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CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
CLÁUSULA PENAL
Sumário
1. A cláusula penal desempenha uma dupla função: função ressarcidora e função coerciva e só pode ser reduzida pelo Tribunal se for manifestamente excessiva. 2. Deve entender-se por manifestamente excessiva a cláusula cujo montante desmesurado e desproporcional ao dano seja de excesso manifesto e evidente. 3. Ou seja: se mostre desproporcionada de tal forma – com uma desproporção evidente, patente, substancial e extraordinária – a ponto de poder ser considerada com essa excessividade manifesta. 4. O que exige que sejam carreados para os autos elementos que habilitem o Juiz a qualificar a cláusula penal como tal, apontando para um excesso manifesto. (ALG)
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – 1. P…, S.A. instaurou a presente acção declarativa com processo ordinário contra:
F…., S.A.
Pedindo que:
- Seja declarado validamente resolvido o contrato de locação financeira celebrado entre ambas as partes;
- Condenada a Ré na restituição, a título definitivo, da fracção autónoma designadas pelas letras "A", correspondente ao primeiro andar, para comércio e loja 24, do prédio urbano identificado nos autos;
- Condenada a Ré no pagamento do valor correspondente à indemnização pelo atraso na devolução do imóvel após a resolução do contrato, acrescida de juros de mora vencidos à taxa de 10,2500%, do respectivo imposto do selo até que se verifique a liquidação integral do devido, em montante a apurar em liquidação de sentença;
- Condenada a Ré na sanção compulsória prevista no art. 829º-A do CC, no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso na restituição definitiva do imóvel, correspondente a 3,5 % sobre o valor da renda mensal vigente à data da resolução do contrato de locação financeira (4.244,05 Euros), acrescida de juros à taxa anual de 5%, desde a data em que a sentença de condenação venha a transitar em julgado.
Alegou, para tanto, ter celebrado com a Ré um contrato de locação financeira que, posteriormente, veio a resolver por incumprimento desta, uma vez que não pagou as rendas mensais a que se vinculou.
Acresce que a Ré recusa-se a devolver à A. o imóvel, causando-lhe prejuízos, pois impede-a de usar, fruir e dispor do imóvel, designadamente de receber o valor correspondente às rendas devidas pela ocupação do mesmo, de o vender ou dar em locação a terceiros.
A tal valor acresce o pagamento da sanção compulsória devida por cada dia de atraso na restituição definitiva do imóvel.
2. A Ré foi citada editalmente e não deduziu qualquer oposição.
3. Realizada audiência de discussão e julgamento e proferida sentença, o Tribunal “a quo” julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Considerou resolvido o contrato de locação financeira celebrado entre a Autora e a Ré;
b) Condenou a Ré a devolver à Autora, com carácter definitivo, a fracção autónoma identificada nos autos, livre e devoluta de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em condições de pronta utilização, bem como ordenou o cancelamento do respectivo registo de locação financeira;
c) Absolveu a Ré do pedido de indemnização pelo atraso na devolução do imóvel;
d) Considerou prejudicado o pedido de condenação da Ré na sanção compulsória.
4. Inconformada a Autora Apelou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões:
1. O presente Recurso de Apelação vem interposto da sentença que absolveu a Ré, ora Recorrida, do pedido de indemnização pelo atraso na devolução do imóvel objecto da acção e considerou prejudicado o pedido de condenação na sanção compulsória, feito pela Autora.
2. Ora, salvo respeito por opinião diversa, entende a ora Apelante que todos os valores peticionados são devidos pela Ré. 3. O MMº Juiz a quo, na sentença da qual se recorre, entendeu que a cláusula 23.a das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira Imobiliária celebrado entre as partes é manifestamente desproporcionada, bem como, que tendo já ocorrido a entrega do imóvel fica prejudicado o pedido de condenação na sanção compulsória.
4. Ora, afigura-se-nos que, ao decidir de tal forma, o MM° Juiz em questão decidiu mal e precipitadamente.
5. Porquanto, não é admissível, por razões de justiça equitativa, que sendo o contrato de locação financeira um contrato sinalagmático, com obrigações para ambas as partes, e tendo a Autora cumprido as suas obrigações, ao adquirir o imóvel locado e ao entrega-lo à Ré, esta veja agora o seu incumprimento, na prática, ignorado.
6. Ao abrigo do princípio da autonomia privada e do artigo 810.° do Código Civil, foi estipulado pelas partes uma cláusula penal em caso de incumprimento das obrigações contratuais e é entendimento assente na Doutrina e na Jurisprudência que a validade e eficácia da cláusula penal não dependem da comprovação da existência de danos.
7. E para que uma cláusula seja manifestamente excessiva, não basta que a pena seja superior ao dano, é necessário que o montante da pena estipulada seja desmesurado, desproporcional e de excesso manifesto e evidente face ao dano causado.
8. E no presente caso, o montante indemnizatório em caso de resolução contratual e atraso na devolução do imóvel previsto no contrato, não é sequer excessivo, muito menos, manifestamente excessivo.
9. Cumpre igualmente salientar que, nos contratos de locação financeira em que, como é o caso vertente, é elevado o volume de capital aplicado, são significativos os riscos assumidos, tornando-se importante a fixação de cláusulas de natureza penal, que ajudem a dissuadir os contraentes do incumprimento contratual e de privar o legítimo proprietário dos bens do seu acesso e fruição.
10. A acrescer, o facto de que tal cláusula indemnizatória ter sido oportunamente aceite pela Ré aquando da celebração do Contrato.
11. É, salvo melhor opinião, igualmente desprovida de qualquer fundamento a decisão de considerar prejudicado o pedido de condenação na sanção compulsória por já ter ocorrido a entrega do imóvel, porquanto, desde a data de resolução até à entrega efectiva do imóvel, apenas em sede de providência cautelar, ou seja, após a entrada da presente acção, decorreram quase dois anos.
12. Dois anos nos quais a ora Apelante se viu privada do acesso ao imóvel sua propriedade e sobre os quais tem direito a ser indemnizada.
13. Pelo que aceitar decisão do Tribunal a quo seria ignorar por completo o incumprimento contratual da Ré, apoiando e fortalecendo a conduta de devedores relapsos.
14. Ao absolver a Ré do pedido de indemnização pelo atraso na devolução do imóvel e ao considerar prejudicado o pedido de condenação da Ré na sanção pecuniária compulsória, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 405º, 810.°, 812º, n. ° 1 e 829.°-A, todos do CPC, devendo, por isso, ser revogada a sentença proferida.
5. Foram apresentadas contra-alegações pelo MP.
6. Corridos os Vistos legais,
Cumpre Apreciar e Decidir.
II – Os Factos:
- Mostram-se provados os seguintes factos:
A) Por escritura pública outorgada no pretérito dia 28 de Novembro de 2003, no …Cartório Notarial de Competência Especializada do …, foi efectuada a fusão de quatro empresas do Grupo Banco…., vocacionadas para o crédito especializado, por incorporação das sociedades "B…, S.A.", "N…, S.A." e "BP…S.A.", na "B …– Comércio …, S.A.", mediante a transferência global do património das três sociedades incorporadas para a sociedade incorporante.
B) Todos os elementos do activo e passivo das mencionadas sociedades incorporadas foram transferidos para a sociedade incorporante "B… - Comércio …, S.A.'", designadamente transferiram-se para a sociedade incorporante, todos os contratos de locação financeira, mobiliária e imobiliária, de que e titular a incorporada "B…, S.A.".
C) Simultaneamente, foram alterados os estatutos da sociedade incorporante "B…– Comércio…, S.A.", que alterou a firma social para "B…– Instituição…, S.A.".
D) O acto de fusão foi registado junto da Conservatória do Registo Comercial.
E) No exercício da sua actividade de locação financeira, a B…, S.A., actualmente B…– I…. S.A., aqui Autora, celebrou com a Ré, a solicitação desta, um contrato de locação financeira imobiliária, formalizado por escritura pública outorgada no dia 27 de Fevereiro de 2002, pelo …Cartório Notarial de Lisboa.
F) O contrato de locação financeira imobiliária celebrado entre a B…, S.A., actualmente B…I…. S.A., aqui Autora e a Ré – no âmbito do qual a B…, S.A., interveio na qualidade de locadora e a Ré na, qualidade de locatária – teve por objecto a fracção autónoma designada pelas letras "AB", correspondente ao primeiro andar, para comércio, designado por loja 24, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …e Alameda…, freguesia e concelho de…, descrito na …Conservatória do Registo Predial de …sob o número…, daquela freguesia, omisso na respectiva matriz, mas já pedida a sua inscrição em 18 de Dezembro de 2001.
G) O bem imóvel identificado no artigo anterior adveio à propriedade da P…, S.A., actualmente B…I…., S.A., aqui Autora, por ter sido adquirido por esta – devoluto e livre de quaisquer ónus ou encargos – à "G… –…, Lda.", mediante contrato de compra e venda formalizado pela escritura pública.
H) O imóvel em apreço foi adquirido pela B…, S.A., actualmente B…– I…, S.A., ora Autora sob proposta e segundo indicação da Ré.
I) A propriedade do imóvel melhor identificado no artigo 7° deste articulado encontra-se registada a favor da B…, S.A., actualmente B…– I…., S.A., aqui Autora.
J) A locação financeira do imóvel acima referido encontra-se registada a favor da Ré.
L) O bem imóvel em questão foi entregue à Ré no dia 27 de Fevereiro de 2002.
M) Do contrato de locação financeira constavam condições particulares e condições gerais, nas quais se lê designadamente;
- o valor global do contrato era de € 384.074,38 (cláusula 3.a das Condições Particulares do Contrato de Locação Financeira Imobiliária),
- o período de vigência do contrato era de dez anos, com início na data da respectiva celebração (cláusula 4.a das Condições Particulares do Contrato de Locação Financeira Imobiliária), B…, S.A., actualmente B… I…., S.A., aqui Autora, facultava à aqui ré, com carácter temporário, o gozo do, imóvel em apreço e, em contrapartida a Ré obrigava-se a pagar à B…, S.A., actualmente B…— I…., S.A., aqui Autora, cento e vinte rendas, sendo as rendas no valor base de € 4.244,05, todos os valores acrescidos de IVA taxa legal, com periodicidade mensal e antecipada em relação ao período a que dissessem respeito,
- a primeira renda foi paga no dia 28 de Fevereiro de 2002 e as demais rendas seriam pagas no dia 25 de cada mês (alíneas A), B) e C) da cláusula 5.a das Condições Particulares do Contrato de Locação Financeira Imobiliária);
- o valor das rendas estava sujeito ás alterações resultantes da variação da taxa Euribor a três meses – ou do indexante que lhe viesse a suceder – alterações essas que seriam determinadas no dia 30 do último mês do trimestre civil correspondente, desde que a variação, por uma só vez ou acumulada, fosse superior a 0,125%, relativamente à data do Contrato ou da anterior actualização, arredondada para o oitavo de ponto percentual superior (alínea D) da Cláusula 5a das Condições Particulares e n. 1 da Cláusula 16a das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira Imobiliária).
- extinguindo-se o presente contrato por resolução de qualquer das partes, ou pelo decurso do prazo locativo sem que o Locatário tenha exercido opção de compra, este fica obrigado a restituir o imóvel locado, no prazo de 15 dias a contar da notificação que para o efeito lhe seja feita pelo Locador, em bom estado de conservação, salvas as deteriorações inerentes a uma utilização apropriada e prudente, e em condições de pronta utilização" (dispõe o n. ° 1 da Cláusula 23a das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira Imobiliária).
- não procedendo a imediata desocupação do imóvel, o Locatário será obrigado a indemnizar o Locador pelo atraso nessa entrega, o valor dessa indemnização não será nunca inferior a três e meio por cento se a renda for mensal, dois por cento se for trimestral e um por cento se for semestral, da renda então vigente por cada dia de atraso na devolução do imóvel (n.º 2 da Cláusula 23a das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira Imobiliária).
- os juros de mora convencionados entre a B…, S.A., actualmente B…- Instituição …, S.A., aqui Autora e a Ré, sem determinação de taxa aplicável, seriam calculados a taxa acordada nas Condições Particulares do Contrato, para cálculo das respectivas rendas, acrescida de quatro pontos percentuais (Cláusula 20a das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira Imobiliária).
N) Nos termos do contrato celebrado entre a B…, S.A., actualmente B…– I….., S.A., ora Autora, e a Ré, a acrescer aos valores supra mencionados, a Ré encontrava-se adstrita ao reembolso ou ao pagamento à ora Autora a solicitação desta, de quantias de natureza diversa, correspondentes a quaisquer encargos aos quais o imóvel estivesse sujeito, como seja a contribuição autárquica (cfr. Cláusula 17a das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira Imobiliária.
O) Foi, igualmente, acordado entre a B…, S.A., actualmente B…– I…., S.A., aqui Autora, e a Ré que o valor residual, ou seja, o montante pelo qual a aqui Ré podia vir a adquirir o imóvel, uma vez cumpridos os termos do contrato, seria de € 7.681,49 (cfr. Cláusula 6a das Condições Particulares do Contrato de Locação Financeira Imobiliária.
P) A Ré deixou de pagar ao B… a renda mensal que se venceu no dia 25 de Janeiro de 2003 (Renda nº 12) e a renda que se venceu no dia 25 de Fevereiro de 2003 (Renda n. ° 13).
Q) A aqui Autora, advertiu a Ré – mediante carta registada com aviso de recepção, datada de 17 de Março de 2003 – que a falta de pagamento do montante em dívida importava o vencimento de juros moratórios, fazendo incorrer a Ré no não cumprimento do contrato de locação financeira celebrado com a B…, S.A., actualmente P…– I….., S.A., podendo vir a importar, caso o pagamento não fosse efectuado no prazo de trinta dias contados sobre a data da referida missiva, a resolução do Contrato.
R) Contudo, não obstante a Ré ter sido instada no sentido de proceder ao pagamento dos valores em dívida à 1:P…S.A., actualmente B…– I…., S.A., aqui Autora, tal não se verificou.
S) Tão-pouco, a Ré procedeu ao pagamento das rendas mensais que se venceram no dia 25 de Março de 2003 (Renda n. ° 14) e no dia 25 de Abril de 2003 (Renda n. ° 15).
T) A B…, S.A., actualmente B…– I…., S.A., ora Autora, remeteu à Ré, no dia 7 de Maio de 2003, carta registada com viso de recepção, na qual comunicava a resolução do contrato de locação financeira imobiliária.
U) Nesta carta a B…, S.A., actualmente B…– I…., S.A., aqui Autora, solicitou, igualmente, que a Ré restituísse o imóvel do qual a ora Autora é proprietária e que fora confiado à Ré em locação financeira, bem como que a mesma efectuasse o pagamento do valor global de € 108.414,53, acrescido dos respectivos juros de mora.
V) Nesta data estavam por pagar as seguintes rendas:
Renda N.°
Data de Vencimento
Montante Devido
12
25 de Janeiro de 2003
€ 4.244,05 + IVA
13
25 de Fevereiro de 2003
€ 4.244,05 + IVA
14
25 de Março de 2003
€ 4.244,05 + IVA
15
25 de Abril de 2003
€ 4.244,05 + IVA
X) Encontrava-se igualmente por pagar a quantia de 505,24 €, correspondente a outras despesas e encargos emergentes do Contrato.
Z) A missiva através da qual foi comunicada à Ré a resolução do contrato celebrado com a B…, S.A., actualmente B…– I…., S.A., aqui Autora, foi devolvida ao remetente no dia 15 de Maio de 2003, com a menção dos Serviços Postais "Mudou-se".
AA) Sucede que a Ré não restituiu à B…, S.A., actualmente B…– I…., S.A., aqui Autora, o bem imóvel que foi objecto do contrato.
AB) O imóvel só veio a ser entregue à Autora no âmbito do Procedimento Cautelar apenso a estes autos em 23 de Fevereiro de 2005.
AC) À data da propositura da acção subsistia o regime de locação financeira a favor da Ré.
III – O Direito:
1. A Autora recorreu da sentença na parte em que o Tribunal “a quo” absolveu a Ré do pedido de indemnização pelo atraso na devolução do imóvel e considerou prejudicado o pedido de condenação da Ré na sanção pecuniária compulsória.
Está assim, em causa, a questão de saber se:
a) A Ré deve ser condenada a pagar à A. a indemnização estipulada pelas partes como cláusula penal, em caso de incumprimento das obrigações contratuais assumidas;
b) É devido o pagamento da sanção pecuniária compulsória.
2. Centrada a discussão constata-se, conforme se referiu, que o Tribunal “a quo” considerou que nenhuma dessas indemnizações era devida, julgando nesta parte a acção improcedente.
Estriba o seu entendimento, em síntese, no facto de considerar que estando em causa o incumprimento de um contrato de locação financeira, cuja resolução já ocorreu, e tendo sido a Ré condenada a entregar à A. o bem imóvel objecto do contrato (e tendo posteriormente procedido a essa entrega) não haveria lugar ao pagamento de qualquer outra indemnização.
Ao invés, a Autora/Recorrente defende que tem direito ao pagamento da indemnização acordada, bem como da que decorre da aplicação da referida sanção pecuniária compulsória.
Vejamos se lhe assiste razão.
Antes porém, consigna-se que não iremos tecer extensas considerações sobre a natureza jurídica e razão de ser da inclusão de cláusulas penais no âmbito de contratos similares ao que ora está em análise, nem sobre a introdução no nosso direito civil, em matéria da realização coactiva da prestação, e numa das reformas entretanto operadas, da sanção pecuniária compulsória – cf. art. 829º-A, do CC. Sobre tais matérias os autos dão-nos conta de largas lucubrações sem que, contudo, se conclua nos termos que consideramos ser os adequados para resolução do presente litígio.
Impõe-se, pois, decidir, mas com uma visão diversa daquela que nos foi trazida pelo Tribunal “a quo”, ainda que doutrinariamente bem fundamentada.
3. Resulta dos autos de forma inequívoca que as partes celebraram um contrato de locação financeira, no qual estão incluídas as cláusulas que os autos retractam, amplamente vertidas nos factos provados.
Trata-se de um contrato sinalagmático, com obrigações para ambas as partes, celebrado livre e voluntariamente, sob a égide do princípio da liberdade contratual.
Nesse contrato mostram-se clausuladas várias obrigações e estão previstas consequências para o eventual incumprimento por parte da Ré, nomeadamente pelo não pagamento das prestações acordadas como contrapartida do bem imóvel cujo gozo, com carácter temporário, foi facultado pela A. à Ré.
Sabe-se ainda que a Ré, nem no momento da celebração do contrato, nem durante a sua vigência, nem depois durante a pendência da presente acção, arguiu qualquer irregularidade ou tão pouco pôs em causa a validade ou eficácia jurídicas do respectivo clausulado.
Igualmente não se mostra deduzida qualquer oposição no âmbito desta acção.
Por conseguinte, nada nos autos nos permite ir além do que os mesmos nos dão conta: a existência de um contrato validamente celebrado pelas partes, com cláusulas aceites por ambas, onde se integram condições particulares e gerais, e de teor transcrito na matéria de facto provada, maxime, no seu ponto M).
4. A lei substantiva permite que as partes possam fixar, por acordo, o montante da indemnização exigível, a que denomina cláusula penal – cf. art. 810º, nº 1, do CC.
A cláusula penal constitui a estipulação mediante a qual as partes convencionam antecipadamente (ou seja, antes de ocorrer o facto constitutivo de responsabilidade), uma determinada prestação, normalmente uma quantia em dinheiro, que o devedor deverá satisfazer ao credor em caso de não cumprimento ou de cumprimento defeituoso da obrigação.
E pode ser entendida como uma forma de pressionar o devedor a cumprir, uma vez que este sabe, desde logo e antecipadamente, quais as consequências que decorrerão de um eventual incumprimento da sua parte, e que será sancionado com o pagamento da indemnização convencionada.
A sua finalidade consiste, pois, em compelir ao cumprimento pontual do contrato, sob pena de produção desses efeitos: o da exigibilidade do montante da indemnização previamente acordada.
Daí que se possa concluir que, na prática, a cláusula penal desempenha uma dupla função: a função ressarcidora e a função coercitiva[1], sendo considerada como um meio eficaz de pressão ao próprio cumprimento da obrigação.
Tanto mais que a sua validade e eficácia não dependem da comprovação da existência de danos. [2]
Por outro lado, uma das suas vantagens consiste em se assumir como uma forma de liquidação prévia do dano, dispensando o recurso às normas estabelecidas para o cálculo da indemnização.
5. Fixada a cláusula penal e mostrando-se esta devida, a lei só permite que o seu montante seja diverso do convencionado ou possa ser alterado nos termos previstos no art. 812º do CC.
Ou seja: por redução equitativa determinada pelo Tribunal.
Mas fixa-lhe os limites: a cláusula penal só poderá ser reduzida pelo Tribunal, de acordo com a equidade, e quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente – cf. art. 812º, nº 1, do CC.
Esta norma tem criado algumas dificuldades na sua interpretação, assistindo-se, nalguns Acórdãos, a entendimentos jurisprudenciais ainda mais limitativos que aqueles que parecem derivar da própria norma, a ponto de se recorrer à sua aplicação sempre que se considere o valor em causa elevado, mesmo independentemente de qualquer pedido formulado nesse sentido e sem se atender sequer que tal redução tem um carácter excepcional.
E ao fazê-lo, nesses termos, entendemos que se está a contribuir para anular os efeitos da própria cláusula penal, neutralizando as suas duplas funções: coercitiva e ressarcidora.
Para essa consequência nos adverte também Calvão da Silva [3], referindo que: "A intervenção judicial do controlo do montante da pena não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal e nunca perdendo de vista o seu carácter “à forfait”. Daí que, por toda a parte, apenas se reconheça ao Juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for extraordinária ou manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente".
E mais à frente, observa o mesmo Autor:
A decisiva condição legal da intervenção do Tribunal é, por conseguinte, a presença, ao tempo da sentença, de uma cláusula manifestamente excessiva – não basta, pois, uma cláusula excessiva – mas sim manifestamente excessiva!
Terá, assim, que ser confrontado com uma cláusula cujo montante desmesurado e desproporcional ao dano seja de excesso manifesto e evidente, numa palavra, de excesso extraordinário, enorme, que salte aos olhos. “Tem de ser, portanto, uma desproporção evidente, patente, substancial e extraordinária, entre o dano causado e a pena estipulada, mas já não a ausência de dano em si". [4]
Para depois concluir: "Do que fica dito, é claro que o Juiz tem o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir a cláusula penal manifestamente excessiva; tal como também só tem o poder de reduzir a cláusula penal manifestamente excessiva e não já a cláusula excessiva. Uma cláusula penal de montante superior (mesmo excessivo ao dano efectivo) não é proibida por lei, não tendo o Juiz poder para a reduzir. Do mesmo modo, a ausênciade dano, por si só, não legitima a intervenção judicial". [5]
Quer isto dizer que o Tribunal só deverá usar da faculdade de redução da cláusula penal, que lhe é conferida pelo citado art. 812º, nº 1, do CC, quando estiver perante uma cláusula penal manifestamente excessiva nos termos configurados pelo citado Autor.
Ou seja: desproporcionada de tal forma – com uma desproporçãoevidente, patente, substancial e extraordinária – a ponto de poder ser considerada com essa excessividade manifesta.
O que exige que sejam carreados para os autos elementos que habilitem o Juiz a qualificar a cláusula penal como tal, apontando para um manifesto excesso.
Só assim poderá o Tribunal decidir no sentido da redução da cláusula penal, segundo um critério de equidade e de justiça. [6]
Certo é que a redução da cláusula penal só é de conceder quando existam elementos concretos e seguros que, num critério de equidade e justiça, apontem para a sua manifesta excessividade.
5. Ora, no caso dos autos, e em face da inexistência de outros elementos no processo, nada permite que se conclua no sentido de que se deva proceder à redução da cláusula penal livremente acordada por ambas as partes.
Tão pouco descortinámos a existência de qualquer desproporção e, sobretudo, uma desproporção sensível e manifestamente exagerada.
Com efeito, a referida cláusula visa ressarcir a mora na restituição do bem locado financeiramente, em caso de resolução do contrato pela locadora por incumprimento do locatário.
E segundo os termos do contrato, em caso de resolução, o locatário deve restituir imediatamente o bem à locadora nos termos das condições clausuladas.
E caso o não faça, tal comportamento acarreta para a locadora, de acordo com o acordado, os danos seguintes:
- Impossibilidade daquela vender, locar ou dar em locação financeira os equipamentos em causa;
- A degradação que os bens sofrem devido à demora na entrega, porquanto nenhumas garantias existem de que o locatário, que irá em breve, ser desapossado do bem, não descure a sua manutenção ou até não acabe por proceder a uma utilização menos prudente.
Além disso, estando o locatário a usufruir do gozo do bem, em infracção ao acordado, é razoável que seja compelido a pagar o valor que ambas as partes acordaram, livre e voluntariamente, em regime de plena liberdade contratual.
E caso não o queira fazer sempre está na sua disponibilidade pôr termo a essa situação, impedindo a satisfação das finalidades coerciva e reparadora inerentes ao estabelecimento da cláusula penal, através da cessação da mora com a restituição do bem objecto do contrato.
O que não foi feito oportunamente.
6. Dir-se-á ainda que, no âmbito de um contrato desta natureza – de locação financeira – a renda estipulada nesses termos tem a finalidade de permitir ao locador não só a amortização fraccionada do valor da coisa locada financeiramente, como também de acautelar o risco do locador e os custos de gestão deste.
Por isso, consideramos que a citada cláusula contratual não é desproporcionada aos danos que visa reparar e, consequentemente, não cai na proibição da al. c), do art. 19º, do Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10.
Assim o decidiram também diversos arestos do STJ, nomeadamente o Acórdão de 12/06/2007, já citado que, nesta matéria, se segue de perto.[7]
Procede, pois, nesta parte, a Apelação.
7. Quanto à sanção compulsória, bem andou o Tribunal “a quo” quando considerou prejudicado o pedido de condenação na mesma por já ter ocorrido a entrega do imóvel.
Com efeito, resulta dos autos que aquando da prolação da sentença ora em recurso, a Ré já havia procedido à entrega do imóvel objecto do contrato à Autora.
Ora, é sabido que a sanção pecuniária compulsória consiste num meio de coerção visando, por um lado, assegurar o respeito pelas decisões judiciais e o prestígio da justiça e, por outro, favorecer a execução específica das obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo.
Tratando-se de uma medida coercitiva só pode ser imposta se o cumprimento a que se constrange ainda for possível e na medida em que for possível.
A sua finalidade não é a de indemnizar o credor, mas sim a de constrangi-lo ao cumprimento pontual.
A sanção só é devida se o obrigado, embora podendo, não cumpre a obrigação principal.
Não funciona como indemnização, mas sim como uma condenação acessória de uma condenação principal.
Assim sendo, e tendo sido entregue já o imóvel, nada mais se impõe determinar em tal matéria, improcedendo, nesta parte, a Apelação.
IV – Em Conclusão:
1. A cláusula penal desempenha uma dupla função: função ressarcidora e função coerciva e só pode ser reduzida pelo Tribunal se for manifestamente excessiva.
2. Deve entender-se por manifestamente excessiva a cláusula cujo montante desmesurado e desproporcional ao dano seja de excesso manifesto e evidente.
3. Ou seja: se mostre desproporcionada de tal forma – com uma desproporçãoevidente, patente, substancial e extraordinária – a ponto de poder ser considerada com essa excessividade manifesta.
4. O que exige que sejam carreados para os autos elementos que habilitem o Juiz a qualificar a cláusula penal como tal, apontando para um excesso manifesto.
V – Decisão:
- Termos em que se julga parcialmente procedente a Apelação e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida parcialmente, condenando-se a Ré a pagar à A. também a quantia peticionada por esta a título de cláusula penal, nos seus precisos termos.
- No mais, mantém-se a sentença recorrida.
- Custas pela Autora e Ré, na proporção do decaimento.
[1] Neste sentido cf. oAcórdão do STJ, datado de 10.02.2004, e proferido no âmbito do Processo n.º 04A4299, in www.dgsi.pt., igualmente citado nos autos. [2] Cf. Acórdão da Relação de Lisboa, de 19/2/1982, in CJ., T. 1º, pág. 192. [3] In “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 1987, pág. 273 e segs. [4] Calvão da Silva, Ibidem, pág. 274. [5]Ibidem, obra citada, pág. 276. [6] Neste sentido cf. o Acórdão do STJ., de 7-11-1989, in BMJ, 391º/565.
Cf. também o Acórdão do STJ, de 10/02/2004, proferido no âmbito do Processo nº 04A4299, in www.dgsi.pt. [7] Cf. também os Acórdãos do STJ, de 7/06/2005 e 5/12/2002, in www.dgsi.pt.