FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
CRIME TENTADO
CRIME CONSUMADO
Sumário

1 - Numa estrutura organizativa assim delineada, para além de não se poder falar de terceiros, porque os indivíduos que procediam à contrafacção, se se tivesse conseguido apurar das respectivas identidades, também seriam co-autores, é normal a existência de um espaço temporal mais alargado, sem que isso possa significar que não existiu execução ou que houve quebra no início dessa execução
2 -A entrega de elementos, fotos e fotocópias de títulos identificativos que visavam a contrafacção de documentos autênticos, dentro de uma criminalidade já com um nível de sofisticação que indicia uma rede devidamente estruturada, integra a definição de actos de execução, porque a falsificação, não fora a sua apreensão pelos agentes da Polícia Judiciária, já se perspectivava como consequência directa, como de resto aconteceu com outros tantos documentos, pelos quais vieram a ser punidos como autores de crimes de falsificação na forma consumada.

Texto Integral

Acordam os juízes da 9ª secção do tribunal da Relação de Lisboa:

I. No processo n.º 1014.01.9JDLSB, da 1ª vara criminal de Lisboa os arguidos foram condenados pela prática de crimes de falsificação de documentos, sendo que, os arguidos (A), (B), (C), (D), (E), (F), (G), (H) e (I) foram absolvidos da Prática de crimes de falsificação na forma tentada, por acórdão datado de 2-06-2008.

Inconformado com esta decisão na parte respeitante ao crime de falsificação na forma tentada, o Ministério Público interpôs recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:          

  - Os arguidos foram acusados/pronunciados pela prática, em co-autoria, do crime de falsificação de documentos, na forma tentada, p.p. pelos Artºs  256º, nºs  1, alínea a), e 3, com referência aos Artºs 255º, alínea c), 22º, 23º e 26º, todos do Código Penal e Artº 363º, nº 2, do Código Civil;

- Foram absolvidos da prática do mesmo;

- O douto acórdão enferma de contradições insanáveis entre a fundamentação e a decisão nele contidas (artº 410º, nº 2, alínea b), do C.P.P.) e, em consequência, padece de erro notório na apreciação da prova (artº 410º, nº 2, alínea c), do C.P.P.);

- O tribunal “a quo” deu como provado a intenção e resolução criminosas no que respeita à entrega a um arguido, pelos restantes, dos documentos visando a realização dos documentos autênticos contrafeitos;

- Pelo contrário, a final, veio dizer que se considera como não integrada a prática de um crime de falsificação na sua forma tentada relativamente aos arguidos mesmo que relativamente a estes se possa inferir uma intenção e resolução criminosas no que respeita à entrega a um arguido, pelos restantes, dos documentos visando a realização dos documentos autênticos contrafeitos;

- Há tentativa quando o agente pratica actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que chegue a consumar-se (artº 22º, nº 1, C.P.);

- São actos de execução os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime, os que forem idóneos a produzir o resultado típico ou os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores (artº 22º, nº 2, do C.P.);   

- O critério legal para a distinção entre actos preparatórios e actos de execução é um critério objectivo; os actos de execução hão-de conter já, eles próprios, um momento de ilicitude, pois ainda que não produzam a lesão do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do crime consumado produzem já uma situação de perigo para esse bem;

- Para que a falsificação constitua crime é necessário que haja intenção de causar prejuízo ou beneficiar ilegitimamente (art. 256º do C.P.);

- Houve intenção e acordo entre os arguidos, houve entrega de documentos e quantias monetárias, pelo que, houve actos idóneos, inequívocos, capazes potencialmente de produzir o evento e, por conseguinte, houve tentativa;

- Os actos de entrega das fotos e das cópias de títulos identificativos por parte dos arguidos a outro arguido e a detenção por este último desses mesmos documentos são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime e que são idóneos a produzir o resultado típico;

- Não fora a intervenção da Polícia Judiciária na busca realizada à residência do arguido que detinha a documentação e a sua apreensão, prosseguir-se-ia na execução do crime com a entrega de tal documentação a quem realizava a contrafacção e posteriormente entregue aos supra indicados arguidos que a pretendiam e tinham encomendado;

Deve o douto acórdão proferido, nesta parte, ser revogado e substituído por outro (artº 430º do C.P.P.), dando-se provimento ao recurso, ora interposto,  e os arguidos condenados pela prática, como co-autores, do crime de falsificação de documentos, na forma tentada, p.p. pelos artºs  256º, nºs  1, alínea a) e 3, com referência aos artºs 255º, alínea c), 22º, 23º e 26º, todos do Código Penal e artº 363º, nº 2, do Código Civil.

Os arguidos nas suas repostas concluíram como se transcreve:

 O arguido (F).

- A prova oralmente produzida em audiência foi gravada e documentada em acta.

- O recorrente MP não deu cumprimento ao disposto no art.° 412°, n°s 3 al. a), b) e n.º, 4 do CPP.

- Deverá, atento ao disposto no art°. 417°, no n.º 3, do mesmo diploma ser convidado a vir apresentar novas conclusões donde constem tais elementos, sob pena de não conhecimento do recurso nesta parte.

- Em audiência não foram produzidas provas que permitisse com segurança

mínima a condenação do arguido (F) pelo crime de falsificação na forma tentada de que vinha acusado. Com efeito,

- O mencionado G que consta ter recebido do arguido cerca de 39 euros para carta de condução não foi inquirido em nenhum momento, sendo certo que nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência referiu o que quer que fosse quanto a este arguido.

Assim deve ao presente recurso ser negado provimento, mantendo a decisão recorrida no que ao arguido diz respeito.

Arguido (C)

- Como é sabido e como resulta expressis verbis do artigo 4100, n° 2 do CPP, os vícios neles referidos — entre ao quais se encontra a contradição insanável da fundamentação (cfr a alínea b) do mesmo preceito) —“ têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante inquérito ou instrução ou até no julgamento.

- Não se detecta no acórdão sob censura a existência de qualquer contradição entre os vários factos considerados provados ou entre a fundamentação probatória da matéria de facto e própria decisão da matéria de facto.

- Inexiste pois contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

- O erro notório é um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura da decisão. Erro tão crasso que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental. As provas revelam claramente uma coisa, um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível incluindo a matéria fáctica ou excluindo dela um facto essencial.

- Sendo um vício da decisão, ele terá que resultar do texto da mesma, apreciada na sua globalidade, no seu todo e terá que ser notório de modo que o cidadão medianamente diligente facilmente dele se dê conta.

- Na verdade o que o acórdão sob censura indica como estando provado em nada ofende o sentimento do homem médio, (recorde-se que este homem médio serve de referência para o efeito de aferir da existência do falado erro notório) sobre a realidade ou irrealidade dos factos.

- No caso do acórdão ora recorrido não se detecta nenhuma irrazoabilidade

patente aos olhos de qualquer observador comum.

- Por outras palavras, do texto do acórdão não resulta que se apreciou de forma descabida a prova, isto é que os factos dados como tendo acontecido não podiam ter acontecido.

- Improcede por isso o invocado erro notório na apreciação da prova.

-O Recorrente não põe em causa a matéria dada como provada, o Recorrente não impugna a prova produzida em audiência de julgamento ou a prova documental e pericial, ou seja o Recorrente não pretende invocar que o tribunal violou as regras de experiência comum na apreciação que fez das provas ou que o tribunal se baseou em juízos lógicos, arbitrários ou contraditórios .

- Resulta que a questão suscitada pela Recorrente, salvo o devido respeito, nada tem a ver com contradições insanáveis entre a fundamentação e a decisão nele contida (410º n°2 alínea b) do CPP), nem com erro notório da apreciação da prova. (artigo 410°, n°2 aliena c).

- O motivo do recurso do Recorrente resume-se à discordância que a recorrente manifesta em relação à absolvição do Arguido, pois no seu entendimento a matéria de facto assente nos autos integra a prática de um crime de falsificação de documentos na forma tentada, pp. pelos artigos 256° n°1, alínea a) e 3, com referência aos artigos 255° alínea c), 22°,23° e 26°, todos do Código Penal.

- O Recorrente considera que o acórdão censurado qualificou erroneamente a matéria factual apurada e provada, em lugar de subsumir os factos provados como actos executórios, considerou-os como actos preparatórios.

- O Recorrente nas suas motivações fundamentou especificamente os fundamentos do recurso, discordando do acórdão recorrido no plano de facto, afirmando que o acórdão enferma dos vícios de contradições insanáveis entre a fundamentação e a decisão nele contida e em consequência padece de erro notório na apreciação da prova, invocando o artigo 410º, n°2 alínea b) e artigo 410°,n°2 alínea b) — para nas conclusões vir apenas a divergir do enquadramento jurídico-penal da matéria dada como provada.

- A discordância do Recorrente em relação a decisão recorrida é assim apenas no plano de direito.

- Salvo melhor opinião, o recurso do Recorrente é que enferma de contradição entre as suas motivações e as suas conclusões.

- O acórdão ora censurado fundamenta extensamente o enquadramento jurídico-penal da matéria apurada como actos preparatórios.

- Não assiste razão ao Recorrente ao invocar que existe contradições insanáveis entre a fundamentação e a decisão nele contida.

- O Arguido (C) sufraga a posição assumida pelo tribunal e exaustivamente fundamentada no acórdão ora censurado.

- É manifesta a falta de razão subjacente à posição sustentada pelo do Recorrente, bem como ao enquadramento legal que o Recorrente pretende dar à matéria apurada.

- Até a consumação de um crime, o chamado iter criminís passa por várias fases, desde o pensamento e à decisão de o cometer, até ao estudo do momento, preparação dos meios, escolha e preparação do modo e do tempo, à prática de actos tendentes a realizá-lo.

- Sendo o direito penal um direito de facto, não vai ao ponto de se intrometer nas intenções ou pensamentos, sendo pacifico que o pensamento ou a mera decisão não releva para efeitos de punição — cogitatio non punitur.

- Do mesmo modo, em princípio, os actos preparatórios não são puníveis, e assim o estipula explicitamente no nosso sistema o artigo 21° do Código Penal

- Assim constituiu tarefa crucial na definição da tentativa no confronto do artigo n° 21 e do n° 22, a destrinça entre actos preparatórios e actos de execução, uma vez que só estes últimos relevam para efeitos da tentativa.

- A forma de distinção entre os actos de execução e os meros actos preparatórios varia entre as chamadas teorias subjectivas e as teorias objectivas mais ou menos puras.

- Para as teorias subjectivas, a resolução criminosa constitui o elemento essencial do conceito de tentativa, sendo o começo da execução definido em função da vontade, constituindo execução toda a conduta que demonstre de uma vontade séria e definitiva de cometer o crime.

Enquanto as teorias objectivas apontam como critério decisivo para definir actos de execução a sua inscrição num tipo legal de crime, ou a “realização do núcleo típico” ou ainda aqueles que de acordo com a causalidade adequada são idóneos a produzir o resultado do crime.

- O nosso Código Penal acolheu as teorias objectivas, no seu artigo 22°.28-- Para aplicar as duas últimas alíneas do artigo n° 22, n° 2, terá que se apelar à teoria da causalidade adequada, ou seja, se o acto em geral e em abstracto e tendo em conta o conhecimento do agente, faz esperar a consumação do ilícito.

- O acórdão ora censurado considerou e bem que os actos dados como provados não integram a prática de um crime de falsificação sobre a forma tentada — mesmo que o arguido tivesse intenção e resolução, no que respeita à entrega de documentos que visassem a realização de documentos autênticos contrafeitos.

- Pois não se verificou uma conexão temporal estreita e de uma actuação sobre a esfera da vitima ou do tipo (conexão de perigo e conexão típica).

- Pelo que se conclui em conformidade que os actos apurados pelo tribunal

a)15.a a)18., a a) 52.a a) 56., a)62 a)64, a a)70,a a)73, a)77, a a)80, a)83, a a)86, a a)87, a) 90, a) 91.a a)94 do ponto III da matéria de facto, só se podem enquadrar como meros actos preparatórios, como fez e bem o acórdão censurado.

- Não assiste assim razão ao Recorrente, o acórdão sob censura procedeu à correcta análise da prova e prolatou a decisão correcta.

Termos em que o presente acórdão deve ser julgado improcedente.

Arguido (D)

- Como é sabido e como resulta expressis verbis do artigo 410º, n° 2 do CPP, os vícios neles referidos — entre ao quais se encontra a contradição insanável da fundamentação (cfr a alínea b) do mesmo preceito) —“têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante inquérito ou instrução ou até no julgamento.

- Não se detecta no acórdão sob censura a existência de qualquer contradição entre os vários factos considerados provados ou entre a fundamentação probatória da matéria de facto e própria decisão da matéria de facto.

- Inexiste pois contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

-O erro notório é um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura da decisão. Erro tão crasso que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental. As provas revelam claramente uma coisa, um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível incluindo a matéria fáctica ou excluindo dela um facto essencial.

- Sendo um vício da decisão, ele terá que resultar do texto da mesma, apreciada na sua globalidade, no seu todo e terá que ser notório de modo que o cidadão medianamente diligente facilmente dele se dê conta.

- Na verdade o que o acórdão sob censura indica como estando provado em nada ofende o sentimento do homem médio, (recorde-se que este homem médio serve de referência para o efeito de aferir da existência do falado erro notório) sobre a realidade ou irrealidade dos factos.

- No caso do acórdão ora recorrido não se detecta nenhuma irrazoabilidade patente aos olhos de qualquer observador comum.

- Por outras palavras, do texto do acórdão não resulta que se apreciou de forma descabida a prova, isto é que os factos dados como tendo acontecido não podiam ter acontecido.

- lmprocede por isso o invocado erro notório na apreciação da prova.

-O Recorrente não põe em causa a matéria dada como provada, o Recorrente não impugna a prova produzida em audiência de julgamento ou a prova documental e pericial, ou seja o Recorrente não pretende invocar que o tribunal violou as regras de experiência comum na apreciação que fez das provas ou que o tribunal se baseou em juízos lógicos, arbitrários ou contraditórios

- Resulta que a questão suscitada pela Recorrente, salvo o devido respeito, nada tem a ver com contradições insanáveis entre a fundamentação e a decisão nele contida (4100 n°2 alínea b) do CPP), nem com erro notório da

apreciação da prova. (artigo 410°, n°2 aliena c).

- O motivo do recurso do Recorrente resume-se à discordância que o Recorrente manifesta em relação à absolvição do Arguido, pois no seu entendimento a matéria de facto assente nos autos integra a prática de um crime de falsificação de documentos na forma tentada, pp. pelos artigos 256° n°1, alínea a) e 3, com referência aos artigos n° 255° alínea c), 22°,23° e 26°, todos do Código Penal.

- O Recorrente considera que o acórdão censurado qualificou erroneamente a matéria factual apurada e provada, em lugar de subsumir os factos provados como actos executórios, considerou-os como actos preparatórios.

- O Recorrente nas suas motivações fundamentou especificamente os fundamentos do recurso, discordando do acórdão recorrido no plano de facto, afirmando que o acórdão enferma dos vícios de contradições insanáveis entre a fundamentação e a decisão nele contida e em consequência padece de erro notório na apreciação da prova, invocando o artigo 410, n°2 alínea b) e artigo 410°n°2 alínea b) — para nas conclusões vir apenas a divergir do enquadramento jurídico-penal da matéria dada como provada.

- A discordância do Recorrente em relação a decisão recorrida é assim apenas no plano de direito.

- Salvo melhor opinião, o recurso do Recorrente é que enferma de contradição entre as suas motivações e as suas conclusões.

- O acórdão ora censurado fundamenta extensamente o enquadramento jurídico-penal da matéria apurada como actos preparatórios.

- Não assiste razão ao Recorrente ao invocar que existe contradições insanáveis entre a fundamentação e a decisão nele contida.

- O Arguido (D) sufraga a posição assumida pelo tribunal e exaustivamente fundamentada no acórdão ora censurado.

- É manifesta a falta de razão subjacente à posição sustentada pelo do Recorrente, bem como ao enquadramento legal que o Recorrente pretende dar à matéria apurada.

- Até a consumação de um crime, o chamado iter criminis passa por várias fases, desde o pensamento e à decisão de o cometer, até ao estudo do momento, preparação dos meios, escolha e preparação do modo e do tempo, à prática de actos tendentes a realizá-lo.

- Sendo o direito penal um direito de facto, não vai ao ponto de se intrometer nas intenções ou pensamentos, sendo pacifico que o pensamento ou a mera decisão não releva para efeitos de punição — cogitatio non punitur.

- Do mesmo modo, em princípio, os actos preparatórios não são puníveis, o assim o estipula explicitamente no nosso sistema o artigo 21° do Código Penal

- Assim constituiu tarefa crucial na definição da tentativa no confronto do artigo n° 21 e do n° 22, a destrinça entre actos preparatórios e actos de execução, uma vez que só estes últimos relevam para efeitos da tentativa.

- A forma de distinção entre os actos de execução e os meros actos preparatórios varia entre as chamadas teorias subjectivas e as teorias objectivas mais ou menos puras.

- Para as teorias subjectivas, a resolução criminosa constitui o elemento essencial do conceito de tentativa, sendo o começo da execução definido em “o/função da vontade, constituindo execução toda a conduta que demonstre de uma vontade séria e definitiva de cometer o crime.

Enquanto as teorias objectivas apontam como critério decisivo para definir actos de execução a sua inscrição num tipo lega! de crime, ou a “realização do núcleo típico” ou ainda aqueles que de acordo com a causalidade adequada são idóneos a produzir o resultado do crime.

- O nosso Código Penal acolheu as teorias objectivas, no seu artigo 22°.28-- Para aplicar as duas últimas alíneas do artigo n° 22 n° 2 terá que se apelar à teoria da causalidade adequada, ou seja, se o acto em geral e em abstracto e tendo em conta o conhecimento do agente, faz esperar a consumação do ilícito.

- O acórdão ora censurado considerou e bem que os actos dados como provados não integram a prática de um crime de falsificação sobre a forma tentada — mesmo que o arguido tivesse intenção e resolução, no que respeita à entrega de documentos que visassem a realização de documentos autênticos contrafeitos.

- Pois não se verificou uma conexão temporal estreita e de uma actuação sobre a esfera da vitima ou do tipo (conexão de perigo e conexão típica).

- Pelo que se conclui em conformidade que os actos apurados pelo tribunal

a)15.a a)18., a a) 52.a a) 56., a)62 a)64, a a)70,a a)73, a)77, a a)80, a)83, a a)86, a a)87, a) 90, a) 91 .a a)94 do ponto III da matéria de facto, só se podem enquadrar como meros actos preparatórios, como fez e bem o acórdão censurado.

- Não assiste assim razão ao Recorrente, o acórdão sob censura procedeu à correcta análise da prova e prolatou a decisão correcta.

Termos em que o presente acórdão deve ser julgado improcedente.

Arguido (B)

- De acordo com o teor do douto Acordão do S.TJ dc 19 de Maio de 1993, publicado na C.J.1993, II, pág. 232, ‘Há contradição insanável de fundamentação quando se dá como provado e como não provado o mesmo facto.”

- Ora tal não sucede no presente caso.

Vejamos;

- Por contradição entende-se o facto de afirmar e negar ao mesmo tempo uma coisa ou a omissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas.

- Entende-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou qualidade.

- Para os fins do preceito ai. b) do n.º 2 do art.º 4l0º do CPP, constitui contradição apenas e tão  só_aquela que como  expressamente se postula se apresenta como insanável, irredutível que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida, por si ou com as regras de experiência comum.

- Quer-se com isto dizer que só existe contradição insanável da fundamentação quando de uma decisão oposta ou quando segundo o mesmo tipo de raciocínio se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados.

- Por outro lado, o erro notório na apreciação da prova, vício previsto na alínea e) do 2 do art.º 410º do C.P.P., existe quando se dão como provados factos que face às regras de experiência comum e lógica corrente, não se poderiam verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tinham sido arguidos de falsos (Ac. STJ, de 10 de Março de 1999).

- Assim, verifica-se erro notório quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, ou quando se dão como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido - Ou quando usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitraria e contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum ou ainda quando determinado facto provado é incompatível.

- Ou é irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.

- Ora, atendendo à motivação do acórdão e a apreciação da prova — art, 410º, n.º 2, al. c) do CPP com todo o respeito devido ao Recorrente, que é muito, não se alcança em que consistiu o erro notório na apreciação da prova que vem alegado no recurso.

- Tanto assim, que nomeadamente no pontos 9 a 17 da fundamentação do douto acórdão se deu como provado que o recorrido entregou duas fotografias e fotocópia do bilhete de identidade ao (A).

- Efectivamente o que está em causa não é o erro notório na apreciação da prova mas saber se estamos perante actos preparatórios ou actos executórios.

- Dispõe o art.º 256 do C.P.” Quem com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou outra pessoa benefício ilegítimo;

a) fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso;

b) fizer Constar falsamente do documento jurídico facto juridicamente relevante ou,

c) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores fabricado ou falsificado por outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos.

- Por Outro lado, dispõe o artº 21 .° do C.P.” Os actos preparatórios não são puníveis salvo disposição em contrário Tal como foi referido por Faria da Costa, iii jornadas de Direito Criminal., edição do Centro de Estudos Judiciários, pág. 159, “enuncia este artigo o princípio de que a preparação de urna infracção pena1 e os actos que se traduz não devem ser como tais, em regra puníveis. O que se compreende uma vez que os actos preparatórios não são, como se viu, descritos no tipo e que só se justifica a sua punição, quando estio em jogo bens jurídicos que sejam suportes à natureza ou à própria compreensão de um estado de direito e por outro na dimensão interna quando houver um plano de crime e intenção definida “

- O art. 22° do C.P. define a tipicidade do facto tentado, sendo à semelhança da comparticipação criminosa, regras de extensão da tipicidade.

- Sendo a tentativa forma de extensão da tipicidade do facto, a regra geral que a tentativa não é punível.

- Significa isto que o que é objecto da responsabilização jurídico-penal não são os pensamentos, não são os sentimentos não exteriorizados materialmente.

- Isto porque em primeiro lugar o direito penal é tendencialmente um direito penal de facto e não um direito penal do agente.

- 0 Direito penal responsabiliza os agentes precisamente porque praticaram factos ilícitos tipificados na lei.

- Situação inversa é referente aos actos de execução preenchem o tipo da tentativa e levam à responsabilização.

- Tendo em conta que o critério legal para a distinção entre actos preparatórios e actos de execução é o critério formal objectivo.

- Apenas se pode tipificar como acto executório os actos que correspondem definição legal de um tipo de crime.

- salvo melhor opinião a fotocópia do bilhete de identidade e fotografias não integram a definição legal do crime de falsificação.

Termos em que, sem necessidade de mais considerações, o recurso deve improceder.

O arguido (A)

- A prova oralmente produzida em audiência foi gravada e documentada em acta.

- O recorrente MP não deu cumprimento ao disposto no art° 4 12°, nos 3 al.a), b) e 4 do CPP.

- Deverá, atento ao disposto no art° 417°, no 3 do mesmo diploma ser convidado a vir apresentar novas conclusões donde constem tais elementos, sob pena de não conhecimento do recurso nesta parte.

- Em audiência não foram produzidas provas que permitisse com segurança mínima a condenação do arguido (A) pelo crime de falsificação na forma tentada de que vinha acusado. Com efeito,

- O mencionado (G) que consta ter recebido do arguido cerca de 39 euros para carta de condução não foi inquirido em nenhum momento, sendo certo que nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência referiu o que quer que fosse quanto a este arguido.

Assim deve ao presente recurso ser negado provimento, mantendo a decisão recorrida no que ao arguido (A) diz respeito.

O arguido (E)

- O arguido foi acusado/pronunciado pela prática em co-autoria do crime de falsificação de documentos, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 256°, nos i alínea a, e 3 com referência aos artigos 255°, alíneas c, 22°, 23° e 26° todos do C. Penal.

- E foi absolvido.

- Mas, e salvo o devido respeito, que é muito, não tem razão o Ministério Público.

- O Ministério Público recorre do douto acórdão pedindo a sua revogação ou substituição por outro, que condene o arguido nos termos em que vem acusado.

- No entanto, a recente reforma do C.P. de 15/9/2007 através da lei 59/2007 de 4 de Setembro veio criminalizar no seu art. 271° os actos preparatórios para a prática do crime de falsificação previsto e punido nos termos do artigo 256° do C.Penal.

- Ao criminalizar os actos preparatórios referidos no artigo anterior classifica, também, como actos preparatórios os factos que o arguido praticou como a entrega de fotografias de fotocópia de 61, que o M.P. considera como actos de execução para fundamentar o recurso, conforme art. 271°-1 do C.P.P. na actual redacção.

- E acontece, que à data da prática dos factos, tal como agora: “ os actos preparatórios não são puníveis, salvo disposição em contrário” art.21°doC.P.

- Assim, e atendendo à aplicação da lei no tempo, à reforma legal particularmente aos artigos 271°, 21° e 2° nos i e 4 do C.P., vem requerer o arguido:

Que não seja concedido provimento ao recurso interposto.

Neste Tribunal o Exmo. Procurador-geral Adjunto apôs visto.

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos.

Teve de seguida, lugar a conferência, cumprindo decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1.Conforme entendimento pacífico nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação que delimitam o objecto do recurso, sem prejuízo do conhecimento das questões que sejam do conhecimento oficioso e de que ainda não foi possível conhecer.

Por nos parecer relevante passamos a transcrever a decisão de facto e respectiva motivação do acórdão recorrido:

 Da pronúncia e das contestações, com as alterações resultantes do julgamento:

a)1. Desde data concretamente não apurada, o arguido (A) era intermediário de falsificadores de documentos autênticos.

a)2. O arguido (A) era angariador de clientes que comprassem documentos viciados, com vista à obtenção de lucros monetários.

a)3. Em Novembro de 2000 (X) foi detido no âmbito do processo NUIPC 98/00.1 GGLSB, que corre termos na 1.ª Vara de Competência Mista Cível e Criminal de Sintra.

a)4. O arguido (A) tentou contactar, por diversas vezes, com o identificado (X), através do telemóvel, não o tendo conseguido.

a)5. Os indivíduos interessados em obter a carta de condução falsificada dirigiam-se ao 1.º arguido (A), que lhes pedia uma determinada quantia, o que dependia da necessidade e da postura demonstradas pelo cliente, sendo a diferença entre o custo da falsficação e o preço alcançado na negociação que o mesmo 1.º arguido ganhava com o negócio.

a)6. No caso de os indivíduos estarem interessados o mesmo 1.º arguido (A) pedia para estes lhe entregarem uma fotocópia do bilhete de identidade ou de outro documento de identificação, bem como duas fotografias tipo passe.

a)7. Na posse dessas fotocópias e fotografias o mesmo 1.º arguido (A) contactava, em circunstâncias que não foi possível apurar, com o indivíduo ou indivíduos que iriam proceder à contrafacção dos documentos e procedia à encomenda dos documentos pretendidos, geralmente cartas de condução.

a)8. Efectuada uma busca à residência do 1.º arguido (A) no âmbito do NUIPC 98/00.1 GGLSB, que corre termos na 1.ª Vara de Competência Mista Cível e Criminal de Sintra, em 17 de Julho de 2001, foram-lhe apreendidas várias cartas de condução falsas, assim como apontamentos com a identificação de diversos indivíduos, referentes a novas encomendas, fotografias e fotocópias de vários tipos de documentos, tais como bilhetes de identidade.

a)9. (A) No mês de Janeiro de 2001 o 3.º arguido (B) veio a conhecer, por intermédio de sujeito que não foi possível apurar, o 1.º arguido (A), com vista a poder obter uma carta de condução sem ir à escola nem fazer exame de condução.

a)10. Com vista à obtenção dessa carta de condução o 1.º arguido (A) pediu ao 3.º arguido (B) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade e do número de contribuinte fiscal e ainda a quantia de € 1.246,99 (Esc.: 250.000$00), que o arguido (B) pagou por duas vezes, tendo entregue da primeira vez a quantia de € 498,80 (Esc.: 100.000$00), e da segunda vez € 748,20 (Esc.: 150.000$00), montantes esses entregues ao 1.º arguido (A).

a)11. Posteriormente foi entregue ao mesmo 3.º arguido (B) a carta de condução com o número L - ....9, com a qual o arguido veio a conduzir um número indeterminado de vezes e em locais que não foi possível apurar.

a)12. Em 6 de Março de 2001 o arguido (B) requereu junto da Direcção-Geral de Viação a alteração de morada da carta de condução.

a)13. Não existindo qualquer registo do condutor e tendo sido considerada falsa a carta de condução em epígrafe, a Direcção-Geral de Viação enviou a mesma para a Polícia Judiciária.

a)14. A carta de condução tinha o número L - ....9 e, tendo sido efectuada a competente perícia, a “carta de condução” veio a revelar-se ser falsa, patente nos seguintes detalhes: - contrafacção do impresso, obtida por offset litográfico; - contrafacção das impressões de selo branco, de manufactura artesanal e constituídas por um círculo vincado que encerra os dizeres “Direcção Geral de Viac”, na aposta no averbamento da categoria B, e “Direcção de Viação” na aposta sobre a fotografia, ambos contornando um desenho central com pequenas folhas em redor; - o documento não revela vestígios nítidos de violação da fotografia; e - a carta de condução apresenta vestígios de rasura por lift-off em caracteres isolados do seu preenchimento, que se admite resultarem apenas da correcção de erros dactilográficos.

a)15. (B) Uma vez que a carta de condução com o n.º L - ....9 foi apreendida ao 3.º arguido (B), o mesmo, entre 6 de Março de 2001 e 17 de Julho de 2001, voltou a procurar o 1.º arguido (A) para que este lhe obtivesse nova carta de condução nas mesmas de condições.

a)16. Com vista à obtenção da carta de condução o 1.º arguido (A) pediu ao arguido (B) duas fotografias e fotocópia do bilhete de identidade que este entregou e ainda uma quantia monetária cujo valor não foi possível apurar.

a)17. O 1.º arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos à pessoa que iria realizar a aludida contrafacção, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à sua residência tais documentos ser-lhe-iam apreendidos.

a)18. O 3.º arguido (B) não chegou a utilizar-se do referido documento pelas circunstância acima descritas.

a)19. O mesmo 3.º arguido é titular de carta de condução n.º L - ....4 desde 13/2/2003.

a)20. (C) Em data e em circunstâncias concretamente não apuradas, o 4.º arguido (L) contactou o 1.º arguido (A) com vista a obter uma carta de condução falsa.

a)21. Posteriormente foi entregue, pelo 1.º arguido, ao mesmo 4.º arguido (L) a carta de condução com o número L - ....7, com a qual o arguido veio a conduzir um número indeterminado de vezes e em locais que não foi possível apurar.

a)22. No dia 17 de Agosto de 2001, pelas 22.20 horas, o 4.º arguido (L) conduzia o veículo ligeiro, de marca Opel, modelo Kadett Sedan, matrícula IE-68-33, de cor verde, de sua propriedade, na Avenida das Forças Armadas, no Catujal, Unhos.

a)23. O mesmo arguido (L) não era titular de carta de condução ou de outro documento que o habilitasse a conduzir, porquanto a carta de condução de que era titular era falsa, facto que era do conhecimento do arguido.

a)24. O arguido conhecia as características da viatura e do local onde conduzia, sabendo também que não era titular de carta de condução.

a)25. Nesse local, no decorrer de uma acção de fiscalização de trânsito e apresentando esse arguido (L) a carta de condução referenciada foi a mesma apreendida por se suspeitar da sua veracidade.

a)26. A carta de condução tinha o número L - ....7 0 e, tendo sido efectuada a competente perícia, veio a revelar-se ser falsa, patente nos seguintes detalhes: - contrafacção do impresso; - contrafacção das impressões de selo branco obtida artesanalmente; - o documento não revela vestígios nítidos de viciação nem de violação da fotografia do titular; e - a carta de condução pode passar por verdadeira em caso de manuseamento descuidado ou por pessoa pouco conhecedora deste tipo de documento.

a)27. (D) O 5.º arguido (J) tentou, pelo menos uma vez, obter de forma válida a carta de condução, tendo reprovado no exame de código.

a)28. Em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o 5.º arguido (J) teve uma conversa com um indivíduo, cuja identidade não foi possível apurar, que lhe perguntou se ele queria obter carta de condução portuguesa de forma rápida e sem necessidade de recorrer a quaisquer exames teórico ou de condução, ao que o mesmo arguido (J) acedeu.

a)29. Com vista à obtenção da carta de condução indivíduo não identificado pediu ao mesmo 5.º arguido (J) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade e ainda uma quantia que não foi possível apurar.

a)30. O 1.º arguido (A), pela via anteriormente descrita, entregou os mencionados documentos à pessoa que realizaria a contrafacção em causa, que lhe entregou a “carta de condução” falsa com vista à entrega ao mesmo arguido (J).

a)31. O 1.º arguido (A) não chegaria a entregar a “carta de condução” falsa ao arguido (J), porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tal documento ser-lhe-ia apreendido.

a)32. O 5.º arguido (J) não chegou a utilizar-se do referido documento pelas circunstância acima descritas.

a)33. A carta de condução em causa tinha o número L - ....2 e, tendo sido efectuada a competente perícia, a “carta de condução” veio a revelar-se ser falsa, patente nos seguintes detalhes: - contrafacção do impresso; - contrafacção das impressões de selo branco obtidas artesanalmente; - o documento apresenta vestígios de apagamento por lift-off em diversos itens do seu preenchimento, que se admite resultar apenas da correcção de erros dactilográficos; - o documento não revela vestígios nítidos de violação da fotografia; - a carta de condução apresenta vestígios de rasura por lift-off em caracteres isolados do seu preenchimento, que se admite resultarem apenas da correcção de erros dactilográficos.

a)34. (E) Em 17/7/2001, na sequência da busca e apreensão referida em a)8., veio a ser encontrada na posse do 1.º arguido (A) a carta de condução com o número L - ....2, tal como documentada a fls. 428 dos autos.

a)35. Tendo sido efectuada a competente perícia, a “carta de condução” veio a revelar-se ser falsa, patente nos seguintes detalhes: - contrafacção do impresso; - contrafacção das impressões de selo branco obtidas artesanalmente; - o documento apresenta vestígios de apagamento por lift-off em diversos itens do seu preenchimento, que se admite resultar apenas da correcção de erros dactilográficos; - o documento não revela vestígios nítidos de violação da fotografia; - a carta de condução apresenta vestígios de rasura por lift-off em caracteres isolados do seu preenchimento, que se admite resultarem apenas da correcção de erros dactilográficos.

a)36. (F) Em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o 7.º arguido (N) contactou por forma não apurada o 1.º arguido (A) por forma a obter uma carta de condução portuguesa sem necessidade de recorrer a quaisquer exames teórico ou de condução.

a)37. Com vista à obtenção da carta de condução, o mesmo 7.º arguido (N) entregou ao 1.º arguido (A) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade e ainda uma quantia monetária cujo valor não foi possível apurar.

a)38. O 1.º arguido (A), pela via anteriormente descrita, entregou os mencionados documentos à pessoa que iria proceder à contrafacção, a qual lhe entregou, posteriormente, a “carta de condução” falsa com vista à entrega ao 7.º arguido (N).

a)39. O 1.º arguido (A) não chegaria a entregar a “carta de condução” falsa ao arguido (N), porquanto, na sequência de uma busca efectuada à sua residência tal documento ser-lhe-ia apreendido.

a)40. O mesmo 7.º arguido (N) não chegou a utilizar-se do referido documento pelas razões acima indicadas.

a)41. A carta de condução tinha o número L - ....2 e tendo sido efectuada a competente perícia, a “carta de condução” veio a revelar-se ser falsa, patente nos seguintes detalhes: - contrafacção do impresso; - contrafacção das impressões de selo branco obtidas artesanalmente; - o documento apresenta vestígios de apagamento por lift-off em diversos itens do seu preenchimento, que se admite resultar apenas da correcção de erros dactilográficos; - o documento não revela vestígios nítidos de violação da fotografia; e - a carta de condução apresenta vestígios de rasura por lift-off em caracteres isolados do seu preenchimento, que se admite resultarem apenas da correcção de erros dactilográficos.

a)42. (G) Em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o 8.º arguido (O) contactou por forma não apurada o 1.º arguido (A) por forma a obter uma carta de condução portuguesa sem necessidade de recorrer a quaisquer exames teórico ou de condução.

a)43. Com vista à obtenção da carta de condução, o 8.º arguido (O) entregou ao 1.º arguido (A) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade e ainda uma quantia monetária cujo valor não foi possível apurar.

a)44. O mesmo 1.º arguido (A), pela via anteriormente descrita, entregou os mencionados documentos à pessoa que iria proceder à mencionada contrafacção, a qual lhe entregou a “carta de condução” falsa com vista à entrega ao mesmo 8.º arguido (O).

a)45. O mesmo 1.º arguido (A) não chegaria a entregar a “carta de condução” falsa ao arguido (O), porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tal documento ser-lhe-ia apreendido.

a)46. O mesmo arguido (O) não chegou a utilizar-se do referido documento em face das circunstâncias aludidas.

a)47. A carta de condução tinha o número L - ....2 e tendo sido efectuada a competente perícia, a “carta de condução” veio a revelar-se ser falsa, patente nos seguintes detalhes: - contrafacção do impresso; - contrafacção das impressões de selo branco obtidas artesanalmente; - o documento apresenta vestígios de apagamento por lift-off em diversos itens do seu preenchimento, que se admite resultar apenas da correcção de erros dactilográficos; - o documento não revela vestígios nítidos de violação da fotografia; -  a carta de condução apresenta vestígios de rasura por lift-off em caracteres isolados do seu preenchimento, que se admite resultarem apenas da correcção de erros dactilográficos.

a)48. (H) Em 17/7/2001, na sequência da busca e apreensão referida em a)8., veio a ser encontrada na posse do 1.º arguido (A) a carta de condução documentada a fls. 428 dos autos, como o número L - ....2 e tendo sido efectuada a competente perícia, a “carta de condução” veio a revelar-se ser falsa, patente nos seguintes detalhes: - contrafacção do impresso; - contrafacção das impressões de selo branco obtidas artesanalmente; - o documento apresenta vestígios de apagamento por lift-off em diversos itens do seu preenchimento, que se admite resultar apenas da correcção de erros dactilográficos; - o documento não revela vestígios nítidos de violação da fotografia; - a carta de condução apresenta vestígios de rasura por lift-off em caracteres isolados do seu preenchimento, que se admite resultarem apenas da correcção de erros dactilográficos.

a)49. (I) O 10.º arguido (CV) possui carta de condução caboverdiana.

a)50. Em 17/7/2001, na sequência da busca e apreensão referida em a)8., veio a ser encontrada na posse do 1.º arguido (A) fotocópias de autorização de residência, do passaporte, do cartão de contribuinte e ainda fotografias, tal como documentados a fls. 100 a 102, referentes ao mesmo 10.º arguido (CV).

a)51. (J) O 11.º arguido (C) frequentou aulas teóricas de código, mas nunca chegou a ter carta de condução.

a)52. Em Junho de 2001, em conversa com um amigo o mesmo falou-lhe do 1.º arguido (A), e que através do mesmo podia obter carta de condução sem que fosse necessário inscrever-se em escolas e consequentemente efectuar qualquer tipo de exame teórico ou prático.

a)53. O mesmo 11.º arguido (C) contactou o identificado arguido (A), de forma concretamente não apurada.

a)54. Com vista à obtenção da carta de condução o mesmo 1.º arguido (A) pediu ao 11.º arguido (C) duas fotografias e fotocópia do bilhete de identidade que este entregou e ainda a quantia de € 498,80 (Esc.: 100.000$00), que entregou em duas parcelas de Esc. 50.000$00 cada uma.

a)55. O mesmo 1.º arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos à pessoa que se encarregaria da contrafacção, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do mesmo 1.º arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos.

a)56. O 11.º arguido (C) não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade.

a)57. (K) O 12.º arguido (CJ) é titular de carta de condução portuguesa com o n.º L- ...3, válida para a categoria B (ligeiros), tendo obtido essa carta mediante pedido de troca por uma outra que tirou na Guiné-Bissau com o número RGB 15825 GNB, em 27.09.1990.

a)58. A carta que o arguido (CJ) tirou na Guiné-Bissau era igualmente válida para as categorias B, C e F, e profissional.

a)59. Em 17/7/2001, na sequência da busca e apreensão referida em a)8., veio a ser encontrada na posse do 1.º arguido (A) a referida carta guineense e uma cópia de carta portuguesa acima identificada, nos moldes documentados a fls. 109-110 dos autos.

a)60. (L) Em 17/7/2001, na sequência da busca e apreensão referida em a)8., veio a ser encontrada na posse do 1.º arguido (A) uma fotocópia do bilhete de identidade do 13.º arguido (JT), tal como documentada a fls. 99, e as fotografias insertas a fls. 99 dos autos.

a)61. (M) O 14.º arguido (D) tentou obter a carta de condução, mas não conseguiu porquanto reprovou.

a)62. Em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o 14.º arguido (D) teve conhecimento da possibilidade de obter carta de condução através do 1.º arguido (A), sem que fosse necessário inscrever-se em escolas e consequentemente efectuar qualquer tipo de exame teórico ou prático.

a)63. Com vista à obtenção da carta de condução o mesmo arguido (A) pediu a este arguido (D) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade e ainda uma quantia em montante que não foi possível apurar.

a)64. O 1.º arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos ao “Paquete”, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do mesmo arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos.

a)65. (N) Em 17/7/2001, na sequência da busca e apreensão referida em a)8., vieram a ser encontradas na posse do 1.º arguido (A) duas fotografias (tal como documentadas a fls. 95) e a fotocópia da carta (inserta a fls. 94), respeitantes ao 15.º arguido (MS).

a)66. (O) Também assim, em 17/7/2001, na sequência da busca e apreensão referida em a)8., veio a ser encontrada na posse do 1.º arguido (A) as fotografias insertas a fls. 79 dos autos, além de fotocópia do passaporte, declaração de entidade patronal e declaração da Junta de Freguesia documentadas a fls. 105-108 dos autos, tudo respeitante ao 16.º arguido (U)

a)67. Este mesmo 16.º arguido é titular de carta de condução n.º L- ...8 desde 15.12.2005.

a)68. (P) O 17.º arguido (E) frequentou uma escola de condução com vista à obtenção de carta de condução, tendo reprovado duas vezes.

a)69. O 3.º arguido (B) foi apresentado a este 17.º arguido (E) por um colega de trabalho cuja identidade não foi possível apurar.

a)70. Em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o mesmo 17.º arguido (E), em conversa com aquele 3.º arguido (B) teve conhecimento da possibilidade de obtenção de carta de condução através do 1.º arguido (A), sem que fosse necessário inscrever-se em escolas e consequentemente efectuar qualquer tipo de exame teórico ou prático.

a)71. Para o efeito o arguido (B) levou o arguido (E) a um café em Alverca, local onde se encontraram com o arguido (A).

a)72. Com vista à obtenção da carta de condução o 1.º arguido (A) pediu ao arguido (E) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade, e ainda uma quantia cujo montante não foi possível apurar, que só entregaria mediante a entrega da carta de condução.

a)73. O mesmo 1.º arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos à pessoa que se encarregaria da contrafacção, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos.

a)74. Este arguido 17.º (E) é titular de carta de condução n.º L- ...7 desde 22.4.2002.

a)75. (Q) O 18.º arguido (F) encontra-se em Portugal desde 1982 a trabalhar na construção civil.

a)76. Em data concretamente não apurada esteve inscrito numa escola de condução para obtenção de carta de condução, mas desistiu.

a)77. Também em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o 18.º arguido (F), em conversa com um indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, teve conhecimento da possibilidade de obtenção de carta de condução de um modo mais facilitado.

a)78. Com vista à obtenção da carta de condução o tal indivíduo pediu ao 18.º arguido (F) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade, nos moldes documentados a fls. 87, e ainda a quantia de cerca de € 39,90/49,88 (Esc.: 8.000$00/10.000$00), quantia que o mesmo arguido (F) entregou.

a)79. De forma concretamente não apurada esse mesmo indivíduo entregou ao 1.º arguido (A) os mencionados documentos para que este procedesse à elaboração de uma carta contrafeita.

a)80. O 1.º arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos à pessoa encarregue de fazer a contrafacção da carta de condução, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos.

a)81. (R) Em 17/7/2001, na sequência da busca e apreensão referida em a)8., veio a ser encontrada na posse do 1.º arguido (A) as duas fotografias e fotocópia de bilhete de identidade documentados a fls. 85, respeitantes ao 19.º arguido (NR).

a)82. (S) Também assim, em 17/7/2001, na sequência da busca e apreensão referida em a)8., veio a ser encontrada na posse do 1.º arguido (A) as fotografias e a fotocópia do título residência da 20.ª arguida (MM), nos moldes documentados a fls. 109-110 dos autos.

a)83. (T) Em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o 21.º arguido (G) contactou, por forma não apurada, o 1.º arguido (A) por forma a obter uma carta de condução portuguesa sem necessidade de recorrer a quaisquer exames teórico ou de condução.

a)84. Com vista à obtenção da carta de condução, o mesmo 21.º arguido G entregou ao arguido (A) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade e ainda uma quantia monetária cujo valor não foi possível apurar.

a)85. O mesmo 1.º arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos à pessoa encarregue de realizar a contrafacção da carta, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos.

a)86. Este 21.º arguido G não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade.

a)87. (U) Em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o 22.º arguido (H) contactou por forma não apurada o 1.º arguido (A) por forma a obter uma carta de condução portuguesa sem necessidade de recorrer a quaisquer exames teórico ou de condução.

a)88. Com vista à obtenção da carta de condução, o arguido (H) entregou ao arguido (A) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade, tendo sido prometida o pagamento de uma quantia monetária cujo valor não foi possível apurar.

a)89. O 1.º arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos à pessoa que se encarregaria da contrafacção da carta porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos.

a)90. O mesmo 22.º arguido (H) não chegou a utilizar-se do referido documento pelas circunstâncias aludidas.

a)91. (V) Em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o 23.º arguido (I) contactou, por forma não deslindada o 1.º arguido (A) por forma a obter uma carta de condução portuguesa sem necessidade de recorrer a quaisquer exames teórico ou de condução.

a)92. Com vista à obtenção da carta de condução, o mesmo 23.º arguido (I) entregou ao 1.º arguido (A) fotocópia do bilhete de identidade documentada a fls. 104 e fotos documentadas a fls. 114 e ainda uma quantia monetária cujo valor não foi possível apurar.

a)93. O 1.º arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos à pessoa encarregue de proceder à contrafacção, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos.

a)94. Este 23.º arguido (I) não chegou a utilizar-se do referido documento pelas razões indicadas.

a)95. (W) Em 17/7/2001, na sequência da busca e apreensão referida em a)8., veio a ser encontrada na posse do 1.º arguido (A) duas cópias de bilhete de identidade e quatro fotografias relativas ao 24.º arguido (JCB), tal como documentadas a fls. 81 e 89 dos autos.

a)96. Este 24.º arguido (JCB) é titular de carta de condução n.ºL - ...09 desde 23.3.2004.

a)97. (X) Em 17/7/2001, na sequência da busca e apreensão referida em a)8., veio a ser encontrada na posse do 1.º arguido (A) uma fotocópia de título de residência respeitante ao 25.º arguido (JLC), tal como documentados a fls. 92-93.

a)98. (Y) Em 17/7/2001, na sequência da busca e apreensão referida em a)8., vieram a ser encontrados na posse do 1.º arguido (A) duas fotografias e fotocópias do bilhete de identidade e do cartão de contribuinte fiscal respeitantes à 26.ª arguida (Z), nos moldes documentados a fls. 90-91 dos autos.

a)99. (Z) Em 17/7/2001, na sequência da busca e apreensão referida em a)8., veio a ser encontrada na posse do 1.º arguido (A) uma fotocópia do bilhete de identidade respeitante ao 27.º arguido (H), nos moldes documentados a fls. 103.

a)100. O 1.º arguido (A) estava ciente de que, ao obter a falsificação dos documentos autênticos da natureza supra descrita de a)8. a a)15., de a)20. a a)26., e de a)28. a a)48., e ao vendê-los punha em causa o interesse do Estado na credibilidade dos sinais por eles emitidos para identificação dos seus titulares.

a)101. Ao actuar da forma descrita, o mesmo 1.º arguido (A), que angariava compradores para tais documentos e que os vendia a estes últimos pelas quantias descritas, agia com o propósito de obter, para si e para terceiros, os lucros correspondentes.

a)102. O mesmo arguido (A) forneceu ou pretendeu fornecer aos arguidos acima identificados em a)9. e a)15. (3.º (B)), a)20. (4.º (L)), a)27. (5.º (J)), a)36. (7.º (N)), a)42. (8.º (O)), a)51. (11.º (C)), a)61. (14.º (D)), a)68. (17.º (E)), a)83. (21.º (G)), a)87. (22.º (H)), e a)91. (23.º (I)), documentos falsos para que estes, quando fiscalizados pelas autoridades competentes, pudessem apresentar perante estas tais documentos, criando desse modo a falsa aparência de que os elementos neles constantes correspondiam à verdade, o que bem sabia não acontecer.

a)103. Este era igualmente o objectivo desses arguidos ora identificados em a)102. os quais, num determinado momento, pagaram as mencionadas quantias para poderem ser possuidores de uma carta de condução.

a)104. Sendo que esses mesmos arguidos tinham também conhecimento de que tais documentos se encontravam ou encontrariam viciados e que não correspondiam à verdade, pois não haviam sido emitidos pela Direcção-Geral de Viação, a entidade que sabiam ser competente.

a)105. Os 3.º e 4.º arguidos,  (B) e (L), utilizaram tais documentos como seus, perante autoridades e terceiros.

a)106. Sabiam os arguidos referidos em a)102., para além do 1.º arguido (A), que a respectiva actuação de cada um deles punha em causa a fé pública, a veracidade e a confiança de que gozam tais documentos.

a)107. O 4.º arguido (L) conhecia as características da viatura e do local onde conduzia, sabendo também que não era titular de carta de condução.

a)108. Os mesmos arguidos arguidos identificados em a)106. agiram voluntária, livre e conscientemente, não ignorando o carácter censurável da sua conduta.

                                                           ****

                                                                       ***

IV. Não se provaram quaisquer outros factos, em julgamento e que tivessem interesse para a decisão da causa (que pudessem constituir objecto de prova nos moldes do Art.º 124.º do CPPenal), designadamente:

. que até Novembro de 2000 o arguido (A) terá encomendado a (X) um número indeterminado de cartas de condução, factos esses que estiveram na base da acusação contra o ora arguido pela prática de um crime de falsificação, no NUIPC 98/00.1 GGLSB, que corre termos na 1.ª Vara de Competência Mista Cível e Criminal de Sintra;

. que na data referida em a)3. do ponto III. o arguido (A) terá suspendido a sua actividade;

. que foi a partir dessa data que o arguido (A) tentou por diversas vezes contactar o identificado (X) nos moldes do descrito em a)4. do ponto III.;

. que o mesmo arguido (A) veio a saber, alguns meses depois, por um amigo do (X), que conhecia pelo nome de “Paquete”, que o mesmo se encontrava detido no estabelecimento prisional de Caxias, local onde o foi visitar;

. que depois de se ter encontrado com o “Paquete”, este último prontificou-se a passar a ser ele o fornecedor das cartas de condução falsas ao arguido (A);

. que o referido “Paquete” cobrava ao arguido (A) cerca de € 498,80 [quatrocentos e noventa e oito euros e oitenta cêntimos (Esc.: 100.000$00)] por cada carta de condução;

. que o mesmo arguido (A) pedia aos indivíduos indicados em a)5. do ponto III. uma quantia entre os € 798,08 (Esc.: 160.000$00) e os € 897,84 (Esc.: 180.000$00), tendo havido casos em que chegou a cobrar € 1.496,39 (Esc.: 300.000$00);

. que na situação indicada em a)7. o arguido (A) telefonava para o “Paquete” através do telemóvel, marcando um encontro para lhos entregar na zona do Forte da Casa ou perto da sua residência;

. que passados quinze dias ou mais o “Paquete” telefonava ao arguido (A) para lhe entregar as “cartas de condução” já prontas, altura em que o arguido (A) lhe entregava o montante acordado de € 498,80 cada uma;

. que o arguido (B), nos moldes descritos em a)9., veio a conhecer o arguido (FM) e, por intermédio deste, o arguido (A);

. que o mesmo arguido (FM) tenha dito ao arguido (B) que sabia onde o mesmo poderia obter uma carta de condução sem ir à escola nem fazer exame de condução;

. que no mês de Janeiro de 2001 o arguido (FM) apresentou o (B) ao (A), para que este último lhe obtivesse uma carta de condução falsa;

. que o arguido (FM) referia-se ao (A) como Didi;

. que as quantias indicadas em a)10. do ponto III. tenham sido entregues ao arguido (A) pelo intermédio do arguido (FM);

 . que o arguido (L) tentou, por diversas vezes, obter de forma válida a carta de condução, nunca tendo sido bem sucedido;

. que o contacto estabelecido em a)20. do ponto III. veio a acontecer entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001;

. que com vista à obtenção da carta de condução referida em a)21. o arguido (A) tenha pedido ao arguido (L) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade e ainda a quantia de € 1.296,87 (Esc.: 260.000$00), que o arguido (L) pagou;

. que a quantia referida em a)29. assumiu o montante de € 1.246,99 (Esc.: 250.000$00), que o arguido (J) não chegou a pagar;

. que o indivíduo não identificado referido em a)28. facultou ao arguido (J) o número de telemóvel do arguido (A), para futuros contactos;

. que o arguido (A), pela via anteriormente descrita, tenha entregue os mencionados documentos ao “Paquete”, que lhe entregou a “carta de condução” falsa com vista à entrega ao arguido (J);

. que em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o arguido (M) contactou por forma não apurada o arguido (A) por forma a obter uma carta de condução portuguesa sem necessidade de recorrer a quaisquer exames teórico ou de condução;

. que com vista à obtenção da carta de condução, o arguido (M) entregou ao arguido (A) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade e ainda uma quantia monetária cujo valor não foi possível apurar;

. que o arguido (A), pela via anteriormente descrita, entregou os mencionados documentos ao “Paquete”, que lhe entregou a “carta de condução” falsa com vista à entrega ao arguido (M);

. que o arguido (A) não chegaria a entregar a “carta de condução” falsa ao arguido (M), porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tal documento ser-lhe-ia apreendido;

. que o arguido (M) não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade;

. que o arguido (A), pela via descrita de a)36. a a)37. do ponto III., entregou os mencionados documentos ao “Paquete”, que lhe entregou a “carta de condução” falsa com vista à entrega ao arguido (N);

. que o arguido (A), pela via descrita em a)44. do ponto III., entregou os mencionados documentos ao “Paquete”, que lhe entregou a “carta de condução” falsa com vista à entrega ao arguido (O);

. que em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, a arguida (EG) contactou por forma não apurada o arguido (A) por forma a obter uma carta de condução portuguesa sem necessidade de recorrer a quaisquer exames teórico ou de condução;

. que com vista à obtenção da carta de condução, a arguida (EG) entregou ao arguido (A) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade e ainda uma quantia monetária cujo valor não foi possível apurar;

. que o arguido (A), pela via anteriormente descrita, entregou os mencionados documentos ao “Paquete”, que lhe entregou a “carta de condução” falsa com vista à entrega à arguida (EG);

. que o arguido (A) não chegaria a entregar a “carta de condução” falsa à arguida (EG), porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tal documento ser-lhe-ia apreendido;

. que a arguida (EG) não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade;

. que o arguido (CV), sabendo que não podia conduzir veículos com a carta de condução caboverdiana em território nacional, teve conhecimento, através do arguido (B), de que podia obter carta de condução através do arguido (A), sem que fosse necessário inscrever-se em escolas e consequentemente efectuar qualquer tipo de exame teórico ou prático;

. que o arguido (B) marcou um encontro entre o arguido (CV) e o arguido (A) numas bombas de gasolina em Alverca, local onde se vieram a encontrar;

. que com vista à obtenção da carta de condução, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o arguido (A) pediu ao arguido (CV) duas fotografias e fotocópia do passaporte e da autorização de residência que este entregou e ainda a quantia de € 1.496,39 (Esc.: 300.000$00);

. que o arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos ao “Paquete”, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos;

. que o arguido (CV) não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade;

. que o amigo do arguido (C), tal como identificado em a)52. se chamava Inácio;

.  que o arguido (CJ) pretendia obter a validade na categoria de pesados, o que lhe tinha sido negado na troca acima referenciada junto da Direcção-Geral de Viação, sem que o mesmo efectuasse instrução;

. que no mês de Junho de 2001, em conversa com um indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, o mesmo falou-lhe do arguido (A), e que através do mesmo podia obter a possibilidade de averbar a categoria de pesados na sua carta de condução sem que fosse necessário inscrever-se em escolas e consequentemente efectuar qualquer tipo de exame teórico ou prático;

. que o arguido (CJ) entregou ao indivíduo a sua carta de condução emitida pelos serviços competentes da Guiné-Bissau, bem como fotocópia da sua carta de condução;

. que, após isso, o indivíduo entregou ao arguido (CJ) o número de telefone do arguido (A);

. que com vista à obtenção do averbamento na carta de condução o arguido (CJ) telefonou diversas vezes para o número de telefone do arguido (A);

. que o arguido (CJ) não chegaria a entrar em contacto com o arguido (A) para entregar os restantes documentos porquanto o mesmo veio a ser detido e os documentos já entregues vieram a ser apreendidos;

. que o arguido (CJ) não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade;

. que o arguido (JT) vive em Portugal há cerca de 18 anos e que frequentou aulas teóricas de código, numa escola de condução em Telheiras;

. que o arguido (JT) teve conhecimento da possibilidade de obter carta de condução através do arguido (A), sem que fosse necessário inscrever-se em escolas e consequentemente efectuar qualquer tipo de exame teórico ou prático;

. que com vista à obtenção da carta de condução, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o arguido (A) pediu ao arguido (JT) duas fotografias, fotocópia da autorização de residência e ainda a quantia de € 498,80 (Esc.: 100.000$00), que este entregou;

. que o arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos ao “Paquete”, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos;

. que o arguido (JT) não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade;

. que o arguido (D) conhecia o arguido (A) pela alcunha de Didi;

. que a quantia pedida pelo arguido (A) ao arguido (D), tal como descrito em a)63. do ponto III. era de € 748,20 (Esc.: 150.000$00), tendo entregue € 249,40 a título de sinal;

. que o arguido (D) não chegou a utilizar-se do documento aludido em a)62. do ponto III. por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade;

. que em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o arguido (MS) teve conhecimento da possibilidade de obter carta de condução através do arguido (A), sem que fosse necessário inscrever-se em escolas e consequentemente efectuar qualquer tipo de exame teórico ou prático;

. que o mesmo arguido (MS) conhecia o arguido (A) pela alcunha Didi;

. que com vista à obtenção da carta de condução o arguido (A) pediu ao arguido (MS) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade e ainda a quantia de € 748,20 (Esc.: 150.000$00), que o mesmo pagou;

. que foi então entregue ao arguido (MS) a carta de condução com o número L - ...3, com a qual o arguido veio a conduzir um número indeterminado de vezes e em locais que não foi possível apurar;

. que detectando diferenças na carta de condução que havia obtido em comparação com outra carta de condução de um amigo, o arguido (MS) voltou a entrar em contacto com o arguido (A) que lhe afirmou que iria enviar outra pelo correio;

. que para o efeito o arguido (MS) entregou cópia da anterior carta de condução e fotografias;

. que o arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos ao “Paquete”, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos;

. que o arguido (MS) não chegou a utilizar-se do segundo documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade;

. que pouco depois de se encontrar em Portugal o arguido (U) teve a necessidade de obter autorização de residência em Portugal;

. que em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o arguido (U) teve conhecimento da possibilidade de obtenção uma autorização de residência através do arguido (A), sem que fosse necessário deslocar-se ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;

. que o mesmo arguido (U) conhecia o arguido (A) pela alcunha Didi;

. que com vista à obtenção da autorização de residência o arguido (A) pediu ao arguido (U) quatro fotografias, fotocópia do passaporte, declaração de entidade patronal, declaração da junta de freguesia e ainda a quantia de € 598,56 (Esc.: 120.000$00), tendo entregue € 174,58 a título de sinal;

. que o arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos ao “Paquete”, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos;

. que o arguido (U) não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade;

. que o amigo que apresentou o arguido (B) ao arguido (E) se chamava (M);

. que a quantia a que se refere a alínea a)72.se tratava de  € 1.496,39 (Esc.: 300.000$00), tendo o arguido renegociado e o preço baixado para os € 748,20 (Esc.: 150.000$00);

. que o arguido (E) não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade;

. que o arguido (NR) esteve inscrito numa escola de condução, tendo reprovado três vezes no exame de código;

. que em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o arguido (NR), em conversa com um indivíduo de nome (BR), cuja identidade não foi possível apurar, teve conhecimento da possibilidade de obtenção de carta de condução sem que fosse necessário inscrever-se em escolas e consequentemente efectuar qualquer tipo de exame teórico ou prático;

. que com vista à obtenção da carta de condução o indivíduo de nome (BR) levou o arguido (NR) a encontrar-se com o arguido (A);

. que, também assim, com vista à obtenção da carta de condução o arguido (A) pediu ao arguido (NR) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade, que o mesmo entregou e ainda a quantia de € 1.097,36 (Esc.: 220.000$00), tendo o arguido (NR) entregue apenas € 748,20 (Esc.: 150.000$00) a título de sinal;

. que o arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos ao “Paquete”, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos;

. que o arguido (NR) não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade;

. que em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, a arguida (MM) contactou por forma não apurada o arguido (A) por forma a obter uma carta de condução portuguesa sem necessidade de recorrer a quaisquer exames teórico ou de condução;

. que com vista à obtenção da carta de condução, a arguida (MM) entregou ao arguido (A) duas fotografias, fotocópia do título de residência e ainda a quantia monetária de € 598,56 (Esc.: 120.000$00);

. que o arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos ao “Paquete”, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos;

. que a arguida (MM) não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade;

. que em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o arguido (JCB) contactou por forma não apurada o arguido (A) por forma a obter uma carta de condução portuguesa sem necessidade de recorrer a quaisquer exames teórico ou de condução;

. que com vista à obtenção da carta de condução, o arguido (JCB) entregou ao arguido (A) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade e ainda uma quantia monetária cujo valor não foi possível apurar;

. que o arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos ao “Paquete”, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos;

. que o arguido (JCB) não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade;

. que em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o arguido (JCB) contactou por forma não apurada o arguido (A) por forma a obter uma carta de condução portuguesa sem necessidade de recorrer a quaisquer exames teórico ou de condução;

. que com vista à obtenção da carta de condução, o arguido (JCB) entregou ao arguido (A) fotocópia do título de residência e ainda uma quantia monetária cujo valor não foi possível apurar;

. que o arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos ao “Paquete”, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos;

. que o arguido (JCB) não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade;

. que em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, a arguida (Z) contactou por forma não apurada o arguido (A) por forma a obter uma carta de condução portuguesa sem necessidade de recorrer a quaisquer exames teórico ou de condução;

. que com vista à obtenção da carta de condução, a arguida (Z) entregou ao arguido (A) duas fotografias, fotocópia bilhete de identidade, fotocópia do cartão de contribuinte fiscal e ainda uma quantia monetária cujo valor não foi possível apurar;

. que o arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos ao “Paquete”, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos;

. que a arguida (Z) não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade;

. que em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o arguido (JR) contactou por forma não apurada o arguido (A) por forma a obter uma carta de condução portuguesa sem necessidade de recorrer a quaisquer exames teórico ou de condução;

. que com vista à obtenção da carta de condução, o arguido (JR) entregou ao arguido (A) fotocópia do bilhete de identidade e ainda uma quantia monetária cujo valor não foi possível apurar;

. que o arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos ao “Paquete”, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos;

. que o arguido (JR) não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade;

. que ao actuarem da forma descrita, os arguidos (B) e (FM) que angariavam compradores para tais documentos e que os vendiam a estes últimos por quantias elevadas, agiam com o propósito de obter, para si e para terceiros, lucros avultados;

. que o arguido (A) forneceu a todos os arguidos, para além dos indicados em a)102. do ponto III., documentos falsos para que estes, quando fiscalizados pelas autoridades competentes, pudessem apresentar perante estas tais documentos, criando desse modo a falsa aparência de que os elementos neles constantes correspondiam à verdade, o que bem sabiam não acontecer;

. que esse fosse igualmente o objectivos de todos os arguidos, para além daqueles indicados, e que os mesmos arguidos, os compradores ou “clientes”, tinham também perfeito conhecimento de que tais documentos se encontravam viciados e que não correspondiam à verdade, pois não haviam sido emitidos pela Direcção-Geral de Viação, a entidade que sabiam ser competente;

. que todos os arguidos, para além dos acima indicados no ponto III., sabiam que a respectiva actuação de cada um deles punha em causa a fé pública, a veracidade e a confiança de que gozam tais documentos; e

. que os arguidos para além dos indicados no ponto III. antecedente agiram voluntária, livre e conscientemente, não ignorando o carácter censurável da sua conduta.

                                                           ***

V. O juízo sobre a certeza e a verdade material dos factos gizou-se e resultou, sobretudo, dos seguintes meios de prova. a. Ao dar como provada a factualidade supra descrita o tribunal formou a sua convicção com base no cotejo crítico do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, e bem assim, da prova documental e pericial junta aos autos, toda ela apreciada de acordo com o seu valor probatório e as regras da experiência, nomeadamente segundo dita o princípio da livre apreciação da prova consagrado no Art.º 127.º do CPPenal.

Tudo isto, tendo em conta as máximas indiciárias (tanto as de conteúdo de conteúdo determinístico-natural como as de conteúdo estatístico), fez relevar, repita-se, o tipo de testemunhos alvitrados que juntamente com os pontos cristalizados do lastro de coincidência das várias versões alvitradas, e com alto grau indiciário de probabilidade ou de verosimilhança (sobre este conteúdos, vd. Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, tradução da 5.ª edição alemã, 1989, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 367-370; e  Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais - À Luz do Código Revisto, 1996, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 160-161) que se impõe, que suplantam a presunção de inocência dos arguidos, deram ao tribunal, na sua compreensão global, para além de toda a dúvida razoável, a verdade material dos factos dados como comprovados em julgamento.

Descritos os respectivos meios de prova ter-se-à de proceder, conforme impõe o Art.º 374.º, n.º 2, do CPPenal, à exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com o exame crítico das provas enumeradas.

                                                           ***

b. Assim, desde logo, foram escrutinadas as declarações dos arguidos que o quiseram fazer, com a devida sujeição ao contraditório, algumas com conteúdo parcialmente confessório.

Vejam-se, neste domínio, as declarações produzidas em audiência de julgamento:

- pelo 3.º arguido, (B), que referiu ter conhecido o 1.º arguido (A) pelo 2.º arguido (FM), e que não o procurou para falsificar uma carta mas sim para obter uma carta legal, sendo que entregou fotografias e fotocópias do bilhete de identidade e do cartão de contribuinte e ainda o valor de Esc. 250.000$00, sendo que se deslocou a Sacavém com o mesmo 2.º arguido, e que lhe veio a ser entregue por este último a carta que assumiu como legal, tendo-lhe sido inclusive mostrado uma escola de condução em Alverca; mais referiu ter um veículo automóvel em seu nome desde 1998, e que foi fiscalizado várias vezes pela polícia e que foi à Direcção-Geral de Viação para renovar essa carta; reconheceu os documentos a que aludem fls. 71 e ss. dos autos, nomeadamente o de fls. 83; referiu também que da segunda vez que se iria encontrar com o 1.º arguido (A) pretendia reaver o dinheiro da 1.ª carta; mais esclareceu conhecer também o 10.º arguido (CV) que apresentou ao mesmo 1.º arguido (A);

- pelo 7.º arguido (N), que disse ter contactado com o 1.º arguido (A) que lhe disseram arranjar um escola de condução que facilitava a carta de condução, sendo que na escola de condução da Pontinha em que se encontrava inscrito a situação se encontrava difícil, tendo já chumbado dois vezes no código; mais refere ter entregue ao mesmo 1.º arguido 2 fotografias e cópia do bilhete de identidade e pago a quantia de Esc. 260.000$00 de uma vez só, e que ficou à espera de ir para a escola de condução, alegando que encomendou a carta mas era para passar por uma escola, tendo sido confrontado com o documentado a fls. 429 dos autos;

- pelo 8.º arguido (O), que referiu ter contactado com o 1.º arguido (A) pensando que o mesmo era um instrutor, tendo-lhe entregue primeiro a quantia de Esc. 160.000$00 em cheque, tendo entregue mais Esc. 100.000$00 em dinheiro, tudo isto por intermédio de um colega em que confiava e que, dessa forma, poderia obter mais facilmente a carta de condução;

- pela 9.ª arguida que disse nada ter a ver com os factos descritos na acusação, não conhecendo sequer o 1.º arguido (A), não sabendo conduzir e não percebendo a razão pela qual uma fotografia sua – confrontada a fls. 428 dos autos - se encontrava na posse do mesmo 1.º arguido, uma vez que não a entregou a ninguém;

- pelo 11.º arguido (C), que disse ter ido ter com o 1.º arguido (A) numa 6.ª feira para saber o que era necessário para a carta de condução, sendo que o mesmo lhe pediu Esc. 100.000$00, duas fotos e o bilhete de identidade; mais referiu que entregou ao mesmo 1.º arguido duas parcelas de Esc. 50.000$00, tendo sido também confrontado com o documento de fls. 114 dos autos, onde indica que as fotos não são suas e que a caligrafia do papel é do arguido (A);

- pelo 22.º arguido (H) que mencionou ter sido um primo seu que lhe indicou que o 1.º arguido (A) representava a escola de Alverca de condução, sendo que este último lhe pediu Esc. 120.000$00, mas que ele apenas entregou as fotos e a fotocópia do bilhete de identidade, sendo que depois nunca mais contactou com o 1.º arguido uma vez que ele não apareceu numa data em que tinham combinado, tendo então desistido de tirar a carta;

- pelo 23.º arguido (I), que disse estar inscrito numa escola e que um colega dele lhe disse que havia uma forma de tirar a carta mais rápido através do 1.º arguido (A), pelo que veio a entregar a este último, ao que se lembra, cerca Esc. 100.000$00, assim como o bilhete de identidade – confrontado com o documento de fls. 104 referiu ter sido o próprio 1.º arguido a fazer a fotocópia – e as fotos de fls. 114, com as quais foi também confrontado; que na altura pensava que a escola era legal mas depois concluiu que não era, pelo que continuou na escola anterior onde, segundo se recorda, já tinha chumbado naquela altura;

- pelo 17.º arguido (E), que esclareceu que na altura dos factos queria tirar a carta de condução tendo já reprovado duas vezes, e que um amigo seu lhe falou que sabia de uma pessoa – o 1.º arguido (A) - que através de uma escola obtinha mais facilmente a carta de condução, amigo esse que inclusive tinha uma carta assim obtida; mais esclareceu que se deslocou a Alverca também com o 3.º arguido (B), que conhecia por Luisinho), tendo o mencionado arguido (A) lhe pedido duas fotografias e uma fotocópia do bilhete de identidade (sendo confrontado com fls. 80 dos autos), e que lhe arranjaria a carta de condução através de uma escola de condução e de uns senhores da DGV, sendo que o referido (A) disse que tinha uma escola de condução em Alverca; referiu, mais ainda, que o mesmo (A) lhe pediu cerca de Esc. 300.000$00 ou Esc. 350.000$00, quantia que pagou em duas prestações de € 150,00; referiu que ainda marcou um encontro com o 1.º arguido para ver da evolução da inscrição mas ele não apareceu, tendo sabido pelo 3.º arguido que aquele tinha sido detido;

- pelo 21.º arguido (G), que se demonstrou arrependido e que só acedeu porque tinha poucas habilitações e não podia perder mais tempo com a escola de condução, tendo sido levado ao 1.º arguido (A) por um colega seu; mais referiu ter entregue Esc. 100.000$00 como 1.ª prestação, tendo depois de pagar mais Esc. 50.000$00 que nunca chegou a entregar; fez entrega da fotocópia do bilhete de identidade e de duas fotografias – confrontado e confirmou o teor de fls. 82 dos autos, sendo que se encontrou com o mesmo 1.º arguido perto de Vila Franca onde o mesmo disse ter uma escola de condução; informou que teve com o 1.º arguido duas vez, uma primeira para entregar os documentos e a segunda para pagar;

-  pelo 18.º arguido (F), que referiu ter sabido de uma escola de condução em Sacavém que facilitava na atribuição de carta às pessoas que trabalhassem, tendo recebido essa informação de um indivíduo chamado (G) que lhe pediu Esc. 10.000$00 para matrícula na escola, e ainda duas fotografias e não sabe se também o bilhete de identidade, o que entregou, tendo sido confrontado com o teor dos autos de fls. 87, 349, 1459 e 1850;

- pelo 5.º arguido (J), que esclareceu que nos anos de 1999/2000, conheceu num autocarro um indivíduo que lhe disse saber de um sítio onde era mais fácil tirar a carta de condução não necessitando tanto de ir às aulas, sendo que nessa sequência lhe entregou fotocópia do bilhete de identidade e fotografias, tendo na altura trocado contactos; foi ainda confrontado com o teor de fls. 86 e 428 dos autos e com o inusitado da situação, tendo o mesmo reforçado o que tinha dito anterior com a referência que só queria ter uma carta de condução legal mas mais rápida; e

- pelo 14.º arguido (D), que afirmou que em conversa com uns amigos, que já não consegue identificar, veio a saber que o 1.º arguido (A) podia facilitar no exame de condução, sendo que na altura veio a falar com o mesmo 1.º arguido tendo-lhe este pedido cerca de Esc. 150.000$00 ou Esc. 100.000$00 para a carta, tendo então entregue um sinal de Esc. 50.000$00 para inscrição na escola, além de fotografias e fotocópia do bilhete de identidade; mais esclareceu que na semana seguinte o mesmo 1.º arguido (A) apareceu lá em casa para falar com ele o que suscitou a surpresa da sua mãe que veio a discutir com ele sobre a situação, lembrando-lhe o seu estado de saúde, pelo que tomou a decisão de desistir da carta e procurou o mesmo 1.º arguido que aceitou com a referência de que não poderia já devolver o dinheiro e comprometendo-se a destruir os demais documentos (fotocópia do bilhete de identidade e fotos); mais esclareceu que já tinha estado inscrito numa escola de condução – o que não era do conhecimento da sua mãe -, tendo chegado a tentar o exame teórico mas chumbou com quatro respostas incorrectas, e que quando comprou o automóvel foi o compadre que o levou e o conduzia; confrontado com o conteúdo de fls. 79 refere que as fotos não são suas e a fotocópia corresponde ao seu bilhete de identidade, confirmando que na altura entregou duas fotos.

                                                           ***

Esclarece-se, neste ponto, que este tribunal colectivo não deixa de valorar, do mesmo modo, para formação da sua convicção, as declarações produzidas pelos co-arguidos, importando referir que não se encontra impedido de fazê-lo para além dos limites agora consagrados no Art.º 345.º/4 do CPPenal, com a redacção que lhe foi dada pelo Art.º 1.º da Lei 48/2007 de 28/8. Isto é no entendimento de que as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido só podem ser valorados quando este último não se tenha remetido ao silêncio na altura de prestar as suas declarações, recusando responder às perguntas do tribunal, do Ministério Público ou das partes.

Para além desse limite, as declarações prestadas por um arguido constituem meio admissível de prova e, como tal, podem ser valoradas pelo tribunal para fundar a sua convicção acerca dos factos que dá como provados. Neste sentido, em que as declarações prestadas pelos co-arguidos em desfavor de outros podem ser valoradas, como o foram, dentro dos limites acima delineados, para a formação da convicção do tribunal colectivo, consultem-se os Acs. do STJ de 20/6/2001, CJSTJ tomo 2, pp. 230; de 20/3/1997, BMJ 470, pp. 237; e de 19/12/96, CJSTJ, t3, pp. 214.

Aliás, a lei processual, com todas as garantias a que o arguido tem direito – entre os quais se destaca o de guardar silêncio quanto aos factos de que é acusado – não vai ao ponto de impedir a prestação de declarações, de forma livre e espontânea, sejam elas ou não incriminatórias ou agravatórias da responsabilidade de outros intervenientes nos factos criminosos.

Dir-se-à, assim, que tendo um co-arguido produzido declarações que sejam desfavoráveis a outro co-arguido, nada obsta a que o defensor deste último, possa, de acordo com o estatuído no Art.º 345.º/2 do CPPenal, suscitar esclarecimentos ao primeiro, independentemente da própria reacção que o co-arguido incriminado entenda manifestar.

Assim, respeitado que se encontra, em julgamento, esse contraditório, e resguardado o limite legal de valoração acima descrito, nada impede que possam ser consideradas essas declarações para o julgamento comprovativo ou infirmativo dos factos alegados.

Serve isto para dizer que não obstante as declarações do 3.º arguido (B), a verdade é que as mesmas não poderão ser utilizadas no que respeita ao apuramento de factos atinentes à responsabilização criminal do 2.º arguido (FM) que se remeteu ao silêncio, no uso de uma garantia processual que lhe assiste.

                                                           ***

c. Depois, também assim, este tribunal colectivo fundou-se, ainda, no cotejo da prova documental inserta nos autos, com destaque para os vários autos de busca,  apreensão, exame e avaliação insertos nos autos.

Assim, no que respeita à documentação encontrada ao 1.º arguido (A) na busca e apreensão, a mala onde esta se encontrava, e bem assim os demais objectos com ela relacionados, para além de um telemóvel e do seu estojo, bem como ao documento apreendido ao 4.º arguido (L), merecem referência os autos à frente indicados:

- no que respeita ao 1.º arguido, (A), os autos de busca e apreensão de fls. 72-73 (com a documentação que a acompanha a fls. 74-114); e

- no que respeita ao 4.º arguido, (L), os autos de apreensão de fls. 130 relativo a um título de condução encontrado na posse do mesmo arguido.

                                                           ***

d. Foram também coligidos os documentos, objectos ou artigos ora juntos aos autos, referentes a:

- documentos da Direcção-Geral de Viação de fls. 3 a 6 (referentes ao pedido de substituição por alteração de residência da carta L - ...6, assumida como falsa em face do requerente, aqui 3.º arguido, (B));

- capas de plástico transparente de fls. 74 a 78 (apreendidas ao 1.º arguido em conjunto com a documentação encontrada na sua mala pessoal);

- fotocópia de bilhete de identidade e fotografias de fls. 79 (sendo que a fotocópia corresponde ao 14.º arguido (D) e as fotos ao 16.º arguido (U)); - fotocópia de bilhete de identidade e fotografias de fls. 80 (referentes ao 17.º arguido (E));

- fotocópia de bilhete de identidade e fotografias de fls. 81 e 89 (referentes ao 24.º arguido (JCB)); - fotocópia de bilhete de identidade e fotografias de fls. 82 (sendo que a fotocópia do bilhete corresponde ao 21.º arguido (G)); - fotocópia de bilhete de identidade e fotografias de fls. 83 (fotocópia do bilhete de identidade e fotos do 3.º arguido (B));

- fotocópia de bilhete de identidade e fotografias de fls. 85 (fotocópia do bilhete de identidade e fotos do 19.º arguido (NR));

- fotocópia de bilhete de identidade de fls. 86 (fotocópia do bilhete de identidade do 5.º arguido (J));

- fotocópia de bilhete de identidade e fotografias de fls. 87 (pertencentes ao 18.º arguido (F), sendo que a fotocópia tem anotações manuscritas);

- fotocópia da carta de condução e fotografias de fls. 94 e 95 (referentes ao 15.º arguido (MS));

- fotocópia da autorização de residência de fls. 97 (referente ao 13.º arguido (JT));

- fotocópia de autorização de residência, passaporte, cartão de contribuinte e fotografias de fls. 100 a 102 (referentes ao 10.º arguido (CV));

- fotocópia de bilhete de identidade de fls. 104 e fotos de fls. 114 (referentes ao 23.º arguido (I));

- fotocópia de passaporte e declarações de fls. 105 a 108 e fotos de fls. 79 (pertencentes ao 16.º arguido (U));

- carta de condução guineense e fotocópia de carta de condução de fls. 109 e 110 (pertencentes ao 12.º arguido (CJ));

- fotocópia de título de residência, factura da EDP e fotografias de fls. 111 a 113 (referentes à 20.ª arguida (MM);

- bilhete de identidade de cidadão estrangeiro, papel manuscrito e fotografias de fls. 114 (sendo que o bilhete de identidade corresponde ao 11.º arguido (C) e o manuscrito será da autoria do 1.º arguido);

- print da Direcção-Geral de Viação de fls. 133 (em relação à carta L - ....7.0.30530590 em nome de (CC));

- carta de condução de fls. 170 (documento referente ao 3.º arguido (B), em que este figura como titular);

- certidão de fls. 2531-2802, com nota de trânsito em julgado de 7/11/2006, respeitante à decisão final (acórdão) proferido no processo comum colectivo n.º 98/00.1GGLSB da 1.ª Vara Mista de Sintra, que julgou improcedente a pronúncia do arguido (A), absolvendo-o dos crimes de associação criminosa, p. e p. pelo Art.º 299.º/2 do CPenal, e de falsificação de documentos na forma continuada, p. e p. pelos Art.ºs 30.º/2 e 256.º/1, alíneas a) e c),  3, do Penal, não dando como provado que “110. (…) entre 1996 e Novembro de 2000, os arguidos (BR), (V), (PM), (JF), (X), (A), (W), (GB) e (TC) tenham decidido formar entre si uma organização com a finalidade de falsificação de documentos autênticos, a par com a angariação de clientes que comprassem os documentos viciados, com vista à obtenção dos decorrentes lucros momentários (…)”, “112. No contexto da referida organização os arguidos (BR), (V), (PM), (JF), (X), (A), (W), (GB) e (TC), tenham desenvolvido a actividade de falsificação, para além do que em concreto se deu como provado, e que o tenham feito não apenas ao nível nacional, mas igualmente internacional, tendo dado origem a documentos autênticos falsos que circulam no espaço comunitário (…)”, “127. O arguido (X) fosse intermediário e angariador de potenciais interessados na compra de documentos falsificados, que tenha mantido contacto permanente com o arguido (BR), ao longo de cerca de dois anos, e que a sua actividade se estendesse, ainda, à receptação de documentos furtados ou roubados aos seus legítimos titulares, bem como à obtenção de passaportes autênticos, provenientes de indivíduos toxicodependentes que se disponibilizavam, através de um pequeno pagamento, a requisitá-los no Governo Civil”, “128. O arguido (A) fosse um dos intermediários que trabalhavam com o arguido (X) e que tenha encomendado a este um número indeterminado de cartas de condução”, “129. O arguido (X) cobrasse PTE 100.000$00 por cada carta de condução e que o arguido (A) pedisse ao interessado uma quantia entre os PTE 160.000$00 e os PTE 180.000$00 ou mesmo PTE 300.000$00, tendo lucro igual à diferença”; “130. Tenha sido o arguido (A) a vender a carta de condução adquirida pelo arguido (DB) (…)”; “182. O arguido (A) tenha aceite o negócio de venda de documentos falsos e que tenha feito em virtude de ter dificuldades de dinheiro”, “183. O arguido (A) seja muito doente, que gaste tudo o que ganha em medicamentos e que tenha como único rendimento o montante mensal de € 255,00;”; “184. O arguido (A) tenha sido contactado pelo (X) que lhe deixou o número de telefone a fim de que o arguido o contactasse indicando pessoas que quisessem comprar documentos falsos, e que o tenha feito, juntando os documentos dessas pessoas que depois enviava ao (X) a carta falsificada para a entregar ao comprador”; e que “185. O arguido (A) ganhasse cem a cento e cinquenta contos por carta, e que por vezes tivesse de devolver o dinheiro às pessoas quando as falsificações eram mal feitas, apesar de já ter entregue os cem contos ao (X)”; 

- documentos de fls. 301 a 307 (cópias da autorização de residência permanente, passaporte da República de Cabo Verde e cartão de contacto – telemóvel 96.....9 – do 10.º arguido (CV));

- documento de fls. 329 (cópia de recibo de inscrição do 15.º arguido (MS) na escola de condução Coimbra datado de 3/2/1998);

- documentos de fls. 392 a 394 (cópias referentes à carta de condução da República da Guiné-Bissau e de parte do passaporte da 20.ª arguida (MM));

- documentos de carta de condução insertas no envelope de fls. 428 que acompanha o relatório de exame pericial (em nomes de (J) [5.º arguido (AMG)], de (EG) [9.ª arguida (EGM)], de (O) [8.º arguido (O)], de (N) [7.º (N)] e de (M));

- carta de condução contrafeita de fls. 443-444 dos autos, referente ao aqui 4.º arguido (L);

- informações do registo informático da Direcção-Geral de Viação de fls. 701 a 729; e

- certificados de registo criminal e informações registrais dos arguidos insertas nos autos e devidamente descritas na matéria de facto comprovada.

                                                           ***

e. Bem como atendemos, quanto ao conteúdo, ao valor, à autenticidade ou à viciação dos documentos e equipamento, os autos que agora se descrevem.

. Os autos de exame de fls. 115 (relativo ao telemóvel Nokia apreendido ao 1.º arguido (A), ao estojo desse telemóvel e de uma pasta em cabedal de cor castanha).

. Os autos de de exame pericial de fls. 162-170 (relativo à carta de condução portuguesa n.º L - ...6, em nome de (B), com conclusão de falsidade, vindo a revelar-se ser falsa, patente nos seguintes detalhes: . contrafacção do impresso, obtida por offset litográfico; . contrafacção das impressões de selo branco, de manufactura artesanal e constituídas por um círculo vincado que encerra os dizeres “Direcção Geral de Viac”, na aposta no averbamento da categoria B, e “Direcção de Viação” na aposta sobre a fotografia, ambos contornando um desenho central com pequenas folhas em redor; . o documento não revela vestígios nítidos de violação da fotografia; . a carta de condução apresenta vestígios de rasura por lift-off em caracteres isolados do seu preenchimento, que se admite resultarem apenas da correcção de erros dactilográficos).

. Os autos de exame de fls. 429-435 (relativo, às cartas de condução L - ....0, em nome de (M),  L - ...7, em nome de (N),L - ....20, em nome de (O), L - ....2, em nome de (J), e L - ....12, em nome de (EG), com conclusão de falsidade das mesmas cartas, vindo a revelar-se serem falsas, patente nos seguintes detalhes:

- A carta de condução tinha o número L - ....2 e, tendo sido efectuada a competente perícia, a “carta de condução” veio a revelar-se ser falsa, patente nos seguintes detalhes: - contrafacção do impresso; - contrafacção das impressões de selo branco obtidas artesanalmente; - o documento apresenta vestígios de apagamento por lift-off em diversos itens do seu preenchimento, que se admite resultar apenas da correcção de erros dactilográficos; - o documento não revela vestígios nítidos de violação da fotografia; - a carta de condução apresenta vestígios de rasura por lift-off em caracteres isolados do seu preenchimento, que se admite resultarem apenas da correcção de erros dactilográficos;

- A carta de condução tinha o número L - ....2 e tendo sido efectuada a competente perícia, a “carta de condução” veio a revelar-se ser falsa, patente nos seguintes detalhes: - contrafacção do impresso; - contrafacção das impressões de selo branco obtidas artesanalmente; - o documento apresenta vestígios de apagamento por lift-off em diversos itens do seu preenchimento, que se admite resultar apenas da correcção de erros dactilográficos; - o documento não revela vestígios nítidos de violação da fotografia; - a carta de condução apresenta vestígios de rasura por lift-off em caracteres isolados do seu preenchimento, que se admite resultarem apenas da correcção de erros dactilográficos;

- A carta de condução tinha o número L - ....2 e tendo sido efectuada a competente perícia, a “carta de condução” veio a revelar-se ser falsa, patente nos seguintes detalhes: - contrafacção do impresso; - contrafacção das impressões de selo branco obtidas artesanalmente; - o documento apresenta vestígios de apagamento por lift-off em diversos itens do seu preenchimento, que se admite resultar apenas da correcção de erros dactilográficos; - o documento não revela vestígios nítidos de violação da fotografia; - a carta de condução apresenta vestígios de rasura por lift-off em caracteres isolados do seu preenchimento, que se admite resultarem apenas da correcção de erros dactilográficos;

- A carta de condução tinha o número L - ....2 e tendo sido efectuada a competente perícia, a “carta de condução” veio a revelar-se ser falsa, patente nos seguintes detalhes: - contrafacção do impresso; - contrafacção das impressões de selo branco obtidas artesanalmente; - o documento apresenta vestígios de apagamento por lift-off em diversos itens do seu preenchimento, que se admite resultar apenas da correcção de erros dactilográficos; - o documento não revela vestígios nítidos de violação da fotografia; - a carta de condução apresenta vestígios de rasura por lift-off em caracteres isolados do seu preenchimento, que se admite resultarem apenas da correcção de erros dactilográficos;

- A carta de condução tinha o número L - ....2 e tendo sido efectuada a competente perícia, a “carta de condução” veio a revelar-se ser falsa, patente nos seguintes detalhes: - contrafacção do impresso; - contrafacção das impressões de selo branco obtidas artesanalmente; - o documento apresenta vestígios de apagamento por lift-off em diversos itens do seu preenchimento, que se admite resultar apenas da correcção de erros dactilográficos; - o documento não revela vestígios nítidos de violação da fotografia; - a carta de condução apresenta vestígios de rasura por lift-off em caracteres isolados do seu preenchimento, que se admite resultarem apenas da correcção de erros dactilográficos.

. Os autos de exame pericial de fls. 445-450 (relativo à carta de condução L - ....7, em nome de (L), com conclusão de falsidade, vindo a revelar-se ser falsa, patente nos seguintes detalhes,  a carta de condução tinha o número L - ....7 0 e, tendo sido efectuada a competente perícia, a “carta de condução” veio a revelar-se ser falsa, patente nos seguintes detalhes: - contrafacção do impresso; - contrafacção das impressões de selo branco obtida artesanalmente; - o documento não revela vestígios nítidos de viciação nem de violação da fotografia do titular; - a carta de condução pode passar por verdadeira em caso de manuseamento descuidado ou por pessoa pouco conhecedora deste tipo de documento.

                                                           ***

f. Gizou-se, também assim, a convicção do tribunal, no apuramento dos depoimentos testemunhais realizados em julgamento, tanto oferecidos pela acusação e pela defesa, sendo de referir, em primeiro lugar, os depoimentos das testemunhas, inspectores policiais e agente policial, que tiveram maior intervenção na fase de investigação criminal e que acompanharam de mais de perto ou coordenaram mesmo as correspondentes diligências:

            . K, inspector chefe da Polícia Judiciária que chefiou a brigada que procedeu à busca na residência do 1.º arguido e sua revista, bem como à viatura do mesmo arguido, diligências ocorridas em 17/7/2001, e que deu conta dos pormenores de tal diligência, com a apreensão das cartas de condução contrafeitas, dos elementos documentais dos bilhetes de identidade ou outros documentos de identificação, assim como de uma máquina de escrever; mais fez menção à origem do inquérito em referência, com alusão ao nome do aqui 1.º arguido noutro inquérito, bem como a ligação a a duas eventuais redes de falsificação onde este mesmo arguido se fornecia; fez ainda alusão aos pormenores da apreensão e ao facto de os documentos se encontrarem dentro de uma bolsa pessoal do 1.º arguido, tal como descrito a fls. 72 e ss. dos autos, com referência a umas bolsas de plástico que aquele usava para resguardar as cartas contrafeitas a entregar aos seus clientes; fez ainda alusão ao modo como o arguido abordava as pessoas que o procuravam, os valores em causa, estando aqui sobretudo em causa as cartas de condução, mas também uma alteração de residência;

            . KK, inspector da Polícia Judiciária, que acompanhou as operações de apreensão e detenção do 1.º arguido, isto em 17/7/2001, sendo confrontado com fls. 72 e ss. dos autos que confirmou apesar de não se recordar bem do que se passou nesse dia;

            . KKK, inspector da Polícia Judiciária, que deu conta da intervenção do 1.º arguido, (A), noutro processo, onde se encontravam acusados os falsificadores, sendo que os presentes autos são resultado de uma certidão do aludido processo, designadamente com alusão a fls. 72 e ss., em que no decurso da busca se encontra uma mala de mão do mencionado 1.º arguido que continha meia dúzia de cartas de condução contrafeitas e uma dúzia de fotocópias de bilhetes de identidade, de fotografias, de títulos de residência e capas de passaportes; mais deu noção de que as pessoas, entre as quais os aqui arguidos, recorriam ao 1.º arguido para obter bilhetes de identidade, autorizações de residência e cartas de condução, fazendo especial menção às bolsinhas de plástico utilizadas para protecção dos documentos contrafeitos que o mesmo 1.º arguido utilizava; mais aludiu ao “modus operandi” deste 1.º arguido, que utilizava de um esquema peculira de enredo ou artifício (para não usar a verdade nua e crua da falsificação com os seus clientes) para não afastar certas pessoas, sendo que com outras, apercebendo-se que elas sabiam de que se tratava, falava de forma clara e aberta; mais fez alusão da ligação do 1.º arguido ao falsificador (X) e ao “Paquete” (que terá substituído o primeiro), embora com referência ao processo crime em que o aqui 1.º arguido aparece como intermediário dos falsificadores, num esquema de angariação e distribuição, recebendo uma contrapartida pecuniária condizente com o remanescente entre o custo da falsificação e o preço final, sendo que ficaria o mesmo 1.º arguido com cerca de Esc. 50.000$00 a Esc. 100.000$00, dependendo das situações e da capacidade económica que o mesmo (A) descobria nos seus clientes; mais fez referência ao exame do telemóvel onde o mesmo 1.º arguido contactava com o identificado (X);

            . WW, inspector da Polícia Judiciária, que acompanho também a busca e apreensão à casa e veículo do 1.º arguido, tendo sido encontrada documentação contrafeita numa bolsa pessoal do mesmo arguido, onde ele também guardava os seu próprios documentos pessoais, juntamente com outros elementos documentais e apontamentos;  e

            . (VGF), sargento da Brigada de Trânsito da GNR, que informou ter sido interveniente na fiscalização de trânsito em ocorrida em 17/8/2001 no Catujal, em que veio a ser apreendida a carta de condução contrafeita com que o 4.º arguido (L) se encontrava a conduzir, dizendo que o mesmo documento lhe levantou logo dúvidas quanto à sua autenticidade, não só na dimensão das letras como também pelo facto do carimbo não corresponder com as licenças.

                                                                       ***

h. Apurou-se, também, o conteúdo de outros depoimentos relativos à prova da acusação e ou da defesa, e que foram apresentados, referindo-nos aos depoimentos de:

            . (AR), mãe do 14.º arguido (D), que deu conta da forma como veio a saber dos contactos do filho com o 1.º arguido (A), dado que este o visitou por duas vezes em casa dela, situação que não lhe agradou muito pelo facto de não querer que o seu filho conduzisse com o problema de epilepsia que ele tem; esclarece que não tinha conhecimento das diligências do seu filho para conseguir a carta de condução e que lhe recomendou desistir do pedido feito ao (A), coisa que o seu filho terá feito mas sem possibilidade de reaver o dinheiro entregue; mais referiu que a família já conhecia o 1.º arguido uma vez que este já tinha ido lá a casa para vender ouro, o que nunca veio a acontecer; esclareceu, mais ainda, que o seu filho chegou a adquirir um veículo automóvel que nunca terá conduzido e veio a vender posteriormente; deu também conta da escolaridade do seu filho (9.º ano de escolaridade) e do facto de se encontrar actualmente a trabalhar em Barcelona, na construção da linha de TGV; foi também confrontada com o conteúdo de fls. 79 dos autos, reconhecendo o seu filho na fotocópia de bilhete de identidade mas não nas fotos aí insertas.

                                                           ***

k. Todos estes meios de prova, assim relevados, no que respeita à matéria da acusação/pronúncia, têm de merecer uma apreciação de carácter global ou genérico, que constitui o escrutínio crítico global dos mesmos, fundamentando o julgamento fáctico realizado.

Assim, o inquérito teve na origem na detecção de documentação tomada como contrafeita por parte de um dos arguidos, 3.º (B), mais precisamente uma carta condução, tendo depois sido complementada com uma certidão de um processo crime paralelo, em que era co-arguido o aqui 1.º arguido (A), aqui tomado como angariador e distribuidor principalmente de cartas de condução contrafeitas, mas também de uma autorização de residência.

Depois foi realizada uma busca domiciliária à residência do 1.º arguido, tendo sido descoberta e apreendida alguma documentação respeitante às mencionadas falsificações (cartas de condução e autorização de residência), assim como documentação (fotocópias de documentos oficiais e fotografias) que serviria para elaboração de outras cartas de condução contrafeitas, possivelmente a entregar a eventuais falsificadores para elaboração de novos títulos contrafeitos.

No que respeita às cartas de condução apreendidas foram realizados exames periciais e dos quais veio a resultar a conclusão de que as mesmas são contrafeitas e apresentam características que, apesar de algumas incorrecções, deficiências e lapsos, salientam a sua idoneidade para a viciação da verdade documental e para conseguir as finalidades da falsificação realizada.

Pretendeu, também, a investigação nestes autos prosseguir as diligências de investigação do processo crime paralelo em que o 1.º arguido – (A) - era também arguido (processo comum colectivo n.º 98/00.1GGLSB da 1.ª Vara Mista de Sintra), retirando algumas conclusões ao nível de uma rede de falsificação para a qual o 1.º arguido contribuía como angariador e distribuidor remunerado.

Certo é que no referido processo, tal como resulta da certidão de fls. 2531-2802 dos autos, veio a ser julgada, na parte que aqui interessa, improcedente a pronúncia do mesmo arguido (A), absolvendo-o dos crimes de associação criminosa, p. e p. pelo Art.º 299.º/2 do CPenal, e de falsificação de documentos na forma continuada, p. e p. pelos Art.ºs 30.º/2 e 256.º/1, alíneas a) e c),  3, do Penal, e não dando como provada a matéria de facto mais relevante, designadamente que “110. (…) entre 1996 e Novembro de 2000, os arguidos (BR), (V), (PM), (JF), (X), (A), (W), (GB) e (TC) tenham decidido formar entre si uma organização com a finalidade de falsificação de documentos autênticos, a par com a angariação de clientes que comprassem os documentos viciados, com vista à obtenção dos decorrentes lucros momentários (…)”; que “112. No contexto da referida organização os arguidos (BR), (V), (PM), (JF), (X), (A), (W), (GB) e (TC), tenham desenvolvido a actividade de falsificação, para além do que em concreto se deu como provado, e que o tenham feito não apenas ao nível nacional, mas igualmente internacional, tendo dado origem a documentos autênticos falsos que circulam no espaço comunitário (…)”; que “127. O arguido (X) fosse intermediário e angariador de potenciais interessados na compra de documentos falsificados, que tenha mantido contacto permanente com o arguido (BR), ao longo de cerca de dois anos, e que a sua actividade se estendesse, ainda, à receptação de documentos furtados ou roubados aos seus legítimos titulares, bem como à obtenção de passaportes autênticos, provenientes de indivíduos toxicodependentes que se disponibilizavam, através de um pequeno pagamento, a requisitá-los no Governo Civil”; que “128. O arguido (A) fosse um dos intermediários que trabalhavam com o arguido (X) e que tenha encomendado a este um número indeterminado de cartas de condução”; que “129. O arguido (X) cobrasse PTE 100.000$00 por cada carta de condução e que o arguido (A) pedisse ao interessado uma quantia entre os PTE 160.000$00 e os PTE 180.000$00 ou mesmo PTE 300.000$00, tendo lucro igual à diferença”; que “130. Tenha sido o arguido (A) a vender a carta de condução adquirida pelo arguido (DB) (…)”; que “182. O arguido (A) tenha aceite o negócio de venda de documentos falsos e que tenha feito em virtude de ter dificuldades de dinheiro”; que “183. O arguido (A) seja muito doente, que gaste tudo o que ganha em medicamentos e que tenha como único rendimento o montante mensal de € 255,00;”; que “184. O arguido (A) tenha sido contactado pelo (X) que lhe deixou o número de telefone a fim de que o arguido o contactasse indicando pessoas que quisessem comprar documentos falsos, e que o tenha feito, juntando os documentos dessas pessoas que depois enviava ao (X) a carta falsificada para a entregar ao comprador”; e que “185. O arguido (A) ganhasse cem a cento e cinquenta contos por carta, e que por vezes tivesse de devolver o dinheiro às pessoas quando as falsificações eram mal feitas, apesar de já ter entregue os cem contos ao (X)”.

Nessa consideração, mesmo na atenção ao conteúdo de alguns dos depoimentos das testemunhas apresentadas pela acusação no que respeita à situação factual do 1.º arguido, a verdade é que inexistem indícios suficientes e enquadramento factual e probatório suficientes para elucidar a parte relevante da primeira parte da acusação/pronúncia. 

Na verdade, esta situação, por um lado, e a incompletude dos meios de prova carreados para a fase de julgamento, pelo outro, não permitiram, elucidar da estrutura de fornecimento e distribuição dos documentos contrafeitos encontrados (apreendidos), bem como dos eventuais documentos que se encontravam previstos ou em fase de preparação.

Assim, a ausência de um polo incontestável de fornecimento das falsificações, sem que a mesma fonte viesse a ser detectada, não deixa de viciar o juízo sobre todas as hipóteses viáveis de conexão documental e de relacionamento do 1.º arguido com a referida rede de falsificação.

Saliente-se, também assim, que algumas das conclusões retiradas na acusação e pronúncia se baseavam em depoimentos de co-arguidos produzidos no decurso do inquérito (1.ºs interrogatórios ou interrogatórios policiais) que agora, em fase de julgamento, não se vieram a repetir, ou por pura e simples ausência do arguido declarante em julgamento ou em vista do facto de os mesmos se terem remetido ao silêncio no exercício de um direito que lhes era legítimo. O que não deixou de ter relevo na resposta negativa do tribunal a determinados factos aduzidos na acusação/pronúncia, ponderados todos os elementos probatórios.

Subsistem assim, relativamente aos arguidos (1) (A), (3) (B), (4) (L), (5) (J), (7) (N), e (8) (O), pelas mesmas razões, situações individualizadas de uso, encomenda, posse ou detenção de documentos falsificados, aptos a produzir as qualidades de deturpação da verdade documental que a representação da qualidade documental deveria produzir, tudo isto de forma consciente, devidamente representada e com a intenção de virem a ser utilizados em benefício ilegítimo dos mesmos possuidores. O circunstancialismo fáctico desencadeado e o contexto em que os mesmos eram detidos e possuídos não deixam dúvidas sobre esta aferição.

Excepção relevante é a situação do 1.º arguido que, em face dos indícios relevantes que se retiram da apreensão que lhe foi realizada e pelo contexto factual que se retira dos demais meios probatórios produzidos em audiência de julgamento e acima relevados, permitem evidenciar e fazer concluir pela responsabilização do mesmo relativamente aos documentos falsificados que ainda se encontravam na sua posse ou foram por ele entregues aos demais arguidos, acima identificados, que para tanto realizaram a respectiva encomenda num laço de comparticipação que se assim se deixou devidamente conformado.

No que respeita à apreensão da demais documentação – fotocópias de títulos de identificação oficiais e fotografias – que serviria, no entender da pronúncia, para elaborar novas cartas de condução falsificadas ou mesmo a uma autorização de residência também contrafeita, veio a apurar-se essas intenções e os acordos estabelecidos entre o 1.º arguido e vários dos outros arguidos a quem é imputada a prática de crimes de falsificação na sua forma tentada. Tudo isto sem menosprezo das considerações que apuraremos em sede de apuramento jurídico das questões jurídicos, nomeadamente no que respeita à dualidade de actos de execução / actos preparatórios e da punibilidade das condutas correspondentes.

Isto por via da concatenação dos elementos documentais probatórios assinalados, os depoimentos das testemunhas de acusação, no devido enquadramento com os factores indiciatórios que resultaram das próprias declarações de muitos dos arguidos, que não foram convincentes no que respeita à justificação da entrega dos referidos documentos ao 1.º arguido unicamente com vista à inscrição numa escola de condução com vista à realização de um exame mais facilitado.

                                                                       ***

Foram importantes, também assim, para prova da personalidade, do historial pessoal e vivencial, bem como das condições pessoais, sociais, culturais e económicas de cada um dos arguidos, para além das suas próprias declarações, quando produzidas, tal como acima descritas, os relatórios sociais elaborados pela DGRS e os certificados de registo criminal (ou informações registrais) insertos nos autos.

                                                          

Relevante também o enquadramento jurídico que passamos a transcrever:

VI. Enumerados que estão os factos há que conformar a situação e apreciá-la juridicamente.

a. Vêm os arguidos pronunciados pelo cometimento,

. o 1.º  arguido (A), como co-autor:

- na forma consumada, de oito crimes de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 256.°, n.º 1, alínea a) e 3, com referência aos artigos 255,°, alínea c) e 26.°, estes do Código Penal e n.º 2 do artigo 363.° do Código Civil (pontos A, C, D, E, F, G, H, N do libelo acusatório);

- na forma tentada, de dezanove crimes de falsificação de documentos, previstos e punidos pelos artigos 256.°, n.ºs 1, alínea a) e 3, com referência aos artigos 255.°, alínea c), 22.°, 23.° e 26.° do Código Penal e n,o 2 do artigo 363.° do Código Civil; (pontos B, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, 5, T, D, V, W, X, Y, Z da mesma acusação);

. o 2.º arguido, (FM), como co-autor, na forma consumada, de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelos artigos 256,°, n.ºs 1, alínea a) e 3, com referência aos artigos 255.°, alínea c) e 26.°, todos do Código Penal,  e n.º 2 do artigo 363,° do Código Civil (ponto A da acusação);

. o 3.º arguido, (B), como co-autor:

-  na forma consumada, um crime de falsificação de documentos e uso de documento, previsto e punido pelos artigos 256.°, n.ºs 1, alíneas a) e c) e 3, com referência aos artigos 255.°, alínea c) e 26.°, estes do Código Penal, e n.º 2 do artigo 363.° do Código Civil (ponto A);

- na forma tentada, um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelos artigos 256,°, n.ºs 1, alínea a), e 3, com referência aos artigos 255.°, alínea c), 22.°, 23.° e 26.°, estes do Código Penal, e n.º 2 do artigo 363.° do Código Civil (ponto B);

.  o 4.º arguido (L):

- como co-autor, na forma consumada, de um crime de falsificação de documento e uso de documento, previsto e punido pelos artigos 256.°, n.ºs 1, alíneas a) e c), e 3, com referência aos artigos 255.°, alínea c) e 26.°, estes do Código Penal, e n.º 2 do artigo 363.° do Código Civil (ponto C);

- como autor material, na forma consumada, um crime um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido, pelo artigo 121.° do Código da Estrada (Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio, com as alterações introduzidas pelos Decreto-Lei  214/96, de 20 de Novembro, Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, Rectificação n.o 1-A/98, de 31 de Janeiro, Decreto-Lei 162/2001, de 22 de Maio, Rectificação n.o 13-A/2001, de 24 de Maio, Decreto-Lei 265-A/2001, de 28 de Setembro, Rectificação n.o 19-B/2001, de 29 de Setembro, Lei 20/2002, de 21 de Agosto e 44/2005, de 23 de Fevereiro), e pelo artigo 3.°, n.º 2, do Decreto-Lei 2/98, de 03 de Janeiro (ponto C);

. Os 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º arguidos, (J), (M), (N), (O) e (EG), como co-autores, cada um, na forma consumada, um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 256.°, n.ºs 1, alínea a) e 3, com referência aos artigos 255.°, alínea c) e 26.°, estes do Código Penal e n.º 2 do artigo 363.° do Código Civil (pontos D, E, F, G, H);

. os 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º e 27.º  arguidos, (CV), (C), (CJ), (JT), (D), (U), (E), (F), (NR), MM, (G), (H), (I), (JCB), (JLC), (Z) e (H), como co-autores, cada um, na forma tentada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 256.°, n.ºs 1, alínea a) e 3, com referência aos artigos 255.°, alínea c), 22.°, 23.° e 26.°, estes do Código Penal, e n.º 2 do artigo 363.° do Código Civil (pontos I, J, K, L, M, O, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y); e

. o 15.º arguido, (MS),  como co-autor:

 - na forma consumada, um crime de falsificação de documento e uso de documento, previsto e punido pelos artigos 256.°, n.ºs 1, alíneas a) e c) e 3, com referência aos artigos 255.°, alínea c) e 26.°, estes do Código Penal, e n.º 2 do artigo 363.° do Código Civil (ponto N);

- na forma tentada, um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 256.°, n.º 1, alínea a) e 3, com referência aos artigos 255.°, alínea c), 22.°, 23.° e 26.°, estes do Código Penal, e n.º 2 do artigo 363.° do Código Civil (ponto N).

Comecemos por analisar a responsabilidade criminal dos arguidos quanto aos mencionados crimes de falsificação ou uso de documento falso, deslindando se, nesta parte, a imputação criminal presente na pronúncia pode vingar em face da matéria de facto resultante do julgamento.

b. No que respeita aos crimes de falsificação documental há que dizer o seguinte.

De acordo com o citado Art.º 256°, n° 1 al. a) do Cód. Penal “quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa beneficio ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:  a) fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso; b) fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante... é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa; ou ... f) por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito”.

De acordo com o Art.º 255.° al. a) do Código Penal o documento pode-se consubstanciar na declaração corporizada em escrito, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um círculo de pessoas, que permitindo conhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante.

A falsidade pode revestir características de falsidade ideológica e de falsidade material.

A inserção falsa num documento materialmente verdadeiro e a falsificação da assinatura significam uma falsificação intelectual, isto é, a desconformidade entre o documento e a declaração exarada, que não ocorreu.

O n.º 3 do citado Art.º 256.º agrava a punição para a prisão de 6 meses a 5 anos ou multa de 60 a 600 dias sempre que «os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale de correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no art. 267…».

O bem jurídico aqui valido prende-se com a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental (segurança no tráfico jurídico relacionada com os documentos), portanto a verdade intrínseca do documento enquanto tal – assim, Figueiredo Dias e Costa Andrade, in Colectânea de Jurisprudência, Ano VII, t3, pp. 23, e Helena Moniz, em Anotação ao Art.º 256.º, in Figueiredo Dias (dir.), Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, 1999, Coimbra: Coimbra Editora,   pp. 679-682.

Constitui assim, esta incriminação, um crime de perigo abstracto, de cariz formal ou de mera actividade, mas de especiais características, pois se exige uma certa actividade por parte do agente, no sentido de fabricar, modificar ou alterar o documento, isto é, “um crime formal considerado o resultado final que se pretende evitar – violação da segurança no tráfico jurídico em virtude da colocação neste do documento falso -, mas um crime material considerado o facto (modificação exterior) que o põe em perigo. Assim, se considerarmos, por um lado, a actividade e os interesses que este tipo legal visa proteger estamos perante um crime formal; se, por outro lado, considerarmos a actividade do agente – isto é, o acto de falsificar o documento – já estamos perante um crime material – assim, Helena Moniz, op. cit., pp. 682-683.

Constituindo a consumação a realização terminada e efectiva do crime, e porque o crime de falsificação de documentos é um crime de perigo abstracto, a consumação formal (com completa verificação de todos os elementos do tipo) ocorre antes da consumação material (verificação do resultado que o agente pretende obter com o crime). Bastando a simples consumação formal, o crime está consumado com o simples acto de falsificação.

O crime de falsificação encontra-se consumado logo que o agente, por si próprio ou por intermédio de outrem – nesse caso no estabelecimento de um nexo de comparticipação ao nível da co-autoria resultante do acordo estabelecido entre os intervenientes (cfr. Art.º 26.º do CPenal) -, tenha fabricado, falsificado ou utilizado o documento com uma intenção fraudulenta, não sendo necessário que o agente consiga alcançar o intuito que determinou a prática do crime. 

  Em face do que se retém na situação fáctica comprovada e no direito incriminatório agora descrito, conclui-se que se podem imputar ao 1.º arguido, (A), seis crimes consumados e autónomos de falsificação ou uso de documento falso, para além da responsabilização criminal correspondente dos arguidos (3) (B), (4) (L), (5) (J), (7) (N) e (8) (O) a cada uma das situações que lhe dizem respeito, pela prática, cada um deles, de um crime consumado de falsificação de documentos.

Efectivamente, como se retira da análise da factualidade enunciada nas alíneas a)1., a)2., a)5. a a)8., a)9. a a)14., a)20. a a)26., a)28. a a)33., a)34., a)35., a)36. a a)41., e a)42. a a)47. do ponto III. da matéria factual comprovada, sabe-se que o 1.º arguido, relativamente a seis casos, e os arguidos (3.º) (B), (4.º) (L), (5.º) (J), (7.º) (N) e (8.º) (O), cometeram crimes de falsificação, no âmbito das suas resoluções criminosas e dos actos por si praticados, dirigidos à contrafacção, viciação ou adulteração dos diversos documentos em causa (cartas de condução), ou, por outra via, à sua detenção e disponibilização com vista às finalidades mencionadas na situação fáctica comprovada.

Sendo que de novo relativamente ao 1.º arguido, (A), não obstante a reiteração das condutas de falsificação documental (detenção e facultação de documentação de cariz autêntico atrás mencionada), não se encontra comprovado ou afirmado uma situação fáctica tal da qual possa ser retirado um carácter homogéneo da execução dos crimes e necessariamente no quadro da mesma solicitação.

Não basta, para que se afirme a ocorrência de um só crime continuado, efectivamente, «a realização plúrima de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico». Mister será ainda que essa realização seja executada não só «por forma essencialmente homogénea» como «no quadro de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa» (cfr. Art.º 30.º, n.º 2, do CPenal). «O fundamento da diminuição da culpa correspondente ao crime continuado deve encontrar-se no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto, pelo que pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito»  - assim, o Ac. do STJ de 19/10/2006, proc. n.º 06P3131, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5d60c337e44ddae780257266004d49d7?OpenDocument.

Na presente situação, como vimos, não se  encontram reunidos os pressupostos do crime continuado de falsificação documental no que respeita a este mesmo 1.º arguido, saldando-se a imputação criminal autonomizada de cada um dos cinco crimes de falsificação apurados.

Encontrando-se preenchidos, quanto a todos estes arguidos, os elementos objectivos e subjectivos do mencionado ilícito criminal, a conduta dos arguidos será de subsumir ao crime de falsificação de documento p. e p. pelo Art.º 256.º, n.ºs 1, al. a), e 3, do Cód. Penal.

E, sendo certo que os arguidos sabiam que estavam a praticar actos contrários à lei criminal, mediante a utilização e viciação de documentos autênticos de identificação, residência e viagem, com intuito lucrativo e desacreditando a confiança, credibilidade e fé pública que tais documentos merecem quando autênticos e verdadeiros. Agiram voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta lhes estava vedada por lei, tem de considerar-se preenchido o elemento subjectivo da tipologia legal em apreço. Agiram eles, também assim, com dolo directo (Art.º 14.º do CPenal).

c. Certo é que, no que respeita ao 1.º arguido e também aos 3.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º e 24.º arguidos, se imputa a prática de crimes de falsificação na modalidade de tentativa, fazendo apelo a determinado circunstancialismo, isto é, à entrega de determinados suportes documentais (fotos e cópias de títulos de identificação) por estes últimos arguidos ao 1.º arguido no sentido de ele introduzir esses elementos no circuito da contrafacção e falsificação de cartas de condução e de autorização de residência, no pressuposto de uma resolução criminosa que teria a acção do 1.º arguido e da rede de falsificação como concretização dessa mesma contrafacção. Entende-se esta posição da acusação mediante o apelo às situações enquadradas na alínea c) do n.º 2 do Art.º 22.º do CPenal, que assimila aos próprios actos de execução de um crime (não consumado ou tentado) aos actos que “segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores”, isto é, os que “preencherem um elemento constitutivo do tipo” ou os que “forem idóneos a produzir o resultado típico”.

Ora, segundo se pode apurar das situações delineadas em a)15. a a)18., a)52. a a)56., a)62. a a)64., a)70. a a)73., a)77. a a)80., a)83. a a)86., a)87. a a)90., a)91. a a)94. do ponto III. da matéria de facto, só se podem enquadrar como meros actos preparatórios os actos de entrega das fotos e das cópias de títulos identificativos por parte dos arguidos (3.º) (B), (11.º) (C), (14.º) (D), (17.º) (E), (18.º) (F), (21.º) (G), (22.º) (H) e (23.º) (I) ao 1.º arguido, bem como a detenção por este destes mesmos documentos, sem que os mesmos tenham saído dessa esfera de detenção e tenham sido entregues a quem iria realizar, por seu turno, os actos de contrafacção documental inerentes às falsificações pretendidas.

Na verdade, sabe-se que estes actos praticados pelos arguidos, sobre os quais não existe o domínio dos factos típicos ou da esfera de risco salvaguardada pela norma criminal em causa, não se podem considerar como imediatamente antecedentes aos actos correspondentes às outras alíneas incluídas nas alíneas a) e b) do citado n.º 2 do Art.º 22.º do CPenal.

Entre a entrega desses elementos (fotos e fotocópias de títulos identificativos) que visavam a contrafacção dos documentos autênticos referidos ao 1.º arguido, que ficou possuidor dos mesmos, e a elaboração final dos pretendidos documentos contrafeitos ainda distava uma distância medida pelo espaço temporal e a intervenção de outros sujeitos que procederiam à contrafacção e falsificação dos mesmos, num nexo de comparticipação que se apresenta assim como interlocutado na sua fase inicial. Sabendo-se que a elaboração pelos falsificadores do documento em causa se estabelece como o acto essencial para a execução e consumação do crime e que esse mesmo acto ainda não se poderia perspectivar como a realizar com uma conexão directa ou imediata. 

 Estamos a falar, na linha do exposto por Figueiredo Dias, de uma exigência de conexão temporal estreita e de actuação sobre a esfera da vítima ou do tipo (conexão de perigo e conexão típica), entre os actos em causa – entrega e detenção dos elementos documentais que estariam na base da encomenda da contrafacção -, e os actos referentes à operação material de contrafacção ou falsificação e a sua entrega e detenção pelos interessados (agentes criminosos), delimitando-se, dessa forma, o que é tentativa da prática de meros actos preparatórios – assim, Figueiredo Dias, Direito Penal - Parte Geral, Tomo I, 2007, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 705-709. Consulte-se, também assim, Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal – Parte General, 4.ª edición, tradução castelhana da edição alemã de 1988, 1993, Granada: Editorial Comares, pp. 469-472.

Neste sentido decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 9/10/1991, ao afirmar que “I - A conduta de dois arguidos, que se traduziu na entrega de seis fotografias e fotocópia dos respectivos bilhetes de identidade a outro arguido, para que este lhes arranjasse uma carta de condução guineense forjada e que depois de obtidas aquelas cartas forjadas pretenderam tratar da troca dos documentos por cartas de condução nacionais, o que só não conseguiram por razões estranhas a sua vontade, não é enquadravel em qualquer acto de execução do crime de uso de documento falsificado por cuja prática foram condenados. II - Houve, sim a prática de actos concretos de falsificação desses documentos, feita fora do territorio nacional, por terceiros, mas a pedido daqueles dois arguidos feito através do terceiro arguido, o que enquadrável quanto a todos na figura da autoria mediata, antigamente designada por "autoria moral" do crime de falsificação de documentos da alínea a) do n. 1 do artigo 228 do Codigo Penal” – cfr. Ac. do STJ de 9/10/1991, proc. N.º 041591, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/63c9f55dc43884f1802568fc0039f322?OpenDocument.

Como refere Helena Moniz, na sequência da consideração destes crimes de falsificação como crime formal mas a necessitar da materialidade do resultado (crimes materiais de resultado), “(…) no caso específico dos crimes de mera actividade, só se pode falar de tentativa se para a consumação do crime for necessária a realização de vários actos. E é o que precisamente se verifica no caso da falsificação de documentos pois, como vimos, uma vez analisado este tipo legal de crime, segundo o plano de actividade do agente, este tem que proceder a uma modificação do mundo exterior. Contudo, devemos dizer que a tentativa deste crime não começa com a preparação dos instrumentos para proceder ao acto material de falsificação (aquela preparação, quanto muito, constitui acto preparatório não punível), mas sim com a preparação do próprio documento. Será então a partir do momento em que o agente inicia a falsificação do documento que se poderá falar de uma tentativa de falsificação de documentos (…)” – assim, Helena Moniz, O crime de falsificação de documentos – Da falsificação intelectual e da falsidade em documento, 1993, Coimbra: Almedina, pp. 44-45. 

Trata-se de uma acepção a que o legislador da recente reforma penal não ficou indiferente ao prever especificamente no actual n.º 1 do Art.º 271.º do CPenal, em termos inovadores, a punibilidade dos actos preparatórios respeitantes, para além de outros crimes já anteriormente previstos nesse catálogo, aos crime de falsificação previsto no Art.º 256.º do CPenal, consistentes no fabrico, importação, aquisição, fornecimento, exposição à venda ou retenção, de “formas, cunhos, clichés, prensas de cunhar, punções, negativos, fotografias ou outros instrumentos que, pela sua natureza, são utilizáveis para realizar crimes”.

Certo é que esta extensão excepcional da punibilidade dos actos preparatórios, mesmo duvidosamente aplicada, em termos gerais, às situações aqui descritas neste caso (em que a disponibilização e detenção de fotos dos titulares de documentos de identificação e de cópias dos mesmos títulos identificativos não se patenteia como instrumentos que pela sua natureza são utilizáveis para práticas criminosas), nunca aqui poderia ser viável, em face dos princípios de aplicação no tempo e numa reforma legal que entrou em vigor em 15/9/2007 – cfr., conjugadamente, Art.ºs 2.º, n.ºs 1 e 4, do CPenal, e Art.ºs 1.º e 13.º da Lei 59/2007 de 4/9.

Razão pela qual se considera como não integrada a prática de um crime de falsificação na sua forma tentada, tanto relativamente ao 1.º arguido como relativamente aos mencionados arguidos (3.º) (B), (11.º) (C), (14.º) (D), (17.º) (E), (18.º) (F), (21.º) (G), (22.º) (H) e (23.º) (I), mesmo que relativamente a estes se pudesse inferir, tal como se concluiu na matéria factual indicada uma intenção e resolução criminosas no que respeita à entrega ao 1.º arguido dos referidos elementos visando a realização dos aludidos documentos autênticos contrafeitos.

Justifica-se, ainda, neste ponto, uma palavra no que respeita ao documento contrafeito a que alude a alínea a)48. do ponto III. da matéria de facto provada, que diz respeito ao nome aí inscrito de “(EG)”, que não corresponde efectivamente ao efectivo e rigoroso nome da 9ª arguida “(EGM)”, saldando-se pois o mesmo documento como um falso inóquo ou grosseiro que nunca poderia reunir as características de um documento contrafeito apto a produzir o resultado pretendido pela vontade criminosa. A tentativa do crime de falsificação “deverá trazer ao documento uma aparência de verdade” (assim, Marques Borges, Dos crimes de falsificação de documentos, moedas, pesos e medidas – Notas ao Código Penal Artigos 228.º a 253.º, 1984, Lisboa: Rei dos Livros, pp. 42) sob pena de estarmos perante casos de tentativa impossível. Dentro da tentativa impossível, na verdade, integra-se não só a falsificação grosseira (que é fácil e imediatamente reconhecida), mas também a falsificação inócua (que abrange toda a falsificação que não é apta a provocar um perigo de lesão na segurança e credibilidade do tráfico-jurídico probatório) – assim, Helena Moniz, Anotação ao Art.º 256.º, op. cit., pp. 689. Nem ao 1.º arguido, (A), nem a esta 9ª arguida, por esta via, se pode imputar a realização de qualquer crime no que respeita a esta específica matéria.

Por último há que fazer menção aos outros casos, em que se terá de concluir, pura e simplesmente, pela improcedência total da acusação da acusação em face de não se ter comprovado ou em que não é possível realizar um qualquer juízo de imputabilidade criminal relativamente a determinados arguidos, por carência da prova de factos ou mesmo por via da apreciação jurídica da questão, tendo em conta todos os desenvolvimentos antecedentes.

Falamos, dessa forma, para além da agora indicada 9ª arguida (EGM) e dos demais arguidos, ainda não referidos nesta sede de apreciação jurídica, (2.º) (FM), (10.º) (CV), (12.º) (CJ), (13.º) (JT), (15.º) (MS), (16.º) (U), (19.º) (NR), (20.ª) (MM) e (24.º) (JCB). 

d. A acusação imputa, ainda, ao 4.º arguido, (L), a prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal

E, efectivamente, como se conclui do vertido nas alíneas a)22. a a)26. do ponto III. antecedente, o mesmo arguido encontrava-se a conduzir no referido dia 17/8/2001, na hora e local indicados, sendo possuidor do referido documento contrafeito, não sendo na verdade titular de qualquer documento que o habilitasse à condução automóvel.

Caracterizemos, neste ponto, o outro crime de condução de veículo sem habilitação legal, tal como previsto no Art.º 3.º/2 do DL 2/98 de 3/1.

Refere o mesmo preceito incriminador que é punido com pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, aquele que conduzir motociclo ou automóvel na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada – assim, n.ºs 1 e 2 do Art.º 3.º do citado DL 2/98 de 3/1.

Atente-se na conduta do arguido, descrita na situação fáctica comprovada, e que se enquadra, sem sombra para dúvidas, na previsão deste outro tipo legal de ilícito criminal. Considere-se que o arguido conduzia a viatura identificada, não sendo ele titular de qualquer documento legítimo que o habilitasse legalmente a conduzir.

E a constatação dessa conduta que o arguido imprimiu - dentro da lógica de consagração de um tipo incriminador formal ou de mera actividade, caracteristicamente, pelo bem jurídico identificável, um crime de perigo abstracto - leva a constituí-lo, sem margem para rebuços, como autor de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo citado Art.º 3.º/2 do DL 2/98 de 3/1.

O arguido representou e pretendeu todos estes elementos de uma forma directa ou intencional (Art.º 14.º/1 do CPenal).

                                                           ***

Cumpre apreciar e decidir.

O Digno Magistrado do Ministério Público em sede de conclusões suscita como questões a decidir:

- Erro notório na apreciação da prova ( art.º 410º, n.º 2, al.c), do CPP);

- Contradição entre a fundamentação e a decisão ( art.º 410º, n.º2, al.b), do CPP;

Erro notório na apreciação da prova.

Tal erro para relevar, enquanto vício, carece de ser notório.

O erro notório na apreciação da prova, não é um princípio de prova, não é um meio de valoração da prova, mas um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum, na leitura do texto da decisão recorrida ainda que conjugada com as regras da experiência comum.

É que o erro na apreciação da prova só pode resultar de se ter dado como provado algo que notoriamente está errado «que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa.» (Ac. de 12.11.98, no BMJ 481-325).

Como determina o n.º 2 do art.º 410 do CPP, este vicio tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras de experiência comum.

Nesse sentido o Ac. do STJ de 19-12-1990, onde se pode ler: “ Como resulta expressis verbis do art.º 410º, do CPP, os vícios nele referidos têm de resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo de inquérito ou a instrução ou até mesmo o julgamento…”

E também o Ac. daquele Tribunal Superior, de 15-04-1998 (BMJ, 476,82), “só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras de experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária a que chegou o tribunal.”

Da decisão anteriormente transcrita, não se detecta qualquer erro desse tipo, nem tão pouco o recorrente o concretiza.

Em conclusão, na decisão recorrida, não se perfila a existência de este vício constante do artigo 410.º n.º 2 do CPP, pois que a decisão mostra-se coerente, harmónica e não contém factos contrários às regras da experiência comum, nem a existência de erro que seja patente para qualquer cidadão.

Na verdade, da motivação e respectiva conclusão, percebe-se que a discordância do recorrente em relação à decisão recorrida é apenas no plano de direito, por considerar que os factos dados como provados, são suficientes para condenar os arguidos como autores materiais de crimes de falsificação na forma tentada, pelo que há contradição ente a fundamentação de facto e a decisão, o que passaremos a analisar.

Contradição entre a fundamentação e decisão

Quanto à contradição entre a fundamentação de facto e de direito, o recorrente alega que os factos provados relativamente ao crime de falsificação de documentos, só poderiam conduzir a uma condenação.

Vejamos se lhe assiste razão.

Neste concreto, importa reter os seguintes factos que estão dados como provados na sentença recorrida:

- Desde data concreta não apurada, o arguido (A) era intermediário de falsificadores de documentos autêntico.

- O arguido (A) era angariador de clientes que comprassem documentos viciados, com vista à obtenção de lucros monetários. (…

- Os indivíduos interessados em obter a carta de condução falsificada dirigiam-se ao 1º arguido (A), que lhes pedia determinada quantia, o que dependia da necessidade e da postura demonstradas pelo cliente, sendo a diferença entre o custo da falsificação e o preço alcançado na negociação que o mesmo 1º arguido ganhava com o negócio.

- No caso de os indivíduos estarem interessados o mesmo 1º arguido (A) pedia para estes lhe entregarem uma fotocópia do bilhete de identidade ou de outro documento de identificação, bem como duas fotografias tipo passe.

- Na posse dessas fotografias o mesmo 1º arguido (A) contactava, em circunstâncias que não foi possível apurar, com o indivíduo ou indivíduos que iriam proceder à contrafacção dos documentos e procedia à encomenda dos documentos pretendidos, geralmente cartas de condução.

- Efectuada uma busca à residência do 1º arguido (A) no âmbito do NUIPC 98/01.1GGLSB, que corre termos na 1ª Vara de Competência Mista Cível e Criminal de Sintra, em 17 de Julho de 2001, foram-lhe apreendidas várias cartas de condução falsas, assim como apontamentos com a identificação de diversos indivìduos, referentes a novas encomendas, fotografias e fotocópias de vários tipos de documentos, tais como bilhetes de identidade.

- No mês de Janeiro de 2001 o 3º arguido (B) veio a conhecer, por intermédio de sujeito que não foi possível apurar, o 1º arguido (A), com vista a poder obter uma carta de condução sem ir à escola nem fazer exame de condução.                                                   

- Posteriormente foi entregue ao mesmo 3º arguido (B) a carta de condução com o nº L - ....9, com a qual o arguido veio a conduzir um número indeterminado de vezes e em locais que não foi possível apurar.

. Em 6 de Março de 2001 o arguido (B) requereu junto da Direcção-Geral de Viação a alteração de morada da carta de condução.

- Não existindo qualquer registo do condutor e tendo sido considerada falsa a carta de condução em epígrafe, a Direcção-Geral de Viação enviou a mesma para a Polícia Judiciária.

- A carta de condução (…) efectuada a competente perícia (…) veio a revelar-se falsa (…).

- Uma vez que a carta de condução com o nº  L - ....9 foi apreendida ao 3º arguido (B), entre 6 de Março de 2001 e 17 de Julho de 2001, voltou a procurar o 1º arguido (A) para que este lhe obtivesse nova carta de condução nas mesmas condições.

- Com vista à obtenção da carta de condução o 1º arguido (A) pediu ao arguido (B) duas fotografias e fotocópia do bilhete de identidade que este entregou e ainda uma quantia monetária cujo valor não foi possível apurar.

- O 1º arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos à pessoa que iria realizar a aludida contrafacção, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à sua residência tais documentos ser-lhe-iam apreendidos.

-O 3º arguido (B) não chegou a utilizar-se do referido documento pelas circinstâncias acima descritas.

- O 11º arguido (C) frequentou aulas teóricas de código, mas nunca chegou a ter carta de condução.

- Em Junho de 2001, em conversa com um amigo o mesmo falou-lhe do 1º arguido (A), e que através do mesmo podia obter carta de condução sem que fosse necessário inscrever-se em escolas e consequentemente efectuar qualquer tipo de exame teórico ou prático.

- O mesmo 11º arguido (C) contactou o identificado arguido (A), de forma concretamente não apurada.

- Com vista à obtenção da carta de condução o mesmo 1º arguido (A) pediu ao 11º arguido (C) duas fotografias e fotocópia do bilhete de identidade que este entregou e ainda a quantia de € 498,80 (Esc.100.000$00), que entregou em duas parcelas de Esc. 50.000$00 cada uma.

- O mesmo 1º arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos à pessoa que se encarregaria da contrafacção, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do mesmo 1º arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos.

- O 11º arguido (C) não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade.

- O 14º arguido (D) tentou obter a carta de condução, mas não conseguiu porquanto reprovou.

- Em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o 14º arguido (D) teve conhecimento da possibilidade de obter carta de condução através do 1º arguido (A), sem que fosse necessário inscrever-se em escolas e consequentemente efectuar qualquer tipo de exame teórico ou prático.

- Com vista à obtenção da carta de condução o mesmo 1º arguido (A) pediu a este arguido (D) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade e ainda uma quantia em montante que não foi possível apurar.

- O 1º arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos ao “Paquete”, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do mesmo arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos.

- O 17º arguido (E) frequentou uma escola de condução com vista à obtenção de carta de condução, tendo reprovado duas vezes.

- O 3º arguido (B) foi apresentado a este 17º arguido (E) por um colega de trabalho cuja identidade não foi possível apurar.

- Em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o mesmo 17º arguido (E), em conversa com aquele 3º arguido (B) teve conhecimento da possibilidade de obtenção de carta de condução através do 1º arguido (A), sem que fosse necessário inscrever-se em escolas e consequentemente efectuar qualquer tipo de exame teórico ou prático.

- Para o efeito o arguido (B) levou o arguido (E) a um café em Alverca, local onde se encontraram com o arguido (A).

- Com vista à obtenção da carta de condução o 1º arguido (A) pediu ao arguido (E) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade, e ainda uma quantia cujo montante não foi possível apurar, que só entregaria mediante a entrega da carta de condução.

- O mesmo 1º arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos à pessoa que se encarregaria da contrafacção, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos.

- O 18º arguido (F) encontra-se em Portugal desde 1982 a trabalhar na construção civil.

- Em data concretamente não apurada esteve inscrito numa escola de condução para obtenção de carta de condução, mas desistiu.

- Também em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o 18º arguido (F), em conversa com um indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, teve conhecimento da possibilidade de obtenção de carta de condução de um modo mais facilitado.

- Com vista à obtenção da carta de condução o tal indivíduo pediu ao 18º arguido (F) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade (…) e ainda a quantia de cerca de € 39,90/49,88 (Esc.: 8.000$00/10.000$00), quantia que o mesmo arguido (F) entregou.

- De forma concretamente não apurada esse mesmo indivíduo entregou ao 1º arguido (A) os mencionados documentos para que este procedesse à elaboração de carta contrafeita.

- O 1º arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos à pessoa encarregue de fazer a contrafacção da carta de condução, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos.

- Em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o 21º arguido (G) contactou, por forma não apurada, o 1º arguido (A) por forma a obter uma carta de condução portuguesa sem necessidade de recorrer a quaisquer exames teórico ou de condução.

- Com vista à obtenção da carta de condução, o mesmo 21º arguido G entregou ao arguido (A) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade e ainda a quantia monetária cujo valor não foi possível apurar.

- O mesmo 1º arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos à pessoa encarregue de fazer a contrafacção da carta de condução, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos.

- Este 21º arguido G não chegou a utilizar-se do referido documento por razões única e exclusivamente alheias à sua vontade.

- Em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o 22º arguido (H) contactou por forma não apurada o 1º arguido (A) de forma a obter uma carta de condução portuguesa sem necessidade de recorrer a quaisquer exames teórico ou de condução.

- Com vista à obtenção da carta de condução, o arguido (H) entregou ao arguido (A) duas fotografias, fotocópia do bilhete de identidade, tendo sido prometida o pagamento de uma quantia monetária cujo valor não foi possível apurar.

- O 1º arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos à pessoa que se encarregaria da contrafacção da carta, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos.

-O mesmo 22º arguido (H) não chegou a utilizar-se do referido documento pelas circunstâncias aludidas.

- Em data concretamente não apurada, entre Novembro de 2000 e 17 de Julho de 2001, o 23º arguido (I) contactou, por forma não deslindada o 1º arguido (A) por forma a obter uma carta de condução portuguesa sem necessidade de recorrer a quaisquer exames teórico ou de condução

- Com vista à obtenção da carta de condução, o mesmo arguido 23º (I) entregou ao 1º arguido (A) fotocópia do bilhete de identidade documentada a fls. 104 e fotos documentadas a fls. 114 e ainda uma quantia monetária cujo valor não foi possível apurar.

- O 1º arguido (A) não chegaria a entregar os aludidos documentos à pessoa que se encarregaria da contrafacção, porquanto, na sequência de uma busca efectuada à residência do arguido (A) tais documentos ser-lhe-iam apreendidos.

- Este 23º arguido (I) não chegou a utilizar-se do referido documento pelas circunstâncias aludidas.

- O 1º arguido (A) estava ciente de que, ao obter a falsificação dos documentos autênticos da natureza supra descrita de a)8. a a)15., (…) e ao vendê-los punha em causa o interesse do Estado na credibilidade dos sinais por eles emitidos para identificação dos seus titulares.

- Ao actuar da forma descrita, o mesmo 1º arguido (A), que angariava compradores para tais documentos e que os vendia a estes últimos pelas quantias descritas, agia com o propósito de obter, para si e para terceiros, os lucros correspondentes.

- O mesmo arguido (A) forneceu ou pretendeu fornecer aos arguidos acima identificados em a)9. e a)15 (3º (B)),(…) a)51. (11º (C)), (…) a)61. (14º (D)), a)68. (17º (E)), (…) a)83. (21º (G)), a)87. (22º (H)), e a)91. (23º (I)), documento falsos para que estes, quando fiscalizados pelas autoridades competentes, pudessem apresentar perante estas tais documentos, criando desse modo a falsa aparência de que os elementos neles constantes correspondiam à verdade, o que bem sabia não acontecer.          

  - Este era igualmente o objectivo desses arguidos ora identificados em a)102 os quais, num determinado momento, pagaram as mencionadas quantias para poderem ser possuidores de uma carta de condução.

- Sendo que esses mesmos arguidos tinham também conhecimento de que tais documentos se encontravam ou encontrariam viciados e que não correspondiam à verdade, pois não haviam sido emitidos pela Direcção-Geral de Viação, a entidade que sabiam ser competente.          

- Sabiam os arguidos referidos em a)102., para além do 1º arguido (A), que a respectiva actuação de cada um deles punha em causa a fé pública, a veracidade e a confiança de que gozam tais documentos.

- Os mesmos arguidos identificados em a)106, agiram voluntária, livre e conscientemente, não ignorando o carácter censurável da sua conduta. (…) “.

O Mmo juiz “ a quo” com estes factos e quando do respectivo enquadramento, decide pelo não subsunção destas condutas no crime de falsificação de documentos na forma tentada com os argumentos que passamos a reproduzir:

“ Certo é que, no que respeita ao 1.º arguido e também aos 3.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º e 24.º arguidos, se imputa a prática de crimes de falsificação na modalidade de tentativa, fazendo apelo a determinado circunstancialismo, isto é, à entrega de determinados suportes documentais (fotos e cópias de títulos de identificação) por estes últimos arguidos ao 1.º arguido no sentido de ele introduzir esses elementos no circuito da contrafacção e falsificação de cartas de condução e de autorização de residência, no pressuposto de uma resolução criminosa que teria a acção do 1.º arguido e da rede de falsificação como concretização dessa mesma contrafacção. Entende-se esta posição da acusação mediante o apelo às situações enquadradas na alínea c) do n.º 2 do Art.º 22.º do CPenal, que assimila aos próprios actos de execução de um crime (não consumado ou tentado), aos actos que “segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores”, isto é, os que “preencherem um elemento constitutivo do tipo” ou os que “forem idóneos a produzir o resultado típico”.

Ora, segundo se pode apurar das situações delineadas em a)15. a a)18., a)52. a a)56., a)62. a a)64., a)70. a a)73., a)77. a a)80., a)83. a a)86., a)87. a a)90., a)91. a a)94. do ponto III da matéria de facto, só se podem enquadrar como meros actos preparatórios os actos de entrega das fotos e das cópias de títulos identificativos por parte dos arguidos (3.º) (B), (11.º) (C), (14.º) (D), (17.º) (E), (18.º) (F), (21.º) (G), (22.º) (H) e (23.º) (I) ao 1.º arguido, bem como a detenção por este destes mesmos documentos, sem que os mesmos tenham saído dessa esfera de detenção e tenham sido entregues a quem iria realizar, por seu turno, os actos de contrafacção documental inerentes às falsificações pretendidas.

Na verdade, sabe-se que estes actos praticados pelos arguidos, sobre os quais não existe o domínio dos factos típicos ou da esfera de risco salvaguardada pela norma criminal em causa, não se podem considerar como imediatamente antecedentes aos actos correspondentes às outras alíneas incluídas nas alíneas a) e b) do citado n.º 2 do Art.º 22.º do CPenal.

Entre a entrega desses elementos (fotos e fotocópias de títulos identificativos) que visavam a contrafacção dos documentos autênticos referidos ao 1.º arguido, que ficou possuidor dos mesmos, e a elaboração final dos pretendidos documentos contrafeitos ainda distava uma distância medida pelo espaço temporal e a intervenção de outros sujeitos que procederiam à contrafacção e falsificação dos mesmos, num nexo de comparticipação que se apresenta assim como interlocutado na sua fase inicial. Sabendo-se que a elaboração pelos falsificadores do documento em causa se estabelece como o acto essencial para a execução e consumação do crime e que esse mesmo acto ainda não se poderia perspectivar como a realizar com uma conexão directa ou imediata. 

 Estamos a falar, na linha do exposto por Figueiredo Dias, de uma exigência de conexão temporal estreita e de actuação sobre a esfera da vítima ou do tipo (conexão de perigo e conexão típica), entre os actos em causa – entrega e detenção dos elementos documentais que estariam na base da encomenda da contrafacção -, e os actos referentes à operação material de contrafacção ou falsificação e a sua entrega e detenção pelos interessados (agentes criminosos), delimitando-se, dessa forma, o que é tentativa da prática de meros actos preparatórios – assim, Figueiredo Dias, Direito Penal - Parte Geral, Tomo I, 2007, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 705-709. Consulte-se, também assim, Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal – Parte General, 4.ª edición, tradução castelhana da edição alemã de 1988, 1993, Granada: Editorial Comares, pp. 469-472.

Neste sentido decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 9/10/1991, ao afirmar que “I - A conduta de dois arguidos, que se traduziu na entrega de seis fotografias e fotocópia dos respectivos bilhetes de identidade a outro arguido, para que este lhes arranjasse uma carta de condução guineense forjada e que depois de obtidas aquelas cartas forjadas pretenderam tratar da troca dos documentos por cartas de condução nacionais, o que só não conseguiram por razões estranhas a sua vontade, não é enquadrável em qualquer acto de execução do crime de uso de documento falsificado por cuja prática foram condenados. II - Houve, sim a prática de actos concretos de falsificação desses documentos, feita fora do território nacional, por terceiros, mas a pedido daqueles dois arguidos feito através do terceiro arguido, o que enquadrável quanto a todos na figura da autoria mediata, antigamente designada por "autoria moral" do crime de falsificação de documentos da alínea a) do n. 1 do artigo 228 do Codigo Penal” – cfr. Ac. do STJ de 9/10/1991, proc. N.º 041591, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/63c9f55dc43884f1802568fc0039f322?OpenDocument.

Como refere Helena Moniz, na sequência da consideração destes crimes de falsificação como crime formal mas a necessitar da materialidade do resultado (crimes materiais de resultado), “(…) no caso específico dos crimes de mera actividade, só se pode falar de tentativa se para a consumação do crime for necessária a realização de vários actos. E é o que precisamente se verifica no caso da falsificação de documentos pois, como vimos, uma vez analisado este tipo legal de crime, segundo o plano de actividade do agente, este tem que proceder a uma modificação do mundo exterior. Contudo, devemos dizer que a tentativa deste crime não começa com a preparação dos instrumentos para proceder ao acto material de falsificação (aquela preparação, quanto muito, constitui acto preparatório não punível), mas sim com a preparação do próprio documento. Será então a partir do momento em que o agente inicia a falsificação do documento que se poderá falar de uma tentativa de falsificação de documentos (…)” – assim, Helena Moniz, O crime de falsificação de documentos – Da falsificação intelectual e da falsidade em documento, 1993, Coimbra: Almedina, pp. 44-45. 

Trata-se de uma acepção a que o legislador da recente reforma penal não ficou indiferente ao prever especificamente no actual n.º 1 do Art.º 271.º do CPenal, em termos inovadores, a punibilidade dos actos preparatórios respeitantes, para além de outros crimes já anteriormente previstos nesse catálogo, aos crime de falsificação previsto no Art.º 256.º do CPenal, consistentes no fabrico, importação, aquisição, fornecimento, exposição à venda ou retenção, de “formas, cunhos, clichés, prensas de cunhar, punções, negativos, fotografias ou outros instrumentos que, pela sua natureza, são utilizáveis para realizar crimes”.

Certo é que esta extensão excepcional da punibilidade dos actos preparatórios, mesmo duvidosamente aplicada, em termos gerais, às situações aqui descritas neste caso (em que a disponibilização e detenção de fotos dos titulares de documentos de identificação e de cópias dos mesmos títulos identificativos não se patenteia como instrumentos que pela sua natureza são utilizáveis para práticas criminosas), nunca aqui poderia ser viável, em face dos princípios de aplicação no tempo e numa reforma legal que entrou em vigor em 15/9/2007 – cfr., conjugadamente, Art.ºs 2.º, n.ºs 1 e 4, do CPenal, e Art.ºs 1.º e 13.º da Lei 59/2007 de 4/9.

Razão pela qual se considera como não integrada a prática de um crime de falsificação na sua forma tentada, tanto relativamente ao 1.º arguido como relativamente aos mencionados arguidos (3.º) (B), (11.º) (C), (14.º) (D), (17.º) (E), (18.º) (F), (21.º) (G), (22.º) (H) e (23.º) (I), mesmo que relativamente a estes se pudesse inferir, tal como se concluiu na matéria factual indicada uma intenção e resolução criminosas no que respeita à entrega ao 1.º arguido dos referidos elementos visando a realização dos aludidos documentos autênticos contrafeitos.

Justifica-se, ainda, neste ponto, uma palavra no que respeita ao documento contrafeito a que alude a alínea a)48 do ponto III. da matéria de facto provada, que diz respeito ao nome aí inscrito de “(EG)”, que não corresponde efectivamente ao efectivo e rigoroso nome da 9ª arguida “(EGM)”, saldando-se pois o mesmo documento como um falso inóquo ou grosseiro que nunca poderia reunir as características de um documento contrafeito apto a produzir o resultado pretendido pela vontade criminosa. A tentativa do crime de falsificação “deverá trazer ao documento uma aparência de verdade” (assim, Marques Borges, Dos crimes de falsificação de documentos, moedas, pesos e medidas – Notas ao Código Penal Artigos 228.º a 253.º, 1984, Lisboa: Rei dos Livros, pp. 42) sob pena de estarmos perante casos de tentativa impossível. Dentro da tentativa impossível, na verdade, integra-se não só a falsificação grosseira (que é fácil e imediatamente reconhecida), mas também a falsificação inócua (que abrange toda a falsificação que não é apta a provocar um perigo de lesão na segurança e credibilidade do tráfico-jurídico probatório) – assim, Helena Moniz, Anotação ao Art.º 256.º, op. cit., pp. 689. Nem ao 1.º arguido, (A), nem a esta 9ª arguida, por esta via, se pode imputar a realização de qualquer crime no que respeita a esta específica matéria.

O Digno Magistrado do Ministério Público por seu turno, contra argumenta, alegando em resumo que “não pode, com todo o respeito, vir dizer a final que se considera como não integrada a prática de um crime de falsificação na sua forma tentada relativamente tanto ao 1º arguido (A), como aos arguidos 3º (B), 11º (C), 14º (D), 17º (E), 18º (F), 21º (G), 22º (H) e 23º (I), mesmo que relativamente a estes se possa inferir, tal como se conclui na matéria factual indicada uma intenção e resolução criminosa no que respeita à entrega ao 1º arguido (A) dos referidos documentos visando a realização dos aludidos documentos autênticos contrafeitos.

Isto porque, os descritos actos de entrega dos documentos referidos ao 1º arguido, para posteriormente serem contrafeitos são já actos de execução do crime de falsificação de documentos, na definição legal dada pelo artº22º, n.º 2 do Código penal.

Citando o professor Germano Marques da Silva, in Direito Penal, II, Editorial Verbo, 1998, págs. 232-233, “ (…) os actos preparatórios são já actos externos que preparam ou facilitam a execução, mas ainda não são actos de execução do crime (…) o critério legal para a distinção entre actos preparatórios e actos de execução é um critério objectivo; os actos de execução hão-de conter já, eles próprios, um momento de ilicitude, pois ainda que não produzam a lesão do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do crime consumado produzem já uma situação de perigo para esse bem.”

 Os actos praticados pelos arguidos hão-se ser adequados, já de si, a causar o resultado final.

Conclui, houve intenção e acordo entre os arguidos - para que a falsificação constitua crime é necessário que haja intenção de causar prejuízo ou beneficiar ilegitimamente (art. 256º do Código Penal) -, houve entrega de documentos e quantias monetárias, logo, houve actos idóneos, inequívocos, capazes potencialmente de produzir o evento, logo, houve tentativa.

Os actos de entrega das fotos e das cópias de títulos identificativos por parte dos ora arguidos (3º, 11º, 14º, 17º, 18º, 21º, 22º e 23º) ao 1º arguido (A) e a detenção por este último desses mesmos documentos são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime e que são idóneos a produzir o resultado típico.

 Não fora a intervenção da Polícia Judiciária na busca realizada à residência do 1º arguido (A) e a apreensão de toda essa documentação, prosseguir-se-ia na execução do crime com a entrega de tal documentação a quem realizava a contrafacção e posteriormente entregue aos supra indicados arguidos que a pretendiam e tinham encomendado.

E acrescenta, os referidos actos só não prosseguiram por motivos alheios à vontade destes arguidos – intervenção da P.J. – e não por vontade dos próprios, não tendo havido por parte de nenhum deles um abandono, uma desistência voluntária e espontânea da execução do crime, um esforço para evitar a consumação do crime ou do seu resultado."

No caso em análise, a divergência entre o recorrente e a decisão impugnada, assenta única e exclusivamente na diferença de concepção do que são actos preparatórios e actos de execução e isso torna-se essencial na subsunção de uma conduta num crime na forma tentada.  

A doutrina e jurisprudência não tem dúvidas em concluir pela existência de tentativa, sempre que o delinquente cometeu actos de execução para consumar o crime, mas não chegou a fazer tudo quanto era necessário para realizar o intento criminoso, por circunstâncias fortuitas e independentes da sua vontade.

Isso mesmo determina o art.º 22º do CP, onde se diz,” há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”.

São actos de execução: a) os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) os que forem idóneos a produzirem o resultado típico; c) os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.

Na procura de um elemento que permita delimitar os contornos dos actos preparatórios, dos actos de execução, a dogmática jurídica fixou-se num núcleo edificado na esteira da consolidação da doutrina do domínio do facto.

Como escreve Germano Marques da Silva, “os actos preparatórios são já actos externos que preparam e facilitam a execução, mas ainda não são actos de execução. Os actos de execução hão-de conter já, eles próprios, um momento de ilicitude, pois ainda que não produzam uma lesão do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora produzem já uma situação de perigo para esse bem.”

Para Roxin por exemplo, o começo de execução ocorre quando se verifiquem, cumulativamente, duas circunstâncias: 1) que o autor com a acção iniciada incida na esfera de direitos (segurança, tranquilidade e liberdade de acção) da vitima; 2) - que exista “uma estreita relação temporal entre a acção e o resultado perseguido”, dito nas palavras do próprio Roxin “na tentativa inacabada deve, portanto, chegar-se conjuntamente a duas coisas: a «perturbação das esferas» e a «estreita conexão temporal» entre a acção do autor e a pretendida produção do resultado”.

A solução sustentada, embora sendo maioritária, carece, na perspectiva de outros autores, como Rafael Alcácer, de uma dificuldade de acomodação a situações, hipoteticamente imaginadas, como não sendo capaz de responder satisfatoriamente às necessidades de fixar limites objectivos e suficientemente determináveis na definição dos contornos que hão-de reger os actos preparatórios e actos de execução. Diz este autor, “ a teoria que de maneira mais adequada poderia responder a esta problemática, seria a teoria dos actos intermédios, ou seja a ocorrência de uma imediatidade da acção entre o acto realizado e o acto típico, nas palavras do próprio: […] “que entre o acto a julgar e a acção que realizaria o verbo típico da Parte Especial não sejam necessários actos intermédios (ainda assim actos intermédios essenciais), para que a acção possa arribar na realização propriamente típica sem interrupções nem obstáculos”; e com esta imediatidade ou conexão entre acto realizado e o que realiza o verbo típico ocorra uma imediatidade temporal. Ou ainda que, “os actos constitutivos da tentativa são, por tanto, só aqueles sucessos “que se encontram na zona imediatamente anterior à realização de um elemento do tipo”.

Isto vale por dizer, que só as condutas que lesem ou sejam perigosas para os bens jurídicos penalmente tutelados, podem ser objecto de punição.

A ser assim, temos de concluir que os actos de execução implicam uma proximidade directa ao momento da incidência do bem jurídico protegido, pois ainda que as acções preparatórias comportem uma manifestação de vontade de delinquir, devem permanecer impunes, radicando a razão dessa impunidade nos eventuais abusos que a sua punição poderia acarretar.

E o começo da tentativa há-de, pois, colocar-se naquele momento em que círculo de protecção dos direitos do titular do direito se revela, objectivamente, ameaçado pela acção realizada e quando entre esta acção e o verbo típico ocorre um contínuo temporal que deva conduzir à realização do tipo de ilícito.

Aqui chegados, vejamos se a entrega das fotos e cópias de títulos de identificação, pelos arguidos acima descritos ao 1º arguido, para obterem as cartas de condução e autorização de residência, são actos preparatórios ou de execução.

Em causa estão, como referimos, dois entendimentos distintos quanto ao conceito deste tipo de actos.

Apesar de nos revermos nos fundamentos que sustentam a orientação seguida pelo tribunal recorrido, entendemos que entre a entrega dos elementos referidos (fotos e cópias de títulos de identificação) que visavam a contrafacção de documentos e a elaboração final, não existe uma distância, nem pelo espaço temporal, nem pela intervenção de terceiros, que impossibilite falar de início de execução.

Acresce que, em todas as orientações, o começo da execução estabelece-se no momento a partir do qual o autor realizou uma conduta contrária ao Direito, o que de resto decorre, da interpretação do art.º 22º, n.º 2, als. B) e c), do Código Penal.

Esta interpretação terá a nosso ver de ser ajustada à complexidade de cada caso em concreto, dela dependendo a solução.

No situação em análise, estamos perante um crime altamente organizado, nos quais, existe sempre uma cadeia de participantes aqui constituída pelo 1º arguido, o (A), que funcionava como intermediário de falsificação de documentos autênticos, angariando clientes (os restantes arguidos), que comprassem documentos viciados, com vista à obtenção de lucros e com conhecimento que punham em causa a credibilidade e fé pública que aqueles documentos devem merecer e do individuo que procedia às falsificações.

Numa estrutura organizativa assim delineada, para além de não se poder falar de terceiros, porque os indivíduos que procediam à contrafacção, se se tivesse conseguido apurar das respectivas identidades, também seriam co-autores, é normal a existência de um espaço temporal mais alargado, sem que isso possa significar que não existiu execução ou que houve quebra no início dessa execução.

Nesta perspectiva, os actos praticados pelos arguidos (ao entregarem ao arguido A os elementos necessários para a contrafacção dos documentos que pretendiam e certo quantitativo em dinheiro, correspondente ao preço, e o recebimento por parte deste) inseriram-se num segmento da actividade criminosa que por ser mais organizada, já estava em marcha.

Sem dúvida que os arguidos aderiram e foram autores desse segmento e os referidos comportamentos eram idóneos a produzir uma violação do direito na medida em que representavam um perigo de lesão do bem jurídico tutelado pela norma, cabendo naqueles actos que o legislador define como os que, segundo a experiência comum, são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos que preencham os elementos constitutivos do crime de falsificação, ou idóneos a produzir o resultado típico.

Dentro deste contexto não se entende que o tribunal tenha dado como provada a intenção e resolução criminosas no que concerne à entrega ao arguido A, pelos restantes, dos documentos visando a realização dos documentos contrafeitos e posteriormente conclua não se verificar a prática do crime de falsificação na forma tentada.

Com efeito, é notória a contradição entre os factos provados e a decisão porque no momento da entrega, como salienta a Digna Magistrada do Ministério Público, já se podia inferir uma intenção e resolução criminosas que teria a acção daquele 1º arguido e da rede de falsificação como concretização dessa contrafacção.

A solução perfilhada pelo Mmo juiz “a quo”, ignorou estes aspectos que nos parecem de capital importância para decidir se os factos provados integram ou não, os chamados actos de execução que permitiriam a punição dos arguidos como autores do crime de falsificação na forma tentada.

A propósito escreve-se no aresto posto em crise ” Entre a entrega desses elementos (fotos e fotocópias de títulos identificativos) que visavam a contrafacção dos documentos autênticos referidos ao 1.º arguido, que ficou possuidor dos mesmos, e a elaboração final dos pretendidos documentos contrafeitos ainda distava uma distância medida pelo espaço temporal e a intervenção de outros sujeitos que procederiam à contrafacção e falsificação dos mesmos, num nexo de comparticipação que se apresenta assim como interlocutado na sua fase inicial. Sabendo-se que a elaboração pelos falsificadores do documento em causa se estabelece como o acto essencial para a execução e consumação do crime e que esse mesmo acto ainda não se poderia perspectivar como a realizar com uma conexão directa ou imediata”para concluir pela absolvição dos arguidos quanto ao crime de falsificação de documentos.

Concordando com o raciocínio lógico e a orientação doutrinal que o sustenta, concluímos porém que a entrega daqueles elementos, dentro desta criminalidade já com um nível de sofisticação que indicia uma rede devidamente estruturada, integra a definição de actos de execução, porque a falsificação, não fora a sua apreensão pelos agentes da Policia judiciária, já se perspectivava como consequência directa, como de resto aconteceu com outros tantos documentos, pelos quais vieram a ser punidos como autores de crimes de falsificação na forma consumada.

Conclui-se assim, pela procedência do recurso determinando-se o reenvio do processo para apreciação relativamente aos crimes de falsificação na forma tentada, nos termos acima expostos.

Decisão

Por todo o exposto, este tribunal decide conceder provimento ao recurso, determinando o reenvio do processo para apreciação relativamente aos crimes de falsificação na forma tentada, nos termos acima expostos.

Sem Tributação.

Lisboa, 13 de Novembro de 2008.

Margarida Veloso

José Martins