Se o bem penhorado já estiver onerado com uma penhora anterior, sustada a execução, nos termos do art. 871º, do CPC (na redacção anterior à introduzida pelo DL nº 38/2003, de 8 de Março) pode o exequente: a) reclamar o seu crédito no processo em que a penhora seja mais antiga, dentro do prazo fixado no nº 2 do art. 871º; b) desistir da penhora relativa ao bem apreendido no outro processo e nomear outros bens em sua substituição; c) reclamar o crédito e, simultaneamente, nomear outros bens à penhora, se for previsível a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito no outro processo, face ao montante da quantia exequenda e dos créditos ali reclamados.
(MRM)
1. Na presente execução, a exequente, “P…, SA” nomeou à penhora a fracção "…" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de…, sob o n°…, a qual foi efectivamente penhorada.
Posteriormente, constatou-se que a fracção em causa havia sido objecto de penhora anterior, em acção executiva ainda pendente, pelo que, quanto àquele bem, foi sustada a presente execução.
2. Alegando não ter obtido pagamento da dívida exequenda, tanto mais que a fracção penhorada se mostra muito onerada, como resulta da certidão da CRP de…, veio, então, a exequente requerer a realização de diligências com vista ao apuramento de bens pertencentes aos executados, bem como ao prosseguimento da execução.
Este requerimento foi indeferido, sustentando-se que, não tendo a exequente desistido da penhora, não podem ser nomeados outros bens em substituição do penhorado.
3. Inconformada, agrava a exequente, a qual, em conclusão, diz:
O nº 2°, do art. 836° do C.P.C. não permite apenas nova nomeação de bens à penhora quando o exequente desista de penhora já efectuada;
Com efeito, é permitida a penhora de novos bens, quando seja ou se torne manifesta a insuficiência dos bens penhorados (al. a), do n° 2° do art. 836° do C.P.C.), situação que é evidente nos autos face aos requerimentos que foram apresentados pela Agravante;
E é permitida ainda a nomeação de novos bens, quando os bens penhorados não sejam livres e desembaraçados, o que, face à certidão de encargos que foi junta aos autos e que motivou a sustação, nos termos do art. 871° do C.P.C., é também evidente;
A possibilidade de prosseguimento do processo, sem que se desista da penhora que deu lugar à sustação, está prevista no nº 4°, do art. 871° do C.P.C., que permite a reclamação das custas no processo com penhora mais antiga apenas quando a suspensão tenha sido total, ou seja, quando a execução não prossiga quanto a outros bens.
4. Não houve contra alegações.
5. O despacho foi sustentado.
6. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
7. Os factos a considerar para a decisão do recurso são os que constam do relatório.
8. A questão que se coloca neste recurso consiste em saber se, sustada a execução, nos termos do art. 871º, do CPC (na redacção aqui aplicável, ou seja, a anterior à introduzida pelo DL nº 38/2003, de 8 de Março), o exequente é obrigado a desistir dessa penhora para poder nomear outros bens.
Entendemos, ao contrário do que se decidiu no despacho recorrido, que a nomeação de outros bens não está condicionada pela desistência da penhora sobre o bem duplamente penhorado.
Com efeito:
Quando se penhorarem bens já penhorados em outra acção executiva, o juiz deve sustar a execução sobre eles, por força do disposto no art. 871º, n.º 1, do CPC, visando-se desta forma evitar a pendência de duas execuções simultâneas sobre os mesmos bens[1].
Evidentemente, só se suspende a execução sobre os bens duplamente penhorados: ela poderá prosseguir sobre aqueles que não tenham sido objecto de penhora anterior.[2] Da mesma forma, muito embora a execução continue suspensa no que toca ao bem duplamente penhorado, não se vê como negar ao exequente (sobretudo se tivermos em conta que a execução para pagamento de quantia certa visa precisamente satisfazer o seu crédito) a possibilidade de fazer prosseguir a execução, nomeando outros bens, se ainda o não tiver feito, ou sempre que os já nomeados (ou já penhorados) não permitam atingir os fins visados pela execução, de harmonia, aliás, com o disposto no art. 836º, nº2, als. a) e b), do CPC.
De resto, o n° 3 do art. 871º do CPC apenas concede a faculdade ao exequente de desistir da penhora, não lhe impondo essa obrigação.
A não se entender assim, colocaríamos o exequente numa situação paradoxal, já que, desistindo da penhora sobre o bem duplamente penhorado, deixaria de fazer sentido a reclamação de créditos a ter lugar no processo onde a penhora é mais antiga, pois a manutenção da penhora, no âmbito da execução, é um pressuposto essencial para essa reclamação.
Por outras palavras:
Se desiste da penhora, obviamente que desiste da faculdade de ser pago através da venda desse bem, o que representará, para o exequente a perda de uma garantia já que, como é sabido, adquire, pela penhora, o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor, que não tenha garantia real anterior (cf. art. 822º, do C.Civil), o que significa ser a penhora uma garantia real das obrigações (v. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 813).
Em suma:
Tal como se escreveu no Ac. Rel. Porto de 19/172006, ITIJ, JTRP00038714, «se o bem penhorado já estiver onerado com uma penhora anterior, sustada a execução, abrem-se duas possibilidades ao exequente: a) reclama o seu crédito no processo em que a penhora seja mais antiga, dentro do prazo fixado no nº 2 do art. 871º; b) desiste da penhora relativa ao bem apreendido no outro processo e nomeia outros bens em sua substituição.
Além disso, pode sempre o exequente reclamar o crédito e, simultaneamente, nomear outros bens à penhora, se for previsível a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito no outro processo, face ao montante da quantia exequenda e dos créditos ali reclamados» (v., no mesmo sentido, o Ac. Rel. Lisboa de 17/10/2006, proc. 6380/2006, Jusnet, 5485/2006).
9. Nestes termos, dando provimento ao agravo, acorda-se em revogar o despacho recorrido, que será substituído por outro que ordene o prosseguimento da execução, nos termos requeridos.
Sem custas.
Lisboa, 6/5/08
Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado
Rosa Ribeiro Coelho
Maria Amélia Ribeiro
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[1] Cf. Lopes Cardoso – Manual da Acção Executiva, pág. 527.
[2] Cf. Lopes Cardoso - Manual da Acção Executiva, pág. 528.