CÁLCULO DA PENSÃO
REMIÇÃO
REVISÃO DA INCAPACIDADE
Sumário

1. Se a pensão fixada na sequência de um incidente de revisão da incapacidade for, tal como a inicialmente fixada, obrigatoriamente remível, o cálculo do capital de remição deve ser efectuado não com referência à data em que foi fixada a pensão inicial, mas sim com referência à data a partir da qual foi alterado o montante daquela pensão.
2. Se o juiz em vez de mandar levar em consideração, nesse cálculo, a data em que foi alterado o montante da pensão, mandar levar em consideração a data em que foi fixada a pensão inicial, a sua decisão conduzirá a um enriquecimento ilegítimo do sinistrado, uma vez que este, no período compreendido entre essas duas datas, irá receber uma indemnização correspondente a uma incapacidade que ele efectivamente não tinha.
(sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1.Relatório, ocorrências processuais relevantes e objecto do recurso

Por acordo homologado por decisão judicial, de 3/05/2005, a Companhia de Seguros B…, S.A., obrigou-se a pagar à sinistrada A…, além do mais, uma pensão anual, obrigatoriamente remível, no montante de € 361,67, com início em 31/12/2004.
O cálculo do capital de remição da referida pensão foi efectuado nos termos que constam de fls. 156, com base nos seguintes elementos: data do nascimento – 10/05/1952; data de referência para efeitos de cálculo – 31/12/2004; idade a atender – 53 anos; taxa de reserva – 12,964; pensão remível € 361,67.
O montante do capital de remição da pensão (€ 4.688,69) foi entregue à sinistrada.
Em 6 de Dezembro de 2006, a sinistrada requereu a revisão da sua incapacidade, alegando agravamento das lesões resultantes do acidente em causa (fls. 173).

Realizado exame médico de revisão foi fixada à sinistrada IPP de 10%, desde 6 de Dezembro de 2006 (fls. 210 e 211).
Com base nessa IPP de 10%, o Mmo juiz a quo aumentou a pensão da sinistrada para € 723,33, a partir de 6/12/2006, pensão esta obrigatoriamente remível (cfr. despacho de fls. 215).
Seguidamente, a secção procedeu ao cálculo do capital de remição, nos termos constantes de fls. 289 (pensão anual € 723,33, data de nascimento - 10 de Maio de 1952, data do cálculo – 31/12/2004 –, idade a atender – 53 anos, taxa aplicável – 12,964, pensão remida 100%), tendo concluído ser de € 4.688,56 o montante a entregar ao sinistrado, montante aquele resultante do capital de remição encontrado – € 9.377,25 – deduzido do capital de remição já entregue - € 4.688,69.
A fls. 294, a seguradora veio requerer a rectificação do cálculo do capital de remição, alegando que na operação de cálculo foi levada em consideração a data 31/12/2004, quando deveria ter sido a de 6/12/2006, de acordo com a decisão proferida.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser indeferido o requerido, com fundamento no facto de a decisão proferida no incidente de revisão de incapacidade, através da qual foi aumentada a pensão primitiva fixada ao sinistrado, não ter criado uma nova pensão, mantendo-se a mesma incapacidade do sinistrado e alterando-se apenas o grau de incapacidade ou o quantum de desvalorização.
Em 7 de Maio de 2008, recaiu sobre o requerimento apresentado pela seguradora, o seguinte despacho:
“Por sentença homologatória de fls. 140, a requerente/seguradora acordou no pagamento à sinistrada do capital de remição da pensão anual e obrigatoriamente remível de €361,67, calculado com base na IPP de 5% e devida desde 31-12-2004.
Diz o art. 25º, nº1 da Lei n.º 100/97, de 13-09 que quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
“Neste incidente de revisão não se fixa uma pensão nova, mas apenas se aumenta, reduz ou extingue uma pensão anterior, revestido o incidente a natureza dum acto meramente modificativo duma pensão anteriormente fixada, conforme doutrina corrente e uniforme do STJ, expressa nos acórdãos de 25.3.83, 17.6.83 e 1.7.83, BMJ 235-499; 328-458 e 329-449, respectivamente; e ainda no acórdão de 27.7.84, AD 277/133”- v. ac. R.E., in C.J., Ano XXV, T5/296.
“A simples revisão da incapacidade, se a modificar, altera sempre ou quase sempre, o montante da pensão, pelo que no fundo, do que verdadeiramente se trata é da revisão do grau de incapacidade e não do montante da prestação correspondente, que vem, por assim dizer, por arrastamento ou consequência. (...)
As prestações e, em particular, as pensões, como se sabe, baseiam o seu cálculo em dois factores: o coeficiente de incapacidade e o montante do salário auferido na data do acidente” – v. Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais , 2ª Ed. pág. 126.
"A modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recaída ou melhoria da lesão ou doença não dá origem a uma incapacidade nova: opera, apenas, uma alteração da incapacidade preexistente pelo reconhecimento dum novo grau de incapacidade na incapacidade existente.
Quer dizer: a incapacidade mantém-se a mesma embora diferente na sua intensidade ou dimensão pela atribuição ou fixação de um novo grau ou índice de desvalorização.
Ora se a incapacidade se mantém, a pensão a estabelecer após a revisão não é também uma pensão nova" – Alberto Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho Anotado, 4ª Ed., pág. 641.
E porque assim é, o cálculo da remissão tem de ser efectuado com referência à data a que se reporta o início da pensão, inicialmente fixada, i.e., no caso concreto, o dia 31-12-2004, e com base no salário que primeiramente foi considerado.
Para além disso, e tendo a sinistrada recebido o capital de remição da pensão inicialmente fixada (cfr. fls. 156 e 159), ao montante anual correspondente à incapacidade resultante da revisão terá de ser abatido o montante anual da pensão já remida.
Nesta conformidade, o cálculo do capital de remição efectuado a fls. 289, mostra-se efectuado em harmonia com o decidido a fls. 271/271 v. e com respeito às disposições legais, motivo pelo qual inexiste qualquer erro de cálculo ou lapso manifesto conducente à sua rectificação, nos termos do artº 667, nº1 do C.P.C.
Termos em que indefiro o requerimento de fls. 294.”

Inconformada, a seguradora veio interpor recurso de agravo deste despacho, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
1ª) - A revisão da incapacidade não faz nascer nova pensão mas altera a anterior;
2ª) - Acontece que a alteração – com novo cálculo de capital de remição – deve efectuar-se com base não na idade do sinistrado à data da alta mas com base na idade mais próxima da data da fixação (alteração);
3ª) - Conforme prevê o art. 2º da Lei n.º 100/98.
Concluiu pedindo o provimento do recurso e a alteração da decisão recorrida.

O MºPº na sua contra-alegação, pugna pela confirmação do despacho recorrido e pelo não provimento do recurso.

A Mma juiza a quo sustentou o despacho impugnado e admitiu o agravo na forma com o efeito e no regime de subida devidos.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

A questão que se suscita neste recurso consiste em saber qual a data a atender, para efeitos do cálculo do capital de remição da pensão, a efectuar na sequência da decisão proferida no incidente de revisão de incapacidade.

2. Fundamentação
Nos termos do art. 145.º, n.º 5 do Código do Trabalho [CT], o juiz, revista a incapacidade, mantém, aumenta ou reduz a pensão anteriormente fixada. Estamos, nestes casos, como reconhecem o juiz a quo e a recorrente, perante uma pensão preexistente e não perante uma nova pensão.
Neste sentido escreveu Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho Anotado, pág. 641 da 4.ª edição): “A modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recaída ou melhoria da lesão ou doença não dá origem a uma incapacidade nova: opera, apenas, uma alteração da incapacidade preexistente pelo reconhecimento dum novo grau de incapacidade na incapacidade existente. Quer dizer: a incapacidade mantém-se a mesma embora diferente na sua intensidade ou dimensão pela atribuição ou fixação de um novo grau ou índice de desvalorização. Ora se a incapacidade se mantém, a pensão a estabelecer após a revisão não é também uma pensão nova”.
Tratando-se de uma mera alteração de uma pensão anterior, é óbvio que o salário a atender terá de ser aquele a que se atendeu na sentença que fixou a pensão inicial.
Mas não é esta a questão que nos ocupa visto que o despacho que fixou o montante da pensão resultante do incidente de revisão da incapacidade nenhuma censura mereceu à agravante.
Por conseguinte, não estando em causa aquele montante, como efectivamente não está, surgem como espúrios os considerandos a que acima fizemos referência, expendidos no despacho sindicado e que nenhuma aplicação têm nos casos de remição obrigatória de pensão resultante do incidente revisão da incapacidade requerido depois de remida a pensão inicialmente fixada, ou seja, depois de resgatada a pensão através do pagamento de uma quantia unitária correspondente à pensão que o sinistrado receberia até ao fim da vida.
Do que aqui se trata é de saber se, no caso de a pensão fixada em incidente de revisão da incapacidade, ser tal como a pensão inicialmente fixada, obrigatoriamente remível, o cálculo do capital de remição deve ser efectuado com referência à data em que foi fixada a pensão inicial, tal como se entendeu na decisão sindicada ou se, para tal, se deve atender à data a partir da qual foi alterado o montante daquela pensão, tal como pretende a agravante.
Vejamos, então, de que lado está a razão.
As tabelas práticas de cálculo dos capitais de remição constam da Portaria nº 11/2000, de 13 de Janeiro, lendo-se na respectiva “Observação” que Na aplicação das tabelas práticas, toma-se a idade correspondente ao aniversário mais próximo da data a que se referem os cálculos”.
Ora, a “data a que se referem os cálculos” é, no nosso caso, a data a partir da qual foi alterado o montante da pensão inicialmente fixada, ou seja, 6 de Dezembro de 2006 e não a data a partir da qual foi devida a pensão inicial: essa data já relevou para efeitos do cálculo do capital de remição daquela pensão já extinta, como se evidenciou, de modo que voltar a considerá-la agora constitui, em si mesmo, uma aberração só concebível se na interpretação da lei fosse possível abstrair dos elementos lógicos que nela intervêm.
Só tal aberração permitiu que o capital de remição encontrado tivesse partido do princípio que a sinistrada esteve afectado de uma IPP de 10% - a IPP que determinou a alteração do montante da pensão – desde 31/12/2004, o que não corresponde à verdade, visto que ela só está afectada dessa IPP desde 6 de Dezembro de 2006: entre 31 de Dezembro de 2004 e 6 de Dezembro de 2006, a sinistrada esteve afectada de uma IPP de 5% e foi com base nesta IPP que se fixou a pensão que serviu de base ao cálculo do capital de remição já entregue.
De resto, como resulta da alínea b) do art. 10.º da Lei 100/97 de 13 de Setembro (LAT), nos casos de incapacidade permanente para o trabalho, a indemnização corresponde sempre à redução na capacidade de ganho, quer essa indemnização seja paga através de capital - a que a lei continua a chamar de remição obrigatória -, quer ela se processe através de uma pensão vitalícia.
E, como acima evidenciámos, a decisão impugnada não observou o referido princípio, permitindo que o capital de remição fosse calculado como se a sinistrada tivesse estado afectada de uma IPP de 10%, desde 31 de Dezembro de 2004, depois de, por decisão transitada em julgado, se ter reconhecido que a pensão de € 361,67, fixada com base na IPP inicial de 5%, era aumentada para € 723,33, a partir de 6 de Dezembro de 2006, com base na IPP de 10%, fixada no pertinente exame médico de revisão.
Temos de convir que, tal como observa a recorrente, a decisão recorrida conduziria a um enriquecimento ilegítimo da sinistrada, uma vez que, relativamente ao período compreendido entre 31/12/2004 e 6 de Dezembro de 2006, ela receberia uma indemnização correspondente a 10% da redução da sua capacidade de ganho quando, naquele período, a redução da sua capacidade de ganho foi de 5%.
Uma tal solução não foi, como é óbvio, a pretendida pelo legislador sensato de que fala o art. 9.º do Cód. Civil, razão pela qual se impõe a alteração do despacho recorrido que deve ser substituído por outro que, deferindo ao requerido pela recorrente, mande rectificar o cálculo do capital de remição nos termos supra expostos.

3. Decisão
Pelo exposto, concede-se provimento ao agravo e, em consequência, decide-se:
a) Revogar o despacho recorrido;
b) Deferir a pretensão da seguradora e ordenar que se proceda à rectificação do cálculo do capital de remição da pensão, nos termos supra referidos.
Sem custas.


Lisboa, 17 de Setembro de 2008

Ferreira Marques
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes