PROVIDÊNCIA CAUTELAR
URGÊNCIA
FÉRIAS JUDICIAIS
Sumário

1.As providências cautelares, como qualquer processo urgente, perdem o carácter de urgência logo que sobre elas recaia uma decisão.
2. No caso concreto, a providência instaurada, deixou de ser processo urgente a partir da decisão de 11.07.2007.
3. Por isso, o prazo processual estabelecido no artigo 389º nº 1 alª a) do C.P.C. suspende-se durante as férias judiciais e conta-se a partir da notificação da decisão que decretou a providência e não de uma posterior notificação da secção.
(ISM)

Texto Integral

TEXTO INTEGRAL:
 

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


I - RELATÓRIO

P … e S… intentaram providência cautelar não especificada contra Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de V …. e contra C …..e G …., pedindo que sejam reatados os fornecimentos de energia eléctrica, gás e água, na sua residência sita na Rua …, fornecimentos cujo corte foi ordenado pelo requerido G…, depois de ter adquirido o imóvel supra referido.

Por decisão de 11.07.2007, transitada em julgado, foi decretada a providência.

Por requerimento datado de 14.09.2007, os requeridos vieram requerer a declaração de caducidade da providência decretada nos autos, pelo facto de os requerentes não terem instaurado a acção principal dentro do prazo previsto no artº 389° n° 1 alª a) do CPC.

Por despacho de 11.10.2207, foi indeferida a pretensão de declaração de caducidade da providência.

Não se conformando com tal despacho, dele recorreram os requeridos, tendo formulado as seguintes
CONCLUSÕES:

A. A sentença recorrida, salvo o devido respeito, é ilegal e injusta, violando o disposto nos artigos 382º, 389° n° 1 alª a) e 144° do CPC, o que se afirma com os fundamentos abaixo indicados.
B. A decisão a quo tendo aplicado o artº 144° do CPC, não retirou dele as consequências específicas para o presente caso, descurando a excepção feita para os procedimentos cautelares quanto à suspensão dos prazos durante as férias judiciais (n.° 1 in fine do mencionado artigo).
C. Com efeito, os procedimentos cautelares revestem carácter urgente nos termos do disposto no artº 382° do CPC, pelo que, ao abrigo do disposto nos arts 144° n° 1 e 389° n° 1 alª a) do CPC, o prazo de trinta dias para a propositura de acção principal pelos requerentes não se suspendeu no decurso das férias, pelo que teve o seu termo em 15 de Agosto de 2007, atendendo a que a decisão foi notificada às partes em 16 de Julho de 2007.
D. Numa providência cautelar, o carácter urgente acompanha o processo até ao seu final, ou seja, até à decisão definitiva do litígio. Só este entendimento assegura a segurança
jurídica (com que, necessariamente, tem sempre de confrontar-se a necessidade de evitar o periculum in mora que imbui os institutos cautelares) e protege o equilíbrio entre os vários interesses em causa:
a) O interesse do requerente em obviar ao periculum in mora;
b) O interesse dos requeridos em não suportar os prejuízos de uma decisão baseada numa sumario cognitio, logo provisória, mais do que o tempo estritamente necessário; e
c) O interesse da justiça em garantir a segurança jurídica, impondo a promoção pelo requerente de uma acção com vista à composição definitiva da questão.
E. Ora, a acção só foi proposta em 28 de Setembro de 2007, pelo que deveria o Tribunal a quo ter declarado a caducidade da presente providência, conforme requerido pelos requeridos ora recorrentes.
F. A decisão recorrida violou ainda a norma do artº 389° nº 1 alª a) do CPC quanto ao início do decurso do prazo referido, uma vez que considerou, numa interpretação contra-legem da referida disposição que o mesmo ocorreu não com a notificação da decisão aos requerentes (como impõe expressamente a lei), mas com uma notificação meramente redundante da secretaria aos requerentes datada de 3 de Agosto de 2007, relembrando os mesmos do decurso do referido prazo e considerando, irregularmente, o respectivo início naquela mesma data.
G. Efectivamente, apenas quanto às citações, estatui a lei processual que a irregularidade da secretaria não pode prejudicar as partes processuais (artº 198° do CPC), o que não tem aplicação numa mera notificação, aliás desnecessária e redundante face à notificação da decisão da providência, como foi o caso.
H. Com efeito, uma vez notificados da decisão da providência, em 16 de Julho de 2007, teve inicio o prazo de 30 dias para os requerentes proporem a acção principal, o que não ocorreu.
I. A acção foi proposta somente em 28 de Setembro de 2007, decorridos mais de quarenta dias deste o terminus do prazo.
J. Pelo que, ainda que se entendesse que o acto (intentar a acção principal no seu efeito de evitar a caducidade da providência cautelar) pudesse ser praticado até ao primeiro dia útil após as férias judiciais (artº 279º alª e) do CC), também essa data, 3 de Setembro, foi largamente ultrapassada.
K. Mais! Mesmo que se entendesse que o prazo se teria suspendido durante as férias judiciais, o que não se aceita e apenas se menciona por mero dever de patrocínio, sempre teria o respectivo termo ocorrido em 18 de Setembro.
L. No entanto, de forma incorrecta, o tribunal a quo concluiu em sentido contrário, entendendo que a acção deu entrada em tempo de evitar a caducidade do procedimento cautelar, o que constitui errada aplicação dos artigos 144° 382° e 389° do CPC, para não dizer atentatório do preceituado em tais disposições legais.
Desta forma violando, a igualmente a chamada o carácter urgente dos institutos cautelares previsto na lei processual civil.
Termina pedindo que seja revogado o despacho recorrido, declarando-se caduca a presente providência cautelar.

Dispensados os vistos legais cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A - Fundamentação de facto
A primeira instância considerou assente a seguinte matéria de facto:
1º - O presente procedimento cautelar comum foi julgado procedente por decisão proferida em 11 de Julho de 2007, já transitada em julgado, e notificada às partes por carta de 11 de Julho de 2007.
2º - Por carta enviada em 3 de Agosto de 2007, os requerentes foram notificados que "o procedimento cautelar caduca se, no prazo de 30 dias, contados da presente notificação, não propuser a acção da qual a providência depende".
3º - A acção principal foi instaurada em 28 de Setembro de 2007.

B - Fundamentação de direito

Tendo em consideração que, de acordo com os artigos 684º nº 3 e 690º do C.P.Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto do processo e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação deste tribunal foram colocadas as seguintes questões:
- O prazo de 30 dias para a interposição da acção da qual a providência cautelar decretada depende, suspende-se durante as férias judiciais?
- Tal prazo conta-se a partir da data da notificação da decisão (11.07.2007) ou da carta enviada em 03.08.2007 referida no nº 2 da fundamentação de facto?

Primeira questão
O prazo de 30 dias para a interposição da acção da qual a providência cautelar decretada depende, suspende-se durante as férias judiciais?

Entendeu a decisão recorrida que o prazo para a propositura da acção se suspendeu durante as férias judiciais, nos termos dos nºs 1 e 4 do artigo 144º do Código de Processo Civil.
É contra este entendimento que se insurgem os agravantes, para quem a decisão recorrida fez uma errada interpretação do artigo 144º do Código de Processo Civil, ou seja, o prazo para a propositura da acção é contínuo, por se tratar de um processo urgente.

Será um processo urgente?
O nº 4 do artigo 144º estabelece que os prazos para a propositura de acções previstas neste Código, seguem o regime dos números anteriores.
Nos números anteriores, logo no nº 1, estabelece-se que embora sendo o prazo continuo se suspende durante as férias judiciais, desde que os prazos sejam inferiores a seis meses, e nos nº 2 e 3 esclarece-se que também não se contam os dias em que os tribunais estejam encerrados e quais são esses dias.
A agravante discorda dessa interpretação, salientando que as providências cautelares são processos urgentes e que por essa razão o prazo é contínuo, não se suspendendo durante as férias judiciais.
  É verdade que as providências cautelares são processos com carácter urgente.
Os actos que se inserem na tramitação das providências, obedecem à regra específica de contagem prevista no nº 1, segunda parte do artigo 144º, tendo em conta o requisito essencial que é “periculum in mora”. Todavia, a providência cautelar no caso em apreço já havia sido decretada.
As providências cautelares, como qualquer processo urgente, perdem o carácter de urgência logo que sobre elas recaia uma decisão, como aconteceu no caso concreto.
A providência instaurada deixou de ser processo urgente a partir da decisão de 11.07.2007[1].

A acção da qual a providência depende, não é processo urgente e por isso não está abrangido pela ressalva do nº 1 do artº 144º do CPC. Não se pode estabelecer qualquer confusão entre as providências cautelares e as acções de que elas são dependentes. A pensar-se como a agravante, sempre que se requeresse uma providência cautelar o processo de que ela dependesse passaria “ipso facto” a processo urgente.
A ser assim, todas as acções de processo comum teriam sempre celeridade processual.

Podemos, pois, concluir que se suspendeu durante as férias judiciais o prazo de 30 dias para a interposição da acção, da qual a providência cautelar decretada depende.

Segunda questão
 Tal prazo conta-se a partir da data da notificação da decisão (11.07.2007) ou da carta enviada em 03.08.2007 referida no nº 2 da fundamentação de facto?

É evidente que o início da contagem do prazo é o que vem previsto no artigo 389º nº 1 alª a) do Código de Processo Civil e não outro ao sabor de uma qualquer notificação da secção.
Concretizando, o prazo para a propositura da acção inicia-se com a notificação da carta de 11 de Julho de 2007.

A notificação presumiu-se feita em 16.07.2007. A partir de 17.07.2007 começa a contar o prazo de 30 dias previsto no artigo 389º nº 1 alª a) do C.P.C.
Considerando a mencionada suspensão do prazo durante as férias judiciais, a acção deveria ter sido intentada até 17 de Setembro de 2007.

Tendo a acção principal sido instaurada em 28 de Setembro de 2007, é evidente que caducou a providência cautelar.
Sendo a questão de tal modo simples e cristalina, não se vê necessidade de maiores considerações sobre esta questão.

Podemos concluir nos seguintes termos:
I - As providências cautelares, como qualquer processo urgente, perdem o carácter de urgência logo que sobre elas recaia uma decisão.
II No caso concreto, a providência instaurada, deixou de ser processo urgente a partir da decisão de 11.07.2007.
III – Por isso, o prazo processual estabelecido no artigo 389º nº 1 alª a) do C.P.C. suspende-se durante as férias judiciais e conta-se a partir da notificação da decisão que decretou a providência e não de uma posterior notificação da secção.

III - DECISÃO

Pelo exposto, concede-se provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido e, em conformidade, declara-se a caducidade da providência decretada nos presentes autos.
Custas pelos agravantes.

Lisboa, 05 de Junho de 2008

Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
 Carla Mendes

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[1] No mesmo sentido, o acórdão da RC de 16.01.2001, in CJ II/01. pág. 5