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INTERVENÇÃO ESPONTÂNEA
ADMISSIBILIDADE
CASO JULGADO
HABILITAÇÃO DE CESSIONÁRIO
Sumário
I - De acordo com o regime presentemente plasmado na lei adjetiva (art. 311º do Código de Processo Civil), o incidente de intervenção principal espontânea será admissível quando um terceiro pretenda, sponta sua, intervir na causa como associado de qualquer uma das partes primitivas. II - Para que o incidente possa ser admitido, torna-se mister que o terceiro venha a juízo fazer valer um direito seu, ou na expressão da lei, “um direito próprio paralelo” ao da parte primitiva a que pretende associar-se, exigindo-se outrossim que se esteja em presença de um direito (rectius, interesse) pelo qual pudesse, ab initio, demandar ou ser demandado com essa parte. III - O esquema que define a figura da intervenção principal espontânea, caraterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte a que se associa, traduz-se, assim, na cumulação no processo da apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente, substancialmente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio (necessário ou voluntário) inicial. IV - Por inexistência dessa relação litisconsorcial, está afastada a possibilidade de dedução desse incidente nas situações em que o terceiro pretende tão-somente substituir na lide uma das partes primitivas.
Texto Integral
Processo nº 168/07.5TBAMT-D.P1 Origem: Comarca do Porto Este, Penafiel – Instância Central – Secção Cível, Juiz 1 Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra 2º Adjunto Des. José Sousa Lameira
* Sumário
I- De acordo com o regime presentemente plasmado na lei adjetiva (art. 311º do Código de Processo Civil), o incidente de intervenção principal espontânea será admissível quando um terceiro pretenda, sponta sua, intervir na causa como associado de qualquer uma das partes primitivas.
II- Para que o incidente possa ser admitido, torna-se mister que o terceiro venha a juízo fazer valer um direito seu, ou na expressão da lei, “um direito próprio paralelo” ao da parte primitiva a que pretende associar-se, exigindo-se outrossim que se esteja em presença de um direito (rectius, interesse) pelo qual pudesse, ab initio, demandar ou ser demandado com essa parte.
III- O esquema que define a figura da intervenção principal espontânea, caraterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte a que se associa, traduz-se, assim, na cumulação no processo da apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente, substancialmente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio (necessário ou voluntário) inicial.
IV- Por inexistência dessa relação litisconsorcial, está afastada a possibilidade de dedução desse incidente nas situações em que o terceiro pretende tão-somente substituir na lide uma das partes primitivas.
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I- RELATÓRIO
B…, Ldª intentou a presente ação declarativa contra C… Ldª peticionando que seja declarada a resolução de contrato de empreitada celebrado entre ambas, por incumprimento definitivo imputável à ré, sendo esta condenada no pagamento da quantia de €787.259,37, acrescida de juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento.
No decurso da ação, veio a “D…, Ldª” (que anteriormente havia deduzido incidente de habilitação de cessionário – apenso A -, julgado improcedente por decisão já transitada em julgado) deduzir incidente de intervenção principal espontânea alegando, para tanto, que a autora lhe cedeu o crédito que detinha sobre a ré resultante do incumprimento do ajuizado contrato de empreitada.
Acrescenta que, por mor da operada cessão de créditos, “deverá intervir nos presentes autos para que a decisão possa regular definitivamente a situação concreta dos factos relativamente ao pedido formulado”.
Notificadas as partes primitivas, pronunciou-se a ré pugnando pela não admissibilidade do incidente de intervenção de terceiros.
Foi proferido despacho que admitiu a requerida intervenção principal, por se considerar mostrarem-se verificados os pertinentes pressupostos.
Inconformada com tal decisão, veio a ré interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que admitiu o incidente de intervenção espontânea da D…, Lda. (cessionária), por cessão do crédito da Autora B… (cedente), tendo entendido a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo ser essa a única forma de colmatar o vazio deixado pela liquidação da referida Autora; 2. Como decorre do apenso A, inicialmente, a Requerente D…, Lda. deduziu, com os mesmos fundamentos, incidente de habilitação de adquirente ou cessionária, o qual foi julgado improcedente, tendo pacificamente transitado em julgado. 3. A Mm.ª Juíza do Tribunal a quo entendeu erradamente que “era do entendimento das instâncias superiores que no presente caso teria ocorrido uma cessão de créditos…”, quando – por força até do caso julgado formal que havia ocorrido no apenso A – tal não foi levado ao ponderado juízo daquelas instâncias. Apenas foram chamadas a pronunciar-se acerca da inutilidade superveniente da lide, ou do prosseguimento, ou não da ação, em face da dissolução e liquidação da Autora e da sua substituição pelos seus liquidatários. 4. Contrariamente ao vertido na sentença em crise, nos autos não ficou sequer demonstrada a existência de qualquer cessão de crédito. 5. A Requerente para justificar o seu direito de crédito alegou o seguinte: A B…, Lda, a 29 de Dezembro de 2009 deliberou a dissolução e liquidação da sociedade mas, antes disso, cedeu os créditos detidos sobre a sociedade C…, Lda à aqui requerente – vide Artigo 7 do Requerimento de Intervenção sublinhado nosso 6. Para comprovar tal cedência de crédito juntou o doc. 2, que mais não é do que a ata em que foram tomadas essas deliberações. Analisando o conteúdo da ata verifica-se que foi objeto da deliberação, integrando o ponto 1 da ordem do dia a “cessão de créditos detidos sobre a firma C…, Lda, à firma E…, Lda e a firma Construções F…, Lda, reclamados judicialmente para a firma D…, Lda. 7. Posta aquela proposta à votação, reza a ata, “foi deliberado proceder à transmissão dos aludidos créditos para a D…,Lda, a qual, após a referida cessão, passa a assumir todos os direitos e obrigações….”(sic) sublinhado nosso. 8. Logo, se foi deliberado proceder, é porque, ao contrário do que vem alegado no requerimento inicial de intervenção principal espontânea, ainda não tinham procedido, ainda o iriam fazer, pelo que tal facto não podia ter sido dado (sabe-se lá porquê!!) como assente, quando foi impugnado e sobre ele não recaiu qualquer outra prova. 9. Nos termos do n.º 1 do art.º 577.º do C.C., o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, conquanto a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor; e os requisitos e efeitos da cessão entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que lhe serviu de base. 10. Quer isto dizer que, entre as partes (no que respeita ao cedente e cessionário), a validade da cessão é aferida pelo modelo de negócio que lhe deu origem (venda, pagamento, mútuo…); 11. Um dos requisitos desta forma de transmissão de obrigações é, como ensina Menezes Leitão in “Direito das Obrigações”, vol. II (transmissão e Extinção das Obrigações, Não Cumprimento e garantias do Crédito), 7.ª ed. 2010, pág 17, que o qualifica como sendo o primeiro dos requisitos, a existência de um negócio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou de parte de um crédito, acrescentando que pode esse negócio consistir numa compra e venda (art.º 874º do C.C.), numa doação (art.º 940º do C.C.), numa sociedade (art.º 984º, c) do C.C.), num contrato de factoring, numa dação em cumprimento (art.º 837º do C.C.) ou pro solvendo (art.º 840º n.º 2do C.C.), ou num ato de constituição de garantia. 12. Ora, à luz destes princípios legais e doutrinais, não vemos que o documento supra mencionado, ou seja cópia da ata n.º 27, configure um negócio jurídico celebrado entre a B…, Lda. e a D…, Lda. 13. Contrato, consoante o define o Prof. Carlos da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição, pág. 105, define-se o negócio bilateral constituído por duas ou mais declarações e vontade convergentes, tendentes à produção de um mesmo resultado jurídico unitário (v.g. compra e venda, doação, sociedade, arrendamento, aluguer, empreitada, etc.) sublinhado e negrito nosso. 14. Também a cessão de crédito consiste num contrato que pode assumir qualquer das formas configuráveis para o contrato base ou causal. In casu, não se mostra junto qualquer contrato de cedência ou transmissão do pretenso crédito. O que existiu foi apenas uma deliberação tomada pelos sócios da B…, Lda no sentido de transmitir à Requerente o alegado crédito. 15. A deliberação, porém, não é um contrato, traduzindo apenas uma declaração unilateral de vontade plurissubjectiva dos sócios em transmitir o invocado crédito. Na verdade, 16. Conforme refere Pinto Furtado, in “Deliberação dos Sócios”, Almedina, Coimbra, 1993, pág. 49, “as deliberações dos sócios não são mais, afinal, do que declarações unilaterais da sociedade, formadas como actos colegiais do plenário de sócios, segundo uma das “formas” admitidas por lei para o respectivo tipo social”. 17. A deliberação foi unicamente uma manifestação de vontade dos sócios no sentido de autorizarem que a cessão do pretenso crédito se fizesse nas condições da proposta colocada à votação. Não encerra, em si, qualquer cedência de crédito. 18. O teor da ata foi devidamente impugnado pela aqui Recorrente, sendo aliás, um documento em si inidóneo à prova daquele facto. Não obstante a falta de prova da invocada transmissão, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo deu como assente a aludida cessão de crédito. 19. Em súmula: do que foi alegado nos autos vide Requerimento inicial e da prova documental junta (que foi impugnada) não se verifica, de todo, qualquer convénio entre hipotético cedente e cessionária, mas apenas e tão só a manifestação de vontade de um deles. Na dita ata não se operou nem a transmissão dos créditos detidos pela “B…” para a “D…”, sobre as sociedades na ata referidas, nomeadamente, sobre a aqui Requerida e ora Recorrente, nem a assunção da contrapartida pela D…, logo esta não adquiriu a qualidade de credora. 20. Este Tribunal de recurso já assim se pronunciou (quanto ao teor da mesma ata) a propósito da aludida cessão de crédito da sociedade “B…” para a “D…”, com referência ao crédito alegadamente detido por aquela sobre uma outra empresa denominada E… (conforme resulta da mesma ata 27), vide Ac. da Relação do Porto, processo n.º 2260/12.5TBAMT.P1 – 3.ª Secção, datado de 10.07.2013, e em que foi Relatora a Mm.ª Juíza Desembargadora Dr.ª Teresa Santos. 21. Por outro lado, não está sequer alegado (porque não existiu) a notificação da referida cessão à aqui Recorrente, o que torna tal negócio (a ter existido) ineficaz em relação à mesma - artigo 583º, nº 1, do CC. i. Sem prescindir, 22. Esta matéria já foi amplamente discutida no apenso A que julgou improcedente a habilitação da aqui Recorrida D… – por ausência de prova do referido contrato de cessão de crédito e existência do próprio crédito alegadamente cedido. A douta sentença então proferida no apenso A e transitada em julgado prescreveu em seguida que: «A prova da existência do crédito competia à requerente do presente incidente, de acordo com a repartição do ónus de prova – artigo 342.º, do Código Civil - e esta não logrou provar que os créditos que se pretendem ceder existem. Por conseguinte, julgo o presente incidente improcedente, por não provado». 23. Assim sendo, ao proferir-se agora nos autos principais decisão sobre a mesma questão exata, apreciada em sentido contraditório, verificou-se uma ofensa ao caso julgado. 24. O Tribunal a quo pronunciou-se por duas vezes distintas e de forma contraditória sobre a mesma questão exata, nos mesmos autos e com intervenção das mesmas partes. 25. Dispõe o art.º 619.º/1 do CPC que “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 692.º a 702.º”. 26. Já o art.º 625.º prescreve que “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar (n.º 1). É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual (n.º 2)”. 27. Dir-se-á então que o trânsito em julgado de uma decisão possui um valor enunciativo, entendido na medida em que a sua eficácia exclui qualquer situação contraditória ou de efeito com a mesma incompatível. Nesse sentido, a douta sentença proferida no apenso A é dotada da força geral de caso julgado, na mesma medida em que sempre estaria vedado ao Tribunal decidir contrariamente ao ali decidido pela intervenção da agora Requerente por força de uma inexistente cessão de créditos. 28. Na verdade, o caso julgado é um efeito processual incontornável da sentença transitada em julgado, que por obediência a princípios de confiança e segurança jurídica, impede que o que nela se decidiu seja atacado dentro do mesmo processo (caso julgado formal) ou noutro processo (caso julgado material). 29. Com efeito, é forçoso entender que a sentença proferida no mencionado incidente a este apenso (APENSO A) exerce, igualmente, autoridade de caso julgado no presente incidente. 30. Desta feita, tem a nossa melhor jurisprudência entendido que a autoridade de caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artº 498º do C.P.C., pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida - nesse sentido, entre outros, Acs. do STJ de 13.12.2007, processo nº 07A3739; de 06.03.2008, processo nº 08B402, e de 23.11.2011, processo nº 644/08.2TBVFR.P1.S1, www.dgsi.pt» 31. Acresce ser entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado – vd., por todos, Ac. do STJ de 12.07.2011, processo 129/07.4.TBPST.S1, www.dgsi.pt. Como diz Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 579), citado no referido Acórdão do STJ, “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.» 32. Peticionando agora a Requerente D…, com base nos mesmos factos já discutidos naquele outro incidente, é pretender obter uma nova decisão acerca de factos que já foram julgados e cujas consequências já foram devidamente extraídas. 33. Autoridade de caso julgado que, por si só é suficiente para obstar – e acaso não se considere a exceção de caso julgado como supra requerido (material e formal) – ao prosseguimento e conhecimento do presente incidente. i. Sem prescindir ainda, 34. A admitir-se a existência da alegada cessão de crédito, e não se admite, a D… teria apenas um direito alheio que entretanto lhe terá sido transmitido: um direito que pertenceria ab initio à Autora B…. A cessão do crédito implica, pois, a modificação subjectiva relativamente a um dos sujeitos (o credor) na relação jurídica do crédito. 35. Cedido o crédito na totalidade, o primitivo credor deixou de ter interesse na relação material controvertida em que se discute a existência daquele (tratando-se, por isso de cessão de crédito litigioso), visto que o interessado passou a ser o sujeito que o adquiriu (alegadamente a Requerente). 36. A intervenção principal pressupõe que o interveniente possua um interesse igual ou paralelo ao do Autor ou do Réu, legitimando-o a intervir a seu lado quando tenha na acção um interesse igual ou paralelo ao daquele a quem pretenda associar-se. Tal significa que o associado se mantenha na acção e que existam interesses iguais ou paralelos entre o associado e o interveniente (associante), passando a acção a ter mais um Autor ou mais um Réu, consoante o caso. 37. Não ocorrendo uma situação de interesse igual ou paralelo ao do Autor ou do Réu, mas um interesse singular e único, advindo de circunstância que motivou a perda de quem se encontrava na lide, não há fundamento para a intervenção principal. 38. Alegando a Requerente que adquiriu a totalidade do redito da primitiva Autora não possa requerer a sua intervenção principal nos autos para neles se manter a seu lado, visto que com a cedência do crédito aquela deixou de ter qualquer interesse na relação material controvertida. 39. O meio processual adequado para a requerente intervir nos autos era o incidente de habilitação como cessionária do crédito, mas essa sua habilitação foi-lhe indeferida por falta de prova da aquisição desse pretenso direito, por decisão que transitou em julgado. Não tem, a Requerente, como intervir no processo principal. 40. Diferentemente do que sucede na habilitação de cessionário, que se baseia na transmissão da titularidade do mesmo direito e em que está em causa a substituição na lide do anterior titular do direito (transmitente) pelo atual titular do mesmo direito (adquirente), na intervenção de terceiros o interveniente principal terá que demonstrar que tem “um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu” (art. 311.º do Código de Processo Civil). Sublinhado nosso 41. Pode ser um direito idêntico e terá que ser um direito paralelo, mas não é o mesmo direito. É outro diferente. Na intervenção principal de terceiros não há lugar à substituição de pessoas na lide, mas à associação do chamado a uma das partes que já está na lide para, a título de coautor ou de corréu, poder fazer valer o seu próprio direito, e não um direito alheio. 42. O absurdo do requerido incidente de intervenção de terceiros permitiria que, a cedente do crédito (B…), a cessionária do mesmo crédito (D…), os liquidatários da cedente do crédito, estivessem (como parecem estar) TODOS na lide a defender o mesmo crédito, ou seja, o mesmo direito!!! 43. A posição processual do interessado na ação pertence apenas e tão só ao titular do crédito, pelo que, não estamos perante qualquer caso litisconsorcial, nos termos dos artigos 32º, 33º, e 34º do C.P.C. 44. não podem continuar os dois (três neste caso) na lide para fazer valer o mesmo e único direito (cfr. EURICO LOPES-CARDOSO, em Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, 1992, p. 296). Ainda por cima, imagine-se, patrocinados pelo mesmo mandatário !!!!! 45. o incidente de intervenção de terceiros para fazer intervir na lide o cessionário é não só inapropriado como inadmissível. Como defende SALVADOR DA COSTA in Os Incidentes da Instância, 4.ª Edição, pág. 88 “…o escopo finalístico do incidente de intervenção principal, nomeadamente em casos de litisconsórcio, é o de associar novas partes às primitivas e não para operar a sua exclusão por via de substituição”. 46. O incidente, como o dos autos, não deve e não pode ser admitido para operar a mera modificação subjetiva dos sujeitos da ação. Como defende o Ilustre Juiz Conselheiro “…deverá ser liminarmente indeferido o requerimento de intervenção no caso do terceiro requerente não demonstrar a sua titularidade de um interesse igual ao dos Autor ou do Réu, isto é, de se não verificar uma situação de litisconsórcio ou de coligação nos termos do artigo 311 do CPC.” Sublinhado nosso i. Ainda sem prescindir, 47. A Mm.ª Juíza do Tribunal a quo erradamente considerou que «…por via da cessão de créditos, a requerente adquiriu os direitos diretamente relacionados ao identificado contrato de empreitada…» 48. Por via da cessão de créditos a autora apenas poderia transmitir à cessionária o crédito que arroga possuir e já não a posição contratual que detém no contrato de onde aquele crédito poderá emergir. Estamos perante uma cessão de créditos e não perante uma cessão da posição contratual. 49. Na presente ação a aqui Recorrente deduziu contra a cedente reconvenção, que foi admitida, uma vez que considerando a causa de pedir em que assenta a ação e a alegação com base na qual foi deduzida a reconvenção, o pedido reconvencional emergia de facto jurídico que serve de fundamento à ação. 50. O fator de conexão, neste caso, entre o objeto da ação e da reconvenção, que a torna admissível, é o mesmo contrato (contrato de empreitada), sendo que os pedidos na ação e na reconvenção procedem dos mesmos factos, ou parcialmente dos mesmos factos, ou seja, do incumprimento do contrato, ainda que visto na diferente perspectiva das partes. 51. A eventual responsabilidade da autora pelo incumprimento contratual alegado pela ré, ou seja, a responsabilidade obrigacional decorrente desse incumprimento, não foi objeto da suposta transmissão, já que a autora apenas fez (ou melhor diz que fez – o que não se aceita) uma cessão de créditos e não uma cessão da sua posição contratual. 52. Se fosse admitida a intervenção (nos termos em que foi alegada – para fazer valer o seu eventual direito de crédito), a ré ficaria impedida de discutir na lide o direito que se arroga sobre a autora, já que a substituição da cedente apenas visa colocar na lide a cessionária na posição que a cedente detinha relativamente ao pedido subjacente ao direito litigioso objeto da cessão, ou seja, o invocado na ação. 53. Como jurisprudencialmente tem sido entendido por este Tribunal da Relação, havendo reconvenção, é motivo mais do que suficiente para travar o incidente de habilitação de adquirente ou cessionário, logo por maioria de razão seria suficiente para travar e impedir o de intervenção principal. i. Subsidiariamente e sem prescindir, 54. Compulsando os 13 artigos que constituem o requerimento inicial e os 109 que compõem a resposta àquele, verifica-se não há quaisquer factos (dos alegados) que constem do elenco dos provados na decisão sobre a matéria de facto, a qual é inexistente por ser totalmente omissa. Nada foi dito acerca dos fatos alegados pela aqui Recorrente, nomeadamente os excetivos, e sobre eles nenhuma prova recaiu. 55. Em sede incidental (artigos 292º a 294º do Cód. Proc. Civ.), a seleção da matéria de facto com relevo para a decisão do incidente, é feita nos termos do disposto no nº 4 do artigo 607º do Cód. Proc. Civ. por efeito da remissão do art.º 295 do mesmo diploma legal. Isto significa que o juiz, finda a produção de prova, tem de responder “Provado”, “Provado apenas” ou “Não Provado” a cada um dos factos alegados pelas partes, considere ou não que os mesmos relevam para a decisão final a proferir. 56. No caso em análise, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, não se referiu à matéria articulada que considerava conclusiva ou de direito, assim delimitando o campo factual a que deveria responder, e não discriminou os factos (porque todos impugnados) que considerava relevantes para se produzir prova bastante. 57. Tal procedimento, ou ausência dele, impede em abono da verdade, que esta Relação se pronuncie sobre a impugnação da matéria de facto. 58. Com efeito, e não esquecendo que o sistema recursório português é de reponderação e não de reexame, como pode esta Relação apreciar se determinado facto alegado foi indevidamente considerado não provado ou foi erradamente desconsiderado por irrelevante, se não consegue destrinçar se o tribunal a quo entendeu que a prova não foi suficiente para o convencer ou se entendeu que o mesmo era despiciendo? 59. É que a análise das questões colocadas nomeadamente a nível de fraude à lei, abuso de direito, simulação e todos os factos que os integravam a aqui recorrente ficou sem possibilidade de sobre eles fazer prova ou de os ver sequer analisados na sentença em crise. 60. Se perante tais fatos alegados vide a título meramente exemplificativo, os artigos 82º a 106º da contestação, a Recorrente não sabe qual a consideração atribuída as mesmos pela Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, como poderá agora a Relação entender censurar a resposta, ou a sua ausência, o que deverá determinar que o processo baixe à 1.ª instância para sobre os factos do requerimento inicial e oposição poder recair prova e assim poder o tribunal convictamente dá-los como provados ou não provados. 61. Não pode deixar de se entender que a decisão sobre a matéria de facto padece de obscuridade – ao impossibilitar o conhecimento dos concretos factos que foram dados como provados e não provados – e, bem assim, de deficiência - ao omitir a resposta aos concretos factos (desconhecidos, também) que foram tidos por relevantes ou irrelevantes para a decisão do incidente. Ao abrigo do disposto na alínea c) do no nº 2 do artigo 662º do Cód. Proc. Civ., impõe-se, pois, anular a decisão que viciada se mostra. 62. Na verdade, estamos perante um incidente processual que, como tal, deve ser tramitado. Nos incidentes, a prova é apresentada no próprio requerimento em que o mesmo é suscitado ou na resposta, nos termos do artº 293 nº 1 do C.P.C. tramitação esta que é a que deve ser observada na falta de regulamentação especial, de acordo com o estabelecido no artº 292 do C.P.C. 63. Ora, estando em causa a possibilidade de intervenção de um terceiro na ação que impõe o apuramento de um facto controvertido – existência de cessão de créditos - com consequências para o aqui Recorrente, já se vê que o mesmo tem de ter a oportunidade, não só de apresentar as provas que tenha por convenientes, com vista à contraprova de tal facto, como a ser notificado das diligências probatórias que o juiz entenda realizar visando o apuramento de tal questão, tal como estabelece o artº 415 do C.P.C. quando impõe o princípio da audiência contraditória. 64. Assim, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo tinha de previamente á decisão tomada de admitir a intervenção da D…, tomar uma outra posição que seria sobre a produção de prova solicitada, na qual se incluía a inquirição de uma testemunha, devendo considerar-se o seu depoimento, com vista à formação da convicção do tribunal sobre os factos controvertidos, que neste particular eram todos (os do requerimento inicial e da oposição). 65. Aliás, a M.ª Juíza do Tribunal a quo nem sequer se pronunciou acerca da possibilidade de audição da testemunha. Cremos que o tribunal só pode dispensar a produção de quaisquer elementos probatórios quando já se encontre esclarecido sobre a matéria controvertida, ou quando os elementos probatórios requeridos não sejam de alguma foram aptos para atingir o fim de esclarecer os factos controvertidos, o que no caso não ocorreu. 66. Em face do que fica exposto, considera-se que o tribunal “a quo” andou mal ao tomar a decisão sobre a questão de admitir a intervir a D… nos autos quando o negócio que lhe está subjacente é matéria controvertida e sobre o qual não foi produzida qualquer prova, nem sequer a indicada pela aqui Recorrente. 67. Ao não o ter feito, o tribunal cometeu uma nulidade, por omissão, susceptível de influir no exame e decisão da causa controvertida, nos termos do artº 195 nº 1 do C.P.C., o que determina, de acordo com o nº 2 deste artigo a anulação dos actos praticados, bem como do despacho recorrido que neles se fundamenta.
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A requerente “D…, Ldª” apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
*** II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:
. saber se se mostram verificados os pressupostos de admissibilidade do incidente de intervenção principal espontânea deduzido por “D…, Ldª”;
. saber se a decisão recorrida afronta o caso julgado formado na sequência da decisão prolatada no incidente de habilitação de cessionário igualmente deduzido pela ora interveniente e que constitui o apenso A;
. saber se existe fundamento para anulação da decisão recorrida por ausência de enunciação dos factos provados e não provados;
. saber se ocorreu nulidade processual em resultado da falta de pronúncia jurisdicional sobre a possibilidade de audição de testemunha arrolada pela ré apelante.
* III- FUNDAMENTOS DE FACTO
A materialidade a atender para efeito de apreciação do objeto do presente recurso é a que dimana do antecedente relatório.
*** IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO
IV.1 – Da verificação dos pressupostos de admissibilidade do incidente de intervenção principal
Como se notou, o tribunal a quo considerou estarem reunidos os pressupostos de admissibilidade do incidente de intervenção principal espontânea deduzido por “D…, Ldª”, argumentando, fundamentalmente, que «sendo inquestionável a existência da cessão de créditos da autora para a aqui requerente, a mesma deverá intervir nos presentes autos, conforme foi decidido pelas instâncias superiores, para que a decisão que vier a ser proferida produza o seu efeito útil normal, regulando definitivamente a situação concreta das partes».
É exatamente neste ponto que se situa o âmago do objeto do presente recurso, posto que a apelante, ao invés do que foi decidido, considera não estar verificado o condicionalismo necessário para, à luz do disposto no art. 311º do Código de Processo Civil[1], ser admitida a intervenção do indicado ente societário nestes autos. Quid juris?
Sob a epígrafe Princípio da estabilidade da instância, dispõe o art. 260º que “[c]itado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”.
Significa isto que as modificações subjetivas apenas podem ocorrer nas situações legalmente previstas, entre as quais avultam (para além da hipótese de ocorrer a transmissão, inter vivos ou mortis causa, da coisa ou direito litigioso) as provenientes dos incidentes de intervenção de terceiros (cfr. arts. 261º e 262º).
Na espécie, dentre os incidentes de intervenção de terceiros legalmente tipificados, interessa-nos, em especial, a intervenção principal espontânea cujo âmbito de aplicação se mostra definido no citado art. 311º, do qual resulta que essa intervenção é facultada:
. ao terceiro que a lei, o negócio ou a natureza da relação jurídica impunha que com o autor movesse a ação ou quem com o réu fosse demandado, nos termos do art. 33º, isto é, nas situações de litisconsórcio necessário ativo ou passivo;
. ao terceiro que podia, sem tal ser imposto, ter movido a ação juntamente com o autor ou ter sido demandado juntamente com o réu, nos termos no art. 32º, ou seja nas situações recondutíveis ao litisconsórcio voluntário;
. como caso especial de litisconsórcio (necessário ou, tratando-se de facto só praticado pelo réu, voluntário) ao cônjuge que deveria ter movido a ação juntamente com o autor ou devia ou podia ter sido demandado juntamente com o réu, nos termos do art. 34º.
Portanto, de acordo com o regime presentemente plasmado na lei adjetiva, o incidente de intervenção principal espontânea será admissível quando um terceiro pretenda, sponta sua, intervir na causa como associado de qualquer uma das partes primitivas, contanto se esteja em presença de uma situação de litisconsórcio necessário ou de litisconsórcio voluntário[2].
Assim, terá legitimidade para intervir num processo pendente, no quadro deste incidente, aquele que, em relação ao objeto do processo, pudesse inicialmente ter demandado ou ser demandado nos termos dos arts. 32º, 33º e 34º, o que pressupõe, pois, uma contitularidade da relação material controvertida, com participação do terceiro requerente da intervenção.
Consequentemente, para que o incidente possa ser admitido, torna-se mister que o terceiro venha a juízo fazer valer um direito seu, ou na expressão da lei (art. 312º), “um direito próprio paralelo” ao da parte primitiva a que pretende associar-se, exigindo-se outrossim que se esteja em presença de um direito (rectius, interesse[3]) pelo qual pudesse, ab initio, demandar ou ser demandado com essa parte.
Deste modo, o esquema que define a figura da intervenção principal, caraterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte a que se associa, traduz-se na cumulação no processo da apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente, substancialmente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio (necessário ou voluntário) inicial.
Como é de sua natureza, o litisconsórcio pressupõe a unicidade da relação material controvertida, sendo que a diferença entre litisconsórcio necessário e voluntário se traduz essencialmente na circunstância de que enquanto no primeiro as partes se apresentam externamente como uma única parte, no segundo as partes mantêm uma posição de autonomia, isto é, as partes de um litisconsórcio necessário comungam de um destino comum e as de um litisconsórcio voluntário mantêm uma posição de autonomia[4].
Postas tais considerações, revertendo ao caso sub judicio, verifica-se que, na essência, a “D…, Ldª” faz ancorar o pedido da sua intervenção principal nestes autos no facto de, alegadamente, ter adquirido, na sequência de um negócio de cessão de créditos realizado com a ora autora, o direito creditório que esta reclama no âmbito da presente ação.
Significa isto, portanto, que, de acordo com a própria alegação da “D…, Ldª”, não é portadora de qualquer interesse igual ou paralelo ao da autora mas antes do mesmo direito que esta pretende fazer valer neste processo.
Tal circunstância afasta, per se, a admissibilidade da sua intervenção principal nestes autos, posto que, como emerge com meridiana clareza da dimensão normativa que convoca em arrimo da sua pretensão (art. 311º[5]), a legitimidade dessa intervenção pressuporia que entre ela e a autora existisse uma situação de litisconsórcio necessário ou voluntário ativo, o que implica, como se sublinhou, que ambas fossem sujeitos ativos da mesma relação material controvertida.
Ora a ajuizada relação material controvertida está perfeitamente definida (concretamente uma relação resultante da celebração de um contrato de empreitada entre autora e ré, tendo esta, alegadamente, incumprido obrigações que para ela emergiram do estabelecimento desse vínculo, traduzindo-se a concreta pretensão de tutela jurisdicional aduzida no ressarcimento do dano daí resultante) e não se vê, como e por que forma, a “D…, Ldª” possa ser qualificada como litisconsorte da autora, porquanto não é parte nessa relação.
Neste conspecto, afigura-se-nos que a argumentação da apelada enferma de alguma imprecisão conceptual, confundindo as situações de litisconsórcio com situações de sucessão ou transmissão da titularidade de um direito; é que a relação material controvertida que se discute no âmbito do presente processo (cujos elementos objetivos da instância se estabilizaram com a citação da ré, a qual, note-se, deduziu pedido reconvencional) é uma relação de natureza contratual estabelecida, tão-somente, entre autora e ré, sendo que tal proposição factual se mostra assente.
Consequentemente, contrariamente ao sentido decisório trilhado no despacho sob censura, a situação em análise não se enquadra na previsão normativa do art. 311º, dado que a posição jurídica que a “D…, Ldª” se arroga (enquanto cessionária do direito creditório cuja satisfação a autora reclama neste processo) lhe advém desse alegado contrato de cessão de crédito, não se encontrando em posição de, ab initio, demandar com a parte a quem pretende associar-se. Aliás, a admitir-se a validade da cessão, o direito de crédito que constituiria objeto mediato desse negócio deixaria de radicar na esfera jurídica da autora (não sendo, assim, a requerente terceiro mas mera sucessora inter vivos nesse direito), não se antolhando, pois, em que medida pudesse com ela associar-se na presente lide, por inexistência de uma qualquer relação litisconsorcial.
Em bom rigor, o que a exegese do requerimento de intervenção principal espontânea sob apreciação evidencia é que a “D…, Ldª” não pretende propriamente salvaguardar uma situação de litisconsórcio ativo, seja ele necessário ou voluntário (como é suposto pela fattispecie do citado art. 311º), presidindo-lhe antes uma intenção de verdadeira substituição processual das partes primitivas – concretamente da ora autora –, amplitude que o incidente (típico) de intervenção principal não comporta.
Por conseguinte, in casu, não se mostram verificados os pressupostos de admissibilidade do incidente de intervenção principal espontânea deduzido pela “D…, Ldª o que, primo conspectu, importaria a sua improcedência, já que, verdadeiramente, o seu efetivo desiderato se traduz na sua habilitação enquanto cessionária do direito de que alegadamente será titular a autora, sendo que, sob o ponto de vista processual, para fazer valer essa pretensão melhor quadraria o incidente de habilitação de cessionário previsto no art. 356º.
Ora, como é consabido, neste domínio vigora o princípio da legalidade das formas processuais, nos termos do qual cada incidente tipicamente regulado tem o seu âmbito de aplicação limitado ao concreto procedimento a que se destina.
Daí decorre que a não verificação dos pressupostos normativos de que depende o deferimento da habilitação de cessionário não podem ser superados por um incidente de intervenção principal espontânea ou vice-versa.
É certo que, de molde a suprir esse erróneo enquadramento normativo, poderia ser equacionada a convocação do princípio da adequação formal - hoje plasmado no art. 547º -, sendo que, sob o seu enfoque, se vem admitindo[6], com alguma amplitude, a possibilidade de convolação oficiosa para o incidente tipicamente adequado como forma de dar correspondência efetiva ao que vem substancialmente pedido, contanto que o respetivo requerimento comporte os elementos fundamentais da forma incidental ajustada ao caso.
A análise dessa possibilidade conduz-nos à abordagem da segunda questão supra enunciada, qual seja a determinação das implicações no presente incidente de intervenção principal da decisão (já transitada em julgado) prolatada no apenso A, na qual se julgou improcedente o incidente de habilitação de cessionário que igualmente foi deduzido pela ora apelada.
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IV.2 – Do caso julgado formado no apenso A e das suas implicações na decisão do presente incidente de intervenção principal
De acordo com os elementos que instruíram o presente recurso, verifica-se que a “D…, Ldª” havia anteriormente deduzido - por apenso ao processo principal - incidente de habilitação de cessionário ancorando-se, na essência, na mesma materialidade que ora invocou para fundamentar a sua intervenção principal espontânea (concretamente aí alegando que sucedeu inter vivos no direito de crédito cuja satisfação a autora reclama no âmbito do presente processo, em resultado de contrato de cessão de créditos que com ela firmou).
Certo é que o aludido incidente foi julgado improcedente por ausência de prova da existência do crédito alegadamente objeto da aludida cessão, sendo que esse ato decisório transitou em julgado.
Como é consabido, por definição, o caso julgado implica a inalterabilidade dos efeitos do ato decisório decorrente da sua irrecorribilidade extrínseca, sendo que, como deflui do art.º 628.º, o trânsito em julgado ocorre quando uma decisão é já insuscetível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário.
Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado - que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu -, com o que se visa garantir, primordialmente, o valor da segurança jurídica, fundando-se a proteção a essa segurança jurídica, relativamente a atos jurisdicionais, no princípio do Estado de Direito, pelo que se trata de um valor constitucionalmente protegido, destinando-se a evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior.
No entanto, nem todos os atos decisórios intrinsecamente não irrecorríveis, e, consequentemente, transitáveis em julgado, geram, quando transitados em julgado, idêntico caso julgado.
Com efeito, em processo declarativo, dado que o ato decisório pode incidir, essencialmente, sobre as condições processuais de existência e de admissibilidade da ação e sobre as condições materiais de tutela jurídica do objeto da ação, existem decisões de forma, aquelas que conhecem de matéria adjetiva, e decisões de mérito, aquelas que apreciam matéria substantiva. Relativamente ao caso julgado esta dicotomia reflete-se na atribuição de caso julgado formal às decisões processuais e de caso julgado material às decisões de mérito.
Esta repartição na incidência do caso julgado formal e do caso julgado material, que o direito positivo consagra nos arts. 619º e 620º, repercute a disparidade entre os efeitos da decisão da forma – efeitos processuais respeitantes à individualização da ação – e os efeitos da decisão de mérito – efeitos materiais atinentes à fundamentação da causa. Dito de outro modo, a distinção entre o caso julgado formal e o caso julgado material é a diferença entre os efeitos adjetivos garantidos pelo caso julgado formal da decisão de forma e os efeitos substantivos assegurados pelo caso julgado material da decisão de mérito.
Resulta, pois, do exposto que o caso julgado não permanece idêntico, variando apenas na qualidade da sua relevância intraprocessual ou extraprocessual, perante o comando contido no ato decisório quando este comando possui eficácia adjetiva, originando o caso julgado formal, ou quando aquele comando tem eficácia substantiva, gerando o caso julgado material. Assim, segundo o critério da eficácia, há que distinguir entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (art. 620.º, n.º 1) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o art.º 619º.
No caso vertente, dada a natureza incidental da habilitação de cessionário onde foi proferida a aludida decisão, ao invés do entendimento sufragado pela apelante, por mor do disposto no nº 2 do art. 91º, o caso julgado que aí se formou tem tão-somente uma eficácia interna, não beneficiando consequentemente dos efeitos processuais típicos que emergem do caso julgado material[7].
Como quer que seja, atentas as implicações endoprocessuais do aludido caso julgado (formal), sempre estaria vedada a possibilidade de operar qualquer (eventual) convolação do presente incidente para um incidente de habilitação de cessionário (que fora já objeto de anterior apreciação jurisdicional), mostrando-se, outrossim, prejudicada a apreciação dos demais argumentos aduzidos pela apelante nas suas alegações recursórias que, de forma reforçativa, visavam demonstrar a insubsistência do ato decisório sob censura[8].
A apelação terá, pois, de proceder.
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V- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se o despacho recorrido, não se admitindo consequentemente a intervenção principal espontânea de “D…, Ldª”.
Custas pela apelada.
Porto, 13.02.2017
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
Sousa Lameira
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[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Comparativamente com o regime de pretérito (cfr. art. 320º, al. b) do CPC) regista-se que deixou de ser possível a intervenção principal espontânea nas situações de coligação ativa.
[3] Como advertem LEBRE DE FREITAS et al., Código de Processo Civil, vol. I, pág. 609, «o termo direito não está a ser utilizado no seu sentido rigoroso, pois o interveniente tanto pode fazer valer um direito (intervenção ativa) como pode defender-se perante a invocação de um direito alheio (intervenção passiva), por outro lado, nem sempre estão em causa no processo direitos subjetivos, como resulta da admissibilidade das ações de simples apreciação da existência ou inexistência de factos (…), melhor se diria, pois, que o interveniente principal faz valer um interesse próprio».
[4] Nos termos do art. 33º, o litisconsórcio necessário verifica-se quando a lei ou o negócio jurídico exige a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, ou quando pela natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, entendendo-se que a decisão produz o seu efeito útil normal, sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado. Ao invés, no litisconsórcio voluntário a intervenção é facultativa, deixando a lei material na disponibilidade das partes a sua constituição. Donde, o litisconsórcio será voluntário quando a lei ou o contrato consintam que o direito comum seja exercido por um só dos interessados ou que a obrigação comum só a um dos interessados seja exigível (cfr. art. 32º).
[5] Que, note-se, na própria epígrafe alude a “intervenção do litisconsorte”.
[6] Cfr., inter alia, na doutrina, LEBRE DE FREITAS et al., ob. citada, vol. I, pág. 630; na jurisprudência, acórdãos desta Relação de 9.07.2014 (processo nº 5849/13.1TBMTS-A.P1) e de 31.01.2013 (processo nº 2499/10.8TBVCD-A.P1), acórdão da Relação de Lisboa de 19.02.2013 (processo nº 187511.3TVLSB-A.L1-1) e acórdãos da Relação de Guimarães de 9.04.2013 (processo nº 2010/12.6TBGMR-A.G1) e de 31.05.2012 (processo nº 245/11.8TBAMR.G1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] Registe-se, contudo, que parte da doutrina pátria (cfr., inter alia, TEIXEIRA DE SOUSA, O objeto da sentença e o caso julgado material,págs. 157 e seguintes; MARIA JOSÉ CAPELO, A sentença entre a autoridade e a prova, págs. 96 e seguintes e ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, págs. 14 e seguintes) vem defendendo a possibilidade de, em algumas situações, ser atribuída eficácia extraprocessual ao caso julgado formal, subordinando, contudo, essa eficácia à verificação de identidade das partes e da “matéria adjetiva” (no tocante a pressupostos processuais positivos insanáveis) em contexto processual idêntico (identidade da “individualização da causa”).
[8] Como a este respeito se vem entendendo, o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa – cfr., inter alia, na jurisprudência, acórdãos do STJ de 26.09.95 (CJ, Acórdãos do STJ, ano III, tomo 3º, pág. 22) e de 16.01.96 (CJ, Acórdãos do STJ, ano IV, tomo 1º, pág. 44) e na doutrina, ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 141 e TEIXEIRA DE SOUSA, O concurso de títulos de aquisição da prestação, págs. 244 e seguintes e, do mesmo autor, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 221, onde afirma que «se o autor alegar vários objetos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da ação, o tribunal não tem de apreciar todos esses objetos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou».