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OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FIANÇA
SUBSIDIARIEDADE
BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA
RENÚNCIA
SOLIDARIEDADE
Sumário
1 – Por força da subsidiariedade da fiança, assiste ao fiador o direito de recusar o cumprimento da obrigação enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal e, inclusivamente, depois dessa excussão, se provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do devedor. 2 – O fiador pode, porém, renunciar expressa ou tacitamente ao benefício da excussão. 3 – O fiador, ao responsabilizar-se, por vontade própria, solidariamente com o devedor perante, renunciou tacitamente ao benefício da excussão prévia, passando a responder perante o credor comum pela prestação integral, pelo que o cumprimento da dívida pode ser exigido ao fiador, no todo ou em parte, como pode ser exigido ao devedor. 4 – Tratando-se, como se trata, de uma obrigação solidária, não é lícito ao fiador, enquanto devedor solidário, opor o benefício da divisão. G.F.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
[MF] deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, que B, S. A. lhe moveu com base numa garantia bancária, invocando como fundamento da sua oposição: (i) a penhorabilidade subsidiária dos bens da recorrente; (ii) e o direito de exigir o benefício da divisão.
O Tribunal a quo indeferiu liminarmente a presente oposição, conforme despacho de fls 23 deste apenso.
Inconformada, recorreu a executada, formulando as seguintes conclusões:
1ª – O despacho recorrido viola o dever de fundamentação, prescrito no n.º 2 do artigo 659º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, uma vez que foi proferido em termos meramente conclusivos, sem que à recorrente tenham sido dadas a conhecer as considerações de facto ou de direito que determinaram o seu sentido negativo.
2ª – O mesmo despacho padece do vício de omissão de pronúncia, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 660º e na 1ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, na medida em que não faz a mínima referência à questão do benefício da divisão, nem sequer para justificar a ausência de qualquer juízo sobre a matéria, quando estava obrigado a fazê-lo, sobretudo depois de se ter pronunciado negativamente sobre os fundamentos invocados pela recorrente a título principal.
3ª – A penhora ordenada pelo tribunal a quo incidiu de forma imediata sobre bens que só subsidiariamente respondem pela dívida exequenda, em violação do disposto nos artigos 638º, n.º 1 Código Civil e 828º, n.º 7 Código de Processo Civil, pois considerou afastado o benefício da excussão prévia, quando, quer do texto da garantia, quer do requerimento executivo, não consta que a recorrente tenha renunciado ao benefício de excussão prévia, nem sequer que se tenha obrigado perante o exequente como principal pagadora.
4ª – Ainda que assim se não entenda, a penhora ordenada sobre o vencimento da recorrente não poderá nunca ser superior a € 2.375, correspondente a 1/8 do capital e juros em dívida, uma vez que os garantes da obrigação exequenda são oito e obrigaram-se todos conjuntamente, no mesmo momento e inclusivamente no mesmo acto, a garantir o pagamento do crédito exequendo, no caso do devedor não honrar o seu pagamento e o mesmo ser devido.
O Exequente não contra – alegou.
O Exc. mo Juiz sustentou o despacho recorrido, pronunciando-se, nomeadamente, quanto às alegadas nulidades suscitadas pela recorrente.
2.
Tendo em conta os documentos juntos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1º - Em documento particular subscrito em 16 de Outubro de 1995, a primeira executada – [CC] - pediu ao exequente a concessão de um crédito sob a forma da emissão de uma garantia bancária a favor de [E], destinada a assegurar o pagamento de rendas que a 1ª executada deixasse de efectuar pelo arrendamento de uma loja do Complexo Comercial Edifício Cova da Piedade.
2º - Documento em que se obrigou a reembolsar o exequente de todos os pagamentos que fosse chamado a efectuar por força da solicitada garantia e também as comissões e encargos próprios de tal operação e ainda os juros de mora contados a partir da data dos desembolsos, à taxa bancária activa em vigor.
3º - No mesmo documento, os demais executados, nomeadamente a ora opoente, na qualidade de garantes, responsabilizaram-se solidariamente por todos os pagamentos, comissões, encargos e juros referidos.
4º - Em 20 de Dezembro de 1995, o exequente emitiu a solicitada garantia pelo valor de 2.040.000$00, montante correspondente a doze rendas de 160.000$00, mais 120.000$00 para despesas comuns do prédio, nas quais a 1ª executada devesse comparticipar.
5º - Por cartas de 2/09/97 e de 11/11/97, o exequente foi interpelado pela beneficiária da garantia para que, ao abrigo dela, lhe pagasse a quantia de 2.040.000$00.
6º - Honrando a garantia, o exequente pagou a referida quantia em 27/07/98.
7º - Tendo sido intentada a acção executiva contra o devedor e respectivos garantes, foi ordenada a penhora de 1/3 do vencimento da executada [MF].
3.
O recurso vem interposto do despacho que indeferiu liminarmente a oposição à penhora deduzida pela recorrente após ter tomado conhecimento, através da sua entidade patronal, de que fora ordenada a penhora de 1/3 do seu vencimento para pagamento do montante de € 19.000, correspondente à totalidade da quantia exequenda, juros e custas prováveis.
Segundo a recorrente, a decisão recorrida encontra-se viciada por violação do dever de fundamentação e de omissão do dever de pronúncia, vícios que determinam a sua nulidade, tendo ainda sido proferida com erro de julgamento.
As questões suscitadas pela recorrente, atendendo às conclusões retiradas da sua douta alegação, que importa conhecer, são, pois, as seguintes:
1ª - Nulidade da decisão recorrida, (i) por manifesta violação do dever de fundamentação e (ii) por omissão do dever de pronúncia.
2ª – Penhorabilidade subsidiária dos bens da executada por não haver renunciado ao benefício de excussão prévia.
3ª – Redução da penhora, dado tratar-se de uma dívida conjunta.
4. Das nulidades do despacho recorrido:
As causas de nulidade da sentença encontram-se enumeradas, de forma taxativa, no artigo 668º. Estas são igualmente as causas de nulidade dos despachos, atendendo ao disposto no artigo 666º, n.º 3 do CPC.
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 668º, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A este respeito há que distinguir, como o faz Alberto dos Reis, entre a falta absoluta de motivação e a motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade[1].
In casu, não se pode dizer que haja falta (absoluta) de fundamentação, tanto assim que a recorrente compreende o alcance do despacho recorrido. Com efeito, depois de suscitar a alegada nulidade, trata de rebater a afirmação de não aplicação do benefício de excussão, ao alegar o erro de julgamento.
A segunda nulidade suscitada prende-se com a omissão de pronúncia, já que, no entender da recorrente, o despacho recorrido deixou de se pronunciar sobre a questão do benefício da divisão, invocado pela recorrente subsidiária e cautelarmente.
Como é sabido, existe omissão de pronúncia quando o juiz não conhece de todas as questões suscitadas pelas partes.
A recorrente invoca, de facto, no seu requerimento de oposição à penhora “o direito de exigir a divisão”, alegando que “os garantes que se constituíram fiadores da devedora «Cosmolider» são oito e obrigam-se todos conjuntamente a garantir o pagamento do crédito, no caso do devedor não honrar o seu pagamento e o mesmo ser devido».
Ora sabia muito bem a opoente, ao contrário do alegado, que se responsabilizou, tal como os demais fiadores, solidariamente, com o devedor por todos os pagamentos que forem devidos ao Banco (cfr. documento 1, in fine).
Daí que o despacho recorrido, ao considerar afastado o benefício da excussão pelo facto “de solidariedade da dívida exequenda”, deixou de se pronunciar sobre o alegado direito da opoente exigir o direito da divisão, por tal questão se encontrar precludida.
Assim, ao contrário do sustentado pela recorrente, o juiz pode não se pronunciar sobre determinada questão quando a sua decisão esteja prejudicada pela solução encontrada para outra questão. Neste caso, não há omissão de pronúncia.
5. Erro de julgamento
Terá o despacho recorrido decidido com claro erro de julgamento, ao indeferir a oposição à penhora deduzida pela recorrente por considerar “afastado o benefício da excussão pela expressão da solidariedade da dívida exequenda”?
Para além dos casos de impenhorabilidade, há a considerar aqueles em que determinados bens, ou todo um património, só podem ser penhorados depois de outros bens, ou outro património, se terem revelado insuficientes.
Isso acontece, nomeadamente, quando, por negócio ou por lei, há um devedor principal, ou um património colectivo que responde em primeiro lugar e um devedor subsidiário com o benefício da excussão prévia.
In casu, a opoente, ao subscrever o documento de fls. 6, assegurou com o seu património o cumprimento de obrigação alheia, ficando pessoalmente obrigada perante o credor, ou seja, perante o Banco. A opoente constituiu-se, assim, fiadora da “[CC]” perante o Banco.
Ora, os traços básicos do regime jurídico da fiança podem exprimir-se através de duas características: a acessoriedade e a subsidiariedade.
Por força desta segunda característica, e na medida em que a regra se afirme, o seu cumprimento só pode ser exigido quando o devedor não cumpra nem possa cumprir a obrigação a que se encontra adstrito.
A subsidiariedade da fiança concretiza-se no chamado benefício da excussão. Consiste no direito que pertence ao fiador de recusar o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal; e, inclusivamente, depois dessa excussão, se provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor (artigo 638º, n. os 1 e 2).
Há todavia situações em que o fiador não goza do benefício da excussão, o que se verifica, nomeadamente, quando ele haja renunciado a esse benefício. Isso acontecerá, especialmente, se assumiu a obrigação de principal pagador, como, in casu, aconteceu (cfr. artigo 640º).
A opoente, como acima se referiu, ao responsabilizar-se, por vontade própria, solidariamente com o devedor perante o credor, renunciou tacitamente ao benefício da excussão prévia.
In casu, há uma solidariedade passiva ou entre devedores, pelo que qualquer deles responde perante o credor comum pela prestação integral, cujo cumprimento a todos exonera.
Na verdade, o efeito fundamental da solidariedade passiva consiste em cada um dos condevedores se responsabilizar pela inteira prestação (artigo 512º, n.º 1). Daí que o credor possa exigi-la, no todo ou em parte, da totalidade dos devedores ou só de alguns deles (artigo 519º, n.º 1). Consequentemente, “ao devedor solidário demandado não é lícito opor o benefício da divisão; e ainda que chame os outros devedores à demanda, nem por isso se libera da obrigação de efectuar a obrigação por inteiro» (cfr. artigo 518º).
Donde decorre, ao contrário do pretendido pela recorrente, que o cumprimento da dívida pode ser exigido à recorrente, no todo ou em parte, como pode ser exigido da totalidade dos devedores.
6.
O benefício da divisão é que caracteriza, precisamente, as obrigações não solidárias, designadas correntemente por conjuntas.
Tratando, como se trata, de uma obrigação solidária, não é lícito à opoente, enquanto devedora solidária, opor o benefício da divisão (artigo 518º)
Improcedem, assim, as conclusões da recorrente.
7.
Pelo exposto, negando provimento ao agravo, confirma-se a decisão recorrida.
Lisboa, 27 de Novembro de 2008
Manuel F. Granja da Fonseca
Fernando Pereira Rodrigues
Maria Manuela dos Santos Gomes
_________________________ [1] Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 140.