DENÚNCIA DE CONTRATO
REVOGAÇÃO
RETRIBUIÇÃO
COMPENSAÇÃO
Sumário

I- Por força do n.º3 do art.º449, do Código do Trabalho, para que a revogação da denúncia seja eficaz o trabalhador tem que colocar à disposição do empregador os montantes que recebeu por efeito da cessação do contrato de trabalho.
II- No caso, o autor devia ter entregue à ré os valores recebidos a título de proporcionais de férias, subsídio de férias, de Natal e férias não gozadas.
III- Não o tendo feito a revogação da denúncia não foi eficaz.
(sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


         A…, residente na Rua… intenta a presente acção com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra:
        B… , L.DA, com sede à Avenida…, pedindo: que o despedimento seja declarado ilícito, tendo o A. direito à reintegração no seu posto de trabalho e consequente pagamento das retribuições vencidas e vincendas até decisão final, reservando-se para o A. o direito de opção pela indemnização.

Para o efeito alega que entrou ao serviço da ré em 20.11.1985, com a categoria profissional de chefe de serviços, mediante a retribuição mensal, recentemente, de € 879,00, acrescida do pagamento da renda no valor mensal de € 280,42 e pagamento dos encargos com água e luz no valor médio mensal de € 50,00.
 Em 20.07.2007, o autor entregou à ré uma declaração da qual consta que pretendia rescindir o seu contrato de trabalho a partir dessa data. Em 27.07.2007, o autor revogou essa declaração. Mas, em 1.08.2007, a ré declarou que não aceitava essa revogação porque o autor tinha acompanhado a rescisão de actos inequívocos nesse sentido e a partir dessa data recusou expressamente a prestação de trabalho do autor o que constitui um despedimento ilícito porque sem justa causa ou precedência de processo disciplinar.
   

         Na contestação a ré alega que a comunicação escrita de revogação da rescisão do contrato por iniciativa do autor só foi colocada nos correios a 30 de Julho de 2007 e recebida pela ré a 1.08.2007, pelo que tal revogação ocorreu já ultrapassado o prazo de sete dias.

A 24 de Julho de 2007, o autor fez entrega das chaves da Agência do Porto Santo, do cofre, camisas e pólos, telemóvel e carregador e fez a passagem de processos e a ré efectuou transferência bancária para a conta do autor no valor de € 2 987,96 relativa aos seus créditos de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, quantia que até hoje o autor não pôs à disposição da ré pelo que a revogação não é eficaz.

Foi proferida sentença final que julgou a acção improcedente, por não provada e, em consequência absolveu a ré dos pedidos contra si deduzidos.

O autor inconformado interpôs recurso de apelação, tendo nas respectivas alegações formulado as a seguir transcritas,

         Conclusões:

(…)


Nas contra-alegações a ré interpôs recurso que denominou de recurso subordinado, porém deve se entender que tal requerimento configura antes uma ampliação do âmbito do recurso, ao abrigo do art.º 684-A do CPC, dado que para a interposição do recurso subordinado era necessário que a ré tivesse ficado vencida, cf. art.º 682 do CPC, o que não sucedeu.

Neste âmbito a ré formulou as a seguir transcritas,

Conclusões:

(…)

O Exmº Procurador-geral-adjunto deu parecer no sentido da confirmação do decidido.

Colhidos os vistos legais

                            Cumpre apreciar e decidir

I – A questão essencial suscitada no recurso de apelação interposto pelo autor é relativa à eficácia da revogação da denúncia de contrato de trabalho no sentido de saber se o autor tinha de entregar ou pôr à disposição do autor os valores que recebeu da ré, relativos às férias e subsídios de férias e de Natal correspondentes ao trabalho que tinha prestado até à data da denúncia do contrato.

         II – Fundamentos de facto
         Foram considerados provados os seguintes factos:

1. O A. entrou ao serviço da ré em 20.11.1985

2. Recentemente ao A. era atribuída a categoria de chefe de serviços e era-lhe paga uma retribuição mensal base de € 879,00

3. À retribuição referida em 2. acrescia a concessão de habitação através do pagamento da respectiva renda no montante mensal de € 280,42 e ainda o pagamento dos encargos com água e luz no valor médio mensal de € 50,00.

4. Em 20 de Julho de 2007, o A. subscreveu e entregou à ré um documento com o seguinte conteúdo: “Venho pela presente comunicar a V. Ex.as que, com efeitos a partir da presente data, deixo de trabalhar para a B…, L.da, rescindindo assim o meu contrato de trabalho.”.

5. Por carta registada com aviso de recepção de 23 de Julho de 2007, recebida pela ré em 24 de Julho de 2007 o A. comunicou à ré o seguinte: “Eu A…, venho por este meio informar que pretendo cessar o acordo de revogação por mútuo acordo convosco assinado no dia 20.07.07, de acordo com o artigo do Código do Trabalho n.º 395.”

6. Com data de 24 de Julho de 2007, a ré dirigiu ao A. uma carta com o seguinte teor: “[] vimos informá-lo que não é aplicável a disposição invocada (Art. 395 do Código Colectivo do Trabalho) à situação ocorrida, porquanto não houve acordo de revogação. A sua vontade de rescindir o contrato de trabalho foi ainda hoje, 24/07/07, reiterada com a entrega das chaves da agência, do telemóvel de serviço, farda e pelos procedimentos de passagem dos processos que estavam à sua guarda para a colaboradora Rita Melim.”

7. Por carta com data de 27 de Julho de 2007, colocada nos CTT em 30.07.2007, o A. deu conta à ré do seguinte: “Venho pela presente rectificar a minha passada declaração datada de 23 do corrente, como é evidente onde me referia à revogação por mútuo acordo, pretendia referir-me à denúncia unilateral que Vos entreguei no passado dia 20. De qualquer forma os efeitos são exactamente os mesmos ou seja venho reafirmar que pretendo dar sem efeito a declaração do passado dia 20, revogando a mesma.”

8. Por carta registada com aviso de recepção com data de 1 de Agosto de 2007, expedida nessa mesma data, a ré deu conta ao A. do seguinte: “Recebido hoje, dia 1 de Agosto de 2007, vossa carta, vimos a propósito dizer o seguinte: V. Exa. por carta por si assinada e datada de 20 de Julho de 2007 rescindiu unilateralmente o contrato de trabalho. Essa rescisão foi depois acompanhada de actos inequívocos dessa sua vontade como, entrega de chaves da agência, telemóvel de serviço, farda e passagem de dossiers a seu cargo, no dia 24 de Julho de 2007. Nesta conformidade, é para nós claro que, V. Exa. decidiu rescindir o contrato por decisão exclusivamente sua em 20 de Julho de 2007.” (documentos de fls. 20 a 22 e por acordo).---

9. Depois do dia 24 de Julho de 2007 o A. passou a fazer a passagem dos processos e reservas pendentes para a funcionária R…”.

10. No dia 25 de Julho de 2007 a ré fez a transferência para a conta bancária do A. na Caixa Geral de Depósitos da quantia de € 2 987,96, nesse mesmo dia debitada na sua conta, e relativa a vencimento do mês de Julho de 2007, subsídio de alimentação, abono para falhas, subsídio de férias, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal e férias não gozadas devidas pela cessação do contrato de trabalho.

11. Até à presente data o A. não colocou à disposição da ré qualquer quantia paga por força da cessação do contrato.

12. O local de trabalho do A. situava-se na agência da ré no Porto Santo.

    III – Fundamentos de direito

Como acima se referiu a questão essencial a apreciar é relativa à eficácia da revogação da denúncia de contrato de trabalho no sentido de saber se o autor tinha de entregar ou pôr à disposição da ré os valores que recebeu, a título de retribuições correspondentes ao trabalho que tinha prestado até à data da cessação.

         O art. 447º, n.º 1 do Código do Trabalho permite ao trabalhador denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação escrita enviada ao empregador com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade.

         O artigo 449º do CT estipula a não produção dos efeitos dessa declaração de denúncia, permitindo que a declaração de cessação do contrato por iniciativa do trabalhador, tanto por resolução como por denúncia, sem assinatura objecto de reconhecimento notarial presencial, pode por este ser revogada por qualquer forma até ao 7.º dia seguinte à data em que chega ao poder do empregador.

         Estatuindo porém o n.º 3 do mesmo art.º449, que só é eficaz a cessação da denúncia se, em simultâneo com a comunicação de revogação, o trabalhador entregar ou puser à disposição do empregador, na totalidade, o valor das compensações pecuniárias eventualmente pagas em consequência da cessação do contrato de trabalho.
            Ora, está provado que o autor, em 25.07.2007, recebeu da ré o montante de € 2 987,96, relativo ao vencimento do mês de Julho de 2007, subsídio de alimentação, abono para falhas, subsídio de férias, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal e férias não gozadas devidas pela cessação do contrato de trabalho (ponto 10, da matéria de facto).
E que até à presente data o autor não colocou à disposição da ré qualquer quantia paga por força da cessação do contrato (ponto 11).

         O autor sustenta que não estava obrigado a proceder à devolução de qualquer quantia porquanto o legislador, no n.º3 do art° 449°, do Código do Trabalho, apenas exigiu que o trabalhador que pretendesse revogar a anterior declaração que tinha feito cessar o contrato, colocasse à disposição da entidade empregadora as «compensações pecuniárias eventualmente pagas em consequência da cessão do contrato». Não tendo feito qualquer referência a "retribuições", sendo patente que, na terminologia utilizada no Código, à palavra "retribuição" não pode ser atribuído um sentido que seja coincidente com a palavra "compensação".

Não nos parece que assista razão ao autor/recorrente.

Vejamos as razões   

Na verdade, e desde logo, a propósito  das consequências da ilicitude do despedimento o legislador do Código do Trabalho, no art.º 437, sob a epigrafe «Compensação» inclui a indemnização por todos os danos e as retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, ou seja, neste dispositivo as retribuições em dívida pela cessação do contrato de trabalho são genericamente classificadas como compensação na terminologia do Código do Trabalho vigente.

Assim, quando no n.º3, do art.º449 do CT se faz depender a eficácia da revogação da denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador da entrega do valor das compensações pecuniárias pagas em consequência da cessação do contrato de trabalho, têm de se considerar incluídas as retribuições pagas ao trabalhador por causa da cessação do contrato de trabalho relativa aos créditos que com esta se venceram, designadamente as férias, subsídios de ferias e Natal pelo trabalho prestado no ano da cessação.

Também na denúncia unilateral operada por exclusiva vontade do trabalhador, via de regra, não concorrendo a vontade do empregador não fica este sujeito ao pagamento de qualquer indemnização. Todavia, ocorrendo a cessação do contrato de trabalho, independentemente de quem lhe deu causa, vencem-se determinados créditos que a entidade empregadora fica obrigada a pagar, tais como as férias vencidas e não gozadas, e proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal (cf. artºs 221º e 254º, n.º 2, b) do Código do Trabalho).

Por fim, como é referido na sentença recorrida, anteriormente à entrada em vigor do Código do Trabalho as regras sobre a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo e a rescisão por iniciativa do trabalhador encontravam-se vertidas na Lei n.º 38/96, de 31.08. O seu art.º1, n.º3, já fazia depender a eficácia da revogação do acordo de cessação do contrato de trabalho da entrega ou colocação à disposição do empregador por qualquer forma por parte do trabalhador, na totalidade, do valor das compensações pecuniárias eventualmente pagas em cumprimento do acordo, ou por efeito da cessação do contrato de trabalho. O art. 2º, n.º 2 do mesmo diploma legal tornava aplicável à rescisão do contrato de trabalho pelo trabalhador o disposto nos nºs 2 e 3 do art. 1º, isto é, a eficácia da rescisão dependia também da entrega dos valores recebidos a título de compensações pecuniárias ou por efeito da cessação do contrato de trabalho.

         Deste modo, afigura-se-nos que quer em face da terminologia usada no CT, quer em atenção à natureza da cessação do contrato decorrente da denúncia unilateral, quer ainda em atenção ao histórico normativo que precedeu a entrada em vigor do Código do Trabalho, a interpretação adequada a dar à expressão contida no n.º3, do art. 449º, CT, “valor das compensações pecuniárias eventualmente pagas em consequência da cessação do contrato de trabalho”, vai no sentido de que valor das compensações pagas em consequência da cessação do contrato incluem os montantes pagos e vencidos por força dessa cessação, tais como os proporcionais de férias, de subsídio de férias e de Natal e férias não gozadas.

         Assim sendo, por força do aludido n.º3 do art.º449, do Código do Trabalho, para que a revogação da denúncia seja eficaz o trabalhador tem que colocar à disposição do empregador os montantes que recebeu por efeito da cessação do contrato de trabalho. No caso, o autor devia ter entregue à ré os valores recebidos a título de proporcionais de férias, subsídio de férias, de Natal e férias não gozadas. 

         Não o tendo feito a revogação da denúncia não foi eficaz, devendo ser confirmada a sentença recorrida que considerou, por via disso, a validade da denúncia unilateral do contrato de trabalho e concluiu que a ré não estava obrigada a aceitar a revogação da denúncia nem a permitir que o mesmo continuasse a prestar-lhe serviço, não configurando essa recusa qualquer despedimento ilícito.

            Deste modo não têm como proceder os fundamentos do recurso interposto, e considera-se prejudicado o conhecimento da questão suscitada pela ré no âmbito da ampliação do recurso, no caso de ter sido dada procedência ao recurso interposto pelo autor.

 IV – Decisão

Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso de apelação interposto pela autora e confirma-se a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente

Lisboa, 14 de Maio de 2008.


            Paula Sá Fernandes
            José Feteira
            Ramalho Pinto