel. de Coimbra de 22/6/2004, prolatado no Proc. nº 1861/04 e relatado pelo Desembargador HÉLDER ALMEIDA (cujo texto integral está disponível para consulta no site htpp//www.dgsi.pt.).
[35] Cit. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 21/1/2003, proferido no Proc. nº 02A4324 e relatado pelo Conselheiro AFONSO CORREIA.
[36] Ibidem.
[37] ANTUNES VARELA (in "Direito da Família", 1º Vol., 3ª ed., 1993, pág. 521; PEREIRA COELHO E GUILHERME DE OLIVEIRA (in "Curso de Direito da Família", vol. I, 3ª edição, Coimbra, 2003, pág. 753); Acórdãos do STJ de 18/05/99, no Proc. 329/99 da 1ª secção (relator Peixe Pelica); de 08/02/2001, no Proc. 4061/01 da 1ª secção (relator Fernandes Magalhães); de 22/11/2001, no Proc. 3383/01 da 2ª secção (relator Moitinho de Almeida) e de 27/5/2003, no Proc. nº 03B664 (relator Araújo de Barros).
[38] Cfr., justamente no sentido de que «não há que confundir "danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento" e "danos não patrimoniais causados por factos anteriores ao próprio divórcio", por isso que, «no nº 1 do art. 1792° do C. Civil impõe-se ao cônjuge declarado único ou principal culpado a obrigação de compensação pecuniária dos danos não patrimoniais causados pelo próprio divórcio "a se", normalmente posteriores a este ou como seu efeito directo e adequado, que não dos causados pela violação ou violações dos deveres conjugais invocadas como causa de divórcio», o Ac. do STJ de 4/3/2004, proferido no Proc. nº 04B030 (relator Ferreira de Almeida), acessível in www.dgsi.pt.
[39] PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA in "Curso de Direito da Família" cit., vol. I cit., p. 753.
[40] PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA in "Curso de Direito da Família" cit., vol. I cit., pp. 753-754.
[41] Ac. do STJ de 27/5/2003, no Proc. nº 03B664 (relator Araújo de Barros), acessível in www.dgsi.pt..
[42] Nesta linha, o Ac. do STJ de 14/11/2006, proferido no Proc. nº 06A2899 (relator Faria Antunes), entendeu que: «Para efeitos da indemnização dos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento (art. 1792.º do CC) apenas é consentido atender aos factos que constituam infracção de direitos ou interesses de ordem espiritual pertencentes à esfera jurídica do cônjuge inocente (sofrimentos ocasionados pelo divórcio - pretium doloris - repercussão do divórcio na consideração social desse cônjuge, prejuízo de afirmação social do mesmo nas vertentes familiar, profissional, afectiva, recreativa, cultural e cívica) e que, sendo embora consequência indirecta dos factos que fundamentaram o divórcio, tenham sido causados pela dissolução do vínculo conjugal». No caso concreto, o aresto decidiu que: «Resultando dos factos provados que a Autora, de nacionalidade alemã, aceitou estabelecer-se em Portugal, longe dos seus familiares, abdicando da sua carreira internacional, depositando todas as suas energias e esperanças na construção de uma vida conjugal sólida e harmoniosa, dedicando total confiança ao seu marido, vendo com frustração e desalento terminar o seu casamento e ruir todo o seu projecto de vida, ficando com o seu prestígio profissional e social prejudicado, tendo o Réu, que desamparou moralmente a Autora e a "trocou por outra", quando ela se encontrava com grave doença cancerígena, sido considerado único culpado do divórcio, há que compensar a Autora com a indemnização prevista no art. 1792.º do CC».
[43] Cfr., todavia, no sentido de que, «no caso do divórcio, não basta que o cônjuge tenha sofrido com a dissolução do seu casamento; isso é o que seria de esperar de uma situação considerada jurídica e socialmente negativa; é necessário que se prove um particular prejuízo moral», pelo que, por exemplo, «a perda de estatuto sócio-económico e a perda duma boa carreira médica, em si não merecem a tutela do direito em termos de danos não patrimoniais; o primeiro, porque mais do que uma questão de danos não patrimoniais é um problema de alimentos, a tratar noutra sede; o segundo, porque tratou-se duma opção da mulher; no entanto, se tais motivos tivessem causado um especial sofrimento talvez fosse ainda possível equacionar o dano moral daí derivado; só que tal dor não ficou provada», o Ac. do STJ de 26/4/2007, proferido no Proc. nº 07B288 (relator Bettencourt de Faria), acessível in www.dgsi.pt.
[44] Cfr., porém, no sentido de que, «não resultando provado que a dissolução do casamento provocou no cônjuge um sofrimento que vai além do que é comum sentir aquele que vê terminado o seu casamento por efeito de divórcio, não se verificam os pressupostos da atribuição de indemnização por danos morais», o Ac. desta Relação de 5/6/2003, no Proc. nº 5623/2002-6 (Relator Fernanda Isabel de Sousa Pereira).
[45] PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA in "Curso de Direito da Família" cit., vol. I cit., p. 754.
[46] Cfr., também no sentido de que «o pedido de reparação desses danos deve ser formulado pelo conjuge, inocente ou menos culpado na propria acção de divorcio» e «aí terão de ser articulados os respectivos factos, cabendo-lhe a prova deles, como factos constitutivos do direito a indemnização», dado que «esses factos não são factos notórios que estejam dispensados de alegação e de prova», o Ac. do STJ de 17/7/1986, no Proc. nº 073810 (relator SOLANO VIANA).
[47] Ac. do STJ de 7/10/2004, no Proc. nº 04B2767 (relator Ferreira de Almeida), acessível in www.dgsi.pt.
[48] Cfr., todavia, no sentido de que «constitui facto notório que sofre abalo moral e desequilíbrio emocional a mulher que durante 19 anos está separada do marido, emigrante, que durante cerca de nove não dá notícias, nem em nada contribuiu para as despesas familiares, procurando ela manter o seu casamento e, depois, se vê confrontada com o propósito do marido em se divorciar», sendo que «tal abalo moral deverá ser reparado a título de danos não patrimoniais à sombra do prescrito no artigo 1792º nº 1 do Código Civil», o Ac. do STJ de 17/6/2003, no Proc. nº 03A1235 (relator Ponce de Leão), acessível in www.dgsi.pt.
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[49] Cfr., também no sentido de que, «se se provou que a ré, com o divórcio que - com fundamento na separação de facto por três anos e com declaração do autor como cônjuge único culpado - viu ser decretado, “viu ruir um projecto de vida, o que lhe causa uma indizível angústia”, deve a mesma ser indemnizada ao abrigo do disposto no art.1792º, nº1 do CCivil, porque esse é um dano, uma dor, que deriva em linha recta da própria declaração do divórcio», o Ac. do STJ de 3/11/2005, proferido no Proc. nº 04B4405 (relator Pires da Rosa), acessível in www.dgsi.pt.
[50] Ac. do STJ de 14/11/2006, proferido no Proc. nº 06A2899 (relator Faria Antunes), acessível in www.dgsi.pt.
[51] Cfr., no sentido de que, «tendo a Autora, cônjuge inocente, e Ré casado um com o outro no ano de 1981, existindo filhos e a Autora, ante a perspectiva do divórcio, sofre tristeza, desgosto e frustração, pois sempre imaginou o casamento para durar até ao fim dos seus dias, sendo operária da indústria de curtumes e o Réu, sócio de uma sociedade, e com melhor situação económica, é adequada uma indemnização no montante de € 7.500,00 a título de danos não patrimoniais», o Ac. da Rel. de Coimbra de 5/7/2006, proferido no Proc. nº 440/04.6TBACN.C1 (relator Ferreira de Barros), acessível in www.dgsi.pt.