DEFEITO DA OBRA
DIREITO A REPARAÇÃO
PRÉDIO
COMPRA E VENDA
CADUCIDADE
RECONHECIMENTO DE FACTO
Sumário

I – O direito de reparação na venda de coisa defeituosa assenta na culpa presumida do vendedor, cabendo a este ilidir tal presunção mediante a demonstração de que ignorava, sem culpa, a existência do vício ou a falta de qualidade da coisa
II - A alteração da cor da tinta da parede exterior do imóvel por efeito do depósito de microorganismos, ocorrida cerca de um ano após a construção do mesmo, sem que tenha sido demonstrado qualquer circunstância excepcional para tal, designadamente das condições meteorológicas nesse período, evidencia a existência de um defeito de execução no trabalho da pintura da parede (quer por deficiente aplicação da tinta, quer por esta não apresentar as qualidades necessárias para o respectivo desempenho normal em bens do mesmo tipo e que o consumidor médio podia razoavelmente esperar nas referidas condições).
III – A delimitação do conceito de “defeito” a imputar na situação sub judice com vista à responsabilidade da construtora pela sua reparação assume a natureza de vício que o desvaloriza uma vez que, em termos de expectativa razoável do consumidor, não se mostra usual a existência de microorganismos após um espaço de tempo tão curto e com tal dimensão, provocando uma total alteração da cor da tinta numa parede exterior do edifício.
IV - O direito à reparação, neste caso, terá de ser perspectivado com apelo ao conceito de idoneidade do “bem” face à função a que se destina e que se prende, indubitavelmente, com aspectos de ordem estética e não, propriamente e tão só, com as condições de segurança e protecção na utilização do imóvel.
V – O reconhecimento do direito impeditivo da caducidade terá de ser efectuado perante o respectivo titular, de forma inequívoca, em termos de exprimir um claro um procedimento de responsabilização na aceitação da condição defeituosa.
VI - O posicionamento da sociedade construtora (através do respectivo sócio gerente) perante a coloração esverdeada da tinta – ora no sentido de reclamar junto da marca da tinta, ora prontificando-se a executar uma nova pintura da parede – não poderá deixar de ser considerados como um reconhecimento da existência do um defeito que se impunha reparar.

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa,

I – Relatório
Partes:
à O CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO, CACÉM (Autora/Recorrente)
à P, LDA (Ré/Recorrida)[1]

Pedido:
Reparação das anomalias e defeitos apresentadas no prédio.
Fundamentos:
Ter a Ré, que se dedica à actividade da construção civil, construído o imóvel, apresentando o mesmo irregularidades, maus cheiros nas casas de banho, humidades e respectivas sequelas (fissuras, aparecimento de musgo, paredes escamadas e tinta desprendida das paredes) que constituem defeitos de construção e de utilização de materiais inadequados.

Contestação:
A Ré nega a existência de defeitos ou má qualidade dos materiais aplicados, admitindo apenas a existência de descoloração da tinta aplicada nas paredes exteriores do imóvel que tem como causa o desgaste normal decorrente da exposição aos agentes atmosféricos ao longo de quase cinco anos.
Sentença
Julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

Conclusões da apelação
A) Dos defeitos e sua caracterização:
Þ Nos termos dos arts. 913° e 914° do Código Civil, se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor necessárias para a realização daquele fim, (...) o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa (...).
Þ Coisa defeituosa, é aquela que tiver um vício ou se for desconforme atendendo ao que foi acordado. O vício em causa corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo.
Þ Há igualmente venda de coisa defeituosa sempre que a coisa vendida sofrer vícios ou carecer de qualidades abrangidas no art. 913° C.C, sendo que, o defeito material tanto pode ser inerente à própria coisa, como a uma desconformidade ao contrato ou ainda à sua execução, por isso, sempre que o bem vendido não tem qualidade, explícita ou implicitamente assegurada, a prestação é defeituosa
Þ No caso sub judice, o apelante logrou provar que cerca de um ano após a venda do prédio, ou seja, em finais de 2001, «a parede exterior do prédio virada a Norte apresentava uma coloração esverdeada».
Þ Trata-se de uma situação em que o bem vendido não dispõe da qualidade assegurada pelo vendedor, ora apelado, não cumprindo assim o fim a se destina.
Þ A aceitação do defeito, por parte da R. na pessoa do Sr. J, faz com que a apelada reconheça que a qualidade da tinta não foi a adequada às condições climatéricas e geográficas a que o prédio se encontra exposto, informando que iria confrontar o fornecedor da mesma com a situação exposta.
Þ Face a esta factualidade, o caso sub judice tem enquadramento legal nos tipos de vícios susceptíveis de fundar o direito à reparação previstos no art. 913° do Código Civil, nomeadamente os que desvalorizam a coisa, (...) os que resultam da falta de qualidades para o fim a que está destinado.
Þ Afigura-se, assim, que, ao decidir como decidiu, a sentença recorrida fez uma errada subsunção da matéria de facto provada, ao não a enquadrar nos tipos de vícios previstos no art. 913° do Código Civil.
B) Da caducidade:
Þ Nos termos do art. 1225° n° 2 e 3 do Código Civil, a denúncia de defeitos de construção deve ser efectuada no prazo de um ano a contar da data do seu conhecimento, devendo a acção com vista à eliminação dos mesmos ser intentada no ano seguinte à denúncia.
Þ No caso sub judice o apelante logrou provar que «a parede exterior do prédio virada a Norte, em finais de 2001, apresentava uma coloração esverdeada» tendo «o Autor comunicado tal à R.» que «reconheceu que a parede tinha uma coloração esverdeada e que, ora disse que ia apresentar a situação ao fornecedor da tinta, ora disse que ia resolver o assunto pintando pelo menos uma das fachadas do prédio».
Þ A denúncia teve lugar dentro do prazo legal de garantia, e, o facto de a apelada ter reconhecido o defeito em causa, assumindo a responsabilidade pela respectiva reparação, funciona como causa impeditiva da caducidade, nos termos do n°2 do art. 331° Código Civil.

Contra alegações (por súmula)
    • Resulta do factualismo provado que a alteração da cor da parede (depósito de microorganismos na tinta) resultou do devir e das condições climatéricas e atmosféricas existentes e não de qualquer defeito de construção ou resultante de materiais de má qualidade.
    • A pigmentação esverdeada na parede não desvaloriza o imóvel, não impede a utilização do mesmo para o fim a que se destina, nem contraria as qualidades asseguradas e necessárias ao fim a que se destina, pelo que a mesma não integra a previsão do art.º 913, do Código Civil, não consubstanciando qualquer vício da coisa que dê direito a reparação.
    • A admitir-se vício de construção, resulta da conjugação dos factos provados que a Apelante verificou a coloração esverdeada na parede exterior do imóvel em finais de 2001, tendo denunciado tal circunstância apenas em 25 de Agosto de 2003 (e insistido em 16 de Março de 2004), ou seja, quase dois anos após a constatação da referida pigmentação, incumprindo, nessa medida, o prazo peremptório para o efeito, por força do disposto no art.º 1225, do Código Civil, ocorrendo, por isso, a caducidade do direito que pretende ver reconhecido.
    • O reconhecimento por parte de J de que a parede exterior do edifício apresentava uma cor esverdeada não constitui causa impeditiva da caducidade do direito à reparação quer porque não se tratou de qualquer reconhecimento, quer porque o mesmo não se revela inequívoco, preciso e expresso.
    • Ainda que se entendesse que a denúncia apresentada pela Apelante havia sido tempestiva, atento o disposto no n.º2 do art.º 1225 do Código Civil, a acção judicial para efectivação do direito daquela deveria ter sido intentada no prazo de um ano após a denúncia dos mesmos, pelo que atendendo à missiva de 25.08.2003, a acção deveria ter dado entrada em juízo até 25.08.2004, sendo certo que a petição inicial deu entrada em 27.09.2004, altura em que já se encontrava precludido o prazo para instauração da acção judicial.

II - Apreciação do recurso

Os factos:
Embora a matéria dada como provada pelo tribunal a quo não tenha sido impugnada no âmbito do presente recurso, tendo em conta o articulado pelo Autor no artigo 3º da petição (ter a R. construído o prédio urbano sito na Rua Artur Lage n.º 10, no Cacém, no ano 2000) e atento o posicionamento da Ré na contestação, nos termos do art.º 712, n.º1, alínea a), do CPC, impõe-se alterar, por aditamento, o factualismo considerado provado na alínea B), acrescentando-lhe a data de construção do imóvel: 2000.
Assim, há que considerar provado o seguinte factualismo:   
A) A Ré P tem como actividade a construção de imóveis para venda – alínea A) da matéria assente.
B) No exercício da sua actividade, a Ré P construiu, no ano de 2000, o prédio sito na Rua  Cacém (doravante referido apenas como prédio) – alínea B) da matéria assente.
C) Em 25 de Agosto de 2003 o Autor enviou à Ré P que a recebeu a carta cuja cópia é fls 23 e 24 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, exigindo a colocação de ralos nos sifões da cave do prédio, a ligação da lâmpada exterior da entrada principal, a substituição da mangueira de SI da cave, a colocação da portinhola metálica na boca de incêndio exterior junto aos portões da garagem, a colocação de vidro na caixa do SI junto à entrada principal, a substituição do perfil de alumínio junto à fechadura da entrada principal e a pintura exterior do edifício com tinta adequada às condições do clima – alínea C) da matéria assente.
D) Em 16 de Março de 2004 o Autor enviou à Ré P que a recebeu a carta cuja cópia é fls 26 e 27 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, remetendo cópia da acta de fls 30 a 33 dos autos e exigindo a pintura exterior do edifício com tinta adequada às condições do clima até ao final do Verão de 2004 – alínea D) da matéria assente.
E) A parede exterior do prédio virada a Norte, em finais de 2001, apresentava uma coloração esverdeada devido ao depósito de micro-organismos sobre a tinta dessa parede – resposta ao quesito 2º.
F) Quando a parede exterior virada a Norte começou a apresentar coloração esverdeada, o Autor comunicou tal à Ré – resposta ao quesito 13º.
G) A Ré, na pessoa de J, reconheceu que a parede tinha coloração esverdeada e que, ora disse que ia apresentar a situação ao fornecedor da tinta, ora disse que ia resolver o assunto pintando pelo menos uma das fachadas do prédio – resposta ao quesito 14º.

O direito

Questões a conhecer (delimitadas pelo teor das conclusões do recurso e na ausência de aspectos de conhecimento oficioso – art.ºs 690, n.º1, 684, n.º3, 660, n.º2, todos do CPC)
1. Da responsabilidade da Ré, enquanto vendedora, pelos defeitos existentes no imóvel.
2. Da caducidade do direito dos Autores.

1. Da responsabilidade da Ré, enquanto vendedora, pelos defeitos existentes no imóvel.

Com fundamento na existência de defeitos (decorrentes da utilização de materiais inadequados) de construção do imóvel adquirido à Ré que afectam o uso normal do prédio, pretende o Autor que aquela proceda à reparação dos mesmos, nos termos do disposto no art.ºs 913 a 917, do C. Civil.
            Na sentença recorrida, o tribunal a quo considerou que ao Autor não assistia qualquer direito à reparação por defeitos no imóvel adquirido à Ré por considerar que a alteração da cor da tinta na parede exterior virada a Norte não constituía um vício da coisa ou defeito de construção, tendo a ver com o normal desgaste pelo decurso do tempo.
            Em sede de alegações o Autor reafirma assistir-lhe o direito de reparação peticionado sustentando a sua discordância relativamente à sentença por estar em causa uma situação em que o bem vendido não dispõe da qualidade assegurada pelo vendedor uma vez que a parede exterior, após cerca de um ano da construção, apresentava coloração esverdeada.
Vejamos.

1.1 Dispõe o art.º 913, do C. Civil no seu n.º1 que Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que e destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.
Preceitua o n.º2 do mesmo artigo que Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á a função normal das coisas da mesma categoria.
            Por sua vez dispõe o art.º 914, do referido Código, que O comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela; mas esta obrigação não existe se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece.
            Conforme faz salientar Calvão da Silva[2], a lei sujeita ao mesmo regime duas situações que podem afectar a coisa vendida: vício ou defeito e falta de qualidade, privilegiando, dessa forma, a idoneidade do bem para a função a que se destina, tendo em vista proteger o adquirente relativamente à aptidão da coisa, isto é, a utilidade que aquele espera dela.
            Nesta medida, na determinação do defeito para efeito de repa- ração pelo vendedor importa ter desde logo em conta o fim tido em vista pelas partes (concepção subjectiva do defeito). Sempre que estas não tenham estabelecido contratualmente o fim específico da coisa vendida, a idoneidade do produto é determinada pela função normal das coisas da mesma categoria, conforme indica o n.º2 do citado art.º 913 do C. Civil (concepção objectiva abstracta)[3].
            Uma vez que a venda de coisa defeituosa é encarada legalmente pela falta de conformidade ou qualidade do bem adquirido para o fim específico e/ou normal a que é destinado, a determinação da defeituosidade da coisa pressupõe um juízo de avaliação aferido, em primeiro lugar, de acordo com o destino fixado pelas partes; na sua ausência ou insuficiência, há que ter presente a realização do fim a que a coisa se destina, levando ainda em linha de conta as qualidades asseguradas ou necessárias à realização desse mesmo fim.        
            Igualmente importa considerar que o vício conhecido do adquirente na conclusão do negócio excluiu a responsabilidade do vendedor, sendo sobre este que impende tal prova, cabendo tão só ao comprador a demonstração da existência do defeito.
            No caso específico do direito de reparação, a lei desobriga o vendedor se este desconhecia, sem culpa, o vício ou a falta de qualidade da coisa – cfr. n.º2 do art.º 914 do C. Civil.
Verifica-se, deste modo, que o direito de reparação na venda de coisa defeituosa assenta na culpa presumida do vendedor, cabendo a este ilidir tal presunção mediante a demonstração de que ignorava, sem culpa, a existência do vício ou a falta de qualidade da coisa[4].   

1.2 Transpondo estas considerações para a situação concreta dos autos, importa determinar se a alteração da cor da tinta na parede exterior do prédio nos termos demonstrados nos autos assume ou não a qualificação de defeito, nos termos do art.º 913, do C. Civil.
            Está em causa um prédio urbano vendido pela Ré, que foi por ela construído no ano de 2000 e que, em finais de 2001, a tinta da parede exterior virada a Norte apresentava uma coloração esverdeada devido ao depósito de microrganismos.
            Desde logo resulta evidente do processo que o imóvel em causa tinha por destino assumir a função típica dos bens da mesma categoria – para a habitação dos respectivos condóminos.
Embora seja inferido do processo que a cor apresentada pela parede do prédio não afectou a habitabilidade do imóvel, não podemos deixar de considerar que a alteração da cor por efeito do depósito de microorganismos, ocorrida cerca de um ano após a construção do imóvel (sem que tenha sido demonstrado qualquer circunstância excepcional para tal, designadamente das condições meteorológicas nesse período), evidencia a existência de um defeito de execução no trabalho da pintura da parede exterior (decorrente quer de uma deficiente aplicação da tinta, quer por esta não apresentar as qualidades necessárias para o respectivo desempenho normal em bens do mesmo tipo e que o consumidor médio podia razoavelmente esperar nas referidas condições).
Com efeito, em termos de expectativa razoável do consumidor[5], não se mostra usual a existência de microorganismos após um espaço de tempo tão curto e com tal dimensão, provocando uma total alteração da cor da tinta numa parede exterior do edifício.
Deste modo e ainda que não tenham resultado apuradas quer as causas[6] quer as consequências (nas habitações dos moradores do prédio) da existência de tais microorganismos, contrariamente ao defendido pela Ré e decidido na sentença recorrida, entendemos que se impõe concluir que a tinta utilizada na pintura da parede exterior do imóvel (ainda que por defeito de aplicação) não apresentava a qualidade exigível para o desempenho habitual em bens do mesmo tipo, pelo que a delimitação do conceito de “defeito” a imputar na situação sub judice com vista à responsabilidade da Ré pela sua reparação assume a natureza de vício que o desvaloriza. Note-se que o direito à reparação, neste caso, terá de ser perspectivado com apelo ao conceito de idoneidade do “bem” face à função a que se destina e que se prende, indubitavelmente, com aspectos de ordem estética e não, propriamente e tão só, com as condições de segurança e protecção na utilização do imóvel.
Consequentemente, sublinhe-se, ainda que não tenha sido apurada a origem nem a gravidade do depósito dos microorganismos na parede, e sabendo-se que a coloração em causa não impede a utilização da imóvel, há que ser tida como defeito nos termos do art.º 913, do C. Civil, em termos de responsabilizar a Ré pela sua reparação, de acordo com o art.º 914, do mesmo Código.

2. Da caducidade do direito do Autor.

Conforme já salientado e para o que aqui assume relevância, no contrato de compra e venda de coisa defeituosa, o comprador, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 913 e 914, do Código Civil, tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa. Porém e atento o disposto nos art.ºs. 916 e 917, do citado Código, haverá que denunciar ao vendedor o vício do contrato, ou a falta de qualidade da coisa (excepto havendo dolo do vendedor) nos prazos previstos no art. 916º, nºs 2 e 3, do Código Civil[7], sob pena de caducidade[8].
Na situação concreta dos autos em que está em causa a compra e venda de imóvel, o comprador possui o ónus de denunciar ao vendedor o defeito ou vício do mesmo no prazo de cinco anos após a respectiva entrega e até um ano depois de conhecida a desconformidade[9] do imóvel. Feita a denúncia (no prazo de um ano) e encontrando-se o contrato cumprido (se não está cumprido, pode a acção ser intentada sem dependência de prazo), o direito à reparação terá de ser exercido dentro do ano seguinte, sob pena de caducidade (art.ºs 917 e 298, nº 2, do Código Civil).

2 Na contestação a Ré veio excepcionar a caducidade do direito de reparação peticionado defendendo que o defeito havia sido denunciado por carta registada expedida em 27 de Agosto de 2003 tendo a acção apenas dado entrada em juízo a 27 de Setembro de 2004, ou seja, mais de uma ano após a denúncia.
            Em resposta o Autor alegou que a denúncia dos defeitos foi levada a cabo em 2002, tendo o Réu reconhecido e assumido a responsabilidade pela reparação.
            A factualidade apurada leva a concluir no sentido da improcedência da excepção.
            Independentemente das cartas enviadas pelo Autor à Ré[10], resulta provado que em finais de 2001 a parede exterior do prédio virada a Norte apresentava uma coloração esverdeada devido ao depósito de micro-organismos sobre a respectiva (cfr. resposta ao quesito 2º), sendo que, nessa altura, o Autor comunicou tal facto à Ré (cfr. resposta ao quesito 13º)[11] e esta, na pessoa de J, reconheceu que a parede tinha coloração esverdeada e que, ora disse que ia apresentar a situação ao fornecedor da tinta, ora disse que ia resolver o assunto pintando pelo menos uma das fachadas do prédio (cfr. resposta ao quesito 14º).
            O posicionamento assumido pela Ré perante a coloração esverdeada da tinta – ora no sentido de reclamar junto da marca da tinta, ora prontificando-se a executar uma nova pintura da parede – não poderá deixar de ser considerados como um reconhecimento da existência do um defeito que se impunha reparar.
Embora se tenha presente que o reconhecimento do direito impeditivo da caducidade terá de ser efectuado perante o respectivo titular, de forma inequívoca, em termos de exprimir um claro um procedimento de responsabilização na aceitação da condição defeituosa, de modo algum podemos partilhar posições restritivas susceptíveis de conduzir, na maior parte das vezes, a situações de abuso de direito violadoras do princípio da boa fé, já que a figura da caducidade não pode servir aos que, numa relação jurídica, violam o princípio da confiança.
Desta forma, as declarações de J, no contexto em que foram proferidas, permitiriam legitimamente supor, a qualquer pessoa de boa fé, que estava em causa um compromisso assumido pela Ré, a levar a sério (a não ser que estivesse a agir de má fé), no sentido de solucionar o problema chamando a si a forma de o resolver, designadamente na realização da obra (nova pintura da parede).
Assim sendo, porque a atitude por parte do referido J não podia deixar de ser entendida por qualquer declaratário normal de boa fé como promessa na resolução da situação, há que concluir no sentido de que ocorreu um efectivo reconhecimento por parte da Ré em eliminar o defeito determinando no Autor uma legítima passividade expectante na reparação do defeito que se impõe proteger.
Reconhecido o direito de reparação, a caducidade fica definitivamente impedida.

III – Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e condenando a Ré a proceder à reparação da parede exterior (virada a Norte) do prédio.
Custas do recurso a cargo da Ré, custas da acção pelo Autor e Ré na proporção do respectivo decaimento.    


Lisboa, 13 de Maio de 2008

  Graça Amaral
Ana Maria Resende
  Dina Monteiro
_________________________________________________________________________
[1] Inicialmente a acção havia sido proposta também contra J, M, F e A, na qualidade de sócios da Ré, sendo que os mesmos, no despacho saneador, foram absolvidos da instância por ilegitimidade passiva (excepcionada na contestação).
[2] Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Almedina, 2ª edição, págs. 40 e ss.
[3] O referido art.º 913 aponta para um standard objectivo de qualidade e ao uso e performance habituais do bens do mesmo tipo, sendo que nessa objectivação se impõe ter em particular linha de conta o recurso ao princípio da boa fé – cfr. Calvão da Silva, obra citada, pág. 42.  
[4] Está em causa facto impeditivo do direito do comprador cujo ónus, de acordo com o disposto no art.º 342, n.º2, do C. Civil, impende sobre o vendedor.
[5] Em termos de se apreciar da razoabilidade de uma expectativa “normal” no que se refere à depreciação inevitável dos materiais, nomeadamente da pintura exterior dos prédios, há que ter presente o estatuído no art.º 9º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, onde se refere que os prédio deverão ser objecto de obras de reparação e beneficiação pelo menos uma vez em cada período de oito anos, a fim de remediar as deficiências provenientes do uso e manter as boas condições de utilização
[6] Sendo certo que também não foi demonstrado, como a Ré havia alegado na contestação, que a  alteração da cor da tinta na parede se devia ao processo normal e gradual de envelhecimento da tinta.
[7] O DL 267/94, de 25 de Outubro (o qual acabou por, na prática, transpor a disciplina do contrato de empreitada para o domínio da compra e venda de imóveis defeituosos, a partir do início da sua vigência, isto é, a partir de 1 de Janeiro de 1995) acrescentou o n.º3 ao referido artigo com a seguinte redacção: “Os prazos referidos no número anterior são, respectivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel”.
[8] No que respeita à questão do prazo de caducidade para o exercício do direito relativo a pedidos decorrentes de defeito da coisa vendida, partilhamos o entendimento daqueles que consideram que o prazo de caducidade previsto no art.º 917, do Código Civil, se deverá aplicar, por interpretação extensiva, quer às acções que visem obter a reparação ou substituição da coisa, quer às acções em que, em complemento ou exclusivamente, se pretenda a indemnização por prejuízos sofridos em consequência do vício da coisa. No seguimento do que refere Pedro Romano Martinez: “Apesar do art. 917º do C.Civil ser omisso, tendo em conta a unidade do sistema jurídico no que respeita ao contrato de compra e venda, por analogia com o disposto no art. 1224º, dever-se-á entender que o prazo de seis meses é válido, não só para interpor o pedido judicial de anulação do contrato, como também para intentar qualquer outra pretensão baseada no cumprimento defeituoso. De facto, não se compreenderia que o legislador só tivesse estabelecido um prazo para a anulação do contrato, deixando os outros pedidos sujeitos à presunção geral de vinte anos (art. 309º do C.Civil); por outro lado, tendo a lei estatuído que, em caso de garantia de bom funcionamento, todas as acções derivadas do cumprimento defeituoso caducam em seis meses (artº. 921º, nº. 4), não se entenderia muito bem porque é que, na falta de tal garantia, parte dessas acções prescreveriam no prazo de vinte anos; além disso, contando-se o prazo de seis meses a partir da denúncia e sendo esta necessária em relação a todos os defeitos (art. 916º), não parece sustentável que se distingam os prazos para o pedido judicial; por último, se o art. 917º não fosse aplicável, por interpretação extensiva, a todos os pedidos derivados do defeito da prestação, estava criado um caminho para iludir os prazos curtos”.
[9] O regime de caducidade confere certeza às situações jurídicas solucionando, com a brevidade possível,
os conflitos que surjam neste âmbito; daí que se mostre plausível que os prazos de caducidade sejam relativamente curtos em contraposição com o prazo geral de prescrição de 20 anos que, necessariamente, conduziria à indefinição irrazoável dos direitos e obrigações das partes, pondo em risco o próprio comércio jurídico.
Porém, estando em causa prazos relativamente curtos e por uma questão de bom senso e até de senso comum, particularmente no que se refere a defeitos de imóveis o conhecimento do vício para efeitos de início do contagem do prazo ínsito no n.º2 do art.º 916 do Código Civil, não pode deixar de ser o conhecimento que decorre de uma certeza objectiva da causa do problema; só nessa medida é possível falar-se em conhecimento efectivo do vício a fim de permitir que seja possível actuar sobre ele com vista à sua eliminação (reparação/substituição) pelas formas legalmente previstas ainda que, e por interpretação extensiva, em termos de sucedâneo indemnizatório por força do incumprimento da prestação.

[10] Em 25 de Agosto de 2003 o Autor enviou à Ré (fls. 23 e 24 dos autos), exigindo, para além de outras reparações, a pintura exterior do edifício com tinta adequada às condições do clima (alínea C) da matéria assente); em 16 de Março de 2004 foi enviada outra carta à Ré (fls 26 e 27 dos autos) exigindo a pintura exterior do edifício com tinta adequada às condições do clima até ao final do Verão de 2004 (alínea D) da matéria assente).
[11] Face a este factualismo e ao invés do defendido pela Ré em sede de contra alegações, as cartas enviadas não assumem relevância para efeitos de apreciação da tempestividade do direito de denúncia do defeito.