1. O solicitador de execução não está vinculado à nomeação feita pelo exequente.
2. Não se pode excluir a intervenção do exequente quando a execução não atinge o seu fim próprio por a penhora de bens procurados pelo solicitador de execução não serem encontrados ou a actividade do solicitador de execução se ir arrastando no tempo sem obter qualquer resultado.
3. O arrastar da execução, ao longo de vários anos sem qualquer resultado obtido pelo solicitador de execução, legitima a intervenção do juiz que continua a ter o poder de direcção e de controlo do processo.
(PLG)
I. Relatório
1.Banco… , S.A. intentou a presente acção executiva contra (S)….
2. No seu requerimento executivo, o exequente nomeou à penhora “todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, televisão, telefonia e demais recheio que guarnecem a residência da executada.
3. O solicitador de execução foi nomeado, tendo essa nomeação sido comunicada por ofício datado de 20/10/2004 (14), e aceitou a nomeação.
4. Em 12/04/2007 (fls.26) o solicitador de execução requereu a consulta do registo informático de execuções.
5. Em 28/09/2007 (fls.29), o solicitador de execução veio requerer o levantamento do sigilo bancário, por a entidade patronal da executada ter informado não ser possível proceder à penhora do vencimento.
6. Notificado do requerimento do solicitador da execução, o exequente veio requerer que se proceda “de imediato e antes de qualquer outra” à “penhora dos bens que guarnecem a residência da executada”, declarando opor-se, “por ora, à realização da penhora dos saldos bancários”.
7. Por despacho de fls.37/38 foi indeferida a pretensão do exequente, autorizando-se a penhora dos saldos bancários (fls.39).
8. Inconformado com esta decisão, o exequente interpôs recurso, que foi recebido, após reclamação, como de agravo, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo, nas suas alegações de recurso, apresentado as seguintes (transcritas) conclusões:
1ª. – A satisfação do direito do exequente é conseguida no processo de execução.
2ª. - A execução principia pelas diligências a requerer pelo exequente, consignadas no requerimento executivo, nos termos do disposto nos artigos 802.º e 810.º do Código de Processo Civil.
3ª. - Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 821.º do Código de Processo Civil.
4ª. - As diligências para a penhora têm inicio após a apresentação do requerimento de execução, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 832.º do Código de Processo Civil.
5ª. - A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja mais fácil de realização, e se mostre adequado ao montante do crédito exequendo, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 834.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
6ª. - A penhora das coisas móveis não sujeitas a registo é realizada com a efectiva apreensão dos bens e a sua imediata remoção, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 848.º do Código de Processo Civil.
7ª. - Nos termos e de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 2.º do Código de Processo Civil “a protecção jurídica através dos Tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em Juízo, BEM COMO A POSSIBILIDADE DE A FAZER EXECUTAR”.
8ª. - Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil o Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o principio do contraditório, não lhe sendo licito, salvo caso de manifesta necessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
9ª. - Dizem-se acções executivas aquelas em que o A. requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Código de Processo Civil.
10ª. - Ao entender e decidir, no despacho recorrido, pela forma que dele consta, O Snr. Juiz “a quo”, ou seja que o exequente não pode impor que o Solicitador de Execução designado pelo Tribunal leve a efeito a penhora nos bens que guarnecem a residência dos executados, podendo o Solicitador de Execução, a seu belo prazer, praticar os actos que quiser e entender, e não aqueles que o exequente, ora requerente, titular do direito dado à execução, requer e solicita, viola o disposto no artigo 2.º, no artigo 3.º, n.º 3, no artigo 4.º, n.º 3, no artigo 802.º, no artigo 810.º, no artigo 821.º, no artigo 832.º, no artigo 834.º, n.º 1, e no artigo 848.º do Código de Processo Civil, donde impor-se a revogação do despacho recorrido e a substituição por outro que defira o que nos autos requerido foi pelo exequente em 1.ª Instância, ora recorrente, a fls..
9. Foi proferido despacho de sustentação.
II - Delimitação do objecto do recurso
Conforme deflui do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é delimitado em função do teor das conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente por imperativo do artigo 660º ex vi artigo 713º, nº 2, do citado diploma legal.
Dentro dos preditos parâmetros, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada que o objecto do presente recurso está circunscrito à seguinte questão: saber se, no caso presente, o exequente pode impor ao solicitador de execução os bens a penhorar.
III. Fundamentação
1. Do factualismo e das ocorrências processuais relevantes / Do contexto processual relevante:
1.1. No seu requerimento executivo, o exequente nomeou à penhora “todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, televisão, telefonia e demais recheio que guarnecem a residência da executada”.
1.2. O solicitador de execução foi nomeado, tendo essa nomeação sido comunicada por ofício datado de 20/10/2004 (14), e aceitou a nomeação.
1.3. Em 12/04/2007 (fls.26) o solicitador de execução requereu a consulta do registo informático de execuções.
1.4. Em 28/09/2007 (fls.29), o solicitador de execução veio requerer o levantamento do sigilo bancário, por a entidade patronal da executada ter informado não ser possível proceder à penhora do vencimento.
1.5. Em 28/09/2007 (fls.29), o solicitador de execução veio requerer o levantamento do sigilo bancário, por a entidade patronal da executada ter informado não ser possível proceder à penhora do vencimento.
1.6. Por despacho de fls.37/38 foi indeferida a pretensão do exequente, autorizando-se a penhora dos saldos bancários (fls.39).
2. Apreciação do mérito do agravo.
Cabe ao agente de execução, salvo quando a lei determine diversamente, efectuar todas as diligências do processo de execução, incluindo citações, notificações e publicações, sob controlo do juiz (nº1 do artigo 808º do Código de Processo Civil - na redacção da citada disposição legal aplicável ao caso presente).
Prescreve a alínea d) do nº3 do artigo 810º do Código de Processo Civil que, o requerimento executivo deve conter, além dos referidos nas alíneas b), c) e f) do nº1 do artigo 467º e os outros das diversas alíneas do nº3 referido, o seguinte elemento: indicação, sempre que possível, do empregador do executado, das contas bancárias de que o executado seja titular e dos seus bens, bem como dos ónus e encargos que sobre estes incidam.
Antes de proceder à penhora, o agente de execução consulta o registo informático de execuções (nº2 do artigo 832º do Código de Processo Civil).
Quando contra o executado tenha sido movida execução terminada sem integral pagamento, têm lugar as diligências previstas no nº1 do artigo seguinte, após o que o exequente é notificado, sendo caso disso, para indicar bens penhoráveis no prazo de 30 dias, suspendendo-se a instância se nenhum bem for encontrado (nº3 do artigo 832º, do código de Processo Civil).
A realização da penhora é precedida de todas as diligências úteis à identificação ou localização de bens penhoráveis, procedendo-se, sempre que necessário, à consulta das bases de dados da segurança social, das conservatórias do registo e de outros registos ou arquivos semelhantes (nº1 do artigo 833º do Código de Processo Civil).
A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente (nº1 do artigo 834º do Código de Processo Civil).
Não sendo encontrados bens penhoráveis, é notificado o exequente para se pronunciar no prazo de 10 dias, sendo penhorados os bens que ele indique (nº4 do artigo 834º, do Código de Processo Civil).
Daqui resulta que (visando a pretensão do legislador a desjurisdicionalização relativa do processo de execução), deixou de haver nomeação de bens à penhora com um carácter determinativo do objecto da penhora, o solicitador de execução procede à penhora de bens do executado que, após consulta do registo informático das execuções e das bases de dados disponíveis, entenda que melhor se adeqúem ao montante do crédito do exequente, estando somente vinculado ao princípio da adequação e da proporcionalidade.
Mas, apesar de caber ao solicitador de execução efectuar, em regra todas as diligências do processo de execução, mantendo-se o poder de direcção e de controlo do processo por parte do Juiz, o que implica que, em qualquer momento e sem necessidade de qualquer justificação, possa avocar o processo e solicitar qualquer informação ou esclarecimento sobre o modo de procedimento que foi ou deveria ter sido adoptado.
- cfr., neste sentido, Lebre de Freitas, in Penhora e Oposição do Executado, Themis, Ano V, nº9, pág.11/24
No sentido de que cabe ao solicitador de execução a determinação dos bens penhoráveis, posição com a qual se concorda, refere Miguel Teixeira de Sousa que: “esta conclusão é confirmada por duas circunstâncias. Uma primeira demonstra que o exequente não tem qualquer ónus de indicar bens penhoráveis no requerimento executivo: é o que decorre do facto de o agente de execução, sempre que ele próprio não consiga encontrar bens penhoráveis, dever solicitar a colaboração do exequente (cfr. artºs 832º, nº3 e 833º, nº4) ou do executado (cfr. artº833º, nº5). Este ónus de colaboração do exequente não se compreenderia, se esta parte tivesse o ónus de indicar bens penhoráveis no requerimento executivo.
A outra circunstância corrobora que o agente de execução não está vinculado aos bens indicados pelo exequente. Ela é a seguinte: mesmo que o exequente tenha indicado bens penhoráveis no requerimento executivo, o agente de execução não está dispensado de consultar o registo informático de execuções, conforme determina o artº832º, nº2, designadamente porque é importante conhecer se esses mesmos bens já se encontram penhorados numa outra execução; do mesmo modo, o agente de execução também não está impedido de procurar bens penhoráveis do executado, conforme lhe impõem os artºs832º, nºs2 e 3, e 833º, nº1, nomeadamente se entender que aqueles que foram indicados pelo exequente não satisfazem os requisitos exigidos pelo artº834º, nº1.
(…) Quando o exequente tenha indicado no requerimento executivo bens penhoráveis do executado (cfr. artº810º, nº3, al. d)), coloca-se o problema de saber se o agente de execução está vinculado a penhorar – ou, pelo menos, a penhorar preferencialmente - esses mesmos bens. Há uma situação em que, sem dúvida, essa vinculação existe: é aquela em que o exequente indica como bem penhorável aquele sobre o qual incide uma garantia real a seu favor, porque, neste caso, a penhora deve iniciar-se por esse mesmo bem (artº835º, nº1). Quanto às demais situações, há que recordar que, como acima se referiu, a indicação de bens pelo exequente não impede a busca de bens penhoráveis pelo agente de execução (cfr. artºs832º, nº3, e 833º, nºs1 a 3). Por isso, o problema tem de ser equacionado de forma distinta quando o agente de execução encontre outros bens penhoráveis ou não consiga encontrar estes bens.
Se o agente de execução tiver encontrado outros bens susceptíveis de ser penhorados, a questão deve ser resolvida através dos critérios legais de escolha dos bens a penhorar, nomeadamente aquele que é fornecido pelo artº834º, nº1: dado que, na falta de um critério especial, a penhora deve começar pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre suficiente para assegurar o pagamento do crédito exequendo, o agente de execução deve penhorar os bens indicados pelo exequente se eles satisfizerem esta exigência, mas não está obrigado a fazê-lo se isso não suceder e se ele tiver encontrado bens penhoráveis que melhor se ajustem àqueles requisitos.”
(in A Reforma da Acção Executiva, págs.149 e 152).
Desta forma, o solicitador de execução não está vinculado à nomeação feita pelo exequente.
E este não pode, como o fez o exequente/agravante no seu requerimento de fls.32., afirmar que se opõe à realização da penhora dos saldos bancários.
Contudo, no caso presente, não se pode olvidar o seguinte:
A satisfação do direito do exequente é conseguida mediante a transmissão de direitos do executado e para que essa transmissão se realize torna-se necessária a apreensão dos bens.
E estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda (nº1 do artigo 821º do Código de Processo Civil)
Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios (artigo 601º do Código Civil).
Assim, com a execução pretende-se obter de forma célere que o exequente veja concretizado o seu direito, no caso presente, direito que já viu reconhecido por decisão do Tribunal (sentença em acção declarativa de condenação, transitada em julgado).
Ora, a execução foi instaurada em 1 de Março de 2004, ao solicitador de execução foi-lhe comunicada a sua nomeação em 20 de Outubro de 2004, foram realizadas diligências para penhora do vencimento que se mostraram infrutíferas e chegados a 2 de Outubro de 2007 (data da entrada do requerimento do exequente –cfr. fls.32) ainda não se tinha obtido qualquer resultado – Aliás, quando este processo foi remetido a este Tribunal em 10 de Outubro de 2008 (isto é, mais de 4 anos 6 meses depois de instaurada a execução), não constava ter sido possível penhorar bens pertencentes ao executado e que foram objecto de diligências do solicitador de execução).
Assim, com o novo regime (já entretanto alterado – cfr. Decreto – Lei nº226/2008, de 20 de Novembro) pretendeu-se (com a desjurisdionalização relativa), entre outras coisas, que a satisfação dos credores fosse mais célere, pelo que não se pode excluir a intervenção do exequente quando a execução não atinge o seu fim próprio por a penhora de bens procurados pelo solicitador de execução não serem encontrados ou a actividade do solicitador de execução se ir arrastando no tempo sem obter qualquer resultado, configurando esta uma situação equiparável a não serem encontrados bens penhoráveis a que alude o nº4 do artigo 834º do Código de Processo Civil.
Esta situação legitima a intervenção do exequente; aliás, este arrastar da execução, por vários anos sem qualquer resultado obtido pelo solicitador de execução legitimaria, também, a intervenção do juiz, que continua a ter o poder de direcção e de controlo do processo.
Desta forma, poderia, nesta circunstância, o exequente indicar bens à penhora (ou melhor, reiterar a nomeação já feita no requerimento inicial).
Assim, o recurso merece provimento.
IV. Decisão
Posto o que precede, concede-se provimento ao agravo, e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, determinando-se que se notifique o solicitador de execução para proceder à penhora dos bens indicados pelo exequente.
Sem custas.