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ESTADO ESTRANGEIRO
CITAÇÃO
Sumário
I – O art. 230º do CPC e o nº 1 do art. 22º da Convenção de Viena só são aplicáveis quando sejam demandados na acção agentes diplomáticos e não um Estado estrangeiro. II - Não havendo tratado em contrário nem reciprocidade mais favorável e não prevendo o CPC a citação de Estado estrangeiro através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, há que considerar aplicáveis as regras gerais sobre citação podendo, assim, o Estado réu ser citado por carta registada com A/R.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório
A… instaurou no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra ESTADO DO JAPÃO, pedindo que seja anulado o acordo revogatório celebrado com o mesmo, considerando-se ilícito o despedimento e que o R. seja condenado a pagar-lhe as quantias que descrimina a fls. 7 dos autos, a título de indemnização derivada desse despedimento ilícito, retribuições que deixou de auferir até trânsito em julgado da decisão judicial, bem como indemnização por danos morais, tudo acrescido de juros à taxa legal até integral pagamento.
Para tanto alega, em síntese e no que agora importa, que foi admitido ao serviço do R. em 01/04/1992, para desempenhar as funções de jardineiro conforme doc. nº 1 junto aos autos, passando a contrato sem termo em 01/07/1992, trabalhando das 08,00 às 18,00 horas com intervalo de uma hora para almoço e auferindo, desde 2005, a retribuição mensal base de € 927,00
Em 26/01/2007 foi posto numa sala com três membros da Embaixada que o informaram de que ia ser despedido e de que se não assinasse um acordo seria despedido na mesma, mas sem direito a nada, mandando-o para casa pensar durante o fim-de-semana e dizendo-lhe que voltasse na 2ª feira. No dia 29, 2ª feira de manhã, foi-lhe apresentado um documento (nº 7 justo aos autos) já redigido e assinado por parte do R., tendo o A. sido levado a um Cartório Notarial para aí o assinar também, o que acabou por acontecer, sem que nada lhe tenha sido explicado.
O R. emitiu a declaração para efeitos de subsídio de desemprego mas, nos Serviços de Segurança Social foi explicado ao A. que, com aquele “acordo”, não podia ser-lhe atribuído tal subsídio.
Designada data para realização da audiência de partes, foi ordenada a citação do R. nos termos do penúltimo parágrafo do despacho de fls. 31, para o que foi enviada carta registada com A/R conforme fls. 32.
Em 01/02/2008 deu entrada no Tribunal “a quo” o documento de fls. 36, com o seguinte teor:
“Apresento os meus melhores cumprimentos e desejo informar que esta Embaixada recebeu a Citação por carta registada com a referência 2336973, relativa ao Processo 306/08.0TELSB, datada de 23 de Janeiro de 2008.
No entanto, o envio da citação directamente para esta Embaixada, pelo Tribunal, não está de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 22 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, relativo ao principio da inviolabilidade dos locais de Missão Diplomática.
Por este motivo, a Embaixada do Japão devolve a mencionada Citação ao Tribunal por carta registada com aviso de recepção e transmite a este que a Citação deve ser enviada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal.
A Embaixada do Japão reitera ao Tribunal os protestos da sua elevada consideração”.
O A. pronunciou-se sobre aquele doc. nos termos de fls. 43 dizendo, em síntese, que a convenção de Viena não é aplicável a este caso, pois não foi demandado qualquer agente diplomático ou funcionário consular, razão pela qual também não é aqui aplicável o art. 230º do CPC, nem o R. vem invocar que haja qualquer tratado entre Portugal e o Japão sobre esta matéria ou qualquer regime mais favorável existente no Japão, que pudesse aplicar-se por força do princípio da reciprocidade. Deverão, assim, ser aplicadas as regras do CPC português sobre a citação. De qualquer modo, o invocado art. 22º da convenção de Viena não tinha aqui qualquer relevância, pois a citação do Estado Japonês por carta com A/R como foi feita, nunca violaria os locais de Missão Diplomática. Deve, pois, considerar-se o R. como regularmente citado, tanto mais que a intervenção do Ministérios dos Negócios Estrangeiros não tem qualquer base legal e traduzir-se-ia numa injustificada prolação de uma diligência processual já efectivamente realizada nos termos legais.
Foi, então, proferido o despacho de fls. 45 com o seguinte teor:
“Muito embora o requerimento em análise suscite questões de Direito, sendo certo que não se mostra subscrito por advogado, o certo é que, analisados os fundamentos invocados pela R. e bem assim a argumentação expendida pelo A. no seu requerimento de fls. 43-44, é de concluir que a citação do R. por correio registado com aviso de recepção não viola o princípio da invio!abilidade das missões dip!omáticas, consagrado no art. 22º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.
Na verdade, a diligência de citação por carta registada com aviso de recepção implica a simples entrega de uma carta (feita por carteiro, funcionário dos correios, que são explorados por uma sociedade anónima, e não pelo Estado Português) e a assinatura de um aviso de recepção, não implicando, por isso, de qualquer modo, uma restrição àmencionada inviolabilidade. Com efeito, se se entendesse o contrário, ter-se-ia também que considerar que qualquer carta registada com aviso de recepção que fosse enviada para a mencionada Embaixada buliria com tal inviolabilidade.
Assim sendo, e por todo o exposto, decide este Tribunal:
- Julgar improcedente a arguição de nulidade da citação deduzida pelo R., embora sem prejuízo dodeterminado no despacho de fls. 40, que deu sem efeito a primeira data designada para a realização da audiência de partes;
- Designar, para a realização da mesma audiência o próximo dia 25/03/2008, pelas 14h00m.
Notifique”.
No mesmo dia em que foi proferido tal despacho (21/02/2008), deu entrada em Tribunal o doc. manuscrito de fls. 46, com o seguinte teor:”Estado do Japão, ré nos autos à margem referenciados, tendo comparecido à neste tribunal no dia 21 de Fevereiro de 2008 para a audiência de partes e não tendo a mesma sido realizada, vem muito respeitosamente requerer a junção aos autos da Procuração Forense com poderes especiais para o efeito.
Junta procuração forense e credencial”
Em tempo, veio o R. interpor o presente recurso de agravo daquele despacho proferido a fls. 45, apresentando as seguintes conclusões:
(…)
Neste termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve ser dado provimento ao presente recurso anulando-se a citação feita por carta registada com aviso de recepção ordenada pelo tribunal a quo e devolvida pelo Recorrente e todos os actos processuais subsequentes, devendo o douto tribunal a quo citar a Recorrida pelos canais diplomáticos, mais concretamente por intermédio do Ministério dos Negócios Estrangeiros Português para o Estado do Japão se apresentar na audiência de partes com as finalidade previstas no artigo 55º do Código de Processo do Trabalho.
O A. contra-alegou nos termos de fls. 87 e segs., onde conclui defendendo que não se aplica ao caso, quer a Convenção de Viena, quer o art. 230º do CPC, pois não foi demandado qualquer agente diplomático ou funcionário consular, sendo de aplicar o regime do CPC relativo à citação tal como se fez nestes autos, pelo que deve ser confirmada a decisão recorrida.
O Mmº Juiz “a quo” sustentou a sua decisão nos termos de fls.110.
O Digno Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu o seu parecer nos termos de fls. 116 a 118.
* Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II – QUESTÕES A APRECIAR
O inconformismo do recorrente, integrante do objecto da apelação, a qual se encontra delimitada pelas conclusões da respectiva alegação de recurso [art. 684º, nº 3 e 690º nº 1 ambos do CPC, “ex vi” do art. 1º nº 2, al. a) do CPT], reconduz-se a uma única questão, a qual consiste em saber se a sua citação devia ter sido feita por intermédio do Ministério dos Negócios Estrangeiros Português para o Estado do Japão, em vez de o ser, como foi, efectuada por carta registada com A/R.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade relevante para apreciação desta questão é a constante do relatório supra, que aqui se dá por reproduzida.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O Estado do Japão, demandado nestes autos pelo A., interpôs o presente recurso de agravo, alegando que não foi regularmente citado, pois devia tê-lo sido através do Ministério dos Negócios Estrangeiros Português e não por carta registada com A/R como foi.
Para tanto, invoca o disposto no art. 230º do CPC e o preceituado no nº 1 do art. 22º da Convenção de Viena.
Nas suas contra-alegações vem o A. defender que não são aplicáveis ao caso concreto, qualquer daquelas citadas disposições.
E, podemos desde já adiantar que assiste razão ao autor/recorrido.
Senão vejamos:
Dispõe o art. 230º do CPC que “Com os agentes diplomáticos observar-se-á o que estiver estipulado nos tratados e, na falta de estipulação, o princípio da reciprocidade”.
Por sua vez o nº 1 do art. 22º da Convenção de Viena estabelece que “Os locais da missão são invioláveis. Os agentes da Estado acreditador não poderão neles penetrar sem o consentimento do Chefe de Missão”
No caso sub judice não foi demandado qualquer agente diplomático.
Quem foi demandado foi o Estado do Japão.
E um Estado é uma entidade completamente diferente de um agente diplomático.
Como expressamente se entendeu no Ac. do STJ de 04/02/1997 (Col.Jur./STJ, Ano V, Tomo I, pag, 87), “…cabe referir que, por ter sido demandada a República da Bolívia e não os seus agentes diplomáticos ou os seus funcionários consulares, não são aplicáveis neste caso, nem a Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, celebradas em Viena em 18/04/61 e aprovada pelo Dec-Lei 48295 de 27/3/68, dado esta tratar da imunidade de jurisdição dos agentes diplomáticos (cf. art. 31º) os quais, no caso, não foram demandados …, nem a Convenção de Viena sobre Relações Consulares, celebrada em Viena em 24/4/63 e aprovada pelo Dec-Lei 183/72 de 30/5, uma vez que esta trata da imunidade de jurisdição dos funcionários consulares (cf. art. 43º, ex vi do art. 58º), os quais não foram demandados, muito embora esteja em jogo a conduta ilícita de um Cônsul honorário”.
Até a nível de imunidade de jurisdição, se tem entidade que ela é distinta conforme seja demandado um Estado, ou um agente ou funcionário diplomático. Assim se entendeu no Ac. do STJ (www.dgsi.pt, processo 05S279), em cujo ponto I do sumário se escreveu: “A imunidade de jurisdição dos Estados é distinta das imunidades diplomáticas e consulares que a Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas (aprovada em 18-04-61) atribui aos agentes diplomáticos”.
E no Ac. do mesmo STJ de 13/11/2002 (www.dgsi.pt, processo 01S2172), entendeu-se mesmo que “Relativamente aos litígios laborais, designadamente acções fundadas em despedimento ilícito essa prática não tem reconhecido a imunidade do Estado estrangeiro quanto o trabalhador exerce funções subalternas e não funções de direcção na organização do serviço público do réu ou funções de autoridade de representação. Não beneficia de imunidade de jurisdição o Estado estrangeiro contra o qual foi intentada acção de impugnação de despedimento, por empregada doméstica, …, sendo essa relação laboral regulada pelo direito português em termos idênticos ao vulgar contrato de trabalho para prestação de serviços domésticos com qualquer particular”.
No caso “sub judice” está em causa, precisamente uma acção de impugnação de despedimento, sendo o A. um jardineiro exercendo, portanto, funções subalternas.
Não podem, pois confundir-se as situações em que é demandado um Estado, com aquelas em é demandado um agente diplomático, pois que, quer o artº 230º do CPC, quer a Convenção de Viena, citados pelo recorrente, só se aplicam aos casos em que são demandados agentes diplomáticos.
“In casu” o demandado é (repetimos) o Estado do Japão, pelo que não são aqui aplicáveis aquelas disposições citadas pelo recorrente.
Neste contexto não faz sentido vir o mesmo recorrente dizer que, com a citação por carta registada com A/R se violou o princípio da inviolabilidade das missões diplomáticas consagrado na Convenção de Viena sobre Relações diplomáticas já que, como vimos, esta Convenção não se aplica ao caso concreto destes autos.
Nem, de qualquer modo, se vê como é que uma citação por carta registada com A/R, efectuada por um empregado dos CTT, implicaria violação do nº 1 do art. 22º da Convenção de Viena, pois o que ali se diz é que os agentes da Estado acreditador (sublinhado nosso) não poderão penetrar nos locais da missão sem o consentimento do Chefe de Missão. Ora, um carteiro dos CTT não é um agente do Estado Português.
De outro modo, a embaixada nunca podia receber cartas registadas com A/R.
E também não tem base legal o entendimento do recorrente no sentido de que o Tribunal “a quo” devia ter efectuado diligências junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros Português, para que este informasse se existia tratado ou convenção com o Estado do Japão, ou qual a reciprocidade a adoptar e só com resposta negativa daquele Ministério é que o mesmo Tribunal poderia efectuar a citação por carta registada com A/R, assegurando assim a finalidade jurídica do art. 230º do CPC.
É que, por um lado, este artigo não manda que o tribunal exerça, muito menos de forma prévia e oficiosa como pretende o recorrente, aquelas diligências junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros; por outro lado, como supra já verificámos, não é aplicável neste caso concreto aquele art. 230º do CPC, pois não é demandado qualquer agente diplomático, mas sim um Estado.
Cabe referir que o recorrente não vem invocar a existência de qualquer tratado ou convenção aplicável, que regule a matéria da citação de Estados estrangeiros, nomeadamente o Estado do Japão, nem os mesmos existem realmente.
E quanto ao princípio da reciprocidade, o recorrente apenas juntou o documento de fls. 69 que tem o seguinte teor:
“DECLARAÇÃO
A Embaixada do Japão em Portugal, neste acto representado pelo Senhor Satoshi RARA, Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário do Japão em Portugal, com chancelaria na Avenida da Liberdade, 245-6° em Lisboa, vem pela presente confirmar como posição fundamental do Governo japonês sobre a citação judicial às Missões Diplomáticas que, caso o Estado do Japão pretenda efectuar a citação a uma Missão Diplomática de um Estado Estrangeiro (inclusive o Estado Português) no Japão, a citação à mesma, será sempre efectuada através do Ministério dos Negócios Estrangeiros desse Estado, delegada a competência para exercer a mesma ao Embaixador do Japão acreditado no mesmo”.
Ora, esta declaração só foi junta aos autos com o próprio requerimento de interposição do recurso e com as alegações e conclusões, só nessa altura tendo sido emitido como resulta da data nele aposta, pelo que o Tribunal “a quo” o não teve, nem podia ter tido em conta, sendo que este Tribunal da Relação, como Tribunal de 2ª instância que é, não pode conhecer de factos ou questões que não hajam sido apreciados e decididos na primeira instância.
De qualquer modo, aquela declaração é emitida pela própria embaixada onde o A. trabalhava e na qual, segundo este alega, foi despedido ilicitamente, não podendo dela retirar-se que o conteúdo de tal declaração seja a posição adoptada pelo poder judicial no Japão, ou que aquela declaração vincule o Estado do Japão.
Como se entendeu no Ac. desta Relação de Lisboa de 16/05/1985 (Col.Jur Ano X, T. 3, pag 147), “Não havendo tratado em contrário, nem havendo lugar à aplicação de regime mais favorável, por princípio, mesmo de reciprocidade, aplicam-se as regras gerais sobre citação, quando a acção é dirigida contra um País estrangeiro”.
No caso concreto tratado em tal acórdão, o Estado demandado tinha sido citado directamente na embaixada, exarando-se na certidão de citação que o Sr. Embaixador se encontrava fora do país e que o Sr. Encarregado de Negócios do Egipto (País demandado) informou que não podia receber a citação, pois ela teria de ser feita através do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Naquele caso o Sr. Juiz recorrido ordenou, depois, que se oficiasse ao Ministério dos Negócios Estrangeiros pedindo a citação do R., o que foi feito, mas esta Relação de Lisboa entendeu que (fls. 149 da citada Colectânea) “… não foi legal o despacho que deu por citado o Estado-R., através do Ministério dos Negócios Estrangeiros”. E entendeu assim, considerando que o CPC não prevê tal modalidade de citação.
Ora, aquela declaração que a embaixada do Egipto fez no caso tratado no acórdão desta Relação agora citado, é muito idêntica à que o Estado do Japão (R. neste processo) fez nos autos, ou seja, de que a citação deveria ser feita através do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Ora, não havendo também neste nosso caso concreto, tratado em contrário nem reciprocidade comprovada mais favorável e não prevendo o CPC a citação de Estado estrangeiro através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, há que considerar aplicáveis as regras gerais sobre citação podendo, assim, o Estado réu ser citado, como o foi, por carta registada com A/R.
E nem venha o R. dizer (como o faz na conclusão 14), que a decisão recorrida violou o seu direito de defesa.
É que foi o próprio R. que logo em 01/02/2008 veio informar (fls. 36) ter recebeu a citação relativa a este processo e, no dia inicialmente designado para a audiência de partes, fez-se representar no Tribunal “a quo” por mandatário credenciado e com procuração forense com poderes especiais para o efeito (fls. 46 a 48).
Não se vê, portanto, como e em que medida, o R. foi prejudicado nos seus direitos de defesa pelo facto de ter sido citado por carta registada com A/R.
Nem o recorrente diz em que termos foi prejudicado, sendo aquela afirmação meramente conclusiva.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo, confirmando-se o despacho recorrido na parte em que julgou improcedente a arguição de nulidade da citação do R..
Custas pelo recorrente.
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