SUBEMPREITADA
CONTRATO DE TRABALHO
ACEITAÇÃO DA OBRA
DENÚNCIA
DEFEITO DA OBRA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Sumário

1ª - São pressupostos do contrato de subempreitada a existência de um contrato prévio, nos termos do qual alguém (o empreiteiro) se vincula a realizar uma obra e a celebração de um segundo negócio jurídico, por cujos termos um terceiro se obriga, para com o empreiteiro, a realizar toda ou parte da mesma obra.
2ª - A subempreitada distingue-se do contrato de trabalho celebrado pelo empreiteiro, pois, enquanto neste, o prestador de serviço fica numa relação de subordinação perante o empreiteiro, e sobre ele impende, somente, uma obrigação de meios; pelo contrário, o subempreiteiro tem autonomia em relação ao empreiteiro e está adstrito a uma obrigação de resultado.
3ª – Na subempreitada, o empreiteiro primitivo figura como comitente, transferindo para terceiro (subempreiteiro) a execução da obra.
4ª - O preço da empreitada deve ser pago no acto de aceitação da obra, se esta for concluída em conformidade com o convencionado, sem vícios que excluam ou reduzam o valor da obra.
5ª – A excepção do não cumprimento é admissível em relação ao cumprimento defeituoso mas só opera se invocada pelo excipiens, não podendo o juiz dela conhecer oficiosamente.
6ª – Os efeitos da invocação desta excepção são temporários, durando até que o devedor faltoso que reclama a prestação de que é credor em relação ao excipiens cumpra o que se obrigou. Mas esta suspensão não extingue o crédito daquele devedor faltoso.
7ª – A oponibilidade da dita excepção há-de nortear-se pelo princípio da boa fé, de sorte que o excipiens só pode recusar a parte proporcional à parte não executada e só pode servir-se da excepção se desejar a execução do contrato.
8ª – Esta excepção não obsta ao conhecimento de mérito, razão por que deve o juiz condenar à realização da prestação contra o cumprimento simultâneo da contraprestação, em consonância com o indirecto pedido de cumprimento coenvolto na arguição da exceptio non rite adimpleti contractus e salvaguarda do equilíbrio contratual.
GF

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
[L] intentou a presente acção de condenação, em processo declarativo comum, sob a forma ordinária, contra [V, L. da], alegando, em síntese, que, para o exercício da sua actividade de jardinagem, celebrou um contrato de subempreitada com a ré, que tinha por objecto a prestação de serviços de jardinagem, na Urbanização do Paço do Lumiar, em Lisboa, os quais foram concluídos pela autora e aceites, quer pela ré, quer pelo dono da obra. Tais serviços motivaram a emissão das facturas que a autora juntou aos autos, das quais a ré apenas pagou € 4.000,00 por conta duma delas, permanecendo em dívida € 11.392,26.

Em conformidade, pede que a ré seja condenado a pagar a referida quantia em dívida, acrescida de juros vencidos até 22/02/2007 no valor de € 4.760,36 e dos vincendos desde essa data e até integral pagamento.
A ré contestou, confirmando, por um lado, a celebração do aludido contrato com a autora, mas realçando, por outro, que esta se comprometeu a assegurar a manutenção e conservação dos trabalhos adjudicados por um período de seis meses, sendo que, quanto à forma de pagamento, foi igualmente acordado que só pagaria o preço acordado quando o dono da obra, a EPUL, pagasse o preço da empreitada à ré.
A obra não foi, porém, aceite, não só porque o relvado se não encontrava nas melhores condições, mas também porque 80 % das árvores e arbustos que plantou morreram ainda dentro do prazo de garantia, sendo que a ré reclamou oportunamente pela sua substituição, o que até agora não foi cumprido.
Acresce que as medições apresentadas relativas à factura n.º 3 junta com a petição, não correspondem aos trabalhos efectivamente prestados, como oportunamente também foi reclamado pela ré.
Assim, a ré não só se recusa a pagar as quantias peticionadas na petição inicial como pede em reconvenção a condenação da autora a repor as plantas e árvores que pereceram na urbanização do Paço do Lumiar, em Lisboa, junto aos edifícios P1, L1, L2 e L3, conforme contratualmente acordado.
Concluiu pela absolvição do pedido, ou caso seja outro o entendimento, pela improcedência parcial do pedido, devendo a autora ser condenada a repor as plantas e árvores que pereceram na urbanização do Lumiar, sita em Lisboa, junto aos edifícios P1, L1, L2 e L3, conforme acordado.

A autora replicou, impugnando a matéria de excepção e de reconvenção, sustentando que a obra foi concluída e aceite como bem sabe e reconhece a ré, devendo as facturas ser pagas no prazo de trinta dias a contar da conclusão dos trabalhos, sendo certo que estes se encontravam concluídos em 31/03/2003, conforme atesta o auto de recepção da obra, sendo falsos os alegados defeitos do trabalho prestado. A tal acresce que a ré somente reclamou a substituição das árvores e arbustos em 31/10/2003, pelo que já havia expirado o prazo de garantia de seis meses, sendo injustificada a recusa de pagamento e, bem assim, o pedido reconvencional.
Nestes termos, concluiu pela improcedência das excepções alegadas e pela sua absolvição do pedido reconvencional.

A ré treplicou, invocando que a factura relativa aos trabalhos de manutenção e conservação é de 31/05/2003, pelo que os trabalhos prestados não estavam concluídos em Abril de 2003. Por outro lado, insiste que reclamou a substituição das árvores e arbustos dentro do prazo de garantia, improcedendo assim a excepção de caducidade invocada pela Autora.

Findos os articulados, e dispensada a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, que admitiu o pedido reconvencional e fixou a matéria de facto assente e a controvertida.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida decisão sobre a matéria de facto e, oportunamente, a sentença, tendo-se decidido:
a) - Absolver a ré do pedido de pagamento à autora da quantia peticionada de € 11.392,26, acrescida de juros de mora, na estrita medida em que se julga procedente a excepção do não cumprimento do contrato imputável à autora, ao abrigo do artigo 428º nº 1 do C.C.
b) - Condenar a autora a repor as árvores que pereceram na urbanização do Lumiar, junto aos edifícios P1, L1, L2 e L3, conforme contratualmente acordado.

Inconformada, recorreu a autora, formulando as seguintes conclusões:
1º - Interpretou o tribunal a quo erradamente os dispositivos legais invocados, não tendo o mesmo feito a correcta subsunção dos factos dados como provados às normas legais aplicáveis, interpretando de forma errada, aliás, a factualidade provada.
2ª – Resulta provado que a autora não prestou à ré um único serviço mas vários e distintos, ao longo de um determinado período, a esta adjudicados como parte, englobados numa obra que esta se terá comprometido a realizar com a dona da obra, entidade de direito público e sujeita, esta sim, aos formalismos do DL n.º 55/99, de 2 de Março e com a qual não pode ser confundida.
3ª – Invoca o tribunal a quo, sem fundamentação legal, um conceito de direito público num acordo de vontades privado, ao dar relevância a uma recepção definitiva da obra pelo dono desta.
4ª – O conceito de recepção provisória, que não existe no direito privado, implica que, em auto de vistoria, a “obra esteja em condições de ser recebida (vide artigo 219º do DL 55/99, de 2 de Março) e que marca o início do prazo de cinco anos de garantia, findo o qual será efectuada a recepção definitiva (artigos 226º e 227º do citado DL n.º 55/99).
5ª – O auto de vistoria realizado nos serviços em questão nos autos e respectiva recepção provisória é sinónimo da conclusão dos trabalhos, inclusive do relvado (irrelevante para o caso, uma vez que nenhum problema com o mesmo).
6ª – Ainda que assim se não entendesse, a autora/recorrente alegou em sede de réplica, opondo-se ao pedido reconvencional da ré/reconvinte em exigir, passados estes anos, a eliminação de defeitos, que, diga-se, foram inexistentes, porque não invocados atempadamente.
7ª – O falecimento das árvores não pode ser invocado em sede de defeitos na execução dos serviços mas em sede de garantia dos mesmos.
8ª – Ainda assim, entende a autora/recorrente ter invocado, de facto e com suficiência legal, a caducidade do direito da ré/reconvinte exigir a eliminação dos alegados defeitos, excepção que assim podia e deveria ter sido conhecida pelo tribunal a quo e que aqui se reitera.
9ª – Encontra-se, pois, provado que a autora prestou à ré serviços no valor de € 10.017,81, serviços que, na falta de (prova de) acordo, deveriam ser pagos no acto de aceitação dos mesmos (artigo 1211º, n.º 2 do Código Civil), ou, na pior das hipóteses, até 30 dias após a recepção dos bens/facturas (artigo 4º, n.º 2 do DL n.º 327/2003, de 17 de Fevereiro), o que se verificou, no máximo, com a realização da vistoria e elaboração do auto de recepção provisória em Abril de 2003.
10ª – E tanto assim é, e foi assimilado pelas partes, que a ré/reconvinte pagou atempadamente, da primeira factura, ou seja, dos serviços constantes na mesma, o valor de € 4.000 (cfr. alínea E).
11ª – Ou seja, tais factos são contraditórios com a conclusão a que o Tribunal a quo chegou, ao considerar que a autora ia facturando trabalhos à medida que ia concluindo fases da obra, não se podendo retirar a existência de qualquer acordo entre as partes ou que existisse algum uso relevante aplicável ao caso.
12ª – O primeiro entendimento afasta o primeiro pagamento efectuado pela ré à autora e atrás referido de € 4.000, o segundo as regras, usos e praxes publicamente conhecidos aplicáveis às prestações de serviços e empreitadas de obras públicas (DL n.º 197/99, de 8/06 e DL 55/99, de 2/03).
13ª – E aplicando este regime público, como parece aplicar em parte o tribunal a quo, então ter-se-á que dar resposta diferente e considerar vencidos os respectivos pagamentos, como peticionado pela autora.
14ª – Num outro entendimento possível, deveria, pois, ter o tribunal a quo determinado valor das ditas árvores e reduzido proporcionalmente o valor peticionado pela autora/reconvinda, julgando parcialmente procedente o pedido daquela.
15ª – Não o tendo feito e decidido de forma, como decidiu, permite o tribunal a quo que a ré/reconvinte se esquive eternamente ao cumprimento das suas obrigações, enriquecendo-se, esta sim, sem justa causa e ás custas da autora, provado que está que esta lhe prestou serviços no valor de € 10.017,81.
16ª – Faltando nos autos, contudo, elementos que permitam aferir o valor das ditas árvores, deve, também, por este motivo, ser a sentença impugnada anulada, ordenando-se a produção de prova quanto ao referido valor.
17ª – Violou, portanto, o tribunal a quo, entre outros, os artigos 303º, 1211º, 1218º, 1220º do Código Civil e artigo 4º, n.º 2 do DL 327/2003, de 17 de Fevereiro.

A ré contra – alegou, defendendo a bondade da decisão recorrida.

Cumpre decidir:
2.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, colocam-se à nossa apreciação as seguintes questões:
1ª – Se a autora celebrou com a ré um contrato de subempreitada ou se, pelo contrário, prestou à ré vários e distintos serviços, ao longo de um determinado período, a esta adjudicados como parte, englobados numa obra que esta se terá comprometido a realizar com a EPUL;
2ª – Se os vários e distintos serviços efectuados pela autora foram aceites pela ré e pelo dono da obra;
3ª – Se inexiste fundamento para a excepção do não cumprimento do contrato;
4ª – Se a reclamação quanto aos alegados defeitos da obra foi apresentada extemporaneamente pela ré, deixando, por isso, caducar o seu direito.
3.
Na 1ª instância, consideraram-se provados os seguintes factos:
1º - A autora dedica-se, de forma habitual e lucrativa, à prestação de serviços de limpeza e conservação de zonas urbanas e jardins, de construção de parques de jardinagem, produção e comércio de flores, vigilância, projectos de impacto ambiental e audiometria (alínea A).
2º - No âmbito da sua actividade, a autora prestou à ré, a pedido desta e no âmbito de subempreitada acordada entre ambas em Novembro de 2002, diversos serviços de jardinagem na Urbanização Paço do Lumiar em Lisboa, no quadro da empreitada n.º 48/2001 que tinha por objecto a execução de arranjos exteriores aos edifícios P1, L1, L2 e L3 na Urbanização do Paço do Lumiar (alínea B).
3º - Na sequência dos serviços prestados pela autora, no âmbito desse acordo, foi emitido e subscrito pela ré e pelo dono da obra (a EPUL ) o “Auto de Vistoria” e “Recepção Provisória das Zonas Verdes das Árvores de alinhamento”, do qual consta que, “ao primeiro dia do mês de Abril de 2003, compareceram no local dos trabalhos a Sr.ª Elsa, Engenheira Agrónoma, em representação da EPUL, e o Sr. V, em representação do Adjudicatário, a fim de procederem à recepção provisória das árvores de alinhamento e dos canteiros da empreitada supra indicada”.
“Após vistoria ao local e examinada a documentação relativa ao assunto, foi-se de parecer que as árvores de alinhamento da empreitada supra indicada estavam em condições de serem recebidas provisoriamente. Constatou-se que as plantações previstas para os canteiros foram efectuadas devidamente, mas o relvado não se apresentava nas melhores condições, pelo que a recepção fica condicionada até se efectuar a sua recuperação. A partir desta data, entrará em vigor o período de manutenção de seis meses, conforme mapa de medições correspondente, que terminará no primeiro dia de Outubro do ano dois mil e três” (alínea C e resposta por remissão ao quesito 3º).
4º - Por referência a esse acordo e aos serviços prestados pela autora, esta emitiu e remeteu à ré, que as recepcionou, as seguintes facturas:
a) - factura n.º 3772, com vencimento a 30/1/2003, relativo a “Arranjos Exteriores na Urbanização do Paço do Lumiar, conforme auto de medição n.º 1”, no valor de € 8.312,54 (documento de fls 6);
b) - factura n.º 3773, com vencimento a 30/1/2003, relativo a “Arranjos Exteriores na Urbanização do Paço do Lumiar, conforme auto de trabalhos a mais”, no valor de € 1.897,75 (documento de fls 8);
c) - factura n.º 3833, com vencimento a 31/3/2003, relativo a “Arranjos Exteriores na Urbanização do Paço do Lumiar, conforme auto de medição n.º 2 e auto de trabalhos a mais”, no valor de € 2.886,46 (documento de fls 9);
d) - factura n.º 3834, com vencimento a 31/3/2003, relativo a “Arranjos Exteriores na Urbanização Vale Santo António – Zona C”, conforme auto de medição n.º 1 e auto de trabalhos a mais”, no valor de € 921,06 (documento de fls 10);
e) - factura n.º 3891, com vencimento a 31/5/2003, relativo a “Manutenção e Conservação de Zonas Verdes”, no valor de € 1.374,45 (documento de fls 11) - (alínea D).
5º - A ré procedeu ao pagamento de € 4.000,00 por conta da factura n.º 3772, mencionada em a) da alínea anterior (alínea E).
6º - A ré não procedeu ao pagamento de mais nenhuma quantia por conta das facturas mencionadas em 4º), apesar de interpelada pela autora para esse efeito (alínea F).
7º - Por fax datado de 31 de Outubro de 2003, a G & F – Gestão de Projectos e Fiscalização, S.A. comunicou à autora a necessidade de substituição de todas as plantas mortas implantadas no jardim adjacente aos edifícios L1, L2, L3 e P1, no Paço do Lumiar e em caldeiras no Vale de Santo António (alínea G).
8º - A autora não procedeu à substituição das árvores e arbustos a que se referem esses faxes (alínea H).
9º - Os serviços descritos nas facturas mencionadas nas alíneas a) a d) sob o número 4 foram objecto de autos de medição aceites pela ré e pelo dono da obra (resposta ao quesito 1º).
10º - Cerca de 50% das árvores plantadas pela autora morreram antes de Setembro de 2003 (resposta ao quesito 5º).
11º - Antes do final de Setembro de 2003 já havia sido dado a conhecer à autora a morte das árvores referida em 10) (resposta ao quesito 7º).
12º - A aceitação definitiva da obra ficou condicionada à substituição de todas as plantas mortas na obra mencionada (resposta ao quesito 8º).
13º - A dona da obra não aceitou em definitivo a obra e continua a reter a quantia de € 1.723,58, correspondente a 1/3 do valor dos trabalhos de conservação e manutenção das zonas verdes, até serem substituídas as árvores mortas (resposta ao quesito 9º).
4.
Ao intentar a presente acção, visava a autora a condenação da ré no pagamento do preço em que haviam acordado para que aquela procedesse aos trabalhos de plantação, manutenção e conservação de arranjos exteriores a edifícios da urbanização do Paço do Lumiar, a que se referem as facturas juntas, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal, a contar do vencimento dessa obrigação.

A ré excepcionou o não cumprimento do contrato, fundamentando-se, por um lado, no prazo de pagamento diverso do alegado pela autora e, por outro, no cumprimento defeituoso da prestação a cargo da autora, na qual se funda igualmente o pedido reconvencional.

Contrato celebrado pelas partes:

Expostas as pretensões das partes, a primeira questão a decidir prende-se, com a natureza do contrato que as partes celebraram: contrato de trabalho, como agora pretende a recorrente, ou contrato de subempreitada, como a sentença considerou.

Subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela (artigo 1213º, n.º 1 CC).

Da definição legal depreende-se que são pressupostos deste negócio jurídico a existência de um contrato prévio, nos termos do qual alguém (o empreiteiro) se vincula a realizar uma obra e a celebração de um segundo negócio jurídico, por cujos termos um terceiro se obriga, para com o empreiteiro, a realizar toda ou parte da mesma obra[1].

Os contratos de empreitada e de subempreitada não se fundem num único negócio jurídico, mantendo-se distintos e individualizados. Estes dois contratos prosseguem, porém, por via de regra, uma finalidade económica comum, a realização do interesse do dono da obra, mantendo-se embora distintos e individualizados.

A subempreitada distingue-se dos contratos de trabalho celebrados pelo empreiteiro. No contrato de trabalho, o prestador de serviço fica numa relação de subordinação perante o empreiteiro, e sobre ele impende, somente, uma obrigação de meios; pelo contrário, o subempreiteiro tem autonomia em relação ao empreiteiro e está adstrito a uma obrigação de resultado[2]. Por outro lado, o termo “subempreiteiro” subentende, as mais das vezes, a existência de uma empresa, o que dissipa confusões por conta do empreiteiro.

Reportando-nos ao caso concreto, ficou provado que foi acordado entre as partes, em Novembro de 2002, que a autora se obrigava a prestar à ré serviços de limpeza e conservação de zonas urbanas e jardins numa determinada urbanização, mediante o pagamento de um preço por parte da ré, de acordo com o orçamento junto a fls 43, com as rectificações e alterações de fls 44 a 52.

De acordo com o referido orçamento, a autora obrigou-se a garantir um determinado resultado emergente dos serviços prestados, que consistiam na fertilização do terreno, plantação de determinado número e espécies de plantas, mantendo e conservando as mesmas pelo período de seis meses, tal como é descrito a fls 43.

Esse acordo foi estabelecido no quadro da empreitada n.º 48/2001 que tinha por objecto a execução de arranjos exteriores aos edifícios P1, L1, L2 e L3 na Urbanização do Paço do Lumiar, que havia sido estabelecida entre a EPUL, dona da obra, e a ré, empreiteira.

Temos assim que as partes estabeleceram entre si um contrato de empreitada, tal como o mesmo vem definido no artigo 1207º do CC, pelo qual a autora se obrigou a realizar determinado resultado dos seus serviços de jardinagem, mediante o pagamento do preço correspectivo.

Porque esse contrato foi estabelecido em subcontratação do empreiteiro principal relativamente a um resultado que lhe foi solicitado pelo dono da obra, estamos perante um contrato de subempreitada (artigo 1213º do CC).

Assim, por força do aludido contrato, que as partes celebraram, não se verifica a substituição contratual do empreiteiro (ora ré) perante o dono da obra (a EPUL). No entanto, o empreiteiro primitivo (a ré) figura como comitente, transferindo para terceiro – a ora autora - (subempreiteiro) a execução da obra.

Aceitação da obra:

A autora alega que cumpriu a sua prestação e, por tal facto, pretende agora o pagamento do preço correspectivo. Por seu lado, a ré invoca que a autora não cumpriu a sua prestação, sendo que ainda não se tinha vencido a obrigação de pagamento nos termos acordados e, portanto, sustenta que é legítimo o não pagamento do preço acordado (artigo 428º do CC).

Comprovam os autos que a autora, invocando ter concluído a obra que se havia encarregue de realizar, emitiu as facturas que se mostram juntas aos autos de fls 6 a 11, (documentos n.os 2 a 6 juntos com a petição inicial), as quais correspondem à soma dos preço final acordado pelo serviço prestado, já com IVA incluído.

Desse valor acordado, a Ré apenas liquidou € 4.000,00, subsistindo em dívida o valor de € 11.392,26, cujo pagamento é peticionado nesta acção.
Não consta dos autos que tenha sido estabelecido por escrito o modo de pagamento do preço.

A Autora alegou que estava estabelecido que o preço deveria ser pago no prazo de trinta dias a contar da conclusão dos trabalhos. Esse facto, que constava do quesito 2º, foi julgado por não provado.

Por seu turno, a ré veio alegar que estaria convencionado entre as partes que o preço da empreitada seria pago somente após a aceitação definitiva da obra pela EPUL. Também este facto, que constava do quesito 4º, foi julgado por não provado.

Assim, bem considerou a sentença, ao referir que o subempreiteiro (a autora) foi facturando trabalhos à medida que ia concluindo fases da obra, em função de autos de medição que foram aceites pelo empreiteiro/comitente (a ré) e pelo próprio dono da obra (a EPUL). Mas daí não se pode retirar a existência de qualquer acordo entre as partes, em relação ao pagamento do preço ou que existisse algum uso relevante aplicável ao caso. Portanto, teremos de nos servir do artigo 1211º n.º 2 do CC, norma supletiva, que estabelece que a obrigação de pagamento do preço só se vence com o acto de aceitação da obra.

O preço da empreitada deve ser pago no acto de aceitação da obra, mas quando esta for efectivamente aceite, concluída em conformidade com o convencionado, sem vícios que excluam ou reduzam o valor da obra.

Se o comitente, em razão dos vícios que a obra padece, a não aceita, também não está adstrito ao pagamento do preço.

Ora, decorre dos autos, que a obra nunca foi aceite pela ré, nem pela dona da obra, em termos definitivos. O mais que existe é um “acto de recepção provisório”, que inculca desde logo a ideia, contrária à sustentada pela autora, de que houve então uma recepção definitiva dos trabalhos prestados.

Daí que, enquanto não houver recepção definitiva da obra, em virtude de apresentar defeitos (artigo 1211º n.º 2 do CC), não é exigível o pagamento integral do preço discriminado nas facturas juntas pela autora (artigo 428º n.º 1 do CC).

Na verdade, não houve cumprimento integral da prestação que estava a cargo da Autora, já que se provou que, pelo menos, 50% das árvores por si plantadas pereceram antes de Setembro de 2003, pelo que a obra não está ainda em condições de ser recebida definitivamente.

Daqui decorre também que a Autora não cumpriu a obrigação de conservação e manutenção dos trabalhos por si realizados durante os seis meses subsequentes à recepção provisória da obra ocorrida em 1 de Abril de 2003 (cfr. doc. de fls 5).

Denúncia dos defeitos pelo empreiteiro/comitente:

Tal como considerou a sentença, não constando dos documentos juntos aos autos desde quando se contava o prazo de seis meses para manutenção e conservação das espécies que a autora se obrigou a plantar na urbanização em causa, é lógico que esse prazo se conte da conclusão dos trabalhos de plantação (artigo 236º n.º 1 do CC).

Ora, na falta doutros elementos de facto que nos possam auxiliar sobre esta matéria, teremos de concluir que os trabalhos de plantação já estavam integralmente concluídos à data da recepção provisória da obra, ocorrida em 1 de Abril de 2003 (cfr. doc. de fls 5), pelo que o prazo de manutenção e conservação de seis meses terminava no final do mês de Setembro de 2003.

Determina, porém, a lei que, apresentando a obra vícios ou defeitos, não estando conforme o convencionado, o dono da obra tem o dever e o direito de os denunciar, quando detectados, estipulando um prazo dentro do qual o dono da obra deve efectuar a denúncia dos defeitos que nela encontre, após a aceitação, sob pena de caducidade de tal direito.

Como as árvores em causa pereceram antes de Setembro de 2003 e a ré denunciou esse facto antes do final desse mesmo mês, exigindo então a sua substituição, é inquestionável que a ré exerceu o direito de denúncia dos defeitos atempadamente (artigo 1220º n.º 1, CC) e dentro do prazo de garantia de seis meses que estava estipulado entre as partes.

A autora/reconvinda invocou que a denúncia dos defeitos foi fora do prazo de garantia, mas não alegou expressamente a excepção da caducidade do direito à acção destinada a exercer o direito à eliminação dos defeitos (artigo 1224º CC.

Estamos perante dois prazos distintos e, bem assim, perante duas excepções autónomas relativas a dois direitos diversos: uma relativa ao direito de denúncia dos defeitos; e outra relativa ao exercício do direito de acção de reparação dos defeitos denunciados, sendo que a autora/reconvinda não alegou esta segunda excepção, a qual não é de conhecimento oficioso pelo tribunal (artigo 303º ex vi do artigo 333º n.º 2 do CC).

Não se verifica, assim, a excepção alegada pela autora no sentido de que os defeitos foram denunciados fora do prazo de garantia.

Excepção do não cumprimento:

Os factos acima descritos mostram, de forma inequívoca, que a ré se recusa a pagar à autora por não ter cumprido a obrigação de conservação e de manutenção das espécies que plantou, a que se refere a factura de fls. 11.

E podia fazê-lo (artigo 428º CC), já que a exceptio non rite adimpleti contractus é admissível em relação ao cumprimento defeituoso, ganhando especial relevância no contrato de empreitada[3].
Trata-se de uma excepção dilatória de direito material que, uma vez invocada pela ré excipiente, obsta temporariamente a que a autora possa obter o pagamento do preço devido pela ré, paralisando temporariamente esta pretensão da autora.

O direito à suspensão da exigibilidade do preço à ré, manter-se-á apenas enquanto a autora se recusar a cumprir o que foi acordado.

Os efeitos da excepção são assim temporários, sendo um meio de defesa da ré para obter a execução nos termos que foram acordados. Mas não extingue o direito da autora ao recebimento do preço[4].

Não obsta ao conhecimento de mérito. Deve, por isso, o juiz condenar à realização da prestação contra o cumprimento ou oferecimento simultâneo da contraprestação, em consonância com o indirecto pedido de cumprimento coenvolto na arguição da exceptio e salvaguarda do equilíbrio contratual[5].

O entorpecimento da execução desta sentença é evitado pelo artigo 804º do CPC, ao incumbir ao credor a prova de que efectuou ou ofereceu a prestação correspectiva[6].

Mas a oponibilidade da dita excepção há-de nortear-se pelo princípio da boa fé (artigo 762º, n. 2 CC) e da proporcionalidade. A defesa há-de ser proporcional à gravidade da inexecução. Se o dono retirar algum proveito da obra defeituosa, é de admitir que tenha de pagar ao empreiteiro, não o preço acordado, mas o quantum meruit, isto é, o valor correspondente às vantagens que retira[7]. O excipiente só pode recusar a parte proporcional à parte não executada. Mas mais, a ré só pode servir-se da dita excepção se desejar a execução do contrato pela autora[8]. E é isso o que sucede, conforme se verifica pela matéria de facto provada.

Ora, tendo em conta o que fica exposto, nomeadamente a regra da proporcionalidade e atenta a gravidade do defeito da obra, a prestação já satisfeita pela ré e o facto da EPUL apenas ter retido a quantia de € 1.723,58, correspondente a 1/3 do valor dos trabalhos de conservação e manutenção das zonas verdes, até serem substituídas as árvores mortas, (resposta ao quesito 9º), considera-se equilibrado ter a ré, desde já de pagar, 7.000 euros mais IVA, com vista a que a sua recusa seja proporcional à gravidade da inexecução. O que não a isenta, como se deixou exposto, de ter de pagar integralmente à autora o preço da subempreitada, quando a autora cumprir integralmente o que foi acordado.

E porque a invocação da dita excepção não obsta ao conhecimento de mérito nem à condenação da ré, desde já, no pagamento da parte restante do preço contra o cumprimento prévio da autora na contraprestação a que está adstrita, e que não cumpriu, ou seja, na replantação das árvores que pereceram em consonância com o indirecto pedido de cumprimento coenvolto na arguição da exceptio.

A parte restante do preço a pagar pela ré será o valor do pedido [€ 11.392,26], deduzida a importância de [€ 7.000 +IVA], e não a quantia peticionada pela autora.

E porque a ré pode legitimamente recusar o pagamento desta parte restante do preço, não incorre, pois, em juros de mora sobre ela.

Portanto, como se deixou exposto, há que condenar também a ré, desde já, nestes termos.

Porque a excepção do não cumprimento é assim um meio de defesa da ré para obter a execução do contrato nos termos que foram acordados, estando coenvolto na arguição da excepção, embora indirectamente, o pedido reconvencional, improcede este pedido, pois, com ele se pretende obter o mesmo resultado que se obtém com a excepção do não cumprimento.
Concluindo:
1ª - São pressupostos do contrato de subempreitada a existência de um contrato prévio, nos termos do qual alguém (o empreiteiro) se vincula a realizar uma obra e a celebração de um segundo negócio jurídico, por cujos termos um terceiro se obriga, para com o empreiteiro, a realizar toda ou parte da mesma obra.
2ª - A subempreitada distingue-se do contrato de trabalho celebrado pelo empreiteiro, pois, enquanto neste, o prestador de serviço fica numa relação de subordinação perante o empreiteiro, e sobre ele impende, somente, uma obrigação de meios; pelo contrário, o subempreiteiro tem autonomia em relação ao empreiteiro e está adstrito a uma obrigação de resultado.
3ª – Na subempreitada, o empreiteiro primitivo figura como comitente, transferindo para terceiro (subempreiteiro) a execução da obra.
4ª - O preço da empreitada deve ser pago no acto de aceitação da obra, se esta for concluída em conformidade com o convencionado, sem vícios que excluam ou reduzam o valor da obra.
5ª – A excepção do não cumprimento é admissível em relação ao cumprimento defeituoso mas só opera se invocada pelo excipiens, não podendo o juiz dela conhecer oficiosamente.
6ª – Os efeitos da invocação desta excepção são temporários, durando até que o devedor faltoso que reclama a prestação de que é credor em relação ao excipiens cumpra o que se obrigou. Mas esta suspensão não extingue o crédito daquele devedor faltoso.
7ª – A oponibilidade da dita excepção há-de nortear-se pelo princípio da boa fé, de sorte que o excipiens só pode recusar a parte proporcional à parte não executada e só pode servir-se da excepção se desejar a execução do contrato.
8ª – Esta excepção não obsta ao conhecimento de mérito, razão por que deve o juiz condenar à realização da prestação contra o cumprimento simultâneo da contraprestação, em consonância com o indirecto pedido de cumprimento coenvolto na arguição da exceptio non rite adimpleti contractus e salvaguarda do equilíbrio contratual.
5.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação interposta pela autora e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida na parte em que, julgando a acção totalmente improcedente, absolveu a ré do pedido, julgando-se agora a acção parcialmente procedente, condenando-se, em consequência, a ré a pagar à autora a quantia de € 7.000, mais IVA, acrescida de juros de mora à taxa legal para as sociedades até efectivo pagamento.

Mais se condena a ré a pagar a parte restante do preço, como acima ficou explicitado, e sem juros de mora, contra a plantação pela autora das mesmas árvores perecidas, em quantidade e espécie.

Julgando improcedente a reconvenção, absolve-se a autora/reconvinda do pedido reconvencional.
Custas pela autora e ré na proporção do respectivo decaimento.
Lisboa, 26 de Junho de 2008.
Manuel F. Granja da Fonseca
Fernando Pereira Rodrigues
Fernanda Isabel Pereira
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[1] Pedro Romano Martinez, Contrato de Empreitada, 115.
[2] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 864.
[3] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso – em especial na compra e venda e na empreitada, 141, 162, 325 e seguintes.
Almeida e Costa, RLJ, 119º, 144.
[4] Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, 334 e seguintes.
José João Abrantes, A excepção do não cumprimento do contrato no direito civil português – conceito e fundamento, 127 e seguintes.
[5] Ac. da Relação de Guimarães, de 23/04/2003, CJ, Ano XXVIII, Tomo II, 283.
[6] Calvão da Silva, obra citada, 335-336.
[7] Pedro Romano Martinez, Contrato de Empreitada, 113.
[8] José João Abrantes, obra citada, 129.