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LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
LEI MAIS FAVORÁVEL
RETROACTIVIDADE DA LEI PENAL
Sumário
I – A decisão que revoga a liberdade condicional apenas pode ser executada depois de transitar em julgado. II – O recurso interposto do despacho que revoga a liberdade condicional tem efeito suspensivo. III – Às normas que regulam a concessão de liberdade condicional, porque «podem afectar os direitos individuais fundamentais», ou seja, porque são normas de conteúdo material, devem por inteiro ser aplicados «os princípios constitucionais da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável e da imposição da retroactividade da lei penal favorável». IV – Na vigência das redacções originais do Código Penal e do Código de Processo Penal, a revogação da liberdade condicional não podia ocorrer depois de se ter esgotado o prazo estabelecido para a sua duração.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
1 – O arguido J... foi julgado no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (processo n.º 252/75) e aí condenado, por acórdão de 9 de Julho de 1981, pela prática, em 28 de Março de 1975, de um crime de falsificação de um escrito comercial transmissível por endosso, conduta p. e p., ao tempo, pelo artigo 217º, com referência ao artigo 216º, n.ºs 2 e 5, ambos do Código Penal de 1886, na pena de 3 anos de prisão maior (fls. 30 a 32)[1].
Dessa pena foram declarados perdoados 4 meses e 15 dias de prisão maior, nos termos e sob a condição prevista no artigo 2º, n.º 1, alínea d), e n.º 3, da Lei n.º 3/81, de 13 de Março.
Por acórdão proferido nesse mesmo processo no dia 2 de Julho de 1982 (fls. 36), essa pena veio a ser cumulada com as aplicadas no Tribunal Judicial de Castelo de Vide (acórdão de 3 de Outubro de 1977) e no 3º Juízo Criminal de Lisboa (acórdão de 29 de Outubro de 1976), sendo fixada em 8 anos de prisão e 26 meses e 8 dias de multa, à razão diária de 60$00, a duração da pena única[2].
Nessa pena, segundo aí se diz, já tinham sido descontados os perdões entretanto concedidos.
Nos termos do artigo 5º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 17/82, de 2 de Julho, foram, sob a condição resolutiva prevista no artigo 7º da mesma lei, declarados perdoados 16 meses de prisão maior (fls. 37 verso).
Uma vez que o arguido tinha estado 72 dias em prisão preventiva à ordem do Tribunal Judicial da Comarca de Faro e tinha estado preso à ordem do 3º Juízo Criminal de Lisboa entre 20/12/1976 e 12/06/1978, entre 27/11/1980 e 10/07/1982, e encontrou-se nessa situação a partir de 4/10/1983, o termo dessa pena foi previsto para 16/02/1987 (fls. 40 e 41).
Porém, no dia 12 de Junho de 1986, foi declarada perdoada a parte restante da pena, tendo o condenado sido restituído à liberdade (fls. 43).
Por despacho de 10 de Dezembro de 1987 (fls. 45), foi revogado o perdão concedido pela Lei n.º 17/82, de 2 de Julho, e aplicado o perdão integral previsto na Lei n.º 16/86, de 11 de Junho, ficando por cumprir 7 meses e 27 dias de prisão.
Este remanescente da pena veio a ser cumprido, segundo se diz, entre 25 de Março e 16 de Novembro de 1988.
2 – Por acórdão de 19 de Novembro de 1985 o mesmo arguido foi condenado, no 1º Juízo Criminal de Lisboa (processo n.º 1585/84), pela prática de uma pluralidade de crimes na pena única de 16 anos de prisão, a qual, cumulada com a pena aplicada por uma transgressão, deu origem à aplicação da pena de 16 anos de prisão e 3 000$00 de multa, com 20 dias de prisão alternativa (fls. 48 a 127).
Dessa pena foram perdoados:
- 2 anos de prisão (Lei n.º 16/86);
- 1 ano, 9 meses e 15 dias (Lei n.º 23/91).
Por decisão de 30 de Novembro de 1991, foi concedida liberdade condicional ao condenado pelo período de 5 anos a contar da data da libertação, que veio a ocorrer no dia 3 de Dezembro de 1991.
Posteriormente, por acórdão proferido em 11 de Outubro de 2001 no âmbito do processo n.º 29/01 da 8ª Vara Criminal de Lisboa, aquelas penas parcelares foram cumuladas com a pena de 1 ano de prisão aplicada no processo n.º 195/86 do 3º Juízo Criminal de Lisboa, fixando-se em 16 anos e 3 meses de prisão a duração da pena única.
Ao abrigo das Leis n.ºs 16/86, 23/91, 15/94 e 29/99, foram declarados perdoados 8 anos e 36 dias de prisão.
3 – No dia 14 de Julho de 2000, o sr. juiz que se encontrava colocado no 3º Juízo do Tribunal de Execução de Lisboa proferiu a decisão que se transcreve: «Por apenso ao processo gracioso de Liberdade Condicional com o n.º 139/92 respeitante a J... melhor identificado a fls.2, foi instaurado o presente de Revogação do dito instituto. O Digno Ministério Público, assentou a sua pretensão nos fundamentos que em síntese se enunciam:
- Foi concedida a liberdade condicional ao acima referido em 3 DEZ 91 pelo período de cinco anos;
- Entre outras obrigações, foram-lhe impostas as de aceitar a tutela do IRS bem como, fixar residência em local definido e esta não alterar sem prévia autorização do Tribunal;
- Contudo, durante o período de liberdade condicional o J... nunca fixou residência no local imposto e, contactado pelo IRS para regularizar a situação nunca o fez;
- Nunca exerceu qualquer actividade definida.
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Os autos foram instruídos tendo o Ministério Público, nas suas alegações, defendido a revogação da liberdade condicional - vd. Fls. 82 v° - nada tendo dito a sua Ilustre Defensora embora para tal notificada.
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O arguido não foi ouvido, tendo sido dispensada a sua audição.
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Tribunal é competente. O processo é o próprio. Não se verificam nulidades, excepções ou questões prévias de que importe conhecer.
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Dos autos resulta assente o seguinte: 1) Por decisão proferida em 30NOV91 no processo gracioso de concessão de Liberdade Condicional com o n.º 139/92 - número actual -, foi concedida aquela a J...; 2) No dia 3 de Dezembro de 1991, foi o arguido liberto; 3) A liberdade condicional foi concedida pelo tempo de 5 anos contados da sua libertação; 4) Entre outras obrigações, ficou o João Luís adstrito às de fixar residência em local determinado, aceitar a tutela do IRS bem como dedicar-se ao trabalho com regularidade; 5) A liberdade condicional foi-lhe conferida, no domínio do processo n.º 1585/84 do Tribunal Criminal de Lisboa, 1º Juízo -1a Secção (antigo), à ordem do qual cumpria a pena de 16 anos de prisão, tendo ainda para cumprir a pena de 8 anos de prisão à ordem do processo de querela n.º 252/75 do Tribunal de Faro - 2° Juízo - 3a Secção; 6) Estavam em causa, o cometimento de crimes de burla, falsificação de documentos, furto e aquisição de moeda falsa; 7) O cumprimento da pena referida teve início em 20DEZ76, estando previsto o seu terminus para 24ABR99, caso não lhe houvesse sido dada a liberdade condicional e não tivesse beneficiado de perdões; 8) No decurso do período referido em 3, o arguido não residiu na morada judicialmente fixada, a qual correspondia a uma boite; 9) Por outro lado, tendo indicado outras moradas ao IRS, ali procurado não foi encontrado, sendo que se tratavam de locais não habitados; 10) Nunca exerceu actividade profissional definida: 11) Sempre exigiu, junto do IRS, ser contactado pelo telefone móvel.
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Da factualidade acima narrada surge claro que o libertado João Luís violou de modo grosseiro as obrigações que lhe foram impostas. Na verdade, tendo aquele conhecimento de que tinha de apresentar-se com regularidade no IRS não o fazia, tomando postura arrogante e de exigências incompatíveis com a filosofia da Tutela. Por outro lado, em completo arrepio ao determinado, jamais manteve residência fixa, denotando vontade de contrariar qualquer controlo. Acresce que não exerceu qualquer trabalho certo e definido, sendo duvidoso o modo como proveu ao seu sustento. Tal ilustra completo desinteresse e alheamento de tudo quanto é quadro normativo e valores a seguir, bem como uma total incapacidade em se reger dentro das mais elementares linhas do bem viver. Fica patenteado que todo o plano de reinserção se mostra comprometido. Perante este retrato há que concluir pela revogação da liberdade condicional concedida a J... . Nestes termos de harmonia com o exposto e com os normativos combinados dos artigos 64º, 56º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Código Penal e 74º a 77º do DL n.º 783/76, de 29 de Outubro, julga-se procedente, por provado, o pedido formulado pelo Digno Ministério Público e, consequentemente, decide-se: A. Revogar a Liberdade Condicional concedida pela sentença proferida em 30NOV91 no Proc. GLC n.º 446/91 do TEP de Coimbra, hoje 139/92 do 3° Juízo do TEP de Lisboa; B. Que o arguido J... cumpra as penas de prisão que lhe faltavam cumprir nos processos 1585/84 do Tribunal Criminal de Lisboa, 1° Juízo – 1a Secção (antigo) e 252/75 do Tribunal de Faro, 2º Juízo – 3ª Secção, quando saiu em liberdade condicional; C. Condenar o arguido no pagamento de 1 (uma) UC de Taxa de Justiça, o mínimo de procuradoria e em 10.000$00 de Honorários à Defensora nomeada, estes a adiantar pelo Cofre Geral dos Tribunais – artigos 78º e 85º, n.º 3, al. d), do CCJ. Remeta boletins à DSIC. Notifique e Comunique. Remeta certidão aos processos referenciados acima em B). Solicite aos Tribunais da condenação que informem este TEP e o Estabelecimento Prisional de qual o remanescente da pena que o arguido tem para cumprir em virtude da presente revogação».
4 – O condenado interpôs recurso desse despacho.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões: «1.° - Quanto ao Erro acerca dos Pressupostos de Facto: 1 – A douta decisão de fls. 85 a 88 foi lavrada em erro acerca dos pressupostos quando nela se afirma, a fls. 86, que o Arguido além da pena de 16 anos que cumpria tinha "ainda para cumprir a pena de 8 anos de prisão à ordem do processo de querela n.º 252775 (leia-se, 252/75) do Tribunal de Faro – 2.º Juízo – 3.a Secção". De facto: 2 – O Arguido, ora Requerente, já cumpriu a pena que lhe foi aplicada no processo de querela n.º 252/75 do Tribunal de Faro – 2.º Juízo – 3.a Secção, conforme decorre da informação constante de fls. 101 a 106. 2.° - Violação do princípio "non bis in idem ": 3 – O Tribunal "a quo", ao decidir, ainda que por lapso, que o Arguido deveria cumprir a pena que lhe falta cumprir no processo n.º 252/75 do Tribunal de Faro 2.º Juízo – 3.a Secção, violou o princípio constitucional do "non bis in idem", que proíbe a dupla condenação ou punição pela prática do mesmo crime (artigo 29.º, n.º 5, da CRP) 3. ° - Nulidade da Decisão por Excesso de pronúncia; 4 – Verifica-se que a douta decisão recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia, uma vez que decidiu uma questão que não lhe foi colocada na douta promoção do MP de fls. 2, como não foi notificada ao Arguido a possibilidade de, por força do presente processo, ser forçado a cumprir a pena lhe faltasse cumprir no processo n.º 252/75 do Tribunal de Faro 2.º Juízo – 3.a Secção, quando saiu em liberdade (v.d. not. Edital de fls. 30 do Volume 1). 5 – A questão da eventual revogação da (já cumprida) pena fixada no processo n.º 252/75 do Tribunal de Faro 2.° Juízo – 3.a Secção não fez nunca parte do objecto do processo, pelo que, ao tomar conhecimento da 1 mesma incorreu a douta decisão recorrida na nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al c), do CPPenal, que se deixa arguida e deve ser declarada. 6 – Consequentemente, deve ser revogada a decisão de fls. 85 a 88 na parte que decide que o Arguido deve cumprir a pena de prisão que lhe faltava cumprir no processo n.º 252/75 do Tribunal de Faro – 2.º Juízo – 3.a Secção. Por outro lado; Quanto à parte da douta decisão recorrida em que se ordenou o cumprimento pelo Arguido da pena em que foi condenado no processo n.º 1585/84 do Tribunal Criminal de Lisboa 1.º Juízo – 1.a Secção (antigo), verificamos: 4.° - Violação dos artigos 64.º e 56.º do Código Penal na redacção original do artigo Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro. 7 – Os factos pelos quais o Arguido, ora Recorrente, cumpria pena foram praticados no ano de 1983 e, assim, na vigência das redacções originais do Código Penal e Código de Processo Penal, sendo estes os diplomas aplicáveis nos presentes autos. 8 – Ora, nos termos da redacção original do artigo 64.º do Código Penal (Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro): "A pena considera-se inteiramente cumprida e extinta, se a liberdade condicional não for revogada, logo que expire o período da duração desta". 9 – O termo da liberdade condicional, pela sua conversão em definitiva, ocorre no termo do prazo fixado para a duração daquela liberdade condicional. Assim, é nesta data que se deve ter por expiada a pena (Neste sentido, v.d. o Ac. do STJ datado de 7 de Novembro de 1984, in BMJ 341, 193). 10 – Na vigência das redacções originais do Código Penal e do Código de Processo Penal, a liberdade condicional não podia ser revogada depois de se ter esgotado o prazo estabelecido para a sua duração. (Neste sentido, v.s douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 24 de Março de 2004, disponível em www.dgsi.pt e Figueiredo Dias, in «Direito Penal Português — As consequências jurídicas do crime», Aequitas, Lisboa, 1993, p. 550). 11 – No caso concreto:
- o período da liberdade condicional, bem como o fim previsto para a pena aplicada ao Arguido, encontrava-se previsto para 24 de Abril de 1999; e
- a douta decisão que ordenou a revogação da liberdade condicional foi proferida em 14 de Julho de 2000. 12 – No entender do Recorrente, a douta decisão recorrida, aplicou ao caso o disposto no artigo 56.º, n.º 1, al. a) e 2, do Código Penal, com a redacção resultante da revisão levada a efeito pelo D.L. n.º 48/95, de 15 de Março. 13 – Ao fazê-lo violou a douta decisão recorrida o Artigo 64.º do Código Penal (Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro). 14 – Termos em que, dever-se-á, nos termos da redacção original do artigo 64.º do Código Penal (Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro), considerar extinta a pena de prisão aplicada ao Arguido a partir de 24 de Abril de 1999. 5.° - A violação do princípio constitucional da proibição da retroactividade das leis penais desfavoráveis ao Arguido; 15 – As normas que regulam a execução da pena e os pressupostos da concessão e revogação da liberdade condicional são normas materiais penais. 16 – O princípio constitucional da não retroactividade da lei penal desfavorável ao Arguido consta do artigo 29.º da CRP e está consagrado no artigo 1.º do Código Penal. 17 – Quanto à possibilidade de revogação da liberdade condicional após o período previsto para a respectiva duração, a aplicação ao caso "sub judice" do artigo 56.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 e 64.º do Código Penal, com a redacção resultante do D.L. n.º 48/95, de 15 de Março, quando comparada com a aplicação do regime resultante dos artigos 56.º e 64.º do Código Penal, na redacção original, mostra-se desfavorável ao Arguido, violando o princípio constitucional supra referido (artigo 29.º da CRP). 18 – As normas contida nos artigos 56.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 e 64.º do Código Penal, com a redacção resultante do D.L. n.º 48/95, de 15 de Março, quando interpretadas no sentido de serem aplicáveis a penas de prisão cujo cumprimento se iniciou em data anterior à vigência do D.L. n.º 48/95, de 15 de Março, ou seja, na vigência da redacção original do Código Penal, permitindo que a revogação da liberdade condicional venha a ser decretada após o período previsto para a duração da mesma, são materialmente inconstitucionais por violação do artigo 29.º da CRP e do princípio da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável ao Arguido. 19 – Nem as normas constantes dos artigos 74.º a 77.º, nem quaisquer outras constantes do DL 783/76, de 29 de Outubro, quando interpretadas à luz da redacção original do Código Penal, permitem a revogação da liberdade condicional após o decurso/cumprimento do prazo estipulado para a mesma, sendo materialmente inconstitucionais se interpretadas nesse sentido. 6.° – Omissão das diligências necessárias à obtenção de informação actualizada sobre o condenado/ Nulidade prevista no artigo 120º, n.º1, alínea d), do Código de Processo Penal. 20 – A liberdade condicional foi revogada por o Arguido (1) não manter residência na morada constante dos autos, (2) não cumprir as apresentações no IRS (3) não exercer qualquer trabalho certo e definido (v.d. fls. 87). 21 – Porém, toda a factualidade que pretende fundamentar a revogação da liberdade condicional estava, à data da decisão recorrida, desactualizada. 22 – De facto, a liberdade condicional foi revogada em 14 de Julho de 2000. 23 – Os relatórios do IRS relativos à execução da liberdade condicional do Arguido, datam de Março e Outubro de 1992[3]. 24 – Ou seja, a decisão recorrida baseou-se em relatórios com quase oito anos. 25 – Sendo certo que, o Arguido informou o IRS, em data posterior à elaboração daquele relatório e ainda no decurso do ano de 1992[4] da sua nova morada e actividade profissional, elementos que não constam dos autos. 26 – Porém, o Tribunal "a quo", que nunca foi informado de tal realidade pelo IRS, decidiu a revogação da liberdade condicional, quase oito anos depois, com base no relatório necessariamente desactualizado quanto às circunstâncias pessoas, profissionais e familiares do Arguido. 27 – Sendo certo que o Arguido não voltou a praticar qualquer crime, encontrando-se socialmente reinserido. 28 – O Tribunal "a quo", tendo em conta o período decorrido entre Outubro de 1992[5] e 2000, deveria ter ordenado a produção de prova adicional actualizada sobre o paradeiro e estado de reinserção social do arguido, uma vez que só assim poderia, com a necessária segurança, aferir da necessidade e proporcionalidade de revogação da liberdade condicional concedida ao Arguido (Nesse sentido v.d. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 18.05.2005, relatado pelo Exm.° Sr. Juiz Desembargador Belmiro de Andrade, disponível em www.dgsi.pt). 29 – Ao não o fazer, omitiu o Tribunal "a quo" a realização de uma diligência essencial para a descoberta de verdade e justa decisão da causa, praticando, assim, a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, al. d) do CPPenal, nulidade que se deixa arguida e deve ser declarada. 7.° - Falta de Fundamentação de facto e de direito/Da Nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, a) e c), do CPP, por violação do artigo 374º n.º 2 do CPP, aplicável por força do enunciado no artigo 668.º n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC) e este "ex vi" do artigo 4.º do CPP: 30 – Na douta decisão recorrida, pode ler-se a fls. 86, que dos autos resultam assentes 11 pontos de matéria de facto. 31 – Contudo, não indica a douta decisão recorrida quais as provas que analisou para concluir pela verificação dos factos em causa, e não contém qualquer análise crítica da prova que serviu para formar a convicção do Tribunal. 32 – Pelo exposto, verifica-se que a douta decisão recorrida deixou indevidamente de fundamentar a decisão da matéria de facto, como não fundamenta a decisão de direito, nomeadamente, quanto ao regime jurídico que julgou aplicável e tendo em conta a data da prática dos factos. 33 – A revogação da liberdade condicional pelo não cumprimento das obrigações impostas na sentença que a concedeu, não é automática, carecendo de fundamentação quanto à necessidade e proporcionalidade da revogação da liberdade condicional, e deverá ter em conta a personalidade e condições do Arguido no momento em que é decretada. 34 – De acordo com o disposto no artigo 374.º n.º 2 do CPP, aplicável por força do enunciado no artigo 668.º n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC) e este ex vi do artigo 4.º do CPP, no despacho ao relatório deverá seguir-se a fundamentação na qual deve constar os factos (provados e não provados) e a exposição precisa (ainda que concisa) dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão. 35 – A não descrição no despacho recorrido da matéria de facto nos termos previstos no artigo 374.º n.º 2 do CPP e a não pronúncia, pelo Tribunal "a quo", sobre questões que devesse apreciar conduzem à nulidade do despacho recorrido, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, a) e c), do CPP. (Neste sentido, v.d. douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, datado de 27 de Junho de 2006, no qual foi Relator o Exm.° Senhor Juiz Desembargador, Dr. Orlando Viegas Marins Afonso, Recurso Penal n.º 916/06-1, da 1.a Secção) 36 – Pelo exposto, verifica-se no caso em apreço o vício de total inexistência de fundamentação de facto e insuficiente fundamentação de direito e, consequentemente, a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, a) e c), do CPP, por violação do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, aplicável por força do enunciado no artigo 668.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC) e este "ex vi" do artigo 4.º do CPP. 37 – Ao deixar de proceder à acima referida fundamentação de facto e direito, aplicaram-se na douta decisão recorrida os artigos 379.º, n.º 1, a) e c), e artigos 374.º, n.º 2, do CPP, aplicável por força do enunciado no artigo 668.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC) e este "ex vi" do artigo 4.º do CPP, atribuindo-se-lhes um sentido restritivo do direito à fundamentação da decisões penais desfavoráveis ao Arguido, e, assim, materialmente inconstitucionais por violação do artigo 32.º, n.º 1 da CRP. Nestes termos, e nos demais de direito que V.Ex.as doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, consequentemente: 1 – Revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que declare extintas as penas de prisão aplicadas ao Arguido, ordenando-se a sua imediata restituição à liberdade. Se assim não se entender: 2 – Declarada a nulidade prevista no artigo 120º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, ordenando-se a baixa do processo ao Tribunal "a quo" para que proceda às diligências necessárias tendo em vista a obtenção de informação actualizada sobre as condições pessoais, profissionais e familiares, ou seja, sobre o estado de reinserção social do Arguido. Se assim se não entender: 3 – Declarada a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, a) e c), do CPP, por violação do art. 374.º, n.º 2, do CPP, aplicável por força do enunciado no artigo 668.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC) e este "ex vi" do artigo 4.º do CPP86, ordenando-se a baixa dos autos ao Tribunal "a quo" para que a mesma seja substituída por outra que proceda à fundamentação da decisão de facto e de direito. Assim se fazendo a costumada justiça».
5 – O Ministério Público respondeu à motivação apresentada (fls. 20 e 21).
6 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 146.
7 – Neste tribunal, a Sr.ª procuradora-geral-adjunta, quando o processo lhe foi apresentado, emitiu o parecer de fls. 178 a 182.
8 – Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal.
II – FUNDAMENTAÇÃO
9 – Antes de iniciarmos a análise das questões suscitadas pelo recorrente, não poderemos deixar de fazer algumas observações sobre a tramitação do incidente em que foi interposto este recurso.
Como se disse, o sr. juiz proferiu, no dia 14 de Julho de 2000, um despacho através do qual revogou a liberdade condicional que havia sido concedida ao condenado pelo despacho[6] proferido em 30 de Novembro de 1991 (fls. 129 e 130).
Ora, como resulta claramente da lei[7], o despacho que revogou a liberdade condicional tinha que ser notificado ao condenado.
Este poderia, como a prática demonstrava[8], interpor recurso dessa decisão.
Por isso e porque nela não se impõe qualquer medida de natureza cautelar, a decisão que revogou a liberdade condicional apenas podia ter sido executada depois do trânsito em julgado[9].
10 – Mas, mesmo que assim não fosse, ao recurso interposto pelo condenado, que hoje é expressamente admitido pela actual redacção do n.º 4 do artigo 486º do Código de Processo Penal, deveria ter sido fixado efeito suspensivo, o que implicava a imediata libertação do condenado.
Na verdade, devendo esse recurso subir imediatamente, por imposição do n.º 1 do artigo 407º do Código de Processo Penal, o seu efeito é o estabelecido na 2ª parte do n.º 3 do artigo 408º do mesmo diploma: a suspensão dos efeitos da decisão recorrida.
Foi por isso que o relator, no exame preliminar, alterou o efeito atribuído ao recurso e ordenou que o condenado fosse imediatamente libertado.
11 – Dito isto, entremos então na apreciação do recurso, começando pela parte da decisão que determinou que o condenado cumprisse também o remanescente da pena única que, em cúmulo, lhe foi imposta no processo n.º 252/75 do Tribunal Judicial da Comarca de Faro.
Se bem que o Ministério Público tenha requerido, ao abrigo do disposto no artigo 44º do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, a alteração do despacho recorrido na parte em que ele se referia a essa pena (fls. 165), não nos foi remetida qualquer decisão que tenha acolhido essa pretensão, podendo mesmo depreender-se do despacho de fls. 164, que ela terá sido indeferida.
É, porém, claro que as penas cumuladas no processo n.º 252/75 não foram integradas no cúmulo efectuado no processo n.º 1585/84 do 1º Juízo Criminal de Lisboa e que aquela pena se encontra extinta pelo perdão e pelo cumprimento.
O sr. juiz só atendeu a essa pena no despacho que apreciou a liberdade condicional porque o condenado, depois de ter cumprido essa pena, passou a cumprir a pena imposta no processo 1585/84 e era necessário calcular o meio da pena para determinar o momento a partir do qual podia ser concedida, neste último processo, a liberdade condicional.
Uma vez que se tratava do cumprimento sucessivo de duas penas de prisão, o sr. juiz somou a duração das duas penas, procedimento que, antes da reforma de 1995 do Código Penal, era geralmente adoptado pelos Tribunais portugueses, com a concordância da doutrina[10].
Por isso, nunca a revogação da liberdade condicional concedida durante a execução da pena imposta no processo n.º 1585/84 poderia acarretar o cumprimento da pena imposta num outro processo.
12 – Mas será que o sr. juiz poderia, em Julho de 2000, revogar a liberdade condicional concedida, pelo período de 5 anos, em 30 de Novembro de 1991?
A primeira questão que se coloca é a da determinação da lei aplicável ao caso.
Em nosso entender, porque, independentemente da sua natureza, estamos perante normas que «podem afectar os direitos individuais fundamentais[11]», ou seja, normas de conteúdo material, devem por inteiro ser aplicados «os princípios constitucionais da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável e da imposição da retroactividade da lei penal favorável[12]».
Significa isto que devem ser aplicadas as normas vigentes na data da prática dos factos, salvo se, posteriormente, entrarem em vigor normas de conteúdo mais favorável ao condenado.
Assim sendo, porque ao caso são aplicáveis as redacções originais do Código Penal e do Código de Processo Penal[13], não podemos deixar de aqui reafirmar aquilo que dissemos no acórdão n.º 1200/2004[14], de 24 de Março de 2004, citado pelo recorrente. Aí afirmámos, invocando o ensinamento de «Figueiredo Dias[15], que, na vigência das redacções originais do Código Penal e do Código de Processo Penal, … a revogação da liberdade condicional não podia ocorrer depois de se ter esgotado o prazo estabelecido para a sua duração. Isto porque nenhuma norma permitia aplicar no âmbito deste instituto o regime previsto pelos artigos 491º, nº 4, e 497º do Código de Processo Penal para a suspensão da execução da pena e para o regime de prova».
Apenas acrescentaremos que, mesmo que se pudesse aplicar o regime hoje previsto nos artigos 64º e 57º, n.º 2, do Código Penal, era necessário que, no termo da liberdade condicional[16], estivesse pendente incidente por falta de cumprimento dos deveres e regras de conduta, incidente este que apenas podia ser instaurado com base em despacho fundamentado do juiz (n.º 3 do artigo 99º do Decreto-Lei 783/76, de 29 de Outubro)[17], coisa que estes autos não documentam.
13 – Resta dizer que esta decisão quanto à extinção da pena aplicada no processo n.º 1585/84 na data correspondente ao termo da liberdade condicional, se não tivesse havido a posterior alteração do artigo 78º do Código Penal, implicava a anulação do novo cúmulo efectuado por acórdão de 11 de Outubro de 2001, proferido no processo n.º 29/01, uma vez que a anterior redacção dessa disposição impedia a integração no cúmulo das penas extintas.
Uma vez que aquela disposição legal foi alterada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, nada impede que essa pena única se mantenha.
III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho proferido pelo sr. juiz do 3º Juízo do TEP de Lisboa em 14 de Julho de 2000.
Sem custas.
Lisboa, 15 de Outubro de 2008 (Carlos Rodrigues de Almeida) (Horácio Telo Lucas)
[1] Decisão confirmada pelo acórdão de 12 de Janeiro de 1982 do Tribunal da Relação de Évora (fls. 33 a 35). [2] De fls. 110 parece resultar que essa pena englobaria, para além da imposta em Faro, as aplicadas nos seguintes processos: n.º 3/76 de Castelo de Vide, 19673/78 e 19100/76 do 3º Juízo Criminal de Lisboa, 475/76 do 1º Juízo Criminal de Lisboa e 166/76 de Sintra. [3] Certamente por lapso, tinha sido escrito “1982”. [4] Certamente por lapso, tinha sido escrito “1982”. [5] Certamente por lapso, tinha sido escrito “1982”. [6] Embora o Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, designasse como “sentença” a decisão que apreciava, no processo gracioso regulado nos artigos 90º a 100º, a concessão de liberdade condicional (artigo 94º, n.º 4), o Código de Processo Penal refere-se a esse acto dizendo que se trata de um “despacho” (artigo 485º), qualificação que, a nosso ver, porque constante de lei posterior, deve prevalecer. [7] V. artigo 486º, n.º 2, da redacção então vigente do Código de Processo Penal. [8] Mesmo que se entendesse que o recurso do despacho que revogava a liberdade condicional era excluído pelo artigo 127º do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, disposição que não nos parece que tivesse esse campo de aplicação, sempre se deveria considerar que essa norma, assim interpretada, era inconstitucional pelas mesmas razões que, quanto à irrecorribilidade do despacho que não concedia a liberdade condicional, o Tribunal Constitucional apontou no Acórdão n.º 638/2006 (contrariando, assim, o Acórdão n.º 321/93 do mesmo tribunal – ver a crítica a este último aresto feita por Alberto Esteves Remédio, in “Revista do Ministério Público”, Ano 14º, N.º 55, p. 150 e segs.). [9] O artigo 75º do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, não poderia servir de fundamento a entendimento diferente porquanto era claramente contrário ao artigo 27º da Constituição e não podia, portanto, ser aplicado pelos tribunais (artigo 204º da Constituição). [10] Ver, nesse sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, in «Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime», Aequitas, Lisboa, 1993, p. 537. [11] CARVALHO, Américo Taipa de, in «Sucessão de Leis Penais», 2ª Edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 260. [12] CARVALHO, ob. cit. p. 274. [13] O primeiro porque era a lei vigente na data da prática dos factos e o segundo porque é uma lei posterior mais favorável ao condenado. [14] Não se ignora que, em sentido diferente, foi proferido, em 18 de Julho de 2007, nesta mesma secção, o Acórdão n.º 5119/2007, do qual foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional (Ver Acórdão do TC n.º 477/2007, de 25 de Setembro de 2007, in DR 2ª Série de 5/11/2007). [15] DIAS, Jorge de Figueiredo, ob. cit., p. 550. [16] Data esta que era anterior à inicialmente estabelecida porquanto a redacção que foi dada ao Código Penal pelo Decreto-Lei n.º 49/85, de 15 de Março, limitou a duração da liberdade condicional ao tempo de prisão que faltava cumprir, nunca superior a 5 anos (artigo 61º, n.º 6). Porque em 1 de Outubro de 1995, data em que esse diploma entrou em vigor, já tinha decorrido o tempo de prisão que faltava cumprir no momento da libertação, deve entender-se que a liberdade condicional terminou na data de entrada em vigor desse diploma. [17] O artigo 74º do Decreto-Lei 783/76, de 29 de Outubro, não era aplicável numa situação como esta porque a pretendida revogação da liberdade condicional não se fundava na prática de qualquer crime.