INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário

I. A interrupção da instância carece de ser declarada, não, certamente, para o cumprimento de mera formalidade, que tanto faça ser observada no momento em que o prazo se completou ou em qualquer data ocorrida posteriormente, mas antes para chamar a atenção das partes para os decursos dos prazos e, implicitamente, as advertir para o dever de impulsionar o processo e para as consequências que lhe poderão advir da manutenção da sua inércia.
II. A entender-se que a interrupção da instância operava desde a data em que se completava o prazo não teria até utilidade o despacho a declará-la, nem a sua notificação às partes, mormente naquelas situações em que entretanto até já tivesse também decorrido o prazo para a deserção da instância.
III. E não se pode tirar argumento em sentido contrário do facto de o prazo para deserção da instância poder ser excessivamente alargado no caso de a instância ser declarada interrompida muito tempo depois de decorrido o prazo de um ano depois da remessa dos autos à conta, porque o tribunal tem obrigação de proferir despacho no devido tempo, não podendo a parte ser prejudicada se tal não se verificar.
IV. Se parece indiscutível que a parte deva ser penalizada por causa da sua inércia em promover o andamento do processo, injustificado seria que também o fosse por virtude da própria inércia do tribunal.
V. Do que se conclui que o prazo para a deserção da instância só poderá contar a partir da notificação às partes do despacho a declarar interrompida a instância.
(PR).

Texto Integral

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I. OBJECTO DO RECURSO.
No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, a ora Agravante, A, SA., nos autos de execução que move a B, por despacho de 22 de Junho de 1993, notificado à exequente em 24 de Junho de 1993, foi esta convidada a esclarecer nos autos qual a taxa que havia aplicado aos juros.
Os autos viriam a ser remetidos à conta por falta de impulso processual da exequente em 20 de Outubro de 1993 e da conta elaborada veio a exequente a ser notificada em 26 do mesmo mês.
Não tendo a exequente impulsionado o andamento do processo, em 12 de Outubro de 1994 foi aposto no processo o visto em correição e os autos arquivados.
Por requerimento, datado de 16 de Dezembro de 2007, a exequente requereu o prosseguimento da execução, em face do que foi proferido despacho a considerar que a instância ficou deserta pelo menos desde Outubro de 1999, devendo os autos voltar ao arquivo.
Inconformado com a decisão, veio a Exequente interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes
Conclusões:

Não houve contra-alegação.
Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento do agravo, cumpre decidir.
A questão a resolver é a de saber se houve, ou não, fundamento para a instância ser considerada deserta.
II.   FUNDAMENTOS DE FACTO.
Os factos a tomar em consideração para conhecimento do agravo são os que decorrem do relatório acima inscrito.
III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.
Dispõe o artigo 291° n.° 1 do C.P.C, que, "considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos."
Estabelece, por seu lado, o artigo 285° que,"a instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos, ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento".
Como se sabe, às partes cabe, por regra, o ónus da promoção ou do impulso processual (art. 264º do CPC) e para a não observância deste ónus, quando imputável a negligência daquelas, prevê a lei determinadas consequências de natureza sancionatória.
Assim, os processos parados por mais de cinco meses por facto imputável às partes são remetidos à conta para o pagamento das respectivas custas (art. 51º/2/b) do CCJ)[1] e, mantendo-se a inércia das partes na promoção do processo após a aplicação desta sanção, a instância fica sujeita a poder ser declarada interrompida (art. 285º do C.P.C.) uma vez decorrido um ano após a remessa dos autos à conta ou deserta (art. 291º do mesmo Código) quando permanecer interrompida por durante dois anos.
Por isso, após o cumprimento do citado art. 51º CCJ, não tendo sido impulsionados os autos por quem tenha o respectivo ónus, nada há a fazer senão aguardar pelo decurso do prazo da interrupção e da deserção.
Porém, enquanto que a deserção da instância opera independentemente de qualquer despacho a declará-la, como o diz o preceito citado, a interrupção carece, em nosso entender, de ser declarada. Com efeito, apesar de o artigo 285° do Código de Processo Civil o não dizer expressamente, deve ser proferido despacho judicial que se pronuncie sobre a verificação ou não de negligência das partes na falta de andamento do processo que conduza à interrupção da instância. Isto porque, como se defendeu no douto Acórdão do STJ de 12.01.1999, a interrupção da instância está dependente de um juízo de apreciação quanto à falta de diligência da parte a quem incumbe o impulso processual em promover os termos do processo, sendo de exigir a formulação de um juízo apreciativo daquela omissão da parte, implicando uma tomada de posição que a constate[2].
Ou, como se exarou no Ac. da Relação de Évora, de 17.11.1998, “… a interrupção da instância supõe um despacho judicial, na medida em que nela está suposto um juízo sobre a diligência das partes na prossecução do processo e sobre a duração da paragem, atentas ainda as consequências da mesma resultantes em sede da subsistência de direitos sujeitos a caducidade e prescrição (art. 332º, nº2 do C. Civil).
Por outras palavras, impõe-se uma aferição judicial sobre os motivos da paragem do processo e, designadamente, se esta é imputável, ou não, a negligência das partes para que a mera paragem objectiva da tramitação processual não imputável a qualquer das partes não se transforme automaticamente em interrupção da instância e os direitos que pelo processo se pretendem fazer valer não se extingam…”[3].
Uma vez que a interrupção da instância não opera automaticamente pelo decurso do prazo, mas tão-só através do despacho que a decrete, a instância só pode considerar-se deserta quando esteja interrompida durante dois anos depois da notificação do despacho que a considerou interrompida, prazo que terá de contar a partir daquela notificação.
Não se desconhece que alguma jurisprudência tem entendido que o despacho a declarar a interrupção da instância, tem natureza meramente declarativa, não constitutiva, pelo que a interrupção da instância se verificaria, não quando ocorre o despacho a declará-la, mas logo que termina o prazo previsto no respectivo normativo legal (art. 285º). Ou seja, a declaração de interrupção deve ser entendida como valendo desde que se perfez aquele tempo de paragem da marcha do processo[4].
Ora, com o devido respeito, não parece de seguir este entendimento, pois que se os prazos de interrupção da instância e de deserção da instância corressem automaticamente, um seguido do outro, independentemente de ser declarada, ou não, a interrupção da instância, poderia verificar-se a situação de ter de se constatar a deserção da instância sem que tivesse ainda sido proferido despacho a declará-la interrompida. Bastava para tanto que tivessem decorrido três anos sobre a data da remessa dos autos à conta, sem que as partes impulsionassem o processo e, por qualquer motivo, o juiz não tivesse declarado ainda a interrupção da instância, hipótese que não é tão académica como se poderia pensar.
Veja-se, a propósito, a situação a que alude o Ac. da RP de 2.05.2005, em que no despacho objecto daquele recurso, de uma assentada, se declarou interrompida e deserta a instância, sem que antes estivesse notificada a parte de que estava a correr o prazo para a deserção. Tendo este douto aresto, e bem, considerado violada a lei, por desrespeitada a defesa processual do exequente e por constituir “decisão surpresa”, que a lei não permite (art. 3º, n.º3, do CPC)[5].
Se a interrupção da instância carece de ser declarada não é certamente para o cumprimento de uma mera formalidade, que tanto faça ser observada no momento em que o prazo se completou ou em qualquer data ocorrida posteriormente, mas antes para chamar a atenção das partes para os decursos dos prazos e, implicitamente, as advertir para o dever de impulsionar o processo e para as consequências que lhe poderão advir da manutenção da sua inércia.
Acresce que entender-se que a interrupção da instância operava desde a data em que se completava o prazo não teria até utilidade o despacho a declará-la, nem a sua notificação às partes, mormente naquelas situações em que entretanto até já também tivesse decorrido o prazo para a deserção da instância.
E não se pode retirar argumento em sentido contrário do facto de o prazo para deserção da instância poder ser excessivamente alargado no caso de a instância ser declarada interrompida muito tempo depois de decorrido o prazo de um ano depois da remessa dos autos à conta, porque o tribunal tem obrigação de proferir despacho no devido tempo, não podendo a parte ser prejudicada se tal não se verificar. Se parece indiscutível que a parte deva ser penalizada por causa da sua inércia em promover o andamento do processo, injustificado seria que também o fosse por virtude da própria inércia do tribunal.
Do que se conclui que o prazo para a deserção da instância só poderá contar a partir da notificação às partes do despacho a declarar interrompida a instância.
No caso em discurso, como decorre da facticidade descrita, não foi proferido nos autos qualquer despacho a declarar a instância interrompida nem a declará-la deserta, pelo que não se pode considerar decorrido o prazo de deserção da instância, nem, consequentemente, intempestivo o requerimento a promover o andamento da acção.
Constata-se, de facto, um tempo excessivo da paragem do processo, mas que tem de ser imputado, e só, ao tribunal que devendo proferir despacho a declarar a interrupção da instância, notificando-o à exequente, não o fez.
Assim, o requerimento da exequente a requerer o prosseguimento da execução é de considerar apresentado em tempo.
Deste modo, não podia ser proferida decisão a considerar a instância deserta, devendo antes ter sido considerado tempestivo o requerimento do exequente a impulsionar o andamento do processo.
Procedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de revogar a decisão recorrida.
IV.  DECISÃO:
Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se provimento ao agravo e revoga-se a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra a ordenar a diligência requerida pela Agravante.
Sem Custas.
Lisboa, 6 de Novembro de 2008.
FERNANDO PEREIRA RODRIGUES
MARIA MANUELA GOMES
Olindo Santos Geraldes


DECLARAÇÃO DE VOTO
1. No recurso, discute-se essencialmente se a interrupção da instância está dependente de despacho judicial que a declare.
De harmonia com o princípio do dispositivo, compete às partes a iniciativa processual e, iniciada a instância, ficam ainda também com o ónus de impulso processual, nos casos especialmente previstos na lei (arts. 264.º, n.º 1, e 265.º, n.º 1, ambos do CPC).
Nas situações em que esse ónus não esteja atribuído às partes, cumpre ao juiz providenciar pelo andamento regular e célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção.
Com a mitigação do princípio do dispositivo à custa do alargamento do princípio do inquisitório, procurou-se também garantir aos interessados o acesso aos tribunais, em tempo razoável, nomeadamente a obter uma decisão judicial definitiva que aprecie a pretensão regularmente deduzida, bem como a possibilidade de a fazer executar.
Trata-se, na verdade, de um importante efeito da garantia consagrada no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Apesar disso, muitos dos actos a praticar no âmbito do processo estão dependentes do impulso das partes, competindo a estas actuarem com diligência.
A falta de diligência das partes na remoção dos obstáculos, que impedem o andamento do processo, pode acarretar consequências quanto à respectiva instância, podendo ser causa da sua interrupção ou deserção.
Assim, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos, a instância interrompe-se.
Com os efeitos que andam associados à interrupção da instância, designadamente quanto ao novo prazo prescricional e de caducidade (arts. 327.º, n.º 2, e 332.º, n.º 2, ambos do CC), pretende-se combater a inércia das partes na promoção do andamento útil do processo. Como salienta ALBERTO DOS REIS, “ as partes têm o dever de se mostrar activas, isto é, de promover, com solicitude, o andamento do processo” (Comentário, vol. 3.º, pág. 328).
Para que os efeitos mencionados se produzam não é necessária, no nosso entendimento, qualquer intervenção ou declaração judicial, o que significa que a interrupção da instância não está dependente de despacho que a declare.
O despacho judicial que, porventura, a declare não tem natureza constitutiva, mas meramente declarativa.
A interrupção da instância é, pois, automática, verificando-se logo que decorra o prazo de um ano e um dia desde o último acto de processo.
Ao contrário da posição que fez vencimento, tanto a interrupção da instância como os seus efeitos são automáticos, operando directamente da própria lei.
Aliás, seria pouco coerente com o sistema jurídico vigente exigir-se a prolação de despacho para a interrupção da instância e dispensá-lo para os casos de deserção da instância, sendo certo que esta, tendo como efeito a extinção da instância, nos termos da al. c) do art. 278.º do CPC, representa uma medida mais gravosa que a interrupção da instância.
Observe-se que, quanto à deserção da instância, nem sempre foi assim. Na verdade, o CPC/1939 estipulava que a mesma era declarada por despacho do juiz, quando a instância estivesse interrompida durante cinco anos (art. 296.º). Tal exigência, que tornava a decisão judicial como constitutiva, desapareceu com a reforma de 1961, por representar um “aberrante desvio do sistema geral do Código em matéria de prazos peremptórios” (E. LOPES CARDOSO, Código de Processo Civil, 4.ª ed., pág. 167).
Importa voltar a frisar que a interrupção da instância e, particularmente, a deserção da instância destinam-se a libertar os tribunais da obrigação do julgamento das causas que as partes deixaram de promover, independentemente do significado dessa vontade.
Por isso, estando em causa “a boa ordem dos serviços do tribunal”, como então justificou o ministro Manuel Rodrigues, é irrelevante a alegação da constituição de direitos subjectivos, para fundamentar a necessidade de despacho da interrupção da instância.
Não se pode falar em falta de certeza ou segurança jurídicas, porquanto, sabendo a parte que, a partir de certo momento, conhecido, o processo aguarda a sua iniciativa, para prosseguir a sua finalidade, e devendo ainda não ignorar os efeitos jurídicos decorrentes da sua inactividade por mais de um ano, a situação jurídica da parte é clara, designadamente para a própria, não estando dependente de qualquer acto arbitrário.
No sentido que se vem defendendo, embora sem aplicação directa nos autos, pode referir-se o disposto na al. c) do n.º 1 do art. 126.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, ao estatuir que “consideram-se findos para efeitos de arquivo, os processos em que se verifique a interrupção da instância”, quando noutras normas contempladas no mesmo artigo se menciona os termos “decisão” e “despacho”. A admitir-se o entendimento contrário, a redacção da norma especificada, que se mantém na Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto (art. 156.º), que a revoga a Lei n.º 3/99, a partir de 1 de Janeiro de 2009, seria naturalmente diferente, considerando que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º 3, do CC).
Sendo a situação processual do inteiro conhecimento da parte, não faz sentido chamar o juiz a intervir, para proferir um despacho, meramente burocrático, sendo certo que a actividade daquele deve ser destacada para a resolução das questões controvertidas e que, sem mais, esperam decisão.
Aliás, a tendência que se vem registando, a nível do processo, é de libertar cada vez mais o juiz de preocupações burocráticas, reservando-o especialmente para as decisões materiais dos litígios que lhe são submetidos.
Por outro lado, a lei não prevê, expressamente, a necessidade de despacho a declarar a interrupção da instância.
Concluindo, a interrupção da instância, nos termos do disposto no art. 285.º do CPC, ocorre automaticamente, verificados os pressupostos aí estabelecidos, independentemente do despacho do juiz a declará-la.
De qualquer modo, esse despacho tem apenas natureza declarativa e não constitutiva.
O entendimento adoptado esteve, pelo menos em parte, subjacente aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Maio de 1997 (Processo n.º 271/97) e de 12 de Janeiro de 1999 (Processo n.º 1 173/98).

2. Neste contexto, mantendo a posição já assumida noutras ocasiões, designadamente no Processo n.º 7 944/2001 – 6, negaria provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Lisboa, 6 de Novembro de 2008
(Olindo dos Santos Geraldes)________________________________
[1] Aprovado pelo DL 224-A/96, de 26/11, com as alterações introduzidas pelo DL 324/2003, de 27/12.
[2] in BMJ nº 483º-167.
[3] in CJ, Ano XXIII, Tomo V, pág. 265.
[4] Vd. Ac. da RP de 28.04.2005, acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.

[5] Acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.