SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
EFEITOS
Sumário

1. O juiz só deverá declarar a suspensão de instância, nos termos do artº 277º nº 1 do CPC, quando esteja junto aos autos o documento comprovativo do óbito.
2. Incumbe aos compartes do falecido ou à parte contrária, o ónus de dar conhecimento do óbito e de juntar a respectiva certidão comprovativa, não se estendendo tal ónus ao mandatário do falecido.
3. Os efeitos da suspensão, nomeadamente os relativos aos prazos judiciais, só se produzem com o despacho que declare tal suspensão, embora com os efeitos retroactivos previstos no artº 283º nº 2 do CPC.
(AV)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Nos presentes autos em que é A. (J) …e RR (M) … e (J)…, foi proferida sentença, em 20/9/2006, que, além do mais, julgou resolvido o contrato de arrendamento, condenando os RR a restituir o locado ao A, livre e devoluto de pessoas e bens.

Os RR vieram interpor recurso, junto a fls. 34.

Recurso que foi recebido, a 13/11/2006, conforme despacho de fls. 35.

Em 19/12/2006, os RR comunicaram ao tribunal o falecimento do A., em 7/12/2006, juntando uma carta do procurador do mesmo A. e um anúncio do óbito publicado no Diário de Notícias. Requereram que fosse decretada de imediato a suspensão da instância, com efeitos reportados à data do óbito, considerando-se nulos os actos praticados posteriormente à data do mesmo.

A fls. 40, foi proferido despacho, datado de 29/1/2007, julgando deserto o recurso  por falta de apresentação das alegações.

Os RR requereram a aclaração e reforma desse despacho, tendo o Mº juiz a quo mantido a sua posição.

Em 25/5/2007, após junção da certidão de óbito, foi proferido novo despacho decidindo que não há lugar a qualquer suspensão da instância, por já ter sido proferida sentença transitada em julgado.

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Inconformados, recorrem os RR, concluindo que:

– O tribunal deveria ter ordenado a imediata suspensão da instância logo após o requerimento dos ora agravantes, em 19/12/2006, dando conhecimento do óbito do A.

– O pedido dos RR para que o mandatário dos AA vir juntar aos autos a certidão de óbito deveria ter sido igualmente deferido.

– Incumbia ao tribunal notificar atempadamente os RR a fim de que estes pudessem invocar ou reclamar o disposto no artº 266º nº 4 do CPC e, sempre, a decisão de suspensão teria os seus efeitos retroagidos à data do óbito.

– Os agravantes foram surpreendidos por uma decisão-surpresa não só quanto ao recurso julgado deserto por falta de alegação como relativamente ao pedido de apresentação da certidão de óbito pelo mandatário do A.

Não foram produzidas contra-alegações.

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Cumpre apreciar.

A sequência dos eventos processuais é a acima descrita.

Colocam-se assim duas questões, profundamente interligadas: o saber se o juiz deve suspender a instância assim que é trazida ao processo informação sobre a morte do A. e, em caso contrário, quais os efeitos da suspensão da instância assim que junto o documento apto a provar o óbito.

Deve dizer-se que a posição assumida pelo Mº juiz a quo foi a de não aceitar suspender a instância enquanto não estivesse junta a certidão de óbito e, posteriormente, junta esta, rejeitar de novo tal suspensão por ter entretanto decorrido o prazo para apresentação de alegações pelos RR sem que estas o fizessem, levando à deserção do recurso e assim, ao trânsito em julgado da sentença.

No seu requerimento para suspensão da instância, efectuado quando decorria o prazo para juntarem as alegações, os RR comunicam ao tribunal o falecimento do A, juntando para tal uma carta do procurador deste e um anúncio do óbito (missa de sétimo dia), publicado no Diário de Notícias.

Nos termos do artº 277º nº 1 do CPC, “junto ao processo documento que prove o falecimento ou a extinção de qualquer das partes, suspende-se imediatamente a instância, salvo se já tiver começado a audiência de discussão oral ou se o processo já estiver inscrito em tabela para julgamento. Nesse caso a instância só se suspende depois de proferida a sentença ou o acórdão”.

Da letra do referido preceito, resulta que a suspensão deverá ser decretada logo que seja junte ao processo documento apto a comprovar a morte da parte, nomeadamente a certidão de óbito.

Nesse sentido, entendemos correcta a decisão do Mº juiz a quo de não suspender a instância aquando do requerimento dos RR, já que este vinha acompanhado de uma carta do procurador do A e de um anúncio de missa do sétimo dia no Diário de Notícias, documentos que, seguramente, não são os adequados a comprovar o óbito.

Nada obsta a que a parte torne conhecido no processo, mesmo sem juntar o documento comprovativo, a morte do seu comparte ou da parte contrária, como de resto resulta do nº 2 desse artº 277º. Mas a suspensão só deverá ser decretada quando a certidão de óbito for junta ao processo.

 Como se observa no Acórdão do STJ de 12/1/99, BMJ nº 483, p. 167, “nos casos previstos nos artigos 277º e 278º do CPC, a suspensão da instância, uma vez declarada por despacho judicial, reporta a sua eficácia ao momento em que haja sido feita prova, no processo, do falecimento ou extinção de qualquer das partes”.

 Do mesmo modo, pode ler-se no Acórdão desta Relação de Lisboa, de 15/11/2007 (disponível no endereço www.dgsi.pt): “a suspensão da instância não é possível, como é apodítico, da mera informação nos autos do falecimento de qualquer parte, que nada prova (...)”.

Ainda sobre esta questão, e no sentido aqui defendido, ver Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o novo Processo Civil”, p. 257.

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Concordamos igualmente com a tese expressa no despacho recorrido relativa à inexistência de qualquer ónus do mandatário da parte falecida vir aos autos juntar a respectiva certidão ou assento de óbito.

O artº 277º nº 2 do CPC impõe que a parte torne conhecido no processo o facto da morte ou da extinção do seu comparte ou da parte contrária, providenciando pela junção do documento comprativo. Como apenas havia um autor no processo, e faleceu, incumbia aos RR a informação de tal facto e a junção da respectiva certidão de óbito.

No Acórdão desta Relação de Lisboa, de 26/11/2002 (disponível no mesmo endereço da dgsi) sublinha-se que “falecendo ou extinguindo-se alguma das partes, os que lhe sobreviverem ou continuarem tendo capacidade judiciária (sejam contrapartes, sejam as partes adversas) ficam com a obrigação de juntar aos autos documento comprovativo da morte ou da extinção, logo que lhes seja possível obtê-lo”.

O mandatário do falecido A. - mesmo que fosse igualmente seu procurador – não tinha qualquer obrigação de diligenciar pela obtenção e junção do focado documento comprovativo, cabendo tal ónus aos RR.

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Posto isto, resta a questão fundamental, ou seja, saber se devemos aceitar a decisão recorrida na parte em que julgou deserto o recurso dos RR.

Nos termos do artº 283º nº 1 do CPC, “enquanto durar a suspensão só podem praticar-se validamente os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável”.

Por outro lado e nos termos do nº 2 do mesmo preceito, os prazos judiciais não correm enquanto durar a suspensão sendo que, no caso da suspensão por morte ou extinção de uma das partes, a suspensão inutiliza a parte do prazo que tiver decorrido anteriormente.

É indiscutível que os efeitos da suspensão, independentemente da data em que for declarada pelo juiz, retroagem à data da ocorrência do falecimento.

É o que directamente decorre do disposto no nº 3 do artº 277º, que se reporta à data do falecimento ou extinção da parte.

Neste sentido ver Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, 1º, p. 408.

O que sucedeu nos presentes autos foi que, junta a certidão de óbito, o Mº juiz a quo indeferiu a suspensão da instância por entender que a sentença já havia transitado em julgado – e assim, não havia já instância alguma.

Contudo, a razão para considerar tal trânsito em julgado, resulta de, após a morte da parte e sua comunicação ao tribunal por parte dos RR, se continuar a contar o prazo para junção das alegações, até que, findo este, se julgou deserto o recurso.

  Note-se que não estamos perante uma situação de actos indevidamente praticados posteriormente ao falecimento da parte. O que está em causa é o decurso de um prazo – o de apresentar as alegações de recurso – após tal falecimento e mesmo após terem os RR dado conhecimento no processo de tal falecimento.

Como vimos, o prazo não pode decorrer enquanto durar a suspensão. Além disso, no caso de suspensão por falecimento da parte, a suspensão inutiliza o prazo decorrido anteriormente.

Logo, quando o documento comprovativo do óbito é junto, o julgador deverá suspender a instância, salvo se esta já estiver extinta, nomeadamente no caso do artº 287º a) do CPC.

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Sucede que, muito antes de ser junta a certidão de óbito e assim ser criada a condição para que o tribunal declare a suspensão da instância, já decorrera o prazo para os RR juntarem as suas alegações de recurso.

O acto de comunicação ao tribunal da morte da parte contrária, desacompanhado do documento adequadamente comprovativo, não pode, como vimos, suscitar o despacho judicial a declarar a suspensão.

E enquanto esta não for declarada, os prazos correm normalmente.

Com efeito, não se vislumbra motivo algum para que assim não seja. Uma vez que o juiz não pode suspender a instância – nos termos do artº 277º nº 1 do CPC – sem estar junto o documento apto a comprovar tal óbito, a acção prossegue o seu curso normal. Só no caso de serem praticados actos relativamente aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu, é que estaríamos perante a nulidade prevista no artº 277º nº 3 do CPC.

Como assinala Lebre de Freitas, “... só os actos em que a parte falecida ou extinta pudesse ter intervenção, por si ou através do mandatário constituído, é que são abrangidos pela nulidade”. (Código de Processo Civil Anotado, p. 508).

Ora, a suspensão só pode resultar do despacho que a determinar – ver Acórdão da Relação de Coimbra de 28/1/92, CJ 1992, I, p. 90. Sem tal despacho, a instância prossegue os seus termos, mesmo que tenha sido levado ao processo o conhecimento, ainda que não documentado, da morte.

No mencionado Acórdão da Relação de Coimbra, acrescenta-se que “a inutilização dos actos é, assim, uma manifestação da retroactividade dos efeitos do despacho que ordena a suspensão e que se estende até à data em que a ocorrência (a morte) devia ser certificada.”

Nem se percebe qual a razão pela qual os RR não juntaram atempadamente as suas alegações. O conhecimento da morte do A, só por si, não suspende a instância nem inviabiliza o decurso dos prazos, nomeadamente quanto à parte sobreviva. Nem sequer se pode dizer que dificulte por qualquer modo tal apresentação de alegações.

Também não parece correcto afirmar que o despacho declarando deserto o recurso constitua uma decisão surpresa. Estando em curso o prazo para junção de alegações, o despacho é a conclusão lógica da falta de apresentação das mesmas em tempo útil.  

Os RR não podiam ignorar o decurso de tal prazo e a cominação de deserção do recurso prevista no artº 690º nº 3 do CPC. O facto de, eventualmente, terem presumido que a informação no processo da morte do A, suspendia só por si o decurso do prazo, é um problema que apenas respeita aos RR, não ao tribunal.

Quanto à referência ao artº 266º nº 4 do CPC, deve sublinhar-se que os RR, no requerimento em que tornaram conhecido o falecimento do A não invocaram “dificuldade séria em obter documento ou informação ...”. Limitaram-se a requerer que o tribunal notificasse o mandatário do A e a filha deste para juntarem a certidão de óbito e, querendo, vir aos autos deduzir incidente de habilitação.

E o tribunal pronunciou-se, rejeitando tal requerimento, fundadamente.

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Concluiremos pois:

– O juiz só deverá declarar a suspensão de instância, nos termos do artº 277º nº 1 do CPC, quando esteja junto aos autos o documento comprovativo do óbito.

– Incumbe aos compartes do falecido ou à parte contrária, o ónus de dar conhecimento do óbito e de juntar a respectiva certidão comprovativa, não se estendendo tal ónus ao mandatário do falecido.

– Os efeitos da suspensão, nomeadamente os relativos aos prazos judiciais, só se produzem com o despacho que declare tal suspensão, embora com os efeitos retroactivos previstos no artº 283º nº 2 do CPC.

    

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação negar provimento ao agravo.

Custas pelos agravantes.

LISBOA, 13/11/2008

António Valente

Ilídio Martins

Teresa Pais