REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
Sumário

1- Não existe uma definição legal do conceito de interesse do menor, mas, o mesmo tem de ser entendido em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo o que envolva os legítimos anseios, realizações e necessidades daquele e nos mais variados aspectos: físico, intelectual, moral, religioso e social.
2- Tal interesse tem de ser ponderado casuisticamente em face de uma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes.
3-Uma criança não pode ser penalizada por uma conduta a si alheia.
4- Não se pode dizer que um pai que dificulte o regime de visitas da mãe, não seja um bom progenitor ao ponto de se lhe alterar, por essa razão, a guarda da menor.
R.G.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
1-Relatório:
D requereu a alteração do exercício do poder paternal, contra L, relativamente à menor S, pedindo que seja alterada a guarda da menor passando a requerente a ter a guarda da mesma.
Alegou em síntese, que o requerido reiteradamente não cumpre o regime de visitas fixado, tudo fazendo deliberadamente para impedir o contacto entre mãe e filha. Mais alega que actualmente as suas circunstâncias de vida se alteraram e que tem todas as condições para que a menor viva consigo.

Citado o pai veio este opor-se ao requerido alegando que tem cumprido o regime fixado e que quem não tem cumprido a sua parte é a mãe da menor.

Foi realizada uma conferência, na qual não houve acordo e foi fixado um regime provisório. Posteriormente foi realizada nova conferência, novamente sem acordo e com a fixação de novo regime provisório.

Prosseguiram os autos tendo sido realizado julgamento e proferida a seguinte decisão:
«Pelo exposto, decido alterar o exercício do poder paternal regulado, passando a vigorar o seguinte regime:
1) Guarda e poder paternal
a) Até ao último dia de aulas do ano lectivo de 2007/2008, que ocorrerá no mês de Junho de 2008, a menor ficará entregue à guarda e cuidados do pai, que exercerá o poder paternal.
b) No dia subsequente ao último dia de aulas do ano lectivo de 2007/2008, que ocorrerá no mês de Junho de 2008, a menor passará a ficar entregue à guarda e cuidados da mãe, que exercerá o poder paternal.
2) Visitas
a) No período transitório, desde agora até final do ano lectivo, a ocorrer em Junho de 2008:
- A mãe poderá ver e estar com a menor em fins-de-semana alternados devendo para o efeito ir buscar a menor a casa do pai à sexta-feira entre as 20,00 e as 21,30 horas e ainda a levando ao domingo até às 21,30 horas ao mesmo local.
- Além disso, a mãe poderá estar com a menor todas as semanas, indo buscar a menor às terças-feiras, à escola, ou na impossibilidade de a ir buscar à escola, a casa do pai, entre as 19,00 horas e as 21,00 horas, levando a menor no dia seguinte, quarta-feira, à escola, no horário do início das aulas. A mãe deverá avisar o pai quando não lhe for possível efectuar estas visitas à menor a meio da semana.
A menor passará com a mãe as férias escolares da Páscoa, de 2008, devendo para o efeito a mãe ir buscar a menor a casa do pai, no dia 15 de Março, entre as 9,00 horas e as 12,00 horas e indo levá-la no dia 23 de Março até às 12,00 horas, também à casa do pai.
b) Quando a menor ficar confiada à guarda da mãe, é de definir o seguinte regime de visitas ao pai – a partir de Junho de 2008 (final do ano lectivo):
- O pai poderá ver e estar com a menor em fins-de-semana alternados devendo para o efeito ir buscar a menor a casa da mãe à sexta-feira entre as 20,00 e as 21,30 horas e aí a levando ao domingo até às 21,30 horas.
- Além disso, o pai poderá estar com a menor todas as semanas, indo buscar a menor às terças-feiras, à escola, ou na impossibilidade de a ir buscar à escola, a casa da mãe, entre as 19,00 horas e as 21,00 horas, levando a menor no dia seguinte, quarta-feira, à escola, no horário do início das aulas – O pai deverá avisar a mãe quando não lhe for possível efectuar estas visitas à menor a meio da semana.
- A véspera de Natal, dia de Natal, Véspera de ano Novo, dia de Ano Novo e domingo de Páscoa, serão passados alternadamente com cada um dos progenitores, sendo que em 2008, passará a véspera de Natal com a mãe, o dia de Natal com o pai, a Véspera de Ano Novo com a mãe e o dia de Ano Novo com o pai e o domingo de Páscoa com a mãe.
- Sem prejuízo, a menor passará metade de todas as suas férias escolares com cada um dos progenitores, alternadamente. Ou seja, nas férias de Verão de 2008, passará a primeira metade das férias com a mãe e a segunda metade das férias com o pai.
- No ano lectivo de 2008/2009 a primeira metade das férias de Natal, Páscoa e Verão, com o pai e a segunda metade com a mãe, sendo que no ano seguinte, passará a primeira metade das férias de Natal, Páscoa e Verão, com a mãe e a segunda metade com o pai e assim sucessivamente.
- Sem prejuízo das actividades escolares e horas de descanso, a menor passará com o pai o dia do pai e o dia de aniversário do pai e com a mãe o dia da mãe e de aniversário da mãe.
- No dia de aniversário da menor, esta almoçará com um dos progenitores e jantará com o outro, sendo que este ano, almoçará com o pai e jantará com a mãe. No próximo ano, almoça com a mãe e janta com o pai e assim sucessivamente.
3. Alimentos
a) Enquanto a menor estiver à guarda e cuidados do pai, mantém-se o regime de alimentos já fixado.
b) A partir da data em que a menor passar a ficar confiada à guarda e cuidados da mãe, o pai entregará à mãe, a quantia mensal de 100,00 euros até ao dia 8 de cada mês e actualizável em Março de cada ano em função da taxa de inflação publicada pelo INE para o ano anterior.
O pai comparticipará ainda com 50% das despesas escolares, médicas e medicamentosas da menor, na parte não comparticipada, mediante a apresentação pela mãe do comprovativo do pagamento efectuado, até ao final do mês seguinte àquele a que respeitem as despesas, devendo o reembolso ser feito nos quinze dias subsequentes à apresentação do comprovativo da despesa».

Inconformado recorreu o apelante, L, concluindo nas suas alegações, em síntese:
- A menor S, nasceu em 20 de Julho de 2000, e sempre viveu na companhia do pai (Respostas das alíneas s) e t) dos Factos Provados).
- O qual vive em Mem Martins, estando a menor inscrita numa escola junto da área da residência do pai (Resposta à alínea u) dos Factos Provados).
- Por acordo, celebrado em 14.11.2002, entre os progenitores, homologado judicialmente, a dita menor foi confiada à guarda do ora requerido e apelante (Resposta à alínea a) dos Factos Provados).
- A menor, tem uma relação próxima com a "madrasta", companheira do pai, a quem trata por "mãe", e a mesma assume, perante a menor, um papel maternal (Resposta às alíneas m) e o) dos Factos Provados).
- Em 15.01.2004, foi fixado um regime provisório, reavaliado em 20.04.2004, sempre continuando, a guarda da menor, entregue ao pai, ora requerido e apelante (Resposta às alíneas b) e c) dos Factos Provados).
- Segundo o Relatório Social de fls. 206 e segs. dos autos, a menor, mostra-se reactiva em falar da mãe biológica, pois, para ela "mãe", é a companheira do pai, a quem, espontaneamente se refere como mãe, chamando "D" à mãe biológica parecendo não ter interiorizado o papel desta na sua vida.
- E, segundo a avaliação das competências para o exercício da Parentalidade de fls. 209 dos autos, foi, no mesmo Relatório considerado que a menor está integrada num ambiente familiar que se afigura côncavo e capaz de suprir as suas necessidades básicas e específicas.
- Que o pai e a madrasta parecem constituir um importante referente afectivo e educativo no quadro de vida da criança.
- Sendo, a vinculação da menor ao pai e madrasta notória, sendo esta a figura materna que a S interiorizou.
- Concluindo assim, tal Relatório, que a madrasta, e o pai com quem a menor sempre viveu, há cerca de oito anos, reúnem as condições e competências para o exercício das funções parentais.
- Nenhuma alteração de circunstâncias se tendo provado que justifiquem a quebra abrupta da estabilidade emocional e psicológica alcançada pela menor com a alteração do estabelecimento escolar que frequenta, ainda por cima, situado próximo da casa onde reside, e do laço afectivo que desenvolveu com as suas colegas dessa escola e vizinhas.
- Sendo certo, que o tribunal, ao regular o Poder Paternal, ou o pedido de Alteração do seu exercício deve ter em mira, na sua decisão, que a vida da menor, sofra o menor choque possível, assegurando uma determinada continuidade na educação.
- Ao invés, no julgamento da matéria de facto, deu-se mais crédito a testemunhos (infelizmente sempre falíveis e tendenciosas), a justificações falsas para o abandono a que a mãe votou a menor, a relações de proximidade e afectivas desta com a menor, em nítida contradição com o Relatório Social, exaltando-se falsos incumprimentos dos regimes provisórios, por parte do requerido, e considerando-se provado, um facto meramente conclusivo e subjectivo, como o constante da alínea q).
- Assim, a aliás douta sentença recorrida decidindo alterar o exercício do poder paternal, passando a menor a ficar entregue à guarda e cuidados da mãe, ora requerente, quando sempre viveu entregue à guarda do pai, desde que nasceu, há cerca de oito anos, violou os artigos 1905º do C. Civil e 180º e 182º da OTM e ainda o art. 69º., nº1 da CRP, em obediência aos princípios proclamados na Declaração Universal dos Direitos da Criança, pelo que deve ser entregue ao pai.

Por seu turno, contra-alegou a apelada, em síntese:
- O acordo inicialmente estabelecido em 14 de Novembro de 2002, em que a guarda da menor foi atribuída ao Requerido, ora Apelante, assentou nas dificuldades económicas, vivenciadas, pela mãe aquando da sua separação.
- O pai não cumpriu, minimamente os sucessivos regimes fixados em 14 de Novembro de 2002, 15 de Janeiro e 20 de Abril de 2004.
- Conforme se alcança da Douta Sentença, o Recorrido, ora Apelante, assumiu sempre uma conduta faltosa com o único objectivo de afastar a mãe da vida da menor.
- Este comportamento, manifestamente abusivo por parte do pai, denuncia um profundo desrespeito pelos interesses da criança.
- O Apelante violou, de modo reiterado, grave, intencional e dolosamente os regimes fixados.
- A Requerente, ora Apelada, já ultrapassou há muito as suas iniciais dificuldades financeiras. Actualmente possui estabilidade económica, social e familiar.
- Mãe e filha têm um relacionamento próximo.
- Resulta claramente da Douta Sentença que o regime estabelecido, continua a assegurar de modo saudável, a convivência da menor com o pai e seu agregado familiar.
- A alegada proximidade entre a companheira do Requerido e a menor, resulta da atitude egoísticamente incumpridora do pai.

Foram colhidos os vistos.

2- Cumpre apreciar e decidir:

As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º, nº2, 664º, 684º e 690º, todos do CPC.

A questão a dirimir consiste em analisar se a sentença recorrida deverá ser alterada, no sentido de manter a menor entregue ao pai.

A matéria de facto delineada na 1ª.instância foi a seguinte:
a) Por acordo celebrado em 14 de Novembro de 2002, homologado judicialmente, requerente e requerido acordaram no seguinte:
1) O exercício do poder paternal da menor S será exercido conjuntamente por ambos os pais, ficando porém a guarda da mesma atribuída ao pai, com quem a menor viverá;
2) A mãe poderá ver a menor, sempre que o desejar, sem prejuízo das horas de descanso da mesma e futuras actividades escolares;
3) A mãe poderá ter a menor na sua companhia em fins-de-semana alternados, indo buscá-la a casa do pai ao sábado de manhã, entregando-a no mesmo local até às 20,00 horas de domingo;
5) A mãe poderá ter consigo a menor durante 30 dias das suas férias laborais, a menos que coincidam com as do pai, caso em que serão reduzidas a metade, comprometendo-se a mãe a avisar o pai com pelo menos 30 dias de antecedência, quando tenciona gozar as suas férias;
6) No dia de aniversário da menor, a mãe tomará, se possível, uma refeição na companhia da mesma;
7) No dia de aniversário dos pais, a menor passará o dia com o aniversariante;
8) (…)”
b) No âmbito dos presentes autos, em 15 de Janeiro de 2004, foi fixado o seguinte regime provisório: A menor estará com a mãe à quinta-feira durante o dia, indo a mãe buscá-la a casa do pai, na Praceta Roque Gameiro, Lote B, 3.º esquerdo, 2725, Mem Martins, às 10,00 horas e aí a entregando às 21,00 horas. Ao sábado ou ao domingo, consoante a folga da mãe, esta irá buscar a criança a casa do pai às 14,30 horas e aí a entregando no mesmo dia às 21,30 horas. Caso haja qualquer problema no cumprimento dos horários, os pais contactarão um com o outro nesse sentido para os seguintes telefones (…).
c) No dia 20 de Abril de 2004, em conferência de reavaliação, foi fixado o seguinte regime provisório: 1) A mãe poderá estar com a menor às quartas-feiras, de 15 em 15 dias, com início no próximo dia 28 de Abril de 2004, indo, para o efeito, buscá-la a casa do pai, pelas 19,00 horas, entregando-a no mesmo local, na quinta-feira seguinte pelas 21,00 horas; 2) A mãe poderá estar com a menor às sextas-feiras, de 15 em 15 dias, com início na próxima sexta-feira, indo buscá-la a casa do pai, até às 21 horas, entregando-a no mesmo local, no sábado seguinte, pelas 21,30 horas; 3) A mãe poderá também estar com a menor 15 dias das suas férias de verão, (…)
d) Por diversas vezes a requerente deslocou-se para ir buscar a menor, nos períodos e local definidos pelo Tribunal, não lhe tendo sido aberta a porta, nem lhe tendo sido entregue a menor.
e) A requerente vive numa casa em Lisboa.
f) Trabalha actualmente no metropolitano de Lisboa.
g) Vive com o companheiro e uma filha de ambos.
h) A menor Sara não conhece a irmã, porque as visitas não têm ocorrido pelos motivos expostos.
i) Pelos motivos expostos, há cerca de um ano que a requerente não está com a menor.
j) O acordo inicialmente fixado no sentido de a guarda da menor ser atribuída ao requerido ficou a dever-se às dificuldades económicas que a mãe sentiu logo a seguir à separação que a forçaram a deixar a menor à guarda do requerido.
l) A mãe tem com a filha uma relação de proximidade.
m) A menor tem uma relação próxima com a madrasta a quem trata por mãe.
n) O requerido é segurança e aufere cerca de 1.000,00 euros por mês.
o) A companheira do requerido assume perante a menor um papel maternal.
p) A casa onde a requerida habita tem um quarto para a menor. É um T2 com condições de higiene e habitação.
q) A requerente tem sofrido muito por não poder estar em contacto com a filha. Pretende assegurar a guarda e cuidados da filha.
r) O pai assegura à menor todos os cuidados essenciais necessários à sua educação, segurança e higiene.
s) A Sara nasceu no dia 20 de Julho de 2000.
t) A menor Sara sempre viveu com o pai.
u) O pai vive em Mem Martins e a mãe vive em Lisboa, estando a menor inscrita em escola junto da área de residência do pai.

Vejamos:
Insurge-se o apelante no concernente à parte da sentença que determinou a entrega da menor, S, à sua progenitora, quando a mesma sempre viveu com aquele.
Ora, nos termos do disposto no art. 1905º. do Código Civil:
1- Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, o destino do filho, os alimentos a este devidos e a forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação do tribunal; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor, incluindo o interesse deste em manter com aquele progenitor a quem não seja confiado uma relação de grande proximidade.
2- Na falta de acordo, o Tribunal decidirá de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com o progenitor a quem não seja confiado, podendo a sua guarda caber a qualquer dos pais, ou, quando se verifique alguma das circunstâncias previstas no art. 1918º, a terceira pessoa ou estabelecimento de reeducação ou assistência.
Por seu turno, dispõe o nº1 do art.180º da OTM. que, na sentença, o exercício do poder paternal será regulado de harmonia com os interesses do menor, podendo este, no que respeita ao seu destino, ser confiado à guarda de qualquer dos pais, de terceira pessoa ou de estabelecimento de educação ou assistência.
Como factor comum a tais normativos temos, o interesse dos menores, o qual deve estar sempre presente em qualquer decisão a tomar no âmbito da regulação do poder paternal, ainda que só esteja em causa, como na situação vertente, a guarda da menor.
Tal princípio decorre ainda de Convenções Internacionais subscritas por Portugal, tais como a «Convenção sobre os Direitos da Criança», aprovada pela resolução da AR nº.20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº.49/90, preceituando nomeadamente os seus arts.3º e 9º que, todas as decisões relativas a crianças terão primacialmente em conta o interesse superior destas, comprometendo-se os Estados subscritores a respeitar os direitos da criança separada de um ou de ambos os pais, a manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao seu interesse superior.
Ora, não existe uma definição legal do conceito de interesse do menor, mas, como se alude no Ac. da RL. de 1-4-2004, in http://www., o mesmo tem de ser entendido em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo o que envolva os legítimos anseios, realizações e necessidades daquele e nos mais variados aspectos: físico, intelectual, moral, religioso e social. E esse interesse tem de ser ponderado casuisticamente em face de uma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes.
Assim, será perante a factualidade efectivamente apurada que teremos que aferir, o que melhor se adequa ao bem-estar total da menor.
Com efeito, temos no essencial que:
- Por acordo celebrado em 14 de Novembro de 2002, homologado judicialmente, a menor S ficou à guarda do pai, vivendo com o mesmo.
- Foram fixados regimes provisórios de visitas em 15 de Janeiro de 2004 e 20 de Abril de 2004.
- Por diversas vezes a requerente deslocou-se para ir buscar a menor, nos períodos e local definidos pelo Tribunal, não lhe tendo sido aberta a porta, nem lhe tendo sido entregue a menor.
- A requerente vive numa casa em Lisboa, trabalhando actualmente no metropolitano de Lisboa.
- Vive com o companheiro e uma filha de ambos.
- Há cerca de um ano, pelos motivos expostos, que a requerente não está com a menor.
- O acordo inicialmente fixado no sentido de a guarda da menor ser atribuído ao requerido ficou a dever-se às dificuldades económicas que a mãe sentiu logo a seguir à separação.
- A mãe tem com a filha uma relação de proximidade.
- A menor tem uma relação próxima com a madrasta a quem trata por mãe.
- A companheira do requerido assume perante a menor um papel maternal.
- A casa onde a requerida habita tem um quarto para a menor.
- O pai assegura à menor todos os cuidados essenciais necessários à sua educação, segurança e higiene.
- A Sara nasceu no dia 20 de Julho de 2000 e sempre viveu com o pai.
- O pai vive em Mem-Martins e a menor está inscrita em escola junto da área de residência do pai.
Perante tais factos, é incontroverso que a menor nunca conheceu outro local para viver, senão a residência de seu pai.
Cerca de oito anos na vida de uma criança é algo que se não pode modificar ou alterar de um dia para o outro.
Foi integrada naquele ambiente que a S começou a despertar para o mundo, a tomar consciência do seu eu, a formar a sua personalidade, criar os seus hábitos, lidar com o seu espaço.
No concernente às condições do pai para manter consigo a filha, nada se alterou nem resulta dos autos qualquer indício que o desaconselhe.
Sem dúvida alguma que as crianças terão que manter um convívio próximo com os seus progenitores, mas também não é menos certo que qualquer atitude brusca de mudança seria sempre perigosa e poderia ocasionar danos difíceis de reparar na menor.
Os afectos não se quebram pela ausência de um convívio diário.
Os laços afectivos paterno-filiais dever-se-ão situar num patamar muito superior, nada coincidentes com os conflitos conjugais ou ex-conjugais.
Ora, o que se constata na situação em apreço é a existência de incompatibilidades dos progenitores, relativamente ao processamento do regime das visitas.
Porém, não faz sentido que a menor se veja envolvida de modo instrumental pelos pais, esquecendo-se do seu bem-estar, consubstanciado aqui na sua estabilidade emocional.
Nem tão pouco se deve penalizar a criança por uma conduta a si alheia, embora a mesma se possa reflectir numa incorrecta formação da mesma.
O que urge resolver de forma adequada é o regime de visitas à menor, com a observância de correcção de parte a parte, sendo os pais alertados que qualquer comportamento anómalo se reflectirá na vida da Sara, o que certamente não será o seu desejo.
Agora, não se pode é concordar com a posição de que um pai que dificulte o regime de visitas da mãe, não seja um bom progenitor ao ponto de se lhe alterar, por essa razão, a guarda da menor.
Como reagiria a Sara a esta situação, quando se habituou a viver com o pai e mudar agora, quando já há cerca de um ano que não está com a mãe?
Uma tal ocorrência, porventura não estaria a pensar nos seus interesses, nem nas possíveis sequelas.
Numa criança desta idade é preciso saber esperar, demonstrar-lhe com paciência e perseverança que se lhe quer bem e poupá-la a desavenças que não ficam bem aos próprios pais e que nada de honroso transporta para a filha.
Assim, estando a menor perfeitamente integrada no ambiente familiar do pai, beneficiando de um bom relacionamento com a companheira deste, tendo assegurado todos os cuidados essenciais necessários à sua educação, segurança e higiene, tendo a escola perto de casa, não há qualquer motivação suficientemente forte que justifique uma mudança.
Contudo, para uma integral harmonia é imprescindível o relacionamento da menor com a sua mãe biológica.
Esse relacionamento deverá também abranger a família alargada da mãe, ou seja, como resulta dos factos, um convívio com o companheiro da mãe e com a filha de ambos, embora nada se tivesse apurado sobre o relacionamento da menor com o companheiro da mãe.
Assim, há que ter em atenção o cumprimento do regime de visitas, como forma de proporcionar à menor um integral desenvolvimento, baseado em união, ou seja, responsabilizar os pais para que se consciencializem que para o bem da sua filha terão que afastar comportamentos mesquinhos e que nenhum se pode arrogar como o único responsável ou detentor da mesma.
Saber partilhar implica maturidade e esta é essencial para relativizar as contraditoriedades do dia-a-dia, bem como, para se demonstrar capacidade educativa e formativa.
Deste modo, nada indica e tudo desaconselha que se altere a entrega da menor ao outro progenitor, quando não se verifica qualquer circunstância de tal modo grave que o imponha.
Destarte, assiste razão ao recorrente, revogando-se a sentença proferida, no sentido de manter a Sara Inês entregue ao pai.
Face ao explanado, incumbe alterar as visitas fixadas, no âmbito do pressuposto de que a menor ficaria com a mãe, definindo a tal respeito, o seguinte regime:
«A mãe poderá ver e estar com a menor em fins-de-semana alternados devendo para o efeito ir buscar a menor a casa do pai à sexta-feira entre as 20,00 e as 21,30 horas e aí a levando ao domingo até às 21,30 horas.
- Além disso, a mãe poderá estar com a menor todas as semanas, indo buscá-la às terças-feiras, à escola, ou na impossibilidade de a ir buscar à escola, a casa do pai, entre as 19,00 horas e as 21,00 horas, levando a menor no dia seguinte, quarta-feira, à escola, no horário do início das aulas.
A mãe deverá avisar o pai quando não lhe for possível efectuar estas visitas à menor a meio da semana.
- A véspera de Natal, dia de Natal, Véspera de ano Novo, dia de Ano Novo e domingo de Páscoa, serão passados alternadamente com cada um dos progenitores, sendo que em 2008, passará a véspera de Natal com a mãe, o dia de Natal com o pai, a Véspera de Ano Novo com a mãe e o dia de Ano Novo com o pai e o domingo de Páscoa com a mãe.
- Sem prejuízo, a menor passará metade de todas as suas férias escolares com cada um dos progenitores, alternadamente. Ou seja, nas férias de Verão de 2008, passará a primeira metade das férias com a mãe e a segunda metade das férias com o pai.
- No ano lectivo de 2008/2009 a primeira metade das férias de Natal, Páscoa e Verão, com o pai e a segunda metade com a mãe, sendo que no ano seguinte, passará a primeira metade das férias de Natal, Páscoa e Verão, com a mãe e a segunda metade com o pai e assim sucessivamente.
- Sem prejuízo das actividades escolares e horas de descanso, a menor passará com o pai o dia do pai e o dia de aniversário do pai e com a mãe o dia da mãe e de aniversário da mãe.
- No dia de aniversário da menor, esta almoçará com um dos progenitores e jantará com o outro, sendo que este ano, almoçará com o pai e jantará com a mãe. No próximo ano, almoça com a mãe e janta com o pai e assim sucessivamente».
No concernente aos alimentos e na esteira do que se disse na sentença recorrida, estando a menor à guarda e cuidados do pai, mantém-se o regime de alimentos já fixado.

3- Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença proferida, no sentido de manter a Sara Inês Fernandes Pinto à guarda do pai, Luís Filipe da Silva Pinto, processando-se as visitas da mãe, Dina Miriam Marques Fernandes, nos termos sobreditos.
Custas a cargo da apelada.
Lisboa, 8-7-2008
Maria do Rosário Gonçalves
Maria José Simões
José Augusto Ramos