DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO RÚSTICO
PRÉDIO CONFINANTE
COMPRA E VENDA
Sumário

1. Para que o facto impeditivo do direito de preferência, aludido na 2ª parte da alínea a) do art. 1381º do CC, opere os seus efeitos, é necessário que o adquirente alegue e prove, não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afectação ou um outro destino que não a cultura, mas também que essa projectada mudança de destino é permitida por lei.
2. Qualquer proprietário confinante não perde o direito de acção de preferência pelo facto de existirem outros proprietários com melhor preferência; o direito mantém-se sem necessidade de afastamento prévio dos demais preferentes através do processo do artigo 1465º do Código de Processo Civil, aos quais restará propor nova acção de preferência contra quem se tenha tornado proprietário.
(F.G.)

Texto Integral

P, L.ª, instaurou acção de processo comum, na forma sumária, contra S e M, pedindo que,- reconhecendo-se que tem direito de preferência na compra e venda do prédio rústico denominado Arieiro, freguesia de Bucelas, celebrada em 12 de Maio de 1998 entre o aqui primeiro réu e os restantes, e declarando-se que é dona do mesmo por substituição dos réus compradores,- os aqui demandados sejam condenados a reconhecer que a autora é proprietária do referido prédio.
Alega, em resumo, que lhe pertence um prédio também rústico, confrontante com o referido Espanha ou Arieiro pelo que, tendo este a área de 2.880 m2, por isso inferior à unidade de cultura estabelecida para a região, é titular do aludido direito de preferência, nos termos do artº 1380º do C. Civil, que os réus não respeitaram porquanto não lhe comunicaram o projecto do mencionado negócio.
Os réus contestaram, defendendo que o prédio que se vem referindo não é rústico, por não ser destinado à agricultura, antes estando edificada aí a casa de habitação do réu vendedor e de uma sua irmã.
Com tal base, concluem que inexiste a preferência invocada e opõem que, em qualquer caso, esse direito sempre teria caducado por esta acção ter sido instaurada para além de seis meses após a celebração do contrato em causa, cujos elementos relevantes foram do conhecimento da agora autora logo aquando do mesmo.
Na resposta a demandante contraria a matéria de excepção e conclui como no seu primeiro articulado.
Entretanto faleceu o réu Silvestre, estando habilitados os seus sucessores, incertos.
No saneador considerou-se a instância válida e regular.

Seleccionados os factos já assentes e os controversos considerados relevantes para a decisão da causa, procedeu-se a julgamento, constando de fls. 288 e ss. a decisão sobre os últimos, após o que foi proferida sentença julgando a acção procedente. Foi de tal decisão que os réus recorreram.
Nas suas alegações, formulam as seguintes conclusões:
I . Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a acção de processo sumário para efectivação de direito de preferência na venda efectuada aos ora recorrentes de um prédio rústico, com fundamento no facto de a autora ser proprietária de um prédio rústico confinante com o prédio vendido e, consequentemente, condenou os réus no pedido.
II . A recorrente pretende igualmente que sejam reapreciadas as respostas dadas à alínea E da especificação e ao artº 17º da base instrutória.
III . Entende a recorrente que andou mal o Tribunal a quo ao dar como assente que o prédio pertença da autora é um prédio rústico, quando da mera análise do documento de fls. 11 a 14 se conclui que a área do prédio pertença da apelada e descrito sob a ficha 2.448 da freguesia de Bucelas é área coberta e ao dar como provado o artº 17º da base instrutória até «Municipal» com base no documento junto a fls. 159, os quais foram consequentemente levados à sentença nas alíneas e) e o) da fundamentação, ou seja,
IV . Considera a apelante que uma correcta análise da documentação em causa teria que levar necessariamente a:
V . Não ter sido dado como provado que o prédio pertença da autora se3ja prédio rústico
VI . Não ter sido dado como provado que o terreno dos apelantes esteja integrado em reserva agrícola nacional e que as obras que os apelantes executaram no seu terreno contrariam o Plano Director Municipal.
VII . A apelada intentou a presente acção declarativa de preferência contra os apelantes, pedindo que seja reconhecido e declarado que o seu direito de preferência com respeito à compra e venda do seguinte prédio, Prédio registado na Conservatória do Registo Predial de Loures sob a ficha nº … prédio este que como resulta de certidão de fls. 8 a 10 é um prédio rústico denominado Arieiro com a área de 2880 m2, composto de horta, terra de semeadura e mato com oliveiras e com as seguintes confrontações: (…)
VIII . Alegando que no dia 12 de Maio de 1998, foi celebrada notarialmente uma escritura pública de compra e venda, mediante a qual o 1º réu vendeu aos demais o prédio rústico acima identificado, que o prédio rústico em causa tem a área de 2.880 m2
IX . E que é proprietária de um prédio rústico com a área de 30.280 m2 que confina com o prédio supra referido objecto de compra e venda
X . Prédio este que, como resulta de doc. de fls. 11 a 14 é o prédio descrito na mesma 2ª Conservatória sob a ficha nº, ou seja, é um prédio denominado Olival do Arieiro, com a área coberta de 30.280 m2 e alegadamente composta de cultura arvense, olival, mato, vinha e oliveiras e confrontando (…)
XI . Resulta, portanto, do documento de fls. 11 a 14 que o prédio pertença da apelada tem apenas área coberta, pelo que nos termos do disposto no artº 204º do C. Civil terá que ser considerado como edifício incorporado no solo e por isso como prédio urbano ( nº 2 in fine).
XII . Pelo que a alínea E) da especificação, levada à alínea e) da fundamentação- Factos, da sentença, é manifestamente contraditada pelo documento autêntico, a certidão de registo predial de fls 11 a 14, que serve de base à sua prova e consequente inclusão na especificação.
XIII .Mas, mesmo que se considerasse que a construção aí existente não tem autonomia económica face ao terreno que eventualmente fosse também existente no prédio, e que teria que ser qualquer área sobrante que não existe sequer, e que, assim, o prédio seria um prédio rústico, tal alegação, porque manifestamente contrária ao documento autêntico junto de fls. 11 a 14 nunca poderia ser especificada devendo necessariamente ser levada à base instrutória e faicar a aguardar que a apelada demonstrasse esse facto pois sendo a apelada que afirma que o prédio é rústico é sobre ela própria que recai o ónus da prova, nos termos do disposto no nº 1 do artº 342º do C. Civil.
XIV . Como é sabido, a classificação de um prédio como rústico ou urbano é uma questão de direito e para que o prédio tivesse sido classificado juridicamente como rústico devia a apelada ter alegado factos da vida real dos quais se extraísse, pelo menos, que o seu prédio era um terreno.
XV . Ora, a apelada limitou-se a alegar ser proprietária de um prédio rústico com a área de 30.280 m2, omitindo o facto de a sua propriedade ser composta apenas de área coberta como decorre do documento de fls. 11 a 14, pelo que não alegou quaisquer factos da vida real que demonstrassem tal realidade jurídica e donde, consequentemente se pudesse extrair que o prédio da apelada era um terreno juridicamente classificado como prédio rústico.
XVI. Assim, e salvo melhor opinião, não podia, nem pode, considerar-se provado nos autos que o prédio pertença da Apelada é um prédio rústico pois tal rusticidade, ao ser fundada num documento que contradiz manifestamente essa classificação e ao não ter sido levada à base instrutória não foi sequer objecto de prova pelo que nunca podia ser considerado provado nos autos.
XVII . Como também resulta dos autos foi a ora apelada, que, na sua resposta à contestação apresentada pelos ora apelantes veio alegar no seu artigo 19° que as obras que os apelantes executaram na sequência da compra « . . . são ilegais, estão feitas sobre terreno que constitui reserva agrícola, contrariam o Plano Director Municipal e jamais poderão ser licenciadas, estando inexoravelmente destinadas à demolição. . .
XVIII . Tendo, para prova de tal afirmação, juntado aos autos o doc. de fls. 159, documento este que consiste na certidão n° 186/03 passada pela Câmara Municipal de Loures em 26 de Maio de 2003 e na qual esta autarquia certifica que o prédio sito em Espanha, localidade da Bemposta, freguesia de Bucelas, está totalmente abrangida pelo regime da reserva agrícola municipal
XIX . Como é sabido o prédio pertença da apelante um prédio denominado …" Arieiro" com a área de 2.880,00 m2, composto de Horta, terra de semeadura e mato com oliveiras e com as seguintes confrontações: (…)
XX . Não se situando sequer em Espanha, localidade da Bemposta.
XXI . Com todo o devido respeito pela resposta dada ao artigo 17° pelo mmo. Juíz a quo, nunca se poderia dar como provada a factualidade em causa - ou seja, que (( . . . estas obras estão feitas sobre terreno que constitui reserva agrícola, contrariam o Plano municipal. . ..») com base apenas no doc. de fls. 159. como foi feito pelo mmo. Juiz a quo dado que:
XXII . Não existe nenhum elemento factual certificado pela Câmara Municipal de Loures donde se possa extrair a correspondência entre o prédio objecto dessa mesma certidão camarária e o prédio pertença dos apelantes: - o prédio referido na certidão a fls. 159, é sito em Espanha na localidade de Bemposta ao passo que o prédio pertença dos Apelantes é um prédio denominado … " Arieiro".
XXIII . Pelo que não se pode concluir do meio de prova que é a certidão de fls. 159 que o prédio dos apelantes esteja abrangido pelo regime da Reserva Agrícola Nacional assim dando como provado que o terreno se situa em área de reserva agrícola nacional
XXIV . E, diga-se ainda que do doc. de fls. 159. muito menos sé pode dar como provado que as obras executadas pelos apelantes no terreno de que são proprietários contrariam o Plano Director Municipal, pois tal afim1ação não consta sequer na certidão e em nenhum outro meio de prova se fundou a resposta a esta parte do artigo 17° da Base Instrutória.
XXV . Aliás, mesmo que o terreno dos apelantes se situasse ( ou eventualmente até se situe) em área de reserva agrícola nacional, também essa simples classificação nunca poderia significar que as obras executadas pelos apelantes fossem ou sejam ilegais, pois, como é sabido, e decorre do DL 196/89, de 14 de Junho, mesmo nos solos classificados na carta da RAN como sendo integrantes de reserva agrícola nacional, sob certas condições, se pode construir, pois nos termos do artº 9° do DL 196/89, embora carecendo de parecer prévio, os solos integrantes de RAN podem ser destinados a fins diferentes dos agrícolas
XXVI . Assim, não pode a apelante conformar-se com a resposta dada ao artº 17° da base instrutória, pois face aos meios de prova que, quem tinha o ónus de prova e que era a apelada foi esta que alegou tais factos, foram juntos aos autos, não se pode de maneira alguma retirar essa resposta
XXVII . Assim, por estes motivos a resposta ao artigo 17° apenas podia ter sido a de não provado e não a de provado como decidiu o mmo. Juiz a quo.
XXVIII. Pelos motivos aduzidos, se na fundamentação de facto da sentença, mais concretamente nas suas alíneas e) e o) tivessem sido, como deviam, dados como não provados os factos aí constantes
XXIX. Conjugado com a resposta dada aos artigos 12° e 16° da base instrutória, e levadas às alíneas m) e n) da fundamentação de facto da sentença
XXX . Não existe qualquer direito de preferência na esfera jurídica da autora, ora apelada, porque não é proprietária de um prédio rústico pois o prédio n° 2448/Bucelas não é um terreno mas sim um prédio composto apenas de. área coberta.
XXXI . E mesmo que existisse, nem sequer alegou ser o confinante com direito de preferência in casu, sabendo-se por ser facto notório que o prédio dos apelantes tem quatro extremas, e apenas numa delas confina com a apelada sendo que, pelo menos noutra duas tem proprietários de terrenos confinantes
XXXII . E porque os apelantes ao adquirir o prédio n° 2429/Bucelas, pretendiam destinar esse prédio, e efectivamente destinaram-no, a um fim que não a cultura,
XXXIII . No caso sub judice não se verifica a existência de um dos pressupostos do direito de preferência que a apelada se arroga (e que o n° 1 do artº 1.3800 CC exige), e, pelo contrário, fica demonstrada a excepção invocada pelos ora apelantes e que a lei expressamente salvaguarda na al. a) do artº 1381°CC.
XXXIV . Assim, nunca a sentença devia ter declarado a procedência do pedido mas sim a sua total improcedência por não ter sido provado que a propriedade da apelada seja um terreno nem que o fim a que os apelantes destinaram o prédio adquirido foi a cultura, pelo que deve
a) Ser dada como não escrita al, E) da Especificação e a resposta ao artigo 17° da base instrutória uma vez que a mesma ofende a prova documental produzida nos autos e, em consequência
b) Ser dada como não provado que o prédio dos apelados seja um prédio rústico dado a respectiva área ser totalmente coberta
c) Ser considerado como provado que prédio dos apelantes não se encontra integrado em Reserva Agrícola Nacional nem as obras nele efectuadas contrariam o Plano Director Municipal de Loures
d) Julgada não provada e improcedente a acção, absolvendo os apelantes do pedido.

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Vêm considerados provados os seguintes factos:
a) No dia 12 de Maio de 1998, o 1º R. Silvestre vendeu aos 2º a 5º RR., M, J, JJ e P, pelo preço de Esc. 750.000$00, livre de quaisquer ónus ou encargos, o prédio rústico denominado …“Arieiro”, sito no lugar do Arieiro, freguesia de Bucelas, concelho Loures. (al. A) fac. assentes)
b) Esse prédio rústico estava e está inscrito na matriz cadastral no artº. …, secção U, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº … da referida freguesia de Bucelas e inscrito a favor do vendedor sob o nº G – apresentação 5, de 10.10.95 (cfr. certidão de fls. 8 a 109). (al. B) fac. assentes)
c) Em 18 de Junho de 1998 a compra e venda referida em A) não havia sido ainda registada (cfr. certidão de fls. 8 a 10). (al. C) fac. assentes)
d) O prédio rústico objecto de compra e venda identificado em A) e B) tinha e tem a área de 2.880 metros quadrados. (al. D) fac. assentes)
e) A A., por seu turno, é proprietária do prédio rústico denominado Olival do Arieiro, Terra das Pedras e Arieiro, sito na freguesia de Bucelas, concelho de Loures, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº… da referida freguesia de Bucelas e inscrito a favor da A. (cfr. doc. de fls. 11 a 14). (al. E) fac. assentes)
f) – O prédio rústico da A. identificado em E) confina e confinava ao tempo da compra e venda mencionada em A) com o prédio que foi objecto da compra e venda. (al. F) fac. assentes)
g) Em Setembro de 1968, o 1º R. solicitou junto da Câmara Municipal de Loures, licença de construção de um “barracão para alfaias agrícolas”, licença que lhe foi concedida e edificada a respectiva construção. (cfr. doc. de fls. 62 a 68). (al. G) fac. assentes)
h) Nenhum dos RR. (vendedor ou qualquer dos compradores) comunicou ou deu à A. conhecimento do projecto de compra e venda que vieram a realizar antes de a terem celebrado, nem das cláusulas do respectivo contrato. (resp. art. 2º da BI)
i) Nem sequer deram conhecimento à A. da mesma compra e venda depois de a terem celebrado. (resp. art. 3º da BI)
j) A A. teve conhecimento da realização da compra e venda, através de uma cópia da escritura da mesma, em meados de Junho de 1998. (resp. art. 4º da BI)
k) Com o imposto da sisa, devido pela referida compra e venda, pagaram os RR. compradores a quantia de Esc. 60.000$00. (resp. art. 5º da BI)
l) Pela despesa notarial com escritura pública pagaram os RR. compradores a quantia de Esc. 15.640$00. (resp. art. 6º da BI)
m) Logo após a aquisição do prédio os 2º e 3º RR. iniciaram as obras de recuperação da construção existente no mesmo. (resp. art. 12º da BI conjugado com o julgado provado nas alíneas g) e h))
n) Foram os 2º a 5º RR. quem na sequência da compra e só depois dela que iniciaram obras de alteração do “barracão agrícola” transformando-o no que parece ser uma casa de habitação com vedações e portões. (resp. art. 16º da BI)
o) Estas obras estão feitas sob terreno que constitui reserva agrícola e contrariam o Plano Director Municipal. (resp. art. 17º da BI)
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Como resulta das conclusões da alegação dos recorrentes, estes, para além do mais, impugnam a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto.
Concretamente, põem em causa o decidido quanto ao nº 17º dos facto seleccionados para prova.
Estando nos autos os elementos em que fundam a referida impugnação, como estão todos os elementos de prova que serviram de base à decisão, nada obsta a que seja apreciada.
Esse ponto reporta-se à alegação da autora de que as obras feitas pelos réus compradores no barracão existente no aludido prédio o foram sobre terreno que constitui reserva agrícola e que contrariam o Plano Director Municipal, jamais podendo ser licenciadas.
Tal questão foi decidida na 1ª instância no sentido de considerar provado o alegado até «Municipal», quer dizer, teve-se por demonstrado que tais obras foram feitas em terreno integrado na Reserva Agrícola e que contrariam o PDM respectivo, fundando-se tal decisão no teor do documento de fls. 159.
Esse documento é uma certidão emitida pela Câmara Municipal de Loures de que consta que o «prédio sito em Espanha, localidade da Bemposta, freguesia de Bucelas, está totalmente abrangido pelo regime da Reserva Agrícola Nacional».
Contudo, embora tal certidão seja ainda integrada por um extracto da planta de condicionantes 2 do Plano Director Municipal do referido concelho, em que se assinalam as áreas abrangidas pela mencionada Reserva e se indica um prédio inteiramente situado na mesma, o certo é que esses elementos são insuficientes para convencer tratar-se do prédio em questão. É que não há qualquer pormenor que aluda a elementos relativos ao prédio objecto da referida compra e venda.
Com efeito, tão pouco foi junto o requerimento da aqui autora para que a aludida certidão fosse passada, ao qual a mesma se reporta, pelo que nem sequer se pode estabelecer qualquer relação entre aquele, na parte em que mencione o prédio cuja situação na área da REN a requerente pretendia ver certificada, e o documento junto.
Para além disso, no que toca a vir considerado provado que as obras feitas pelos réus contrariam o P.D.M., sempre seria resposta a ter por não escrita, nos termos do artº 646º nº 4 do C. P. Civil, por se tratar de uma conclusão extraída de factos não revelados e da aplicação aos mesmos de normas legais e regulamentares, designadamente as constantes do mencionado Plano.
Assim, a impugnação respeitante ao nº 17º da matéria seleccionada para prova, procede, pelo que se altera a resposta para não provado.
Os recorrentes põem igualmente em causa ter-se considerado assente o especificado em E).
Segundo a correspondente alegação da autora, tida por não questionada, é dona de um prédio rústico confrontante com o vendido, que tem a área de 30.280 m2, conforme as certidões da matriz predial e do registo predial que junta e estão de fls. 8 a 20.
Essa alegação de facto foi inteiramente aceite pelos réus, como expressamente fizeram constar da contestação de fls. 52 a 61, no nº 1 da mesma.
Em consequência, foi tido por assente, na referida alínea E), o constante do artº 5º da p.i. até «a favor da autora», inclusive, pelo que veio a ser considerado na fundamentação de facto da sentença que a autora é proprietária do prédio rústico denominado Olival do Arieiro, Terra das Pedras e Arieiro, sito na freguesia de Bucelas, concelho de Loures, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº… da referida freguesia de Bucelas e inscrito a favor da autora- cfr. doc. de fls. 11 a 14.
O descrito, ou seja, ter-se por assente que o prédio da autora que confina com o vendido é rústico, foi determinante para se concluir pela existência do direito de preferência invocado.
Não obstante o exposto, neste recurso os apelantes colocaram em causa factos de que resulta tratar-se de um prédio rústico, concretamente ser o mesmo constituído por um terreno de 30.280 m2 de área, fundando nisso a conclusão de que não pode considerar-se assente tal natureza do «Olival do Arieiro».
Baseiam essa nova questão em constar da certidão do registo predial junta com a p.i. que o aludido prédio da autora é constituído pela área de 30.280 m2, coberta.
Que isso, quer dizer, ser tal área «coberta», se deve a lapso na emissão da referida certidão, é óbvio e está agora evidenciado pelo documento junto com as contra-alegações de recurso.
Porém, já face à junta inicialmente com a p.i., essa conclusão se impunha.
Na verdade, não é crível que aí existisse área coberta de mais de 30 mil metros quadrados, cerca de três campos de futebol com as medidas regulamentares.
Para além disso, da mesma certidão consta tratar-se de um prédio rústico e ser composto de cultura arvense, olival, mato, vinha e oliveiras, o que seria incompatível com um prédio totalmente coberto.
Assim, a posição dos apelantes não é bem fundada.
Acresce que tão pouco esse elemento da certidão faria prova plena, pois a parte da descrição predial relativa à área não é facto atestado com base nas percepções do funcionário que a lavrou.
Consequentemente, nesse ponto, não tem a força probatória estabelecida pelo artº 371º nº 1 do C. Civil.
Deste modo, o recurso improcede, nessa parte.

Fixado o quadro de facto sobre que deve aplicar-se o direito, tem-se que o réu Silvestre vendeu aos segundos réus um prédio que, pese embora não se ter demonstrado que se situa na reserva agrícola ou que viola o PDM de Loures, é rústico.
Como consta do disposto no art. 204º nº 2 do C. Civil, entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, o que se verifica no caso, pois vem assente que é constituído por uma área de terreno de 2.880 m2., com um barracão para alfaias agrícolas.
É certo que se provou que os réus compradores, já depois de o terem adquirido, iniciaram obras de alteração desse «barracão agrícola», «transformando-o no que parece ser uma casa de habitação com vedações e portões».
Contudo, os agora recorrentes não demonstraram que tal obra é licenciada, como resulta da resposta ao nº 14º dos factos sujeitos a prova.
Ora, como se decidiu no ac. do S.T.J. de 4.10.2007, proferido no procº 07B2739, nº convencional JSTJ 000, « Para que o facto impeditivo do direito de preferência, aludido na 2ª parte da alínea a) do art. 1381º do CC, opere os seus efeitos, é necessário que o adquirente alegue e prove, não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afectação ou um outro destino que não a cultura, mas também que essa projectada mudança de destino é permitida por lei».
Deste modo, diferentemente do que sustentam os recorrentes, não se verifica a situação prevista no artº 1381º, a) do C. Civil.
Finalmente, vem invocado que o prédio vendido tem quatro extremas e que apenas numa delas confina com a apelada, sendo que esta não alegou ser o confinante com direito de preferência.
Também neste ponto os recorrentes não têm razão.
Com efeito, a demandante é titular do direito de preferência que aqui exercita, pois é dona de um terreno destinado à agricultura que confina com o vendido aos agora apelantes, com idêntica aptidão, o qual tem área inferior à unidade de cultura fixada para a região.
Embora algum ou alguns dos outros confrontantes possam também ter direito semelhante, só se o exercerem se colocará a questão de determinar qual desses direitos é que deve prevalecer.
Efectivamente, como se entendeu no ac. do S.T.J. de 15.3.94, proferido no procº nº 084564, nº convencional JSTJ00022299, «Qualquer proprietário confinante não perde o direito de acção de preferência pelo facto de existirem outros proprietários com melhor preferência; o direito mantém-se sem necessidade de afastamento prévio dos demais preferentes através do processo do artigo 1465º do Código de Processo Civil, aos quais restará propor nova acção de preferência contra quem se tenha tornado proprietário.»
Do exposto se conclui que o recurso não deve ter êxito.
Assim, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Lisboa, 21.10.2009
António Luís Caldas de Antas de Barros
Alexandrina Branquinho
Eurico Reis