PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
PRESCRIÇÃO DA SANÇÃO
PRESCRIÇÃO DAS PENAS
Sumário

I- A pena acessória de proibição de conduzir tem o prazo de prescrição equivalente ao estabelecido para a pena principal, iniciando-se o cumprimento desta pena logo após o trânsito em julgado da sentença que a tiver aplicado, mesmo no caso de condutores não habilitados.
II- O cumprimento desta pena acessória de proibição de conduzir não pode ser diferido para o momento em que o agente venha a adquirir a carta de condução.

Texto Integral

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.Relatório.

1.Nos presentes autos sob a forma de processo sumário com o nº 483/02.4PVLSB-A pendente no Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, 2º Juízo, 2ª secção, em que é arguido V…, melhor identificado nos autos, foi proferido o despacho certificado a fls. 13 e 14 que indeferiu a promoção do MºPº no sentido da extinção, por prescrição, da pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis aplicada ao arguido não possuidor de carta de condução.

2.Inconformado com esta decisão, veio o Ministério Público interpor recurso, motivando-o com as seguintes conclusões (transcrição):
“1.Nos termos do disposto no artigo 69º, nº 1 do C.P. é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras de trânsito rodoviário.
2.Ainda que o arguido não esteja habilitado com a necessária licença ou carta de condução deve aplicar-se a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artº 69º do C.P. no caso de o mesmo ser condenado por crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292º do C.P.
3.Tendo a pena acessória uma natureza penal, tal como a pena principal, a mesma aplica-se à proibição de condução de toda e qualquer categoria de veículos motorizados, seja ou não necessária habilitação legal para a sua condução.
4.Não deriva da explanada posição quanto à aplicação das penas principal e acessória a admissão da imprescritibilidade da pena acessória.
5.Uma vez transitada em julgado a sentença que aplicou ao arguido a pena acessória de inibição de conduzir, a pena prescreve no prazo de 4 (quatro) anos a contar do dia do trânsito em julgado da decisão, não consubstanciando, o facto de o arguido não ser titular de habilitação legal para conduzir, causa de suspensão da execução de tal pena até à referida titularidade, que é uma faculdade e só é imposição legal, e apenas, para quem conduzir veículos a motor na via pública para cuja condução seja requisito tal titularidade.
6.Ao não declarar “in casu” a pena acessória extinta, por prescrição, o douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 69º, nº 1, a), 122º nº1, d) e 2, e 125º, nº 1, a), do C.P.
7.Deve, pois, ser substituído por outro que declare extinta, por prescrição, a pena acessória”.

3.O recurso foi admitido pelo despacho de fls.23.

4.O arguido não respondeu ao recurso.

5.Neste Tribunal, a Srª Procuradora-Geral-Adjunta, quando o processo lhe foi apresentado, emitiu o douto parecer que consta de fls.28 e 29, pugnando pela confirmação do recurso no entendimento de que, transitada em julgado a sentença que aplicou a pena acessória de proibição de conduzir, tal pena prescreve no prazo de quatro anos a contar do dia do trânsito em julgado da decisão, mostrando-se assim prescrita a pena, devendo por isso ser substituído o despacho recorrido por outro que declare extinta, por prescrição, tal pena acessória.

6.Colhidos os vistos legais, realizou-se a Conferência.


II-Fundamentação.

O âmbito do recurso, balizado pelas conclusões do recorrente, coloca a questão de saber se o prazo de prescrição da pena principal e acessória de proibição de conduzir é equivalente, tendo o seu início com o trânsito em julgado, mesmo no caso de o condutor não ser titular de licença de condução.

7.A questão a decidir revela-se de grande simplicidade cuja solução tem vindo a ser apontada pela jurisprudência sem controvérsias.
Vejamos:
O arguido foi condenado por sentença transitada em julgado, proferida em 11 de Abril de 2002, por crime de condução sem habilitação legal e crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de nove (9) meses de prisão, cuja execução foi declarada suspensa pelo período de 3 anos, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de quatro meses.
O prazo de prescrição da pena é de quatro anos, e começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena. Assim o determina o disposto na al. d) do nº 1 e 2 do artº 122º do Código Penal.
A questão que vem colocada é de saber se, neste caso, em que o arguido não é titular de licença de condução, o prazo só deverá iniciar-se quando ele adquirir a licença de condução, entendendo-se que até lá a pena, não podendo ser executada, está suspensa a sua execução, donde estaríamos em presença de uma causa de suspensão da prescrição que terminaria com a obtenção da licença.
Este o entendimento do despacho recorrido.
Com o devido respeito erradamente.
Em primeiro lugar, o citado artº 122º do C.P. não distingue esta pena acessória de proibição de conduzir, de natureza igualmente penal, quando fixa o início da contagem do prazo de prescrição: o início do prazo de prescrição de qualquer pena inicia-se com o trânsito em julgado.
Em segundo lugar, esta pena deve ser cumprida logo após o trânsito em julgado nos mesmos termos em que é executada de imediato no caso dos condutores habilitados. Aí reside talvez o erro da construção desta tese defendida no despacho recorrido. Esta medida acessória traduz-se numa censura adicional pelo crime praticado, por se revelar especialmente censurável, e visa o efeito de prevenção geral de intimidação e de prevenção especial. Logo, esta pena de proibição de conduzir deve ser cumprida logo após o trânsito em julgado, não podendo ser diferida para o momento em que o agente venha a adquirir a carta de condução. Nenhuma razão se vislumbra para diferir o cumprimento da sanção para esse momento. Bem pelo contrário. Basta atentar que não é o facto de o agente não estar legalmente habilitado a conduzir que garante que o não venha a fazer, ou seja, que não venha a colocar em risco os bens que com aquela medida se quis acautelar, e se o fizer naquele período em que está judicialmente inibido incorrerá na prática do crime de “violação de proibições”, previsto e punido pelo artigo 353º, do Código Penal. Daqui resulta que se a medida de inibição só ocorresse depois de estar habilitado a conduzir, se viesse a conduzir, não incorreria neste crime (sempre teria cometido o crime num período em que não estava ainda inibido). Neste mesmo sentido, de que opera a proibição de conduzir mesmo para aqueles que não estão legalmente habilitados aponta o artº 126º nº 1, al. d) do C. E. quando impõe como requisito para a obtenção da carta que o respectivo candidato não esteja “a cumprir a proibição…de conduzir…”, o que só pode significar que o cumprimento da mesma deve, necessariamente, anteceder a aquisição do título de condução.
A diferença reside apenas para os que são titulares de licença de condução, que para garantir o cumprimento daquela proibição têm a obrigação de a entregar, pelo que, a condenação tem efeitos a partir do trânsito em julgado, com a entrega ou apreensão da carta de condução, se for caso disso (cfr. nºs. 2 e 3 do artº 69º, do C.P. e artº 500º, do C.P.P.).
Diga-se, por último, que a admitir-se a tese defendida no despacho recorrido estaríamos numa situação de imprescritibilidade da pena acessória e impossibilidade do seu cumprimento se o condenado nunca viesse a adquirir licença de condução.
Termos em que se conclui que a pena acessória de proibição de conduzir tem o prazo de prescrição equivalente ao estabelecido para a pena principal, iniciando-se o cumprimento desta pena logo após o trânsito em julgado da sentença que a tiver aplicado.
Nesta questão do prazo de prescrição assiste inteira razão ao recorrente.
Contudo, o que se verifica neste caso é que, antes de ocorrer a prescrição, ocorreu a extinção da pena pelo seu cumprimento.
È que, uma vez transitada em julgado a sentença que aplicou ao arguido a pena acessória de inibição pelo período de quatro meses, mostrando-se decorrido tal período de proibição, como é o caso, a pena mostra-se extinta pelo cumprimento, o que importa declarar.


III-Decisão.
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, revogando o despacho recorrido, e declarando extinta, pelo cumprimento, a pena acessória de inibição de conduzir aplicada ao arguido.
Notifique.
Sem tributação.

Lisboa, 14/05/08


Elaborado, revisto e assinado pela relatora Conceição Gonçalves e assinado pelos Desembargadores Margarida Ramos de Almeida e Carlos Sousa.