ARRENDAMENTO
DEPÓSITO DA RENDA
ALTERAÇÃO DA ESTRUTURA DO PRÉDIO
Sumário

I - A insuficiência do depósito leva a que o mesmo não possa ser considerado liberatório, não conduzindo à caducidade do direito à resolução do contrato de arrendamento por falta do pagamento da renda.
II – Com a construção de um compartimento – uma casa de banho - que anteriormente não existia, aumentando o número de compartimentos do locado, foi modificada a planificação interna do mesmo, com carácter “definitivo”, sendo com tal obra alterada substancialmente a disposição interna das divisões o que constitui fundamento para a resolução do contrato de arrendamento.
(M.J.M.)
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Texto Integral

Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:

                                                                       *         

            I -(A) e (P) intentaram a presente acção declarativa sob a forma sumária contra «F, Lda.».

            Alegaram os AA., em resumo:

            Os AA. deram de arrendamento à R. uma loja sita no concelho do Funchal; a R. não paga a renda desde Janeiro de 2004, além de que efectuou obras sem consentimento dos AA., construindo uma casa de banho e levantando um muro.

            Pediram que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento, condenando-se a R. no despejo imediato do locado e no pagamento das rendas em dívida, acrescidas da indemnização prevista na lei.

            A R. contestou referindo, designadamente, ter procedido ao depósito liberatório pagando as rendas em mora e a importância da indemnização devida.

            Os AA. responderam e o processo prosseguiu, vindo, a final, a ser proferida sentença que julgou a acção procedente a condenou a R. no despejo do locado e no pagamento das rendas em dívida.

            Da sentença apelou a R., concluindo pela seguinte forma a respectiva alegação de recurso:

A - O depósito liberatório é o instituto criado por lei, para reparar uma falta do inquilino e satisfazer o direito do senhorio ao recebimento das rendas e à reparação pelo seu não pagamento atempado.

B - Esta finalidade mostra-se preenchida com o depósito efectuado.

C - Na verdade os recorridos podem fazer seu o montante depositado com um simples requerimento ao processo, despachando o senhor juiz no sentido de a entidade depositária autorizar o recorrente a levantar o dinheiro.

D - Por outro lado o montante da indemnização acha-se igualmente depositado no mesmo documento, bastando para sua determinação um simples cálculo aritmético, ao alcance de uma pessoa média.

E - Estando preenchidos os fins para que a lei o criou, ou seja, estando satisfeitos os direitos dos senhorios, o decretamento do despejo é uma decisão, injusta, desproporcionada e ilegal.

F - A proceder a decisão contida na sentença, criar-se-ia uma grave desproporção entre a gravidade da ilicitude e as consequências para ela decretadas.

G - Com efeito, padecendo o depósito de mera irregularidade que não afecta os direitos do senhorio seria totalmente desproporcionado considerar o depósito como não efectuado e em consequência decretar o despejo.

H - É principio geral de direito, haver proporção entre a sanção e a gravidade da ilicitude que a fundamenta.

I - A matéria dada como provada nos art°s 7° e 8° é insuficiente para caracterizar as alterações efectuadas pelos recorrentes, como substanciais para os efeitos constantes do art° 64° n° 1 alínea d) do RAU.

J - A definição de uma alteração da estrutura interna ou externa de um prédio, como substancial ou não, depende basicamente de elementos objectivos, tais como a natureza das obras, as suas dimensões a sua localização e outros elementos.

L - Estes elementos não foram trazidos ao processo, não constando na matéria dada como provada nem nos art°s 7°, 8° e 9° da petição inicial.

M - Não basta, para os efeitos do preceito citado dizer se que a inquilina fez "uma casa de banho a blocos de areia e cimento" e levantar "um muro igualmente a blocos de areia e cimento”.

N - Tais obras em si consideradas não chegam para determinar, se há ou não alteração substancial.

O - E compete ao senhor juiz no uso dos poderes processuais que a lei lhe confere, ou declarar inapta a petição naquela parte (art° 7°, 8° e 9°) ou mandar corrigir a petição inicial, ou então em sede de audiência, aditar novos quesitos em ordem a concretizar e a caracterizar melhor as obras.

P - Nada mais fácil, uma vez que foi realizada uma inspecção judicial e o senhor juiz teve a oportunidade de verificar no local a caracterização das obras, que lamentavelmente não consta dos autos.

Q - O juízo sobre o carácter substancial ou não das alterações - decisivo para o desfecho dos autos - embora tenha que ser feito pelo juiz, tem que ser apoiado em elementos de facto e objectivos, sob pena de a decisão judicial ser subjectiva para além do que é aceitável.

R - Faltando de todo em todos esses elementos a apreciação um recurso de substancialidade ou não das alterações, está obviamente prejudicada.

S - A sentença recorrida violou os art°s 23 e 64° n° 1 alínea d) do RAU.

                                                                       *

            II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1 - Por escritura de 16-07-1990, lavrada a fls. 7-v do livro 473-A do Cartório Notarial de Câmara de Lobos a Ré tornou-se arrendatária de uma loja situada no r/c do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia do Imaculado Coração de Maria, concelho do Funchal, inscrita na matriz respectiva sob o número 920.

2 - O arrendamento foi feito pelo prazo de um ano, mediante o pagamento de uma renda mensal no valor de esc. 5.000$00, orçando actualmente o          montante de 114,63 euros.

3 - No local arrendado, a Ré prossegue o comércio por grosso e a retalho de buchas de fixação de estruturas metálicas e máquinas industriais e seus acessórios.

4 - O contrato encontra-se participado na Repartição de Finanças.

5 - A Ré não paga a renda desde Janeiro de 2004, inclusive, pelo que deve até à presente data a quantia de € 3.266,96 (€ 114,63 x 19 meses + 50%).

6 - Além disso, os Autores tomaram conhecimento que a Ré tinha efectuado obras no interior do objecto locado, mas sem consentimento para tal.

7 - Foi feita uma casa de banho, a blocos de areia e cimento.

8 - E levantaram um muro, igualmente a blocos de areia e cimento.

9 - A Ré procedeu ao depósito na Caixa Geral de Depósitos a que se refere o documento n.º 1 junto com a contestação, no montante de € 1.614,15.

10 - Em 31 de Dezembro de 2003 o legal representante da empresa pagou a renda anual, correspondente ao ano de 2003 no montante € 587,00.

11 - O pagamento da renda sempre foi efectuado ao longo dos anos ao procurador dos AA. de nome (J), entretanto já falecido.

12 - A empresa Ré pagava a sua renda anualmente ao procurador dos A.A. (J) que faleceu.

13 - O referido muro serve como mesão de trabalho.

14 - A renda que vigorou em 2004 foi de € 51,00 mensais.

                                                                       *

III - Das conclusões da apelação interposta – e são essas conclusões que definem o objecto da mesma, consoante resulta dos arts. 684, nº 3 e 690, nº 1 do CPC – decorre que, fundamentalmente, as questões que nos são colocadas são as seguintes:

            - se o depósito efectuado pela apelante é um depósito liberatório;

            - se as obras realizadas no locado pela apelante correspondem a obras que alteraram substancialmente a disposição interna das divisões do locado.

                                                                       *

            IV – 1 - Antes de prosseguirmos entende-se que haverá que proceder a uma rectificação na matéria de facto provada.

Alegaram os AA. na respectiva p.i. (arts. 2 e 5) que o montante actual da renda da loja arrendada à R. era de € 114,63 e que não sendo a mesma paga desde Janeiro de 2004, inclusive, à data da propositura da  acção (8-7-2005) a R. lhe devia € 3.266,96 cuja liquidação fez transparecer nos seguintes termos: € 114,63x19 meses + 50%.

            Na contestação (art. 3) a R. afirmou que a renda era de € 49 e não de € 114,63; posteriormente, os AA. na resposta que apresentaram (arts. 5 e 6) admitiram que a renda que vigorou em 2004 foi de € 51,00, sendo a que vigorava em 2005 de € 52,00.

Neste contexto, surgem como anómalas a parte final das alíneas B) e E) dos Factos Assentes, respectivamente: «O arrendamento foi feito pelo prazo de um ano, mediante o pagamento de uma renda mensal no valor de esc. 5.000$00, orçando actualmente o montante de 114,63 euros» e «A Ré não paga a renda desde Janeiro de 2004, inclusive, pelo que deve até à presente data a quantia de € 3.266,96 (€ 114,63 x 19 meses + 50%)».

Tanto mais que os artigos 7), 8) e 9) da Base Instrutória apresentavam, respectivamente, o seguinte teor:

«A renda que vigorou em 2004 foi de € 51,00?»

«E a renda a vigorar durante o ano de 2005 foi de € 52,00?»

            «As rendas respeitantes a 2004 e 2005 não foram de € 49,00 mensais, mas de € 51,00 e € 52,00 respectivamente?»

            Os segmentos «...orçando actualmente o montante de 114,63 euros» e «…pelo que deve até à presente data a quantia de € 3.266,96 (€ 114,63 x 19 meses + 50%)», não mereceram o acordo das partes nos articulados – a R. impugnou aquele valor da renda e os AA. rectificaram o que anteriormente haviam afirmado. Acresce que o último segmento referido contém, em si, uma conclusão, que não apenas de facto: «pelo que deve até à presente data a quantia de € 3.266,96 (€ 114,63 x 19 meses + 50%)».

            Assim, aqueles segmentos das alíneas B) e E) dos Factos Assentes, transpostos para os nºs 2 e 5 dos Fundamentos de Facto da sentença recorrida, não poderão subsistir. A sua subsistência geraria, aliás, contradição com a matéria que veio a resultar da resposta ao artigo 7 da Base Instrutória, transposta para o nº 14 dos Fundamentos de Facto: «A renda que vigorou em 2004 foi de € 51,00 mensais».

            Saliente-se que a peça condensatória não é definitiva, mas, sempre que necessário, reformável ([1]), reforma a que este Tribunal procede ao abrigo do disposto no art. 712 do CPC.

            Deste modo, alteram-se os pontos 2) e 5) dos Factos Provados que passam a ter, apenas, o seguinte teor:

2 - «O arrendamento foi feito pelo prazo de um ano, mediante o pagamento de uma renda mensal no valor de esc. 5.000$00».

5 - «A Ré não paga a renda desde Janeiro de 2004».

                                                                       *

            IV – 2 - Da matéria de facto provada resulta que entre as partes fora celebrado um contrato de arrendamento – referente a uma loja no r/c do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia do Imaculado Coração de Maria, concelho do Funchal. De tal contrato decorria para a R., arrendatária, a obrigação de pagar a renda – o arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição (art. 1 do RAU). A retribuição, a contrapartida da concessão do gozo temporário do prédio corresponde à renda, obrigação duradoura e periódica - a primeira das obrigações do locatário, de acordo com o art. 1038 do CC - sendo que a sanção para a falta de cumprimento desta obrigação é o direito conferido ao senhorio pelo art. 64, nº 1-a) do RAU de resolver o contrato com esse fundamento.

            No caso que nos ocupa apurou-se que não foram pagas as rendas desde Janeiro de 2004 inclusive.

            Consoante o art. 1048 do CC - redacção anterior à lei 6/2006, de 27-2 – o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda caduca logo que o arrendatário, até á contestação da acção destinada a fazer valer esse direito, pague ou deposite as somas devidas e a indemnização referida no nº 1 do art. 1041 ([2]).

            Assim, querendo fazer caducar o direito à resolução do contrato por falta do pagamento da renda, a R. poderia proceder ao depósito das rendas em dívida e da indemnização igual a 50%, até à contestação da presente acção de despejo – art. 22 do RAU.

            Com a contestação juntou a R. um documento (doc. 1, a fls. 37) do qual consta, designadamente:

                        «Caixa Geral de Depósitos

                        Pagamento Custas Judiciais

                        Depósito Autónomo…

            …Tipo de Pagamento: Depósito Autónomo…

            …Montante Pago: 1 614.15 Euros».

            Referindo na contestação apresentada que o montante anual correspondente à renda paga em 2003 foi de € 587,00, importância que «dividida por 12 meses, dá-nos o valor aproximadamente de € 49,00 mensais», e que «essa importância multiplicada por 22 meses acrescida da respectiva indemnização de 50% dá o montante depositado, ou seja, a quantia de € 1.614,15».

            Na resposta, os AA. defenderam que a renda que vigorou em 2004 foi de € 51,00 mensais e que a renda que vigorou em 2005 foi de € 52,00 mensais, não obedecendo o depósito efectuado pela R. ao figurino previsto no art. 23 do RAU, contendo as especificidades ali enumeradas, nem estando correcto o montante depositado.

            Dispunha o nº 3 do art. 124 do CCJ: «3 – Sem prejuízo de registo contabilístico autónomo, as custas prováveis, as rendas, as cauções e outras quantias estranhas aos encargos judiciais são depositadas directamente na Caixa Geral de Depósitos ou através de sistema electrónico, a favor do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, ficando à ordem da secretaria».

            Todavia, a situação dos autos não se integra nesta previsão legal – o depósito das rendas aludido no art. 22 do RAU não é reconduzível àquela previsão do nº 3 do art. 124 do CCJ.

            É que, na sequência do art. 22, dispunha o art. 23 do RAU, sob o título «Termos do Depósito»:

            1 – O depósito é feito na Caixa Geral de Depósitos, perante um documento em dois exemplares, assinado pelo arrendatário ou por outrem, em seu nome, e do qual, constem:

a) A identidade do senhorio e do arrendatário;

b) A identificação e localização do prédio, ou parte de prédio, arrendado;

c) O quantitativo da renda;

d) O período de tempo a que ela diz respeito;

e) O motivo por que se pede o depósito.

2 – Um dos exemplares do documento referido no número anterior fica em poder da Caixa Geral de Depósitos, cabendo o outro ao depositante, com o lançamento de ter sido efectuado o depósito.

3 – O depósito fica à ordem do tribunal da situação do prédio ou, quando efectuado na pendência da acção de despejo, do respectivo tribunal.

            Sendo, manifestamente, este o regime – específico – aplicável aos depósitos de rendas em casos como o dos autos.

Não se desconhecendo jurisprudência que versa sobre a questão, no sentido de que a inobservância das formalidades enunciadas no art. 23 do RAU não retirará ao depósito o carácter liberatório e a virtualidade de determinar a caducidade do direito à resolução ([3]), afigura-se que a solução não poderá ser entendida em termos absolutos, havendo antes que ter em conta a especificidade das situações.

Resulta evidente que a R., ao efectuar o depósito, não observou o formalismo previsto no art. 23 do RAU. Tal formalismo não se traduziria numa óbvia excrescência desnecessária, antes tendo alguma razão de ser: a junção do duplicado do documento ali previsto ao processo, com a contestação, produz os efeitos de notificação do depósito ao senhorio (nº 2 do art. 26), podendo ele impugná-lo ([4]). Para a impugnação pelo senhorio poderão ter relevância as diversas referências a que alude o nº 1 do art. 23 do RAU. No caso que nos ocupa essas referências não resultam, aliás, muito claras da própria contestação, na qual a R. menciona que a renda tinha um valor aproximado de € 49,00 mensais e depositou – em 18 de Outubro de 2005, quando a acção fora proposta em Julho do mesmo ano, reportando-se a falta de pagamento de rendas a Janeiro de 2004 – o valor de € 1.614,15, referente a 22 meses e respectiva indemnização (quando € 49,00 x 22 + 50% = € 1.617,00).

Essencial, todavia, é que se provou que o valor mensal da renda que vigorou no ano de 2004 foi de € 51,00 mensais. Deste modo, mesmo que em 2005 aquele valor se mantivesse, a quantia depositada era insuficiente (€ 51 x 22 + 50% = € 1.683,00).

A insuficiência do depósito leva a que o mesmo não possa ser considerado liberatório, não conduzindo à caducidade do direito à resolução.

Neste circunstancialismo, não colhe a alegação desenvolvida pela apelante, em sede de recurso, referente ao abuso de direito, socorrendo-se para o efeito do entendimento seguido no acórdão da Relação do Porto de 20-2-2006 ([5]). É que, conforme consta do texto do acórdão, naquele processo – ao contrário do sucedido neste – a A. não pôs em causa que o montante depositado com a contestação, rendas e indemnização, fosse o montante devido, como também não manifestou qualquer propósito de impugnar o depósito se ele tivesse sido efectuado nos termos prescritos no RAU.

Não logrou, pois, a R. fazer caducar o direito à resolução do contrato por falta do pagamento da renda.

                                                           *

IV – 3 - Provou-se que os AA. tomaram conhecimento de que a R. havia efectuado obras no interior da loja no r/c do prédio urbano sito na Rua ..., mas sem consentimento para tal, tendo sido feita uma casa de banho, a blocos de areia e cimento, e levantado um muro, igualmente a blocos de areia e cimento.

Dispunha o art. 64, nº1-d) do RAU que o senhorio pode resolver o contrato se o arrendatário «fizer no prédio, sem consentimento escrito do senhorio, obras que alterem substancialmente a sua estrutura externa ou a disposição interna das suas divisões, ou praticar actos que nele causem deteriorações consideráveis, igualmente não consentidas, igualmente não consentidas e que não possam justificar-se nos termos dos artigos 1043º do Código Civil ou 4º do presente diploma».

Assim, sem autorização escrita do senhorio o locatário não poderia realizar no prédio arrendado:

- obras que alterassem substancialmente a estrutura externa;

- obras que alterassem substancialmente a disposição interna das divisões;

- actos que injustificadamente causassem deteriorações consideráveis.

Prédio, para o efeito, corresponde à «unidade locativa» que foi objecto do contrato de arrendamento.

Quanto ao termo “substancialmente”, o entendimento geral é o de que terá de ser tomado na acepção de “consideravelmente”.

A lei não define um critério que permita caracterizar o que denomina de “alteração substancial” ou mesmo de “deteriorações consideráveis”. Como referia Aragão Seia ([6]) «parece que, só caso a caso, será possível proceder a essa determinação sem esquecer que o arrendatário tem apenas o gozo do prédio cedido pelo senhorio, pertencendo apenas ao proprietário o direito de transformação», havendo embora que entender que o senhorio autoriza o arrendatário a efectuar as obras necessárias à adequação do arrendado à finalidade do arrendamento.

Quando o arrendatário, sem autorização do senhorio, realiza obras que alterem a disposição interna das divisões não age de harmonia com as obrigações contratuais impostas por lei de que não faça da coisa locada uma utilização imprudente (art. 1038-d) do CC) e de que a restitua no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização (art. 1043 do mesmo Código).

Menezes Cordeiro ([7]) afirma que se sanciona «tão só uma grave perturbação na economia contratual, em que o inquilino se arroga poderes próprios do domínio...» Acrescentando que o advérbio «substancialmente» deve ser tomado como traduzindo uma ideia de perenidade: excluem-se as obras transitórias que podem ser retiradas a todo o momento, por terem sido utilizados materiais facilmente destacados, ou quando a todo o tempo pode o réu retirar o que fez - embora a «perenidade» não se possa reconduzir á «reparibilidade», sendo esta tomada à letra. Refere que a disposição interna das divisões tem a ver «com o modo por que elas se concatenam entre si» ([8]).

Já Pais de Sousa ([9]) explicava que é preciso que, mercê das obras, a disposição interna das divisões seja profundamente alterada.

E Rabindranath Capelo de Sousa ([10]) admitia que a expressão «disposição interna das divisões» teria o significado de «distribuição interna do prédio ou a maneira por que estão dispostas as divisões interiores do prédio», apresentando o interior do prédio uma outra fisionomia, uma nova distribuição.

Assim, tal alteração ocorrerá quando é desfigurada a planificação interna do prédio ou o modo da distribuição dos vários compartimentos ou espaços internos, o que sucederá, designadamente, quando, com carácter definitivo, se diminui ou se aumenta o número de compartimentos do locado.

Claro que será face à matéria de facto efectivamente apurada que concluiremos se uma determinada alteração é (ou não) considerável.

Relevante, será, antes de mais, a caracterização do local arrendado - no caso que nos ocupa sabemos que se trata de uma loja sita no r/c de um prédio urbano, na cidade do Funchal, onde a R. exerce o seu comércio.

 As alterações a que a R. procedeu consistiram no levantamento de um muro a blocos de areia e cimento e na construção de uma casa de banho, também a blocos de areia e cimento.

Se o levantamento do muro – que sabemos, apenas, que serve como mesão de trabalho - por si só, desacompanhado de quaisquer outros elementos, não se poderá reconduzir à alteração substancial prevista na lei, diferentemente se perspectiva a feitura da casa de banho.

É certo que nada sabemos sobre as dimensões da mesma e sobre a sua localização dentro da loja arrendada. Todavia, houve a construção de um compartimento que anteriormente não existia - a casa de banho feita em blocos de areia e cimento e que sempre conterá e implicará o mínimo que uma instalação sanitária compreende. Aumentado o número de compartimentos do locado, foi alterada a planificação interna do mesmo, com carácter definitivo (dentro das coordenadas acima aludidas).

De onde se conclui que tal obra alterou substancialmente a disposição interna das divisões, constituindo fundamento para a resolução do contrato de arrendamento.

                                                           *

V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida, embora rectificando previamente a matéria de facto provada, nos termos apontados.

Custas pela apelada, quer da acção quer da apelação.

                                                           *

           

Lisboa, 29 de Maio de 2008

 

Maria José Mouro

Neto Neves

Isabel Canadas

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[1]              Ver, a propósito, o acórdão do STJ de 20-10-89, BMJ nº 390, pag. 372.
[2]              Esta é a indemnização igual a 50% das rendas em atraso.         
[3]              Ver o acórdão da Relação de Évora de 16-3-2006, ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/, processo 119/06-2 e o acórdão da Relação de Lisboa de 23-10-07, ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/, processo 2389/2007-1.
[4]              Miguel Teixeira de Sousa, em «A acção de despejo», 1991, pags. 60-61, referia: «A junção do duplicado ou duplicados das guias de depósito à contestação da acção de despejo baseada na falta de pagamento de rendas equivale à notificação desse depósito ao senhorio (art.º 24, nº 2, RAU), pelo que, se o senhorio quiser impugnar esse depósito, deve fazê-lo na resposta à contestação  (art.º 26, nº 2, 2.ª parte, RAU). O locador pode impugnar esse depósito considerando, por exemplo, que o montante em dívida é superior ao quantitativo depositado».
[5]              Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, processo 0650132.
[6]              «Arrendamento Urbano», 6ª edição, pag. 415.             
[7]              «Acção de Despejo. Obras sem Autorização. Exercício do Direito de Resolução», em «O Direito», 120º, pag. 233.
[8]              Pags. 235-236.
[9]              «Extinção do Arrendamento Urbano», 2ª edição, pag. 247
[10]             «Acção de Despejo - Obras não autorizadas e deteriorações consideráveis», Colectânea de Jurisprudência, ano XII, tomo 5, pag. 22.