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PROPRIEDADE HORIZONTAL
TÍTULO CONSTITUTIVO
NULIDADE
COMPROPRIEDADE
ABUSO DE DIREITO
Sumário
1 - Para que um edifício isolado ou um conjunto de edifícios nas condições previstas no artigo 1438º-A possa ser submetido ao regime da propriedade horizontal é indispensável que as diversas fracções que o compõem sejam susceptíveis de constituir (a) unidades ou fogos autónomos e independentes, (b) distintos e isolados uns dos outros, (c) tendo cada um deles saída própria para a via pública ou para uma parte comum do edifício e desta para a via pública (artigo 1415º), ou seja, cada fogo terá de constituir uma unidade adequada a um determinado uso ou destino, constituindo assim uma unidade de utilização funcional. 2 – Assim, embora a fracção correspondente ao rés-do-chão tenha uma saída própria para a via pública, como, para aceder, entrar ou sair dessa fracção, é sempre necessário passar pelo logradouro que faz parte integrante da fracção correspondente ao 1º andar, essa saída não dá directamente para a via pública, não se encontrando verificado um dos requisitos enunciados. 3 - A falta de requisitos legalmente exigidos importa, por um lado, a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, e, por outro, a sujeição do prédio ao regime da compropriedade, mediante a atribuição a cada consorte da quota que lhe tiver sido fixada, ou, na falta de fixação, da quota correspondente ao valor relativo da sua fracção 4 – Donde, havendo um título de constituição da propriedade horizontal, embora nulo por o prédio não reunir os requisitos fixados nos artigos 1414º e 1415º, o acto passa a valer, ex vi legis, como constitutivo de outros efeitos jurídicos, ou seja, em vez de nascer um direito de condomínio, nasce um direito de compropriedade e esta eficácia é atribuída ao negócio sem dependência dos requisitos do artigo 293º do Código Civil, salvo pelo que respeita à exigência de forma legal. 5 – Logo, declarada a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio dos autos, resultaria a declaração de que o logradouro do prédio ficaria sujeito ao regime de compropriedade. 6 - Porém, nos termos do artigo 334º do Código Civil, há abuso de direito e é, portanto, ilegítimo o seu exercício, quando o titular, ao exercitá-lo, o faz em termos manifestamente ofensivos da boa fé, dos bons costumes, ou do fim económico ou social desse direito, não se exigindo que o titular do direito tenha consciência da sua conduta, basta que a ofensa se verifique. 6 – A autora agiu manifestamente contra a boa fé, ao invocar a nulidade de um título constitutivo de um direito, cuja existência e exercício material era do conhecimento e do reconhecimento da própria, há longa data, fazendo-o de molde a obter um proveito violador da legítima confiança alheia, sendo, consequentemente, abusivo o pedido formulado – o reconhecimento da compropriedade sobre o logradouro. G.F.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
[P] propôs contra [L] a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo que, pela procedência da acção, seja declarada a nulidade do titulo constitutivo do prédio sito na Rua Salvador Allende, n. os 9 a 15, em Oeiras e, consequentemente, o logradouro do prédio fique sujeito ao regime de compropriedade.
Fundamentando a sua pretensão, alega, em síntese, que, por escritura pública outorgada em 3/08/1982, foi constituído sob o regime da propriedade horizontal, o prédio sito na Rua Salvador Allende, n.os 9 a 15, em Oeiras, do que resultou a sua divisão em duas fracções autónomas: primeiro andar (pertencente à Ré) e rés-do-chão (pertencente à Autora).
De acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal, o logradouro que circunda o prédio faz parte integrante do primeiro andar, tornando-se necessário passar pelo referido logradouro, para aceder, entrar ou sair da fracção correspondente ao rés-do-chão, uma vez que esta fracção não tem saída própria para uma parte comum do prédio, nem para a via pública, não sendo as fracções autónomas nem distintas entre si.
Por violação do disposto no artigo1415º CC é nula a escritura pública que constituiu a propriedade horizontal na parte em que integra o logradouro do prédio na fracção correspondente ao primeiro andar, quando deveria ser uma parte comum do prédio.
Tal nulidade deve ser decretada apenas nessa parte, por recurso ao instituto da redução do negócio jurídico, nos termos do artigo 292º, CC, devendo o logradouro passar a estar sujeito ao regime da compropriedade.
A ré contestou, alegando que o rés-do-chão tem uma saída própria para a rua, sendo as fracções distintas e isoladas entre si, encontrando-se completamente separadas, não sendo possível entrar na fracção correspondente ao rés-do-chão e passar para a fracção correspondente à do 1º andar do prédio, o que foi confirmado por certidão emitida pela Câmara Municipal de Oeiras.
O logradouro apenas se presume comum, nos termos do artigo 1421º CC, o que foi afastado pela escritura de constituição de propriedade horizontal.
Acrescenta não ser possível fazer funcionar o instituto da redução do negócio jurídico, já que a venda do rés – do - chão apenas ocorreu porque a ré sempre pretendeu manter a propriedade exclusiva do logradouro e a autora apenas concordou plenamente com a venda da fracção autónoma, o que foi expresso na escritura de compra e venda.
É manifesta a má fé da autora, ao vir agora questionar a validade do título constitutivo e da compra e venda, que aceitou naqueles termos, o que sempre constituiria abuso de direito.
Aliás, a autora durante vinte anos, também nunca questionou a propriedade do logradouro, constituindo a sua actuação um venire contra factum proprium.
Em reconvenção, a ré veio reclamar a contribuição da autora para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do prédio, alegando que o prédio se encontra seriamente degradado, o próprio irmão da autora, que tem o usufruto sobre a fracção, admitiu a necessidade de realização de obras de beneficiação, sem que porém a autora jamais tenha iniciado qualquer diligência tendente ao início dos trabalhos necessários e urgentes.
Na sequência de visita da CMO, a ré foi notificada em 28/12/2001 para proceder às beneficiações descritas no auto de vistoria, tendo-se a autora procurado escusar à realização das obras. Só em 23/04/2003 a ré foi notificada para proceder, no prazo de 60 dias, à realização das obras atrás descritas, face à recusa da autora em comparticipar nas despesas e à continua degradação do imóvel.
O total das reparações de que a moradia carece ascende ao valor de € 37.452,82, devendo a autora ser condenada no pagamento de € 16.104,71, correspondente a 43% do valor constante da proposta para prestação de serviços de recuperação das partes comuns do imóvel.
Acrescenta a ré que a autora jamais considerou que o logradouro fosse parte comum do prédio, formulando nos autos um pedido cuja falta de fundamento bem conhece.
Defende, por isso, que a mesma deve ser condenada como litigante de má fé, em multa e no reembolso das despesas que a actuação dolosa obrigou a Ré, estimando os honorários em valor não inferior a € 12.250.
Conclui pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, condenando-se a autora a pagar à ré o montante de € 16.104,71, correspondente a 43% do valor das reparações necessárias nas partes comuns do imóvel.
Pede ainda a condenação da Autora no pagamento de uma multa, por litigância de má fé, correspondente ao reembolso das despesas a que obrigou a ré, em montante não inferior a € 12.250.
A autora replicou, impugnando todos os factos alegados pela ré na contestação, tendo esta alegado, em contestação ao pedido reconvencional, que, em 1990 e 1994, a autora realizou obras de consolidação das fachadas Leste e Norte do prédio e reparou e pintou parte do muro, por necessidade urgente, com o que gastou € 20.000, quantia que não foi comparticipada pela ré, que deveria ter participado com a percentagem de € 11.400, correspondente à permilagem de 57%.
Acrescenta que tem direito à reposição desse valor, nos termos do artigo 1427º, CC e dos respectivos juros, que invoca por compensação. No mais, defende que a ré não pode vir pedir o pagamento de € 16.104,71, porque tais obras nunca foram realizadas, não podendo ser reembolsada de tais valores.
No mais, amplia o pedido e a causa de pedir, defendendo que, a ser julgado improcedente o pedido reconvencional, não operando a compensação de créditos, deverá a ré ser condenada a pagar à autora a quantia de € 15.392,00.
Conclui do modo seguinte:
a) - Pela improcedência das excepções, concluindo-se como na petição inicial.
b) - Pela improcedência do pedido de condenação da Autora como litigante de má fé.
c) - Pela improcedência da reconvenção, ou pela procedência da excepção de compensação, sendo a ré absolvida do pedido reconvencional.
d) - Pela admissão da ampliação do pedido e da causa de pedir.
e) - Pela condenação da ré a pagar à autora a quantia de € 15.392, acrescida de juros de mora que se vencerem até integral pagamento.
A ré treplicou, defendendo ser falsa a existência de um contra - crédito contra si, impugnado a alegada factualidade relativa à realização de obras por parte da autora, nem sequer a interpelou para proceder ao pagamento de quaisquer valores.
Defende, deste modo, a improcedência da excepção de compensação.
Alega também que as obras se encontram a ser realizadas no imóvel, como a autora bem sabe, sendo que a ré já pagou à empresa respectiva, a quantia de 36.428,58 Euros.
A ré vem ainda ampliar o pedido inicial, alegando que no inicio das obras foi detectada a existência de fissuras que as mesmas carecem de ser de imediato reparadas, já que agravam o comportamento estrutural da moradia, tendo sido efectuado um orçamento para reparação das mesmas, no valor de € 5.500, passando a ser, consequentemente, da responsabilidade da autora o pagamento da quantia de € 2.365, correspondente à permilagem de 43% do valor das obras a serem realizadas.
Conclui pela improcedência das excepções deduzidas na reconvenção; pela improcedência da ampliação do pedido e da causa de pedir e bem assim pela procedência da ampliação do pedido reconvencional formulado pela ré, com a consequente condenação da autora a pagar à ré o montante de € 2.365, correspondente a 43% do valor das reparações necessárias nas partes comuns do imóvel.
Em tudo o mais, conclui como na petição inicial.
A autora veio alegar ser inadmissível a tréplica, tendo a sua pretensão sido parcialmente deferida na parte referente aos artigos 16º a 26 desse articulado, que foi considerado não escrito.
Foi proferido despacho saneador, com fixação dos factos assentes e elaboração da base instrutória, que não foram objecto de reclamação.
Procedeu-se a julgamento. O tribunal a quo respondeu aos “quesitos” (fls. 321 e seguintes) e, em seguida, foi proferida a sentença, tendo-se decidido:
a) - Julgar a acção improcedente e não provada, absolvendo a ré do pedido;
b) - Julgar a reconvenção procedente e provada, condenando a autora a pagar à ré a quantia de 18.469,71 Euros.
Inconformada, recorreu a autora, formulando as seguintes conclusões:
1ª - Na decisão recorrida, foi a autora condenada como litigante de má fé porque se considerou que "deduziu pretensão cuja falta de fundamento não ignorava na versão que quesitou em 1°, 3° e 4°".
2ª - A autora não litigou de má fé quando alegou que a fracção correspondente ao rés-do-chão não tem saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública e as fracções não são distintas e isoladas entre si.
3ª - O valor fixado para a litigância de má fé tinha sido peticionado pela ré com base nos previsíveis honorários dos seus ilustres mandatários.
4ª - Consultando o processo, verifica-se que a acção proposta pela autora é uma mera acção de nulidade do titulo constitutivo sem grande complexidade, sendo que quase a totalidade dos articulados e requerimentos subsequentes são da ré e têm como origem o pedido reconvencional deduzido. Os meios de prova também não foram complexos (prova testemunha, depoimento de parte e prova pericial pedida pela Ré).
5ª - Não tem qualquer justificação, o montante estipulado a título de indemnização.
6ª - Nos autos não existe qualquer elemento concreto sobre quais os honorários dos ilustre mandatários da ré ou de quaisquer prejuízos sofridos pela ré.
7ª - Existe manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão recorrida.
8ª - Se ficou provado que para aceder, entrar ou sair da fracção correspondente ao rés-do-chão é sempre necessário passar pelo logradouro que faz parte integrante da fracção correspondente ao 1.° andar, a conclusão necessária era que o título constitutivo é nulo.
9ª - Existe também manifesta contradição entre os fundamentos da sentença pois não parece ser possível que se reconheça que para entrar ou sair da fracção correspondente ao rés-do-chão seja sempre necessário passar pelo logradouro que faz parte integrante da fracção correspondente ao 1.° andar e que depois se diga que as fracções são isoladas entre si, encontrando-se separadas e não sendo possível passar para o 1.° andar através do rés-do-chão.
10ª - Se ficou provado que as fracções em causa são distintas e isoladas entre si, encontrando-se separadas e não sendo possível passar para o 1 ° andar através do rés-do-chão, não se entende como depois se pode reconhecer a existência de uma servidão de passagem.
11ª - Por existir manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão, a sentença recorrida é nula.
12ª - Vários factos foram incorrectamente julgados pelo Tribunal a quo:
a) - Os quesitos 3° e 4° deveriam ter sido julgados como provados e os quesitos 6°, 7°, 8° e 9° deveriam ter sido considerados não provados.
b) - Os quesitos 9° e 10.° deveriam ter sido julgados como não provados.
c) - Os quesito 14° e 15° deveriam ter sido julgados como não provados.
d) - O quesito 16° deveria ter sido julgado como não provado e o quesito 17º respondido restritivamente.
e) - Os quesitos 22°, 23° e 26° deveriam ter sido julgados como não provados.
f - Os quesitos 28°, 29°, 30°, 31°, 57°, 58° deveriam ter sido julgados como não
provados.
g) - Os quesitos 32°, 33°, 34°, 35°, 55°, 56° e 59,° deveriam ter sido julgados como não provados.
h) - Os quesitos 41°, 42°, 43°, 44º e 45° deviam ter sido julgados como provados e os quesitos 47° e 48° como não provados.
13ª - A alteração das respostas aos referidos quesitos tem como fundamento a prova testemunhal prestada em sede de audiência, a prova documental junta pelas partes e a prova pericial efectuada.
14ª - O Tribunal a quo deu como provado, na resposta ao quesito 1º, que “para aceder, entrar ou sair da fracção correspondente ao rés-do-chão é sempre necessário passar pelo logradouro que faz parte integrante da fracção correspondente ao 1° andar”.
15ª - A saída da fracção da autora dá para a fracção da ré (logradouro) e não para qualquer uma parte comum do prédio ou para a via pública.
16ª - O próprio tribunal a quo considerou que a fracção autónoma da autora se encontrava encravada por não ter acesso directo à via pública, mas existia uma servidão de passagem pela fracção da ré.
17ª - A existência de alegada servidão de passagem não impede que a fracção correspondente ao rés-do-chão não tenha saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública.
18ª - Apenas podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública.
19ª - Ora, como resulta claro, a Câmara Municipal de Oeiras apenas considerou que o prédio tinha aptidão para ser constituído em propriedade horizontal porque ambas as fracções tinham saída para uma parte comum.
20ª - O que não veio a acontecer porque a fracção da autora tem saída para o logradouro que faz parte integrante da fracção do 1° andar de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal.
21ª - Embora celebrado no mesmo dia, o acto de constituição de propriedade horizontal é completamente alheio à autora que apenas adquiriu a fracção em acto subsequente ao da referida constituição.
22ª - A autora veio alegar a nulidade de um acto (constituição de propriedade horizontal) de que não fez parte.
23ª - Ao ter adquirido a fracção após a constituição da propriedade horizontal, não ficou a autora impossibilitada de no futuro invocar a nulidade do titulo constitutivo.
24ª - Assim o não exercício do direito durante vinte anos poderia constituir uma causa de caducidade, mas a presente nulidade é invocável a todo o tempo.
25ª - Não existe qualquer abuso de direito da autora ao invocar a nulidade do titulo constitutivo.
26ª - Se ficou provado que a ré pagou à entidade que realizou as obras o montante de € 36.428,58, tendo em conta a permilagem da fracção da autora (43%), o valor máximo que esta poderia ter sido condenada a pagar era de € 15.664,28 (43%).
27ª – Deverá, assim, revogar-se a sentença recorrida, julgando-se procedente a apelação, de forma a considerar-se procedente a acção e improcedente o pedido reconvencional.
A ré contra – alegou, defendendo a bondade da decisão recorrida.
Cumpre decidir:
2.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da apelante, salvo se outras forem de conhecimento oficioso, pelo que se colocam à apreciação deste Tribunal as seguintes questões:
a – Nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão;
b – Erro no julgamento da matéria de facto;
c – Erro quanto à aplicação do Direito;
d – Erro na condenação da apelante como litigante de má fé e exagero no pagamento do montante da indemnização fixada a este título.
3.
A recorrente começa por sustentar que a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 668.º, número 1, alínea c), CPC, por clara oposição entre os seus fundamentos e o conteúdo da decisão proferida.
(...)
4.
Visando a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que considere procedente a acção e improcedente a reconvenção, pretende a recorrente que seja alterada a decisão da matéria de facto.
(...)
5.
Nada se havendo alterado, quanto à matéria de facto assente e quanto às respostas aos quesitos, consideram-se provados os seguintes factos:
1º - Por escritura pública celebrada no 20º Cartório Notarial de Lisboa, em 3/8/1982, [M], como “primeiro outorgante” e “procurador” de [L], declarou que “pertence à sua representada o prédio urbano composto por rés–do - chão, primeiro andar e logradouro, sito na Rua Salvador Allende, n. os 9 a 15, em Nova Oeiras, freguesia e concelho de Oeiras, descrito sob o n.º 19024 na Conservatória do Registo Predial de Oeiras…” e que “em virtude deste prédio ser formado por fracções em condições de constituírem unidades independentes, distintas e isoladas entre si com saída própria para uma parte comum do edifício ou para a via pública, resolveu o primeiro outorgante, em nome da sua representada, pela presente escritura, submetê-lo ao regime de propriedade horizontal de acordo com a vistoria de 5 de Fevereiro do ano corrente da Câmara Municipal de Oeiras” (alínea A).
2º - Mais ali declarou que, “além das partes comuns, este prédio é constituído pelas seguintes fracções autónomas:
A) - Rés-do-chão, com cinco assoalhadas, cozinha, despensa, casa de banho e dois sanitários, com a percentagem de quarenta e três e o valor de Esc.516.000$00;
B) - Primeiro andar, com cinco assoalhadas, sendo uma delas com gola, cozinha, despensa, duas marquises, uma casa de banho, um sanitário, sótão e logradouro, com a percentagem de cinquenta e sete e o valor de Esc.684.000$00 (alínea B).
3º - Declarou, ainda, o “primeiro outorgante, em nome da sua representada” que “vende à segunda outorgante, [P], a fracção autónoma, atrás designada pela letra A, correspondente ao rés-do-chão, livre de qualquer encargo ou responsabilidade, com transferência para a compradora de todos os direitos inerentes e pelo preço de Esc. 516.000$00, que já recebeu, tendo a referida Paula Cristina Mota Rodrigues declarado que “aceita a venda nos termos exarados” e “que adquiriu a aludida fracção autónoma para sua residência permanente” (alíneas C e D).
4º - O indicado rés-do-chão encontra-se inscrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o nº 503/19821027-A, a favor de Paula Cristina Mota Rodrigues, desde 27/10/1982, enquanto o referido “primeiro andar com sótão e logradouro”, encontra-se também ali inscrito, sob o n.º 503/19821027-B, a favor de [L], desde 30/07/1982 (alíneas E e F).
5º - O prédio dos autos tem a configuração descrita no “croquis” constante de fls.51 dos autos (resposta ao quesito 5º).
6º - A fracção correspondente ao rés-do-chão tem uma saída através da porta com o n.º 13, embora, para aceder, entrar ou sair dessa fracção, seja sempre necessário passar pelo logradouro que faz parte integrante da fracção correspondente ao 1º andar (resposta aos quesitos 6º e 1º).
7º - As fracções correspondentes ao rés-do-chão e 1º andar do prédio são distintas e isoladas entre si, encontrando-se separadas e não sendo possível passar para o 1º andar através do rés-do-chão (resposta ao quesito 7º).
8º - E têm saídas independentes, cada uma com uma porta correspondente a números diferentes (resposta ao quesito 8º).
9º - Foi por isso que a Câmara Municipal de Oeiras confirmou a capacidade do referido prédio para ser constituído em “propriedade horizontal”, o que permitiu a realização da escritura pública referida em A) dos factos assentes (resposta aos quesitos 9º e 10º).
10º - Se o logradouro constituísse parte comum do edifício, a ré jamais teria “vendido” a fracção correspondente ao rés-do-chão à autora e jamais teria celebrado, nessas condições, a escritura pública referida em A) de constituição do imóvel em “propriedade horizontal” (resposta aos quesitos 11º e 12º).
11º - A ré só o fez na condição de manter para si a titularidade do logradouro do prédio, tendo a autora concordado com tal circunstância (resposta aos quesitos 13º e 14º).
12º - Na verdade, a autora jamais questionou, durante cerca de 21 anos, a titularidade do logradouro do prédio (resposta ao quesito 15º).
13º - O imóvel encontrava-se degradado, apresentando infiltrações, cheiros a esgoto, fachada e muros deteriorados e chaminé sem circulação (resposta ao quesito 16º).
14º - Tal facto foi comunicado pela ré à autora por carta de 16/03/00 e recepcionada por esta em 21/03/00, tendo sido o irmão da autora que respondeu à ré por carta de 21/03/00, admitindo a necessidade de realização de obras de beneficiação nas partes comuns do prédio e tendo nomeado um perito para proceder a uma avaliação das necessidades do imóvel (resposta aos quesitos 17º, 18º e 19º).
15º - A ré manifestou, por carta de 24/03/00, a sua concordância com a realização desta “peritagem”, propondo-se ainda realizar uma reunião entre os dois “condóminos” para discussão das questões relacionadas com as referidas obras e quaisquer outros assuntos relevantes (resposta ao quesito 20º).
16º - A avaliação levada a cabo pelo perito indicado pelo irmão da autora ocorreu em 27/03/00, tendo o mesmo constatado a existência de algumas partes degradadas no prédio (resposta ao quesito 21º).
17º - A autora jamais iniciou qualquer diligência tendente ao início dos trabalhos necessários e urgentes, razão pela qual a ré, em 27/12/00, apresentou na Câmara Municipal de Oeiras (CMO) um pedido de “vistoria” nos moldes referidos no documento junto a fls.63/64 dos autos (resposta aos quesitos 22º e 23º).
18º - Na sequência de “vistoria” realizada, a CMO “notificou”, em 28/12/00, a ré para proceder às beneficiações descritas a fls.65 e 66 dos autos (resposta ao quesito 24º).
19º - Em 23/04/03, a ré foi “notificada” para proceder, no prazo de 60 dias, às obras referidas no “Auto de Vistoria” realizada em 22/01/01 e com o teor constante de fls.67 a 69 dos autos (resposta ao quesito 25º).
20º - Por não obter qualquer resposta por parte da autora às várias solicitações para dar início às obras nas partes comuns do edifício, a ré procurou junto da CMO apoio financeiro para a realização das mesmas ao abrigo de programas que subsidiam a recuperação de imóveis (resposta ao quesito 26º).
21º - Nenhum desses apoios irá subsidiar, ao menos em parte, os referidos trabalhos (resposta ao quesito 27º).
22º - Antes da realização das obras, quando chovia, a Ré tinha que colocar recipientes em vários locais da sua casa para apanhar água e ficava impossibilitada de usar a cozinha (resposta aos quesitos 29º e 30º).
23º - Antes da realização das obras, o cheiro proveniente dos esgotos afectava o uso da fracção por parte da ré (resposta ao quesito 31º).
24º - O valor global das reparações nas partes comuns do edifício, de acordo com as exigências da CMO, é de € 37.452,82, incluindo IVA (resposta ao quesito 32º).
25º - Sendo de € 27.823, o montante da recuperação da moradia; de € 2.295, o montante da remodelação do muro exterior e de € 1.355, o montante da reparação dos esgotos (resposta aos quesitos 33º, 34º e 35º).
26º - A ré concordou com tais valores e aceitou a proposta para a respectiva realização (resposta ao quesito 36º).
27º - A autora jamais considerou que o logradouro do prédio teria de constituir parte comum do edifício (resposta ao quesito 37º).
28º - A autora, em 1990 e 1994, limitou-se a pintar as paredes até à altura do 1º andar do prédio, na parte correspondente à sua fracção (resposta ao quesito 47º).
29º - E construiu um muro junto à sua entrada para o que destruiu uma sebe que se encontrava no local (resposta ao quesito 48º).
30º - Desde Agosto de 2003 que as obras referidas nos quesitos 32º a 35º vêm sendo realizadas no imóvel (resposta ao quesito 55º).
31º - Tendo a ré já pago à entidade que as realiza, “SOPROENG - Gabinete de Estudos e Projectos, L. da”, a quantia de € 36.428,58 (resposta ao quesito 56º).
32º - Com o início dessas obras foram detectadas fendas nas fachadas norte e poente; fendas nas paredes, pilar e tecto do alpendre do rés-do-chão; fendas nas paredes e tecto do alpendre do rés-do-chão; fendas em paredes e tectos de algumas divisões do rés-do-chão; fendas em paredes, viga e pilares e tecto da sala do 1º andar; fendas em paredes e tecto de divisões do 1º andar.
A maioria das fendas existentes no edifício resulta de assentamentos diferenciais do mesmo, como origem em problemas geológicos do terreno de fundação, nomeadamente em condições hidrogeológicas (variações do nível freático) (resposta ao quesito 57º).
33º - As fissuras, embora não indiciem problemas eminentes de estabilidade, porque a maioria delas são resultantes de assentamentos diferenciais da fundação, deverão ser executados trabalhos de estabilização das fundações do edifício, de modo a estabilizar os assentamentos e as patologias consequenciais (fendas e fissuras) (resposta ao quesito 58º).
34º - A reparação dessas fissuras tem o custo de € 5.500,00 (resposta ao quesito 59º).
6.
A acção foi considerada improcedente com dois fundamentos, ou seja, (i) porque, ao contrário do pretendido pela autora, não se verificava a alegada nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, porquanto a fracção correspondente ao rés – do – chão tem saída própria para a via pública e as fracções são distintas e isoladas entre si e (ii) porque, mesmo a ser nulo o título constitutivo da propriedade horizontal, obstaria ao decretamento de tal invalidade a circunstância de a autora o invocar em situação de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
A recorrente discorda destes fundamentos, limitando-se, porém, a reproduzir, no essencial, os argumentos que foram rebatidos na sentença.
Importará, então, reconsiderar os dois pontos em causa.
Como é sabido, a forma mais corrente de constituição da propriedade horizontal é através de um negócio jurídico unilateral típico, embora inominado, mediante o qual o proprietário ou comproprietários do edifício declaram a sua vontade de o submeter ao regime da propriedade horizontal, operando o seu parcelamento jurídico em fracções autónomas susceptíveis de serem objecto de propriedade singular de diversas pessoas, seja de imediato, seja em momento ulterior, mais ou menos diferido no tempo (cfr. artigo 1417º Código Civil).
O artigo 1415º estabelece os requisitos de natureza substantiva ou material do prédio para a sua admissão ao regime da propriedade horizontal, determinando o artigo 1416º que a falta de requisitos legalmente exigidos importa a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal e a sujeição do prédio ao regime da compropriedade, pela atribuição a cada consorte da quota que lhe tiver sido fixada nos termos do artigo 1418º, todos do Código Civil.
Verificados tais requisitos de natureza substantiva, o título constitutivo de propriedade horizontal, qualquer que ele seja, tem, assim, de conter obrigatoriamente, (i) não só a especificação, ou seja, a indicação das características físicas das partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, (ii) mas também a fixação do valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio.
Aquela primeira exigência justifica-se, quanto à individualização das fracções autónomas, pela necessidade de definir concretamente, sem margem para dúvidas sérias, a parte que cada condómino pode usufruir com exclusão de outrem, ou seja, como proprietário singular, uma vez que, “sempre que um condómino de um prédio constituído em propriedade horizontal queira saber qual a localização e os limites da sua fracção, há-de recorrer, unicamente, ao respectivo título constitutivo da propriedade horizontal respeitante ao prédio urbano, em que aquela se integra”[1].
In casu, ficou provado que o prédio urbano composto por rés - do - chão, primeiro andar e logradouro, sito na Rua Salvador Allende, n. os 9 a 15, em Nova Oeiras, (...), pertencente a Lina Maria Gil Cardozo Nunes Pereira, em virtude de ser formado por fracções em condições de constituírem unidades independentes, distintas e isoladas entre si com saída própria para uma parte comum do edifício ou para a via pública”, foi submetido pela sua proprietária, por escritura pública celebrada no 20º Cartório Notarial de Lisboa, em 3/08/1982, ao regime de propriedade horizontal, de acordo com a vistoria de 5/02/1982 da Câmara Municipal de Oeiras.
Consta da aludida escritura que, além das partes comuns, este prédio é constituído pelas seguintes fracções autónomas:
Rés-do-chão, com cinco assoalhadas, cozinha, despensa, casa de banho e dois sanitários, com a percentagem de quarenta e três e o valor de Esc.516.000$00;
Primeiro andar, com cinco assoalhadas, sendo uma delas com gola, cozinha, despensa, duas marquises, uma casa de banho, um sanitário, sótão e logradouro, com a percentagem de cinquenta e sete e o valor de Esc.684.000$00.
Consta ainda dessa escritura, que o “primeiro outorgante, em nome da sua representada” vendeu “à segunda outorgante, D. Paula Cristina Mota Rodrigues, (ora autora) a fracção autónoma correspondente ao rés-do-chão, livre de qualquer encargo ou responsabilidade, com transferência para a compradora de todos os direitos inerentes e pelo preço de Esc. 516.000$00, que já recebeu, tendo a referida Paula Cristina declarado que “aceita a venda nos termos exarados” e “que adquiriu a aludida fracção autónoma para sua residência permanente”.
O indicado rés-do-chão encontra-se inscrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o nº 503/19821027-A, a favor de Paula Cristina Mota Rodrigues, desde 27/10/1982, enquanto o referido “primeiro andar com sótão e logradouro”, encontra-se também ali inscrito, sob o n.º 503/19821027-B, a favor de Lina Maria Gil Cardoso Nunes Pereira, desde 30/07/1982.
Deste modo, tendo sido lido e explicado aos outorgantes o teor da escritura, a autora ficou ciente que, em conformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal, a mesma não dispunha de logradouro.
Não obstante, pretendendo, agora, que o logradouro venha a ser considerado parte comum de ambas as fracções, a autora suscita a nulidade do título constitutivo, considerando que a saída da sua fracção dá para a fracção da ré (logradouro) e não para qualquer uma parte comum do prédio ou para a via pública.
A primeira questão a decidir consiste, então, em saber se, in casu, se verificam (ou não) os requisitos de natureza substantiva ou material do prédio para a sua admissão ao regime da propriedade horizontal.
Para que um edifício isolado ou um conjunto de edifícios nas condições previstas no artigo 1438º-A possa ser submetido ao regime da propriedade horizontal é indispensável que as diversas fracções que o compõem sejam susceptíveis de constituir (a) unidades ou fogos autónomos e independentes, (b) distintos e isolados uns dos outros, (c) tendo cada um deles saída própria para a via pública ou para uma parte comum do edifício e desta para a via pública (artigo 1415º), ou seja, cada fogo terá de constituir uma unidade adequada a um determinado uso ou destino, constituindo assim uma unidade de utilização funcional.
Um edifício só pode ser submetido ao regime de propriedade horizontal desde que – esse é o primeiro requisito – as respectivas fracções constituam unidades habitacionais ou económicas independentes, isto é, que cada uma integre um conjunto de elementos (divisões e cómodos) susceptíveis de proporcionar a satisfação do fim social a que se encontra adstrita, com autonomia e independência em relação às demais.
In casu, tal como resultou provado, os fogos destinam-se a habitação e cada um deles integra cinco assoalhadas, cozinha, despensa, casa de banho e sanitários, dispondo ainda o 1º andar de duas marquises, sótão e logradouro.
Cada uma das fracções dispõe, pois, de divisões e dependências destinadas a arrumos ou a finalidades similares susceptíveis de proporcionar a satisfação do fim social a que se encontram adstritos, com autonomia e independência de um em relação ao outro, pelo que se verifica o primeiro dos requisitos.
Em ordem a evitar que esta forma de propriedade se transforme num factor de promiscuidade das pessoas ou numa fonte permanente de discórdia e de litígios entre os diversos proprietários e, designadamente, a garantir a intimidade da vida privada dos respectivos ocupantes e a protecção da sua personalidade física e moral, a lei exige, ainda, como requisito material para a constituição da propriedade horizontal, que as fracções autónomas sejam distintas e isoladas entre si.
Também este requisito se verifica, pois que, como se provou, as fracções correspondentes ao rés-do-chão e 1º andar do prédio são distintas e isoladas entre si, encontrando-se separadas e não sendo possível passar para o 1º andar através do rés-do-chão e têm saídas independentes, cada uma com uma porta correspondente a números diferentes.
O último dos requisitos exige que as fracções disponham de saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública, isto por razões de segurança, aliadas à necessidade de garantir o acesso e correspondente saída aos vários condóminos do imóvel.
In casu, embora se tenha provado que a fracção correspondente ao rés-do-chão tem uma saída para a via pública, através da porta com o n.º 13, o certo é que, para aceder, entrar ou sair dessa fracção, é sempre necessário passar pelo logradouro que faz parte integrante da fracção correspondente ao 1º andar, pelo que essa saída não dá directamente para a via pública.
Não se encontram, pois, preenchidos os requisitos para a constituição da propriedade horizontal, tal como resulta do artigo 1415º do Código Civil.
A falta de requisitos legalmente exigidos importa, por um lado, a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, e, por outro, a sujeição do prédio ao regime da compropriedade, mediante a atribuição a cada consorte da quota que lhe tiver sido fixada nos termos do n.º 1 do artigo 1418º, ou, na falta de fixação, da quota correspondente ao valor relativo da sua fracção (artigo 1416º, n.º 1 CC).
Temos, pois, que, havendo um título de constituição da propriedade horizontal, embora nulo por o prédio não reunir os requisitos fixados nos artigos 1414º e 1415º, o acto passa a valer, ex vi legis, como constitutivo de outros efeitos jurídicos: “em vez de nascer um direito de condomínio, nasce um direito de compropriedade e esta eficácia é atribuída ao negócio sem dependência dos requisitos do artigo 293º do Código Civil, salvo pelo que respeita à exigência de forma legal. Na verdade, nada havendo na lei que as dispense, não pode deixar de se entender que a conversão só se verifica quando tenham sido observadas as formalidades legalmente exigidas para a constituição da compropriedade – a escritura pública (artigo 80º, n.º 1 do Código Notariado)[2]”.
Face aos princípios expostos, declarada a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio dos autos, resultaria, consequentemente, a declaração de que o logradouro do prédio ficaria sujeito ao regime de compropriedade.
Porém, nos termos do artigo 334º do Código Civil, há abuso de direito e é, portanto, ilegítimo o seu exercício, quando o titular, ao exercitá-lo, o faz em termos manifestamente ofensivos da boa fé, dos bons costumes, ou do fim económico ou social desse direito, não se exigindo que o titular do direito tenha consciência da sua conduta, basta que a ofensa se verifique.
A proibição do venire contra factum proprium está contida no segmento do artigo 334º do Código Civil que alude aos limites impostos pela boa fé. Consiste em alguém exercer um direito depois de criar a aparência à contra – parte de que não o faria, causando-lhe essa legítima convicção.
Assim, age manifestamente contra a boa fé aquele que invoca a nulidade de um título constitutivo de um direito, cuja existência e exercício material é do conhecimento e do reconhecimento do próprio, há longa data, fazendo-o de molde a obter um proveito violador da legítima confiança alheia.
Ora, a autora sabia que a sua fracção não dispunha de logradouro e aceitou, há mais de duas décadas, a aquisição de tal fracção, como os factos demonstram.
Na verdade, resultou provado que, se o logradouro constituísse parte comum do edifício, a ré jamais teria “vendido” a fracção correspondente ao rés-do-chão à autora e jamais teria celebrado, nessas condições, a aludida escritura pública de constituição do imóvel em “propriedade horizontal”.
A ré só o fez na condição de manter para si a titularidade do logradouro do prédio, tendo a autora concordado com tal circunstância.
Desse modo, a autora jamais questionou, durante cerca de 21 anos, a titularidade do logradouro do prédio.
A conduta da autora é, pois, claramente enquadrável no manifesto excesso dos limites da boa fé e por tal sempre passível de ser reconduzida à figura do abuso de direito, sendo, consequentemente, abusivo o pedido formulado – o reconhecimento da compropriedade sobre o logradouro.
7.
A reconvenção foi julgada procedente, porquanto o Tribunal a quo considerou que a ré realizou obras de conservação e fruição nas partes comuns, devendo a autora comparticipar no seu custo em função da permilagem da sua fracção.
Pretendendo a improcedência do pedido reconvencional, impugnou a autora a matéria de facto.
Porque esta se manteve, a pretensão da autora terá necessariamente que improceder, confirmando-se a procedência da reconvenção, com os fundamentos que da sentença constam.
Não se vê também razão para alterar o montante em que a autora foi condenada, pois que, tendo sido admitida a ampliação do pedido reconvencional, ficou demonstrado que o valor global das reparações nas partes comuns do edifício, de acordo com as exigências da Câmara Municipal de Oeiras é de € 37.452,82, incluindo IVA, tendo a ré já pago à entidade que as realiza, “SOPROENG – GABINETE de ESTUDOS e PROJECTOS”, a quantia de € 36.428,58, mais se demonstrando que, no inicio das obras, foi detectada a existência de fissuras e que as mesmas carecem de ser de imediato reparadas, já que agravam o comportamento estrutural da moradia, tendo sido efectuado um orçamento para reparação das mesmas, no valor de € 5.500, passando a ser, consequentemente, da responsabilidade da autora o pagamento da quantia de € 2.365, correspondente à permilagem de 43% do valor das obras a serem realizadas.
8.
A ré veio requerer a condenação da autora como litigante de má fé, alegando que a mesma jamais considerou que o logradouro fosse parte comum do prédio, formulando nos autos um pedido cuja falta de fundamento bem conhece.
Tendo presente a natureza e complexidade da acção, face ao número de articulados existentes nos autos, à complexidade dos meios de prova, ao lapso de tempo já decorrido, por via dessa complexidade e o dolo da autora, foi esta condenada como litigante de má fé, na multa de 4 UC e em indemnização que se fixou em € 12.250.
Inconformada com este segmento da sentença, a autora alegou que não falseou as características da sua casa quando alegou que a mesma não tinha saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública e que as fracções da autora e da ré não são distintas e isoladas entre si.
Não obstante a fracção da autora ser composta pelo rés – do – chão da moradia e a da ré ser composta pelos respectivos 1º andar e logradouro, razão pela qual aquelas fracções são unidades independentes, perfeitamente distintas e isoladas entre si e como tal vêm sendo utilizadas, há mais de 25 anos, o certo é que a fracção da autora não tem uma saída que dê directamente para a via pública, conseguindo esta demonstrar, por isso, a falta de um dos requisitos para que se verificasse a constituição da propriedade horizontal do prédio dos autos.
Não se pode, pois, concluir que a “autora alegou o contrário apenas para pôr em causa os requisitos previstos na lei quanto à constituição de fracções em propriedade horizontal (artigo 1415º CC), quando bem sabia, por ser do seu conhecimento directo e experiência profissional, não existir qualquer dos alegados obstáculos à utilização autónoma daquelas fracções, o que fez apenas e só com o propósito de retirar o logradouro à propriedade da ré, propriedade essa que a autora sempre havia reconhecido”.
Como se referiu, constituiu abuso de direito, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 334º Código Civil, a conduta da autora que exerceu um direito em contradição com uma conduta anterior, em que, fundadamente, a ré tinha confiado.
Tal circunstância não permite, porém, concluir que a autora tenha agido manifestamente contra a boa – fé, pois que, ao intentar a presente acção, não alterou a verdade dos factos e havia fundamento para a dedução da sua pretensão, assente na nulidade do título.
Procede, nesta parte, a apelação.
9.
Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, conclui-se pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, absolvendo-se, porém, a autora da condenação por litigância de má fé.
Custas pela recorrente e recorrida, na proporção do respectivo decaimento.
Lisboa, 25 de Setembro de 2008
Manuel F Granja da Fonseca
Fernando Pereira Rodrigues
Maria Manuela dos Santos Gomes
__________________________ [1] Ac. STJ, de 9/07/92: JSTJ00016431.ITIJ.Net. [2] Luís Carvalho Fernandes, A conversão dos Negócios Jurídicos Civis, 1993, pág. 612
Mota Pinto, Teoria Geral, 4ª edição, 2005, pág. 642
Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª edição, pág. 401.