I - A concessão de patente implica a mera presunção jurídica da titularidade do direito concedido, isto é, dos requisitos da sua concessão.
II - Tratando-se de uma presunção simples ou juris tantum que, como meio de prova, assume relevância em termos de aliviar a parte que dela beneficia da demonstração do facto presumido, não a iliba de provar a realidade do facto que serve de base à presunção.
III – Tendo a requerida feito prova de que os requisitos necessários à concessão da patente não se encontravam preenchidos, cabe ao tribunal, oficiosamente e apenas de forma incidental, apreciar da verificação de algum vício determinante da nulidade da patente de modo a poder proferir um juízo quanto à (in)existência do respectivo direito (ainda que em termos de probabilidade séria) enquanto requisito da providência cautelar intentada.
IV - Sendo lícito ao tribunal a quo a indagação e avaliação da questão da nulidade da patente levada a cabo a fim de apreciar a (in)existência do direito da requerente, igualmente se terá de concluir no sentido de que a natureza da prova, que caracteriza os procedimentos cautelares, não colide nem inviabiliza a exigência probatória indispensável à ilação da presunção quanto à existência do direito.
V – As providências cautelares visam combater o periculum in mora, devendo o mesmo apresentar-se como evidente e real, impondo uma avaliação ponderada da realidade.
I – Relatório
1. M & Co., INC e M Lda requereram procedimento cautelar comum contra A, SA, pedindo que fosse decretada a seguinte providência:
- Intimação da Requerida para que não importe, manipule, embale, coloque em circulação, venda ou ponha à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, o produto farmacêutico designado por ácido alendrónico arroblue ou sob qualquer outro nome comercial, contendo a substância activa alendronato, protegida pela patente (PT) n.º , pertencente à 1ª Requerente e explorada no país pela 2ª Requerente.
No essencial fundamentam a pretensão invocando violação pela Requerida dos direitos decorrentes da protecção do produto “Alendronato” por comercializar o “Ácido Alendrónico Arrowblue”[1] que contém o princípio activo “Alendronato”, preparado pelo processo da PT , de que a 1ª Requerente é titular, sem que tenha obtido para o efeito a necessária autorização.
2. Citada, a Requerida deduziu oposição (fls. 336/390) invocando a nulidade da patente em causa por manifesta falta de novidade e actividade inventiva e, bem assim, a inaplicabilidade da presunção contida no art.º 98, do CPI 2003. Alegou ainda que o produto por si comercializado se obtém através de um processo próprio e diverso do descrito na PT . Conclui no sentido da improcedência da providência por inexistência dos respectivos requisitos.
3. Realizadas as diligências probatórias e fixado o factualismo provado foi proferida decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar.
4. Inconformadas as Requerentes agravaram da decisão concluindo nas suas alegações:
A. Foram incorrectamente julgados os pontos de facto enunciados sob os n.ºs 74, 78, 79, 80, 85, 87, 91 e 94 do «Factos Provados», os quais devem ter-se como não escritos ou remeter-se o respectivo conteúdo para os «Factos não provados» (cfr. supra, n.ºs 2 a 8 da presente alegação);
B. Foram incorrectamente julgados os pontos de facto enunciados sob os n.ºs 1, 3 , 5, 6 e 7 dos «Factos não provados»: o primeiro deve ter-se como não escrito e os restantes devem ter-se como provados (cfr. supra n.ºs 9 a 11 da presente alegação);
C. Como consequência de tais alterações a introduzir na decisão sobre a matéria de facto, não pode fundar-se a nulidade da PT na suposta circunstância de «os sais de ácido alendrónico» e «em particular o sal monossódico já serem conhecidos» (cfr. supra, n.ºs 13 a 14 da presente alegação);
D. Por outro lado, as Requerentes, aqui Agravantes, não tinham que provar que o facto de o referido sal se apresentar sob a forma de trihidrato satisfazia os requisitos da novidade e da actividade inventiva, uma vez que beneficiavam, e beneficiam, da presunção legal decorrente da concessão da respectiva patente (cfr. supra, n.ºs 13 e 14 da presente alegação);
E. Acresce que, sendo a PT (originária ou fundamentalmente) uma patente de produto, pouco ou nada importa analisar as reivindicações de processo que ela também contém (cfr. supra n.ºs 16 e 17 da presente alegação);
F. A pari, é de observar que a actividade inventiva é reconhecível também no caso de coordenação original e engenhosa de elementos e meios técnicos já conhecidos quando daí derive, como ocorre na espécie, um resultado novo e economicamente útil (cfr. supra n.º 18 da presente alegação);
G. Para além disso, o tribunal a quo não dispunha de competência para apreciar e decidir o problema da eventual nulidade ou anulabilidade da patente invocada para a formulação do pedido de decretamento da providência cautelar em causa (cfr. supra n.º 19 da presente alegação);
H. O não decretamento dessa providência cautelar permitiria, com toda a probabilidade, que se mantivesse a situação da sua infracção pela Requerida, até à extinção, por caducidade, da PT , da 1ª Requerente (cfr. supra, n.º 20 da presente alegação);
I. Ficaria, assim, a 1ª Requerente incapacitada de exercer, em exclusivo, os direitos de exploração que lhe foram conferidos pela correspondente concessão (idem);
J. Na prática, isto equivaleria à denegação ou à postergação do preceito do art. 45-1, CPI 1995, e do art. 339, CPI 2003, que prevêem e postulam, em matéria de Propriedade Industrial, o decretamento de providências cautelares (idem);
K. De resto, num procedimento cautelar, o titular de uma patente, maxime de produto, que esteja a ser violada por outrem, tem direito a indemnização de danos e prejuízos, sem necessidade de prova alguma (cfr. supra, n.ºs 21 e 22 da presente alegação);
L. O comportamento ilícito da Requerida tem causado, e é susceptível de causar danos graves e de difícil reparação às Requerentes, nomeadamente no que concerne à sua imagem como empresas de topo e aos proveitos que a sua actividade necessariamente comporta e propicia;
M. Encontram-se, pois, reunidos todos e cada um dos requisitos de que a Lei faz depender o decretamento da providência requerida.
5. Em contra alegações a Requerida concluiu no sentido da improcedência do recurso.
II – Enquadramento fáctico
O tribunal a quo deu como provado o seguinte factualismo:
1 — A la requerente é a "empresa-mãe" de um dos maiores grupos multinacionais farmacêuticos do mundo, que tem associadas, subsidiarias, sucursais, agências e outras formas de representação em inúmeros países.
2 — O seu escopo consiste, há muitos anos, no fabrico e na comercialização de novos produtos químicos e farmacêuticos, ou de novas utilizações de produtos já existentes, através de vasto programa de investigação e desenvolvimento.
3- Que conduziu à produção e difusão de especialidades galénicas conhecidas e reputadas.
4 — A 2a requerente, de nacionalidade portuguesa, tem por objecto a importação, preparação e venda de produtos químicos, farmacêuticos e veterinários.
5 — Estando integrada no grupo M que nela detêm, através de sociedades dela dependentes, um poder de domínio.
6 — Nessa qualidade e também por efeito de relações contratuais estabelecidas, quer directamente com a la requerente, quer com outras empresas associadas, a 2a requerente é distribuidora exclusiva em Portugal de todos os produtos do grupo.
7 — ... e responsável pela formulação e embalagem desses produtos e por todo o marketing, promoção e venda dos mesmos neste País.
8 — Entre esses produtos conta-se o "FOSAMAX"®.
9 - Em cuja composição figura a substância activa "Alendronato".
10 — A requerida também se dedica à indústria e ao comércio de produtos e especialidades farmacêuticas para uso humano.
11 — Mas não exerce actividade inventiva, nem sequer fabrica matérias-primas, limitando-se a importá-las e formulá-las, nomeadamente no campo dos chamados "medicamentos genéricos".
12 — A requerida pediu e obteve, em 27.09.2005, do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento — Infarmed, autorização de introdução no mercado nacional do medicamento, denominado "Ácido Alendrónico Arrowblue".
13 — A solicitação foi feita para o produto referido, comprimidos a 70 mg.
14 - Em cuja composição entra o princípio activo "Alendronato".
15 — Foi concedida comparticipação do Estado no preço do medicamento referido em 12.
16 O "Acido Alendrónico Arrowblue" foi lançado no mercado e passou a ser comercializado pela requerida em Portugal desde Março de 2006.
17 – A requerida não pediu, nem recebeu, consentimento ou licença das requerentes, nem de qualquer cessionário dos respectivos direitos, para preparar e comercializar, em Portugal o "Alendronato".
18 – Nem lhe adquiriu a referida substância.
19 – Do "Resumo das Características do Medicamento" (RCM), respeitante ao "Ácido Alendrónico Arrowblue", pode ler-se, além do mais que o "ácido alendrónico", ai mencionado, se apresenta sob a forma de alendronato.
20 - O "Ácido Alendrónico" é a denominação comum internacional, utilizada em Farmácia do composto cujo nome químico é ácido (4-amino – 1- hidroxibutilideno) bisfosfónico de fórmula:
H2N HO P- OH OH
P OH. OH
21. O "acido Alendrónico" é normalmente utilizado sob a forma de trihidrato do sal monossódico.
22 – O trihidrato de sal monossódico, do "ácido alendrónico" (ou alendronato de sódio trihidratado) é habitualmente denominado "Alendronato".
23 – O ácido Alendrónico e os seus sais farmaceuticamente aceitáveis são úteis no tratamento da osteoporose em mulheres pós-menopáusicas para prevenir fracturas, incluindo as da anca e da coluna.
24 – O "Alendronato" foi também desenvolvido pela 1ª requerente.
25 – A la requerente é titular da patente .
26 – A referida patente tem como epígrafe "Processo para a preparação do ácido 4-amino-l-hidroxibutilideno-1,1-bisfosfónico ou dos seus sais"
27 – A PT foi pedida em 07.06 de 1990, reivindicando a prioridade da patente Norte Americana n.° de 09.06.1989 e concedida por despacho de 24.02.1997.
28 – As reivindicações da patente PT são:
la - composto caracterizado por ser tri-hidrato cristalino do sal monossódico do ácido 4-amino 1 hidroxibutilideno-l.l-bisfosfónico;
2a - composto de acordo com a reivindicação 1, caracterizado por estar na forma de um pó que fluí livremente;
3a- composto de acordo com a reivindicação 1 ou com a reivindicação 2, caracterizado por ser utilizado na preparação de uma composição farmacêutica;
4a - composição farmacêutica, caracterizada por compreender um composto de acordo com a reivindicação 1 ou com a reivindicação 2;
5a - processo para a preparação de um composto de acordo com a reivindicação 1 ou com a reivindicação 2, caracterizado por compreender:
a) a reacção do ácido 4 aminobutírico com uma mistura de ácido fosforoso e PC 13 na presença de ácido metanossulfónico, a uma temperatura menor do que 85°C;
b) o tratamento com água;
c) levar o pH até 4,3 com solução de hidróxido de sódio, a uma temperatura de 20-25C;
d) o arrefecimento até 0-5 ° C, e
e) a recolha do composto desejado por meio de filtração, lavagem com água e etanol a 95% e secagem do ar.
6a - Processo de acordo com a reivindicação 5, caracterizado por o passo (a) a ser realizado na ausência de um diluente;
7a - Processo de acordo com a reivindicação 5 ou com a reivindicação 6, caracterizado por o passo (a) ser realizado a cerca de 45° C e o passo (e) a ser realizado a cerca de 40°C.
8a - Processo de acordo com qualquer uma das reivindicações 5 a 7, caracterizado por se utilizar 1,5 mol de H3PO4 e 2,4 mol de PC13 por mol de ácido 4 aminobutírico. 9a - Processo de acordo com qualquer uma das reivindicações 5 a 8 caracterizado por no passo (c) se empregar solução de hidróxido de sódio a 50%.
10a - Processo de acordo com qualquer uma das reivindicações 5 a 9, caracterizado por a solução obtida no passo (b) ser envelhecida a 95-100°C antes do início do passo (c).
29 - Na memória descritiva da referida patente diz-se:
Resumo
O presente invento diz respeito a um processo para a preparação de ácido 4-amino-lhidroxibutilideno -1, 1 – biofosfónico ou dos seus sais que compreende:
(a) a reacção do ácido 4 – aminobutírico com uma mistura de ácido fosforoso e PC1 3 na presença de ácido metanossulfónico; e,
(b) a recuperação do referido ácido 4 amino-1 hidroxibutilideno -1;1 – bisfosfónico ou dos seus sais.‑
30 – No fundamento do invento pode ler-se que:
"Este invento refere-se a um processo melhorado para a preparação do ácido 4-amino-lhidroxibutilideno -1, 1 – bisfosfónico ou dos seus sais, onde o produto final é obtido de forma praticamente pura e com elevados níveis de rendimento num processo de recipiente único.
Sabe-se, de acordo com a U.S Patent 4 407 761, preparar o ácido 4 – amino – 1 hidroxibutilideno – 1, 1 bisfosfónico pela reacção de um ácido aminocarboxílico com um reagente de fosfonação e, em seguida, hidrolizando a mistura de reacção pela adição de ácido clorídrico concentrado com aquecimento. Resultam problemas desta reacção visto que não permanece homogénea e ocorre uma solidificação local. Esta solidificação é causa de rendimentos variáveis, os quais resultam em parte da natureza eixotérmica da reacção com desenvolvimento de pontos quentes. Além disso para se fazer o sal de sódio utilizando os processos da técnica anterior requer-se o isolamento do ácido 4- amino -1 – hidroxibutilideno – 1, 1 – biofosfónico e um passo adicional para o converter para o sal monossódico.
O presente invento resolve estes problemas permitindo que a reacção permaneça fluida e homogénea, tornando possível o fabrico comercial, reduzindo o número de passos do processo e proporcionando uma grande melhoria no rendimento do isolado, das 45% para 85%-90%".‑
31 – Na descrição detalhada do invento refere-se, designadamente, que: "trihidrato de sal monossódico de ácido 4 –amino-l-hidroxibutilideno -1, 1 – biofosfónico aqui descrito é útil como composição farmacêutica e para o tratamento e prevenção de doenças que envolvem reabsorção óssea. Tais doenças como as hipercalcemia maligna, doença de Paget e osteoporose, são vantajosamente tratadas com tri-hidrato do sal monossódico do ácido 4 amino-l-hidroxibutilideno -1, 1 bisfosfónico feito de acordo com o processo do presente invento".
32 – O exemplo 1 da referida patente tem como epígrafe "preparação do trihidrato de sal monossódico do ácido 4 –amino – 1- hidroxibutilideno – 1- 1 biofósfonico.
33 – O exemplo 2 da patente tem como epígrafe "Análise do tri-hidrato do sal monossódico do ácido 4 – amino – 1 – hidroxibutilideno – 1, 1 – biofosfónico.
34 – O exemplo 3 da patente tem como epígrafe " preparação do ácido 4 – amino – 1 hidroxibutilideno – 1, 1 – biofosfónico.
35 - O exemplo 4 da patente tem como epígrafe "Análise do ácido 4-amino-lhidroxibutilideno – 1, 1- bis-fosfónico".
36 - A PT foi inicialmente apenas pedida como patente de processo.
37 – Com as seguintes reivindicações:
la - processo para preparação do ácido 4 –amino-l-hidroxibutilideno – 1, 1 bisfosfónico ou dos seus sais caracterizado por compreender:
(a) a reacção do ácido 4-aminobutírico com uma mistura de ácido fosforoso e PC13 na presença de ácido metanossulfónico; e
(b) a recuperação do referido ácido 4-amino-l-hidroxibutilideno – 1, 1 – bisfosfónico ou dos seus sais.
2a - Processo de acordo com a reivindicação 1, caracterizado por a referida reacção ser conduzida a uma temperatura desde 45°C até 125° C.
3a Processo de acordo com a reivindicação 2, caracterizado por a referida reacção ser conduzida a uma temperatura de cerca de 65°C.
4a Processo de acordo com a reivindicação 3 caracterizado por ser recuperado o trihidrato de sal monossódico de ácido 4-amino-1-hidroxibutilideno -1, 1 bisfosfónico.
38 – Em 15.11.96 o Instituto Nacional de Propriedade Industrial notificou a requerente para "substituir as reivindicações ou outras em conformidade com a Patente Europeia".
39 — A determinação foi cumprida em 14.01.1997.
40 — As alterações às reivindicações da patente não foram objecto de publicação ou anúncio público.
41 - A memória descritiva da PT 94. 306 manteve-se igual.
42 — Já depois da concessão da patente e da emissão do título foi verificada a existência de um erro na reivindicação 1: na tradução das reivindicações da patente europeia correspondente (EP 0402 152), omitiu-se o termo "cristalino".
43 — Foi requerida a necessária alteração, tendo a menção sido publicada.
44 — A la requerente é titular da Patente Europeia n.° 0402 152, pedida em 08.06.1990 e concedida em 02.11.1995.
45 — Tendo como epígrafe "Crystalline 4 — amino — 1 — hydroxybutylidene — 1, 1 bisphosphonic acid monosodium trihydrate, process therefor and compositions and use thereof'.
46 — Concedida como patente de produto e processo para todos os países designados, excepto Grécia e Espanha.
47 — A patente corresponde não só à patente norte-americana n.° 4 922 007, como sobretudo à patente europeia n.° 0402 152.
48 - Por contrato celebrado em 01.03.1993, parcialmente modificado em 26 de Outubro de 1995, a 1a requerente concedeu a M Sharp & Dohme (Ireland) com sede nas Bermudas «uma sub-licença exclusiva de acordo com as patentes licenciadas no Território para fazer, mandar fazer, empacotar, utilizar e vender o Produto com direito a conceder sub-licenças às Filiais».
49 — O termo "patentes" significava «aqueles títulos de patentes ainda não expirados, licenciados ao LICENCIADOR dentro do Território relacionados com o Produto e quaisquer títulos de patentes relacionados com o Produto e concedidos ao LICENCIADOR durante o prazo deste Contrato com base nos pedidos de patentes dentro do Território..».
50 — O termo "Território" significava o «Mundo».
51 — O termo "Produto" significava «a forma prescrita para administração como terapia humana contendo o Composto como ingrediente activo por si só ou em conjunto com outros ingredientes activos».
52 – O termo "Composto" significava «A substância química ácido 4 amino- 1-hidroxi-butano – 1, 1 – bisfosfónico, também conhecido por alendronato».
53 – Em 21 de Agosto de 1997 a M SHARP & DOHME (IRELAND) alterou o seu nome para MSD OVERSEAS MANUFACTURING CO.
54 – Por contrato celebrado em 01 de Setembro de 1997, parcialmente modificado em 29.12.1999, a MSD OVERSEAS MANUFACTURING CO, na qualidade de detentora dos direitos que, nos moldes expostos, lhe tinham advindo da aqui lª requerente (M & C°, INC) concedeu a CROSSWINDS B.V, com sede na Holanda «uma licença exclusiva de acordo com a Patentes licenciadas dentro do território para fazer, mandar fazer, utilizar e vender o Produto com o direito a conceder licenças às Filiais. »
55 – Por contrato celebrado em 01.09.1997, parcialmente modificado em 29.12.1999, a CROSSWINDS concedeu a M SHARP & DOHME (IRELAND) LTD, « uma sub-licença exclusiva de acordo com as Patentes licenciadas e Know-how dentro do Território, para fazer, mandar fazer, utilizar e vender o Produto com o direito de conceder sub-licenças e Filiais".
56 – Por contrato celebrado em 23 de Dezembro de 1997, com intervenção da CROSSWINDS B.V, a MSD OVERSEAS MANUFACTURING CO. («MSD OMC») cedeu, transferiu e transmitiu à MSD OVERSEAS MANUFACTURING CO. (IRELAND) («MSD OMCI») todos os seus direitos "inerentes e de acordo com o Contrato de Licença (outorgado com a CROSSWINDS B.V), tornando tal transferência imediatamente efectiva».
57 – Por contrato celebrado em Maio de 2001, a M SHARP & DOHME (IRELAND) LTD concedeu à M SHARP & DOHME L.da, ora 2a requerente, uma licença exclusiva para a PT , «para importar e vender produtos abrangidos» pela mesma.
58 – Todas as licenças e sublicenças foram averbadas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial.
59 – As requerentes têm vindo a comercializar em Portugal a composição farmacêutica a que corresponde a patente desde Outubro de 1996.
60 – Sob a marca "Fosamax ®".
61 – O fármaco é vendido em Portugal, em embalagens de 14, 28 e 56 comprimidos doseados a 10 mg.
62 – A autorização de introdução no mercado português do referido medicamento foi concedida pelo Infarmed por despacho de 12 de Fevereiro de 1996.
63 – A comercialização do medicamento "Ácido Alendrónico Arrowblue" tem sido feita por um preço mais baixo do que o medicamento "Fosamax".
64 – O capital social da requerida é de 50.000,00 €.
65 - Num estudo publicado em 1978 no Boletim da Academia de Ciências da URSS, n.° 27,374 – 377 e assinado por Kabachinik, et al, é dada notícia pela primeira vez da preparação do ácido alendrónico por reacção do ácido y-aminobutírico com ácido fosforoso e cloreto fosforoso na ausência de solvente.
66 – Estes autores apresentam dados de análise elementar concordantes com uma forma não hidratada e não mencionam qualquer sal.
67 – Estudam as suas propriedades quelantes, em particular do cálcio.
68 – Em 16.02.1983 foi concedida à empresa HENKEL, a patente europeia EP 039033, (correspondente à patente DE 3016289), que não designa Portugal, com data de prioridade reportando a 28.04.1980 em que se reivindica o processo de preparação do ácido alendrónico por acção de tricloreto de fósforo ou de pentacloreto de fósforo, em conjunto com ácido fosforoso sobre ácido 4-aminobutírico, com ou sem solvente e após hidrólise ácida (ácido forte não oxidante, incluindo, por exemplo o ácido ptoluenossulfónico).
69 – Com data de depósito reportada a 15 de Abril de 1982 foi publicada em Itália a patente IT 20781 – "Bifosfonati farmacologicamente attivi, procedimento per la toro preparazione e relative composizioni farmaceutiche" de que é titular a empresa italiana Instituto Gentili S.P.A".
70 – Esta patente reivindica composições farmacêuticas contendo ácido 4-amino-1-hidroxi-butano -1,1-bifosfónico, ou mais resumidamente ácido alendrónico, incluindo os seus sais com metais alcalinos, bases orgânicas e bases conjugadas de amnioácidos, bem como processo para a sua obtenção.
71 – O sódio é um metal alcalino.
72 – Nesta patente, é descrito e reivindicado que o ácido alendronico e os seus sais, têm eficácia terapêutica e podem ser usados como substâncias activas em medicamentos destinados ao tratamento de doenças ósseas, com maior eficácia e menor incidência de efeitos secundários do que outras substâncias conhecidas até à data do depósito.
73 – A IT 20781 apresenta resultados de testes clínicos para o hiperparatirodismo primário, doença de Paget, Hipercalcemia neoplástica e Osteolise neoplástica bem como dados de estudos toxicológicos.
74 – A IT 20781 reivindica também um processo de preparação dos ácidosbifosfónicos-alvo, de entre os quais se destaca o ácido alendrónico ou os seus sais farmacêuticamente aceitáveis.
75 – O processo reivindicado é caracterizado por:
a) - se fazer reagir um amnioácido ou um seu percursor com ácido fosforoso e tricloreto de fósforo em solvente inerte e;
b) – se hidrolizar o produto de reacção.
76 – Esta patente foi também concedida nos Estados Unidos da América à sociedade Gentili, em 04.11.1986, onde tem o número US 4.621.077.
77 – A patente US 4.621.077 consta dos registos da autoridade norte-americana reguladora dos medicamentos, Food and Drug Administration (FDA) como uma das patentes base para o registo do medicamento FOSAMAX nos E.U.A.
78' -Em nenhum parágrafo do texto da patente os inventores revelam que descobriram uma nova substância.
79 - No alendronato de sódio reivindicado na patente o único aspecto que o diferencia é o conteúdo em água.
80 – ... que não demonstra efectivamente que a água faça parte da estrutura cristalina.‑
81 – No exemplo 2 da patente refere-se a realização de vários testes, designadamente "Raios X", com a indicação do resultado de "conforme".
82 - A Técnica de Difracção de raios X é mencionada em publicações de 1974.
83 – Em 1987/88 a EP 311366 – "Crystalline beta-lactam hydrate" – Eli Lilly and Company – prioridade: 06.10.1987 (reivindicação1la) e EP 340677 – "Gabapentin Monohydrate and a Pocess For Producing The Same" – Warner Lambert Company – prioridade 02.05.1988 (reivindicações 1a e 2a), reivindicam formas hidratadas de moléculas, apresentando os respectivos dados analíticos de difracção de raios X que suportam a existência dessa nova entidade.
84 - A patente Gentili não refere qualquer forma hidratada.
85 - A requerente afirma nas suas publicações que o composto denominado Alendronato foi descoberto pelo Instituto Gentili e que o medicamento Fosamax é licenciado pelo mesmo Instituto Gentili.
86 – Na publicação "The M Índex" publicada pelo M Research Laboratories, a substância referência para o medicamento Fosamax é o Ácido Alendrónico, sendo citados vários autores e o Instituto Gentili para as informações relevantes do produto mas nunca a própria M.
87 – Os sais de ácido alendrónico já eram conhecidos e em particular o sal monossódico.
88 – Depois de conhecida a patente europeia com o número EP 039033, titulada pela empresa Alemã HENKEL, um técnico utilizá-la-ia como base de experimentação para novos avanços no processo de obtenção do sal monossódico do ácido alendrónico.
89 – Um perito consideraria a possibilidade de experimentação dos compostos pouco explorados na EP 039033.
90 - Foi publicado em 1981, um artigo sobre a especialidade intitulado "Difosfonatos: História e Mecanismos de Acção por Fleisch.
91 – A apresentação do composto sobre a forma mono, bi ou tri hidratada apenas poderá influir nas propriedades do composto, sem que tal signifique que o composto seja diferente.
92 – A patente EP 94 não revela nem demonstra porque é que o processo reivindicado leva à formação de um pó que fluí livremente.
93 – No fundamento do invento e sumário da patente não é mencionado que o processo inventado resolve um eventual problema de fluidez do produto obtido por processos já conhecidos.
94 – Não existe qualquer referência à fluidez do produto na parte descritiva, nem uma eventual comparação com outro processo que levasse à formação de um pó de alendronato que não fluísse livremente
95 – O conceito de "fluir livremente" para produtos farmacêuticos é perfeitamente possível de caracterizar e quantificar, como por exemplo através de grandezas medidas em tempo de escoamento ou ângulo de repouso.
96 – A patente PT utiliza o mesmo processo da patente IT 20781, mas especificando condições particulares de reacção (temperaturas e proporção de reagentes) – reivindicações 5 a 10.
97 – O processo da patente é caracterizado pelo não isolamento do ácido, obtendo-se o sal directamente.
98 – A concessão da Autorização de Introdução no mercado (AIM) para o Ácido Alendrónico ArrowBlue" processou-se através do.chamado "processo de reconhecimento mútuo".
99 – A preparação da substância activa do "ácido Alendrónico Arrowblue" não é feita em Portugal.
100 - Um dos fabricantes da substância activa da requerida é a empresa Cipla.
101 – O processo utilizado e seguido pela Cipla basicamente consiste em fazer reagir ácido gama-aminobutírico (designação equivalente a ácido 4-aminobutírico) (GABA) com ácido fosforoso, em presença de ácido benzeno sulfónico seguindo-se um tratamento com hidróxido de sódio, obtendo-se Alendronato de sódio em bruto, que é sujeito a uma posterior purificação de forma a obter Alendronato de sódio trihidratado puro.
Esquematicamente, pode traduzir-se da seguinte forma:
102 - Existem neste momento no mercado farmacêutico português cerca de 24 medicamentos, tendo o ácido alendrónico como substância activa apresentando-se na dosagem de 70 mg.
103 – A requerida é a subsidiária portuguesa de uma das maiores empresas farmacêuticas britânicas, a Arrow Generics Limited.
104 — A referida empresa é uma das maiores empresas farmacêuticas inglesas, que actua não só no Reino Unido e em Portugal, como em diversos países, como a Austrália, Canada, o Brasil e os Estados Unidos da América.
105 — A requerida iniciou a sua actividade em Portugal, em meados de 2005
106 — O Acido Alendrónico Arrowblue constitui neste momento um dos principais produtos que comercializa, cujas vendas representam quase 30% do seu volume total de negócios.
107 - A patente EP 0402152, não tem aplicação nem vigência em Portugal, que não é designado entre os quais a patente cria a protecção que deriva da sua concessão.
108 — Existe a seguinte patente:
a) EP 1107974 (WO 200012517) — Titular: TEVA "Novel hydrate forms of alendronate sodium, processes for manufacture thereof, and pharmaceutical compositions thereof'. Depositada em 27.Agosto.1999. Data de expiração estimada: Agosto.2019. Designa entre outros países Portugal e Espanha.
III – Enquadramento jurídico
Delimitadas pelas conclusões das alegações e na ausência de aspectos de conhecimento oficioso que cumpra apreciar, as questões submetidas à apreciação deste tribunal são as seguintes:
1 alteração da matéria de facto
2.(in)validade da patente
3.(in)existência de fundado receio de lesão grave ou irreparável do direito
1.Da impugnação da matéria de facto
(…)
1.7 Defendem as Recorrentes que deverá ser dado como não escrito o facto n.º1 considerado não provado e do seguinte teor: “O Alendronato foi descoberto pela 1ª requerente”, sustentando-se no facto da 1ª Requerente ser titular de uma patente de invenção que protege o produto, bem como o processo para o obter e não se mostrar provado que a Requerida haja feito prova do contrário.
O tribunal a quo fundamentou a sua posição consignando que “a prova produzida não permite concluir nesse sentido, existindo várias referências anteriores ao “genericamente” chamado “Alendronato” ”.
Na sequência do que referimos em 1.2 (quando da análise da matéria de facto dada como apurada sob o n.º 78 dos factos provados), a matéria em causa, porque referente à questão objecto de discussão nos autos (como vimos, está em causa determinar se no processo patenteado ocorrem os requisitos de novidade e actividade inventiva), extravasa a mera questão de facto pelo que, ainda que remetida para o factualismo não provado, assume conotação eminentemente conclusiva.
Por conseguinte, tendo presente a especificidade do caso sob apreciação, a consignação da referida matéria nos factos não provados constitui ainda um juízo de valor de carácter conclusivo por a proposição que contém, ainda que de modo implícito, consubstanciar parte da solução em termos de direito. Consequentemente há que a considerar não escrita.
(…)
Nestes termos e em face de todo o exposto, há que manter a matéria de facto nos termos decididos pelo tribunal a quo, com excepção da matéria constante do n.º 78 dos factos provados e do n.º 1 dos factos não provados que se deverá considerar como não escrita.
Dos requisitos da providência
A decisão recorrida julgou improcedente a providência sustentada no facto das Requerentes não terem demonstrado os pressupostos do procedimento cautelar intentado, ou seja, por não terem feito prova da violação do direito subjectivo de que se arrogam e do fundado receio ou perigo de lesão grave e irreparável[2].
A tal propósito e relativamente à violação do direito das Requerentes, refere-se na decisão recorrida:
“(…) importa concluir pela nulidade das reivindicações da patente, facto que tem obviamente por consequência a consideração da não verificação do primeiro requisito de que depende a procedência da providência, como vimos – a probabilidade séria da existência do direito invocado.”
No que respeita à lesão grave e irreparável ou de difícil reparação ponderou-se na decisão sob censura:
“(…) perante estes factos importa concluir que não provaram desde logo as requerentes os prejuízos que invocam, designadamente a quantificação dos mesmos, não se provando desde logo os valores de venda de ambos os produtos e em que números as vendas do produto “fosamax” foi afectado pela comercialização do produto da requerida. Para além disso não foi feita prova de que, a verificar-se lesão na esfera das requerentes, a mesma seja de difícil reparação pela requerida, estando-se no caso perante a bitola mais restrita, referida supra, dos prejuízos materiais, provando-se desde logo que a requerida é subsidiária de uma das maiores empresas farmacêuticas inglesas, que actua em diversos países.
Não é possível face à matéria provada, fazer uma contabilidade que permita estabelecer no sentido referido e como tal, cabe concluir pela não verificação igualmente deste pressuposto, necessário para que a providência seja decretada ”
A manutenção da matéria de facto apurada pelo tribunal a quo não permite alterar o que nesse sentido se encontra decidido em termos de direito, sendo por isso de manter a decisão de improcedência da providência nos termos levados a cabo.
Com efeito, o que vem julgado merece confirmação pois que a matéria de facto foi devidamente apreciada e valorada, conduzindo à solução perfilhada pela 1ªinstância o que, desde logo, nos permitiria remeter para os fundamentos da sentença recorrida, nos termos do art.º 713, do CPC. Ainda assim, não deixaremos de tecer algumas considerações em reforço do concluído pelo tribunal recorrido.
Da (in)validade da patente
Conforme decorre dos autos, a 1ª Requerente é titular da patente de invenção n.º , pedida em 07.06.1990, tendo sido concedida por despacho de 24.02.1997, que tem por epígrafe “Processo para preparação do ácido 4 amino1-hidroxibutilideno.-1, 1-bisfosfónico ou dos seus sais”.
Constitui particularidade da situação dos autos o facto da referida patente ter sido inicialmente pedida como patente de processo, tendo a Requerente sido notificada pelo INPI para adaptar a sua pretensão ao pedido de patente europeia n.º 0 402 152, o que foi levado a cabo através da alteração das reivindicações da patente (sendo as quatro primeiras relativas a patente de produto e as restantes seis a uma patente de processo), pelo que lhe foi concedida como patente de produto e de processo.
Outra particularidade do caso sob apreciação resulta das consequências a retirar face às várias alterações legislativas que se produziram desde a formulação do pedido de patente. Na verdade, quando a patente foi pedida (em 07.06.1990) encontrava-se em vigor o Código da Propriedade Industrial de 1940[3]; quando a mesma foi concedida estava em vigor o Código de 1995, sendo que à data da propositura da providência já vigorava o Código da Propriedade Industrial de 2003.
Perante a sucessão legislativa evidenciada cabia determinar qual o regime legal a aplicar para averiguar da validade da decisão de concessão da patente por parte do INP[4].
Conforme decorre dos autos e constitui aspecto que as partes não colocaram em causa neste âmbito, o tribunal a quo entendeu ser de aplicar o regime do Código da Propriedade Industrial de 1995 e, nessa medida, não considerar nula a decisão do INP de concessão da patente, ou seja, concluindo pela validade das reivindicações de produto[5].
Assim sendo, a patente em causa incluiu os dois tipos de protecção – como produto[6] (as quatro primeiras reivindicações[7]) e como processo[8] (as restantes seis reivindicações).
De acordo com disposto no art.º 101, do CPI, a patente confere ao respectivo titular o direito de em exclusivo realizar, utilizar e comercializar o produto, o procedimento ou o uso patenteado e, nessa medida, de impedir que um terceiro, sem o seu consentimento, fabrique, ofereça, armazene, introduza no comércio ou utilize um produto objecto de patente ou importe ou detenha a posse desse produto para algum desses fins.
Detém assim o titular da patente a possibilidade de se opor a todos e quaisquer actos que constituam violação da sua patente, sendo certo que os direitos que dela decorrem circunscrevem-se ao âmbito definido pelas reivindicações.
A sentença recorrida, conforme já salientado, sustentou a ausência do pressuposto para o deferimento da pretensão das Requerentes - probabilidade séria da existência do direito de protecção – na nulidade da patente por o respectivo objecto não satisfazer os requisitos de novidade e actividade inventiva quer no que se reporta ao produto em causa (por resultar apurado que os sais de ácido alendrónico, em particular o sal monossódico, já serem conhecidos e porque não resultou demonstrado que a forma trihidratada do mesmo signifique que se trata de um produto diferente), quer relativamente ao processo de formação dos sais (por na patente Gentili se utilizar o mesmo processo, não bastando para a caracterização da novidade do processo a especificação das condições particulares de reacção).
Para além das implicações que em termos de direito decorreriam da alteração da matéria de facto, as Agravantes rebelam-se contra a decisão da 1ª instância utilizando a seguinte ordem de argumentos:
1. por beneficiarem da presunção legal decorrente da concessão da respectiva patente e, por isso, não lhes competir a prova de que o referido sal, ao se apresentar sob a forma de trihidrato, satisfazia os requisitos da novidade e actividade inventiva.
2. ainda que se entendesse tratar-se de uma patente de melhoramento, quer a patente primária, quer a secundária pertencem ao mesmo proprietário – A M &Cº, Inc – ocorrendo actividade inventiva sempre que a coordenação original e engenhosa de elementos e meios técnicos conhecidos produza um resultado novo e economicamente útil.
3. Carecer o tribunal de competência para concluir pela nulidade da patente, atenta a natureza do processo em causa.
A falta de razão das Requerentes decorre da circunstância destas se estribarem em argumentos isolados da realidade fáctica apurada.
Vejamos.
1. No que se refere à presunção decorrente da titularidade da patente invocada pelas Agravantes há que delimitar devidamente o âmbito do seu funcionamento pois que o posicionamento sustentado no recurso evidencia algum equívoco nesse sentido.
Resulta dos art.ºs 5 e 6, do CPI de 1995 (art.º4, n.º2, do actual CPI) que a concessão da patente implica a mera presunção jurídica da titularidade do direito concedido, isto é, dos requisitos da sua concessão. Tratando-se de uma presunção simples ou juris tantum que, como meio de prova, assume relevância em termos de aliviar a parte que dela beneficia da demonstração do facto presumido, não a iliba de provar a realidade do facto que serve de base à presunção.
Desta forma, tendo presente o que decorre do n.º 1 do art.º 350, do Código Civil, a demonstração do facto que serve de base à presunção equivale a provar o facto presumido, cabendo à outra parte, para destruir a presunção, fazer prova do contrário (quer em termos do facto que serve de base à presunção, quer do próprio facto presumido). E sempre que a parte contrária o consiga fazer, impenderá sobre a parte beneficiária da presunção o ónus de rebater a prova do contrário, isto é, fazer a respectiva contraprova.
Reportando-nos para a situação dos autos, tendo em conta o factualismo apurado verifica-se que, embora as Requerentes tivessem a seu favor a presunção da existência do direito à patente decorrente da concessão atribuída, a Requerida conseguiu fazer prova de que os requisitos necessários à concessão não se encontravam preenchidos; daí a respectiva nulidade da patente (quer de produto, quer de processo):
- No que se refere à patente de produto, cfr n.ºs 70, 71, 72, e 87 dos factos provados (os sais do ácido alendrónico já eram conhecidos e em particular o sal monossódico) e n.ºs 79, 80, 84, 91 (sendo o conteúdo em água[9], o único aspecto que diferencia o alendronato de sódio reivindicado na patente Gentili do reivindicado na patente n.º da M, não só resultou apurado a circunstância de não se encontrar demonstrado na patente que a água faça efectivamente parte da estrutura cristalina, como ficou provado que a apresentação do referido composto sob a forma mono, bi ou tri hidratada apenas pode influir nas propriedades do composto, sem que para o efeito se esteja perante um composto diferente)
- Relativamente à falta de novidade do processo de formação dos sais de sódio, cfr. n.ºs 74 e 96 (a patente Gentili reivindica um processo de preparação dos ácidos bifosfónicos-alvo, de entre os quais se destaca o ácido alendrónico ou os seus sais farmacêuticamente aceitáveis, sendo que a patente utiliza o mesmo processo da patente IT 20781, mas especificando condições particulares de reacção).
Verificando-se provada a falta dos requisitos da patenteabilidade - novidade e actividade inventiva – foi ilidida a presunção no que se refere à existência do direito das Requerentes decorrente da concessão da patente, sendo certo que as mesmas não neutralizaram tal ilação através da contraprova quanto à novidade efectiva do composto sob a forma trihidratada, designadamente no que se reporta à circunstância da água fazer parte integrante da estrutura do produto.
Defendem as Recorrentes que no âmbito do procedimento cautelar apenas se lhes impunha demonstrar a aparência do seu direito, mostrando-se a presunção constante do art.º 5, n.º1, do CPI, bastante para o efeito.
A questão colocada pelas Requerentes é a da articulação da natureza da prova nos procedimentos cautelares (na concessão da tutelar cautelar não se exige um juízo de certeza, bastando-se a lei com um juízo de verosimilhança – probabilidade séria, segundo o art.º 387, n.º1, do CPC) e a exigência probatória em termos de ilação da presunção de que as mesmas beneficiavam. Este aspecto está conexionado com a questão suscitada pelas Agravantes relativa à “competência” do tribunal a quo para o conhecimento da nulidade da patente.
Na sequência do já sublinhado, o alcance imediato da presunção estabelecida no art.º 5, n.º1, do CPI de 1995, é o de que, concedida a patente, a mesma vale com todos os seus efeitos ainda que se encontre viciada por qualquer causa genérica ou substancial determinante da sua invalidade. Tal, porém, não impossibilita que o tribunal, no âmbito de uma qualquer acção, oficiosamente, possa conhecer da nulidade da patente (cfr. art.º 286, do Código Civil), sempre que estiver em causa apreciar a existência do respectivo direito, designadamente no âmbito cautelar, como é o caso dos autos.
Com efeito, chamado o tribunal a pronunciar-se quanto à questão da existência (ainda que em termos de probabilidade séria) do direito de patente, não só lhe é permitido, como se lhe impõe, ainda que oficiosamente, apreciar da verificação de algum vício determinante da nulidade da patente de modo a poder proferir um juízo quanto à (in)existência do respectivo direito[10].
Questão diversa da faculdade de indagar da validade da patente por parte do tribunal a quo é a da possibilidade do mesmo poder declarar a nulidade da patente com os efeitos daí decorrentes, nomeadamente, ordenando que a mesma fosse dada sem efeito.
Atento o objecto da presente acção e o pedido nela deduzido, encontrava-se o tribunal legalmente impossibilitado de proferir a declaração absoluta da nulidade da patente uma vez que a mesma só poderá ser levada a cabo em processo próprio dirigida a esse efeito – cfr. art.º 35º, do CPI de 2003.
Sendo lícito ao tribunal a quo a indagação e avaliação da questão da nulidade da patente levada a cabo a fim de apreciar a (in)existência do direito da 1ª Requerente[11], igualmente se terá de concluir no sentido de que a natureza da prova, que caracteriza os procedimentos cautelares, não colide nem inviabiliza a exigência probatória indispensável à ilação da presunção quanto à existência do direito, pois que, como evidenciam os autos, é patente o esforço levado a cabo na produção e averiguação da prova que determinou ao tribunal a quo decidir pela falta dos requisitos de novidade e actividade inventiva.
No que se refere à argumentação das Recorrentes de que sempre ocorrerá actividade inventiva ainda que enquanto patente de melhoramento decorrente da existência de um resultado novo e economicamente útil, sabendo-se que neste domínio do melhoramento ou aperfeiçoamento de um invento se impõe particular exigência na apreciação do requisito de novidade, tendo presente o factualismo apurado (cfr. n.ºs 92, 93, 94, 95 e 97 dos factos provados), não podemos deixar de concluir como na decisão recorrida no sentido da inexistência de actividade inventiva e/ou novidade no alegado isolamento do ácido alendrónico ou na característica da formação de um pó que “flui livremente”
Do fundado receio de lesão grave ou dificilmente reparável
A decisão recorrida concluiu no sentido da inverificação deste outro pressuposto para o decretamento da providência por falta de prova por parte das Requerentes quanto:
- aos prejuízos invocados (falta de prova do valor das vendas de ambos os produtos – do produto da requerida e do fosamax - e de que a venda deste tenha sido afectada pela comercialização daquele)
- de que a verificar-se lesão na sua esfera jurídica, a mesma seja de difícil reparação (possibilidade de ressarcimento dos eventuais prejuízos materiais atento o facto da Requerida ser subsidiária de uma das maiores empresas farmacêuticas inglesas que actua em diversos países)
Insurgem-se as Agravantes contra esta decisão sustentando a seguinte ordem de argumentos:
- o não decretamento da providência vai permitir a manutenção da infracção até à extinção temporal por caducidade da patente, privando na totalidade a 1ª Requerente de exercer o seu direito exclusivo, caindo a patente no domínio público sem a poder, efectivamente, utilizar.
- a prova da violação de um direito de patente é de per si potencialmente produtora de danos, designadamente não patrimonial, pelo que a verificação da sua violação decorre , desde logo, a existência de um dano que deverá ser valorado segundo juízos de equidade.
O posicionamento das Recorrentes descora duas realidades: a matéria de facto apurada e a natureza e finalidade do procedimento cautelar.
No que se refere à evidência da matéria de facto demonstrada e com relevância para esta questão (n.ºs 100 a 104 dos factos provados), não pode deixar de se concluir pela ausência de demonstração dos efectivos prejuízos pois que, resultando provado que no actual mercado farmacêutico existem cerca de 24 medicamentos tendo o ácido alendrónico como substância activa, não é possível avaliar, minimamente, ainda que em termos de presunção de facto, em que medida é que as vendas do “fosomax” das Requerentes foram afectadas pelo produto da Requerida.
Por outro lado e ao contrário do alegado pelas Agravantes, estando em causa apenas prejuízos de natureza patrimonial e uma vez que da matéria de facto não é possível concluir que a Requerida não se encontraria em condições de os ressarcir, não se vislumbra em que medida é que a gravidade da lesão se não compadeça com a espera da acção definitiva.
Na verdade, no que se reporta à finalidade das providências cautelares (combater o periculum in mora), visam as mesmas impedir que durante a pendência de qualquer acção a situação de facto se altere de modo a que a eventual sentença favorável a proferir perca toda ou parte da sua eficácia. De acordo com o salientado no acórdão do STJ de 23.03.1999 (Agravo n.º 159/99)[12], relativamente a este requisito caberá exigir um juízo de certeza, devendo o mesmo apresentar-se como evidente e real, impondo uma avaliação ponderada da realidade.
Por conseguinte, a realidade fáctica subjacente aos autos não permite pressupor que o círculo de interesses acautelados com o direito de patente da 1ª Requerente, ainda que a entender-se violado pela Requerida, fosse irreparável ou de difícil reparação.
Nestes termos, cabe concluir, tal como decidido pelo tribunal a quo, pela inverificação do requisito essencial ao decretamento da providência – fundado receio de lesão grave e irreparável do direito das Requerentes.
Improcedem, assim, na sua totalidade, as conclusões das alegações.
IV – Decisão
Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao agravo, mantendo o despacho recorrido.
Custas pelas Agravantes.
Lisboa, 17 de Junho de 2008
Graça Amaral
Ana Maria Resende
Dina Monteiro
____________________________________________________
[1] Sob a forma de comprimidos a 70mg.
[2] Atento o disposto no arts. 339, n.º1, do CPI e 381, n.º1, do CPC, o procedimento cautelar comum é o instrumento apropriado à dedução e apreciação de pretensões (de natureza cautelar) que não encontram acolhimento em qualquer dos restantes procedimentos. Têm sido considerados como requisitos (principais) das providências cautelares não especificadas:
- a probabilidade séria da existência do direito tido por ameaçado ou que venha a emergir da decisão a proferir na acção constitutiva já proposta ou a propor.
- o fundado receio de que outrem (antes de proferida decisão de mérito em acção ainda não proposta ou pendente) cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito;
a adequação da providência à situação de lesão iminente de modo a que a mesma remova o periculum in mora e assegure a efectividade do direito ameaçado.
- a inexistência de providência específica que acautele aquele direito.
[3] De acordo com os n.ºs 3 e 4 do seu art.º 5, os produtos farmacêuticos e os produtos da indústria química não podiam ser objecto de patentes, proibição que foi banida com a aprovação do CPI de 1995 atenta a necessidade de ter em conta o acelerado desenvolvimento tecnológico, o crescimento das actividades mercantis e a inevitável adaptação face à adesão de Portugal à Comunidade Europeia, conforme expressamente se faz salientar no preâmbulo do diploma.
[4] Decorrente da circunstância de à data do pedido de concessão de patente se encontrarem excluídas as patentes de produtos e preparados farmacêuticos
[5] No seguimento do entendimento já então expresso no Acórdão desta Relação, de 16-03-2006 (CJ Ano XXXI, Tomo II, pág. 69/75) relativamente à aplicação da lei no tempo foi pugnada a interpretação do art.º 12 (2ª parte do n.º2), do Código Civil, no sentido de que, tratando-se de relações jurídicas duradouras, aplicar-se-á a lei nova às relações já constituídas anteriormente, mas que se mantenham para além da entrada em vigor da nova lei, isto é, e conforme se referencia no sumário do citado acórdão da Relação de Lisboa, Estando em causa a patenteabilidade de determinados produtos e processos de fabrico, a lei nova é aplicável às situações jurídicas pré-existentes.
[6] A patente abrange o produto independentemente do modo como é obtido e todas as suas possíveis utilizações.
[7] As reivindicações da patente definem o objecto e o âmbito de protecção, constituindo enquanto documento o meio essencial de concretização e delimitação do espaço de exclusividade do direito de protecção – cfr. art.º 93, do CPI de 95 e 97 do actualmente em vigor.
[8] Quando o objecto da patente disser respeito ao processo, os direitos conferidos abrangem o processo e o produto conhecido obtido directamente pelo processo patenteado.
[9] Pois que a patente Gentili não refere qualquer forma hidratada.
[10] Cfr. acórdão desta Relação de 16.03.2006, CJ Ano XXXI, Tomo II, pág. 69 e ss.
[11] Porque e sobretudo tal apreciação se conteve nos limites do poder oficioso do tribunal nesse âmbito.
[12] Citado no acórdão do STJ de 28.9.99, CJ do STJ, Ano VII, Tomo III, pág. 42 e ss.