DIREITOS DE AUTOR
Sumário

O carácter criativo da “obra”, a que alude o art. 1º do CDADC, depende de não constituir cópia de outra obra (requisito mínimo), não constituir o resultado da aplicação unívoca de critérios pré – estabelecidos, nomeadamente de natureza técnica, em que estejam ausentes verdadeiras escolhas ou opções do autor e traduzir um resultado que não seja óbvio, banal, e que, portanto, permita distingui-lo de outros, reconhecer-lhe uma individualidade própria, enquanto obra, independentemente do suporte material que a encerra.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I.

1- Nos autos de Instrução nº 5819/06.6TDLSB que corre seus termos no 5ºJuízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, foi proferida, em 23 de Junho de 2008, a seguinte Decisão Instrutória que se transcreve:

(…)

Nos presentes autos de Instrução em que são Arguidos:

(M), filho de ... e de ..., natural da Freguesia de S. Cristóvão e S. Lourenço, Concelho de Lisboa, Nacionalidade Portuguesa, ..., arquitecto de interiores, residente..., Local de trabalho.. – Lisboa, (A), filha de... e de ..., , casada, arquitecta de interiores, residente na Avenida ... - 1900 Lisboa, Local de trabalho Rua... – Lisboa, (J), filho..., solteiro, gestor de empresas, Local de trabalho Lisboa... e (L), com os demais sinais dos autos,

E em que:

O M.º P.º exarou o despacho de arquivamento de fls. 125 a 128, nos seguintes termos:

“(…)

Iniciaram-se os presentes autos com a denúncia apresentada por (G) contra (M), (A), (J) e (L).

Resulta do seu conteúdo, que em 2004 expôs o seu trabalho de pintura decorativa no hotel Estoril Sol, por ocasião da realização da exposição Casa Décor.

Dessa exposição, surgiu o interesse de vários clientes e empresas dedicadas à decoração de interiores, nomeadamente dos denunciados (M) e (A), gerentes da empresa Arquitectamus.

Estes últimos apresentaram e propuseram a (J), o trabalho da denunciante para a decoração de um hall de entrada na sua casa em Telheiras.

Assim, a ora denunciante deslocou-se à referida morada, tendo conhecido (J), bem como o local a decorar, tendo explicado ao proprietário do imóvel em que consistia a execução do trabalho.

Deste encontro, em meados de Junho de 2004, resultou um projecto decorativo e respectivo orçamento para a execução do trabalho ( docs 3 e 4 ).

A maquete e orçamento, juntamente com as fotografias da obra exposta na Casa Décor foram entregues pela própria denunciante a (M) e (A). Nesse momento, teve conhecimento que o cliente considerara a obra demasiado cara e que desistira do projecto.

Em virtude da relação de confiança existente entre a denunciante e a Arquitectamus, não se apressou a recuperar o seu projecto e apenas meses depois se deslocou ao atelier para esse fim.

Em Janeiro de 2006, foi surpreendida ao tomar conhecimento de que fotografias do seu trabalho se encontravam expostas na Internet, incluídas no portfólio de (L) Advertido pela denunciante de que não autorizara tal cópia, o artista retirou imediatamente as ditas fotos, que deixaram de constar do site. Procedeu-se a inquérito.

Foram inquiridas as testemunhas (R), (C) e (P).

As duas primeiras, afirmaram ter consultado o site de (L) e de terem constatado que era exibida a obra da denunciante.

A outra testemunha, disse que visitou a casa de (J) e que verificou que o hall de entrada apresentava uma pintura decorativa que reconheceu como aquela que tinha sido elaborada por (G).

Procedeu-se ao interrogatório dos denunciados como arguidos.

(A) e (M) prestaram declarações como gerentes da Arquitectamus.

Referiram conhecer a denunciante, bem como a sua obra exposta no hotel Estoril Sol.

O Sr. (J) entrou em contacto com a mencionada empresa, uma vez que pretendia uma pintura decorativa na sua habitação, tendo por base uns quadros que já possuía.

Tal trabalho foi idealizado por (M) e (J) e executado por (L).

No caso concreto, a denunciante também foi contactada para apresentar o seu orçamento, o qual não foi aceite.

Afirmaram ainda não ter conhecimento da queixosa ter entregado na Arquitectamus qualquer maquete ou outro material.

Por seu turno, (J) mencionou que aquando da visita dos arquitectos (anteriores arguidos), tomou a iniciativa de sugerir a ambos que se adaptasse o desenho dos quadros a uma parede do hall e que ambas as partes elaboraram um esquema a lápis para que posteriormente fossem solicitados orçamentos.

A Arquitectamus dirigiu os trabalhos, os quais foram executados por (L), não tendo solicitado qualquer orçamento á pintora (G).

Apesar das inúmeras diligências realizadas no decurso dos autos, não foi possível localizar (L) para o ouvir como arguido, desconhecendo-se o seu paradeiro.

Verifica-se que no caso em apreço a ofendida alegou factos susceptíveis de configurar «plágio da sua obra artística».

Segundo a sua versão, a pintura decorativa que efectuou (reproduzida em fotografias que constam nos autos), foi utilizada pelos arguidos.

Importa analisar o que foi dito pelas pessoas ouvidas no inquérito.

Duas das testemunhas inquiridas observaram no site de (L) a pintura da denunciante; a outra chegou a ir a casa do arguido (J) e viu no hall de entrada pintura parecida com a da ofendida.

Todavia, os arguidos gerentes da Arquitectamus apresentaram versão bem diferente, tendo dito que a pintora (G) não lhes entregou maquete ou outro material. Foi o arguido e seu cliente (J) que tomou a iniciativa de sugerir a ambos que se adaptasse o desenho dos quadros que tinha em casa a uma parede do hall, tendo todos elaborado um esquema a lápis, para que fossem solicitados orçamentos.

A Arquitectamus dirigiu os trabalhos, que foram executados por (L).

Constata-se que temos depoimentos manifestamente contraditórios, resultando dos depoimentos dos arguidos que os desenhos decorativos do hall de entrada de sua casa se traduziram numa adaptação dos desenhos de seus quadros.

Deste modo, entendemos que o material probatório recolhido se afigura deficiente para responsabilizar os arguidos pela prática de um crime de contrafacção p. e p. pelo artigo 196° n° 1 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.

Opina a este propósito o Professor Figueiredo Dias no seu manual de Direito Processual Penal, edição 1984, pág. 133, que «... os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, em face dela, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição...».

No caso sub judice e pelas razões enunciadas, dos autos não resulta a possibilidade razoável de por força desses indícios ser aplicada aos arguidos uma sanção jurídico-penal.

Pelo exposto, determino o arquivamento do inquérito, de acordo com o preceituado no artigo 277° n° 2 do CPP.

Cumpra o estabelecido no artigo 277° n° 3 do CPP.

(...)”

A assistente (G), que também usa o nome profissional de (G), solteira, pintora decorativa, residente em Rua ... Caxias não se conformando com o despacho de arquivamento requereu a Abertura de Instrução de fls. 139 a 144 nos seguintes termos:

“(…)

1-A ora requerente denunciou os requeridos pela prática de crime de usurpação e contrafacção, p.p. pelos art. .° 195°, 196°,197° do Cód. Direitos de Autor e ainda por violação do disposto nas normas contidas nos art.° 9°, artº 11° e art.° 12° também do Cód. de Direitos de Autor , tudo conforme participação de fls. dos autos de inquérito, e que aqui se dá por integralmente reproduzida;

2-De acordo com o preceituado no artº 286° do CPP, a instrução tem como objectivo a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou arquivar o inquérito, ou seja apurar se os indícios recolhidos são suficientes ou não de que se verificou um crime e quem foi o seu agente, conforme prescreve o art°283° do mesmo diploma.

3-Ora,salvo o devido respeito pelo douto despacho de arquivamento, os factos apurados em sede de inquérito indiciam suficientemente a prática dos denunciados crimes.

4-Quer os depoimentos prestados pelas testemunhas, quer os documentos juntos e até mesmo a ‘versão’ dos denunciados ouvidos, tudo aponta no sentido de que houve um plágio, estando a referida obra realizada nas paredes da morada do denunciado (J).

5-Facto que foi expressa e inequivocamente presenciado pela testemunha (P), que esteve na referida residência.

6-O denunciado (J) declarou possuir quadros onde se teria baseado a pintura decorativa do citado hall e corredor, mas fácil será constatar , em inspecção ao local e peritagem que adiante se requerer3,que a intervenção artística em apreço é a execução fiel da maquete da denunciante (Fotos doc.3 da participação), cujo original agora se juntará.

7-Trata-se, aliás, de técnica concebida pela artista (G) e patente ao público na Exposição CASADECOR 2004, o que também não foi contestado.

8-É manifestamente inconsistente a “explicação” dada pelos participados, que se limitam a ‘não confessor a utilização não autorizada do projecto concreto da ora requerente.

9-Mas os três denunciados não negaram a sua actuação conjugada nem a participação do artista (L) , como executor do denunciado plágio.

10-Uma avaliação menos superficial do conjunto e de cada um dos meios de prova juntos pela ofendida e do teor de todos os depoimentos prestados no âmbito do presente inquérito, resultaria na consideração da suficiência dos indícios de se terem verificado os crimes participados.

11-Ou na promoção de outras diligências com vista à investigação e recolha de provas, no cumprimento do preceituado no artº 262° e artº 267° do CPP.

OS FACTOS:

1-Em 2004, por ocasião da realização da exposição denominada CASA DECOR, no hotel Estoril Sol, a participante criou e expôs o seu trabalho, num dos espaços da referida mostra de decoração de interiores;( Doc.1-revista- e Doc.2 - contrato - documentos juntos á participação).

2-Pela sua originalidade e beleza a obra mereceu elogios por parte de colegas e público em geral.

3-Aqueles efeitos decorativos passaram a ser imediatamente associados à pessoa da artista (G).

4-Dessa exposição resultou o interesse de vários clientes e empresas dedicadas à decoração de interiores, nomeadamente os participados (M) e (A), os quais utilizam a denominação comercial de ARQUITECTAMUS.

5-Entre Maio e Junho de 2004 , (M) e (A) apresentaram e propuseram ao participado (J), seu cliente, o trabalho da participante para a decoração de um hall de entrada, na sua residência sita em Telheiras.

6-Para tanto, a participante deslocou-se àquela morada onde conheceu o participado (J), estudou o local a decorar, tirou as medidas necessárias e explicou ao dono da casa em que é que consistiria a execução do trabalho, designadamente a adaptação, ao local em concreto, dos efeitos de pintura decorativa criados para o espaço na CASA DECOR.

7-Deste encontro, em meados de Junho de 2004, resultou um projecto decorativo e respectivo orçamento para a execução do trabalho, Doc.3 (FOTOS DA MAQUETE) e doc.4 (CONTAS).,documentos juntos com a participação e que aqui se dão por integralmente reproduzidos e MAQUETE, ora junta;

8-Tal maquete e orçamento, juntamente com fotografias da obra exposta na CASA DECOR, foi entregue, pessoalmente, pela ora participante, aos participados (M) e (A), nas instalações da ARQUITECTAMUS, que a entregaram ao terceiro participado (J).

9-Decorrido algum tempo, sem que houvesse resposta à proposta da participante, esta decidiu contactar telefonicamente com os ora participados (M) e (A) para saber se sempre executaria ou não o trabalho para o cliente dos mesmos.

10-Foi nesse momento que soube que o cliente considerara a obra demasiado cara e em consequência desistira do projecto.

11-Dada a relação de confiança existente entre a ora participante e as pessoas que constituíam a ARQUITECTAMUS, a participante não se apressou a recuperar o seu projecto, e só meses depois se deslocou ao atelier dos mesmos para tal.

12-Em finais de 2004 ou início de 2005, o conjunto das peças que constituíam a proposta decorativa foi-lhe, então, entregue pelo ora participado (M), na presença da secretária do mesmo, (JM).

13-Em Janeiro de 2006 a ora participante foi surpreendida ao tomar conhecimento de que fotografias do seu trabalho se encontravam expostas na Internet incluídas no portfolio do artista (L), Doc.5 junto à participação.

14-Tais fotos reproduzem o trabalho decorativo realizado na morada do participado (J), execução fiel do projecto original da artista (G).

15-Contactado o ora participado (L), por telefone, este confirmou ter-se limitado a seguir instruções dos participados, os quais lhe encomendaram a execução desse trabalho.

16-Advertido pela ora requerente de que não autorizara tal cópia e muito menos a publicitação no seu portfolio, o artista retirou imediatamente as referidas fotos, que nesta data já não constam do seu site.

17-A participante escreveu aos participados com a finalidade de resolver extra-judicialmente a questão, Doc.6.

18-Resulta da simples observação que a pintura decorativa aplicada no hall de entrada da casa do participado (J) é a execução fiel do projecto da participante, criadora intelectual do mesmo.

19-Quer nos materiais usados, nas medidas e proporções e em todos os pormenores.

20- Sendo certo que todos os participados sabiam tratar-se de criação da participante.

21-Decorre das regras da experiência comum e da simples observação directa ou indirecta que a obra executada pelo participado (L) não tem individualidade própria sendo a reprodução pura e simples do original concebido pela ora participante.

22-A ora requerente não autorizou os participados a usarem a sua obra.

23-A ora requerente deixou de receber pelo menos o valor do trabalho a prestar na referida residência, o qual orçamentou em cinco mil euros (5000E).

24-A participante investiu na concepção, criação e realização da obra apresentada na Casa Décor, para além de pelo menos 160 horas de trabalho, um montante não inferior a 750f (preço do espaço na Casa Décor, por um mês de compromisso na exposição-vide doc.2.

DO DIREITO:

25- Ao utilizar a maquete e esboços elaborados pela participante, os participados tinham plena consciência que tal obra era uma criação original de autoria da ora participante e que tal conduta não fora autorizada por esta, devendo sê-lo por escrito - art.°41° do Cod.Dir.Autor

26-Assim, os participados, ao utilizarem como sua a obra da participada, praticaram os crimes de usurpação e contrafacção, p. e p., pelos arts. 195°, 196° e 197° do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos.

Pelo exposto, designadamente por violação dos artigos 9°, 11°,12°, do Cod.Direitos de Autor,

Requer a V. Exa. que se digne admitir como assistente e ordenar a abertura de instrução contra os participados, seguindo-se os ulteriores termos legais.

Assim, com o douto suprimento de V.Exa. e sem prejuízo de outras diligências que V.Exa. entender conveniente,

Requer , como diligências de prova :

Inspecção judicial na morada do participado (J) ... Lisboa;

Exame pericial para confronto entre a maquete/obra original e a obra executada na morada acima referida;

Audição de cassete áudio com gravação das conversas telefónicas havidas entre a Requerente e os requeridos (M) e (L), em Janeiro de 2006 QUE ORA JUNTA

Mais Requer que

Sejam tomadas declarações às testemunhas:

1°. (R), ;

2°. (C);

3°. (P),        

4°.(JM), empregada da Arquitectamus na loja da Rua ... Lisboa

5° (G),

Junta: 1- MAQUETE DO PROJECTO DECORATIVO ORIGINAL

2- CASSETE AUDIO E APARELHO PARA AUDIÇÃO DAQUELA (marca Sony – cassete)

 (…)”.

- Profere-se a seguinte:

*

= DECISÃO INSTRUTÓRIA =

*

O Tribunal é absolutamente competente.

O processo é o próprio e isento de nulidades insanáveis.

O M.ºP.º tem legitimidade para exercer ou não a acção penal, e, a Assistente está investida da faculdade de requerer a Abertura de Instrução com vista a ver submetida a causa a Julgamento.

Procedeu-se a Debate Instrutório com observância do legal formalismo conforme da acta consta e afigura-se-nos inexistirem questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento de mérito, pelo que, cumpre Apreciar e Decidir:

*

Apreciando e Decidindo:

Estabelece o art. 286º nº 1 do C.P.P. que “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.

No caso dos autos, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de acusar, o mesmo é dizer que visa aferir da existência ou não de indícios dos quais resulte uma possibilidade razoável de, em julgamento, virem a ser aplicadas aos arguidos, uma pena, pela prática dos crimes de usurpação e contrafacção, p. e p., pelos arts. 195°, 196° e 197° do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos.

Dispõe o art. 308º nº 1 do C.P.P. que “ Se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos, caso contrário, profere despacho de não pronuncia”.

De acordo com o nº 2 do art. 283º do C.P.P. “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.

Tal fórmula acolheu a orientação da doutrina e jurisprudência seguidas no domínio do C.P.P. de 1929 que não definia o que era indícios suficientes para a acusação.

Considerava-se que eram bastantes os indícios quando existia um conjunto de elementos convincentes de que o arguido tinha praticado os factos incrimináveis que lhe eram imputados; por indícios suficientes entendem-se suspeitas, vestígios, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o arguido o responsável por ele.

Por outras palavras, para sustentar uma pronúncia, embora não seja preciso uma certeza da existência da infracção, é necessário, contudo, que os factos indiciários sejam suficientes, e bastantes, para que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo da culpabilidade do arguido, impondo, assim, um juízo de probabilidade do que lhe é imputado [Entre outros, Acs. da Relação de Coimbra de 31/3/93 in C.J. Ano XVIII, Tomo II, pág. 65; de 26/6/63 in JR. Ano 30, 777; de 29/3/66 in JR. 2, Ano 20 pág. 419; da Rel. Lisboa de 28/2/64 in JR. Ano 10 pág. 117].

Na fase da instrução, porque não se tem por objectivo alcançar a demonstração da realidade dos factos, mas tão só um juízo sobre a existência de indícios, sinais, de que um crime foi cometido por determinado arguido, as provas recolhidas não constituem pressuposto da decisão de mérito, mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo, até à fase do julgamento [Germano Marques da Silva in ob. cit., III, pág. 178].

A simples sujeição de alguém a julgamento, mesmo que a decisão final culmine numa absolvição, não é um acto neutro, quer do ponto de vista das suas consequências morais quer jurídicas.

Submeter alguém a julgamento é sempre um incómodo, se não mesmo um vexame.

A este respeito escreve o Sr. Prof. Figueiredo Dias [Direito Processual Penal, Primeiro Volume, 1981, pág. 133-] que, “O Ministério Público (e/ou o assistente) (...) tem de considerar que já a simples dedução de acusação representa um ataque ao bom nome e reputação do acusado, o que leva a defender que os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição. (..) A alta probabilidade, contida nos indícios recolhidos, de futura condenação tem de aferir-se no plano fáctico e não no plano jurídico (..)”.

Dai que no juízo de quem pronuncia deva estar presente a necessidade de defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, designadamente as salvaguardadas no art. 30º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e que entre nós mereceram consagração constitucional art. 20 da D.U.D.H. e art. 27º da C.R. P. [Ac. da Relação do Porto de 20 de Outubro de 1993, C.J. Ano XVIII, Tomo IV, pág. 261].

Consequentemente, o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido [Germano Marques da Silva in ob. cit. pág. 179].

Aqui chegados, importa então saber se os elementos carreados para os autos permitem concluir pela possibilidade de a condenação ser maior que a da absolvição.

*

Vejamos a prova indiciária existente relativamente aos arguidos (M), (A), (J) e (L):

- Da prova documental:

Fls. 7 a 10 – Revista que contem os efeitos decorativos em discussão dos presentes autos;

Fls. 11 a 13 – Contrato pelo qual foi cedido o espaço à Assistente para expor a sua obra e constituída pelos efeitos decorativos em discussão dos presentes autos;

Fls. 14 e 15 – Fotos da maquete;

Fls. 16 e 17 – Contas;

Fls. 18 a 21 – Portfolio do artista (L) exposto na internet;

- Dos depoimentos das testemunhas:

Conforme ensina o Prof. Cavaleiro de Ferreira [Curso de Processo Penal, Lisboa, 1981, II, pág. 339], à prova testemunhal é o mais importante, por mais frequente, meio de prova em processo penal.

A testemunha(C) prestou depoimento nos seguintes termos:

“(…)

Que conhece desde 2004, por motivos profissionais, a queixosa, pois ambas participaram na exposição de decoração onde estava em exposição a obra que deu origem ao presente processo.

Nessa mesma exposição e como visitante, também esteve presente a testemunha (R), que viu também a obra da queixosa.

Mais tarde a testemunha (R), entrou em contacto com a declarante, informando-a que tinha visto no portfolio de um indivíduo de nome (L), a obra da queixosa que anteriormente tinha visto na já referida exposição.

 Perante esta situação, resolveu consultar o "site" do (L), constatando que na verdade ali estava presente a obra da queixosa (G).

Foi então que entrou em contacto com a queixosa a quem narrou os factos anteriormente descritos.

Só nesta altura ficou a saber que a queixosa tinha apresentado um projecto à firma Arquitectamus"

Dos arguidos constantes dos autos, apenas conhece o (M) e a (A), porque costumam também participar em exposições da "Casa Décor', desconhecendo identidade e residência dos restantes.

Não tem a certeza, mas julga que o (L), já retirou a obra da queixosa do "site".

(…)”

A testemunha (P) prestou depoimento nos seguintes termos:

“(…)

Que a relação existente entre si e a queixosa é uma relação profissional, pois costumam trabalhar em conjunto.

Relativamente aos factos esclarece o seguinte:

Em data que não se recorda o arguido (J) consultou a declarante (P), para que fosse visitar a sua habitação, para lhe dar um parecer sobre a decoração de um hall de entrada

No dia 18ABRO6, a declarante visitou a residência do referido (J) e constatou que o hall de entrada estava pintado com uma pintura decorativa que ti sido apresentada numa exposição da "Casa Décor" no Estoril Sol, trabalho que reconheceu imediatamente como tendo sido elaborado pela queixosa (G).

Em face disso a declarante terá dito: Que engraçado pois isto foi pintado pela (G), ao que aquele respondeu que não, não tecendo mais comentários.

Então a declarante disse, que se não tinha sido ela a autora do trabalho, o trabalho que ali tinha sido feito, era uma cópia fiel do trabalho da queixosa. O arguido perante esta afirmação, nada respondeu.

Imediatamente a seguir telefonou à queixosa a contar-lhe o que se tinha passado, agradecendo aquela, a atitude, pois estava com problemas com a firma "Arquitectamus", dado ter conhecimento pela testemunha(R), que o projecto que ela tinha apresentado à "Arquitectamus", tinha aparecido na internet, num "site" de outro pintor decorativo, quando a obra era de sua autoria. Pediu então à declarante se podia ser sua testemunha daquilo que viu, ao que respondeu afirmativamente.

Dos arguidos constantes nos autos, apenas não conhece o (L), desconhecendo também o seu domicílio.

Quanto ao (M) e (A), afirma serem colegas de profissão e encontrarem-se por vezes em exposições, nomeadamente da "Casa Décor". Inclusivamente, na exposição onde esteve a declarante, a queixosa (G) com a obra a que alude os autos e outros artistas, encontravam-se também presentes (M) e (A), estes, no piso inferior.

Desconhece se terá sido nessa altura que os arguidos terão firmado com a queixosa algum compromisso sobre a pintura na casa do arguido (J).

Declara também só após contacto com a queixosa para lhe dar conhecimento dos factos", é que soube que a queixosa tinha entregue uma maquete e orçamento à firma "Arquitectamus ".

 (…)”

A testemunha (R) prestou depoimento nos seguintes termos:

“(…)

Que conhece a queixosa (G), através de uma sua amiga de nome (C), que à data dos factos também tinha obras expostas na "Casa Décor", simultaneamente com a queixosa e outros artistas.

Foi nessa altura que presenciou a obra da queixosa que ainda se mantinha em fase criação pela artista.

Não pode precisar se na mesma exposição se encontrava a firma "Arquitectamus", embora tal fosse possível, pois naquele evento encontravam-se reunidas várias entidades ligadas à arte e à decoração.

Não conhece portanto nenhum dos arguidos indicados nos autos.

Relativamente aos factos pretende esclarecer que:

Em data que não se recorda, a declarante estava a consultar um "site" quando viu um "link", para pintura decorativa, referente a um indivíduo de nome (L).

Ficou curiosa e resolveu consultar o referido "site", constatando para seu espanto que a obra que anteriormente tinha visto na exposição da "casa Décor" e elaborada pela artista (G), estava no portfolio do (L), como sendo trabalho por aquele realizado.

Telefonou em seguida à sua amiga (C), a quem contou o sucedido, pedindo-lhe para que confirmasse estes factos com a queixosa.

Desconhece se a queixosa tinha estabelecido algum contrato ou acordo com a firma "Arquitectamus", ou individualmente com os seus gerentes, conforme lhe é dito constar dos autos.

Posteriormente, já consultou o "site" do (L) e esta obra já não consta no seu portfólio.

 (…)”

A testemunha (G), ora Assistente, prestou depoimento nos seguintes termos:

“(…)

Começou por esclarecer que de acordo com o que consta da denúncia de fls. 3 a 6 deslocou-se a casa do Dr. (J) a fim de efectuar as medições e elaborar projecto decorativo.

Referiu que em virtude de se ter deslocado à dita residência, não tem dúvidas em afirmar que reconhece o hall do imóvel cuja fotografia consta em fls. 20 como pertencente ao referido Sr.

Como é óbvio, ficou chocada ao ter conhecimento da situação supra descrita, através da Internet.

Posteriormente, contactou o denunciado (L) e confrontou-o com a situação supra descrita. Este disse-lhe que "o cliente" o contactou e que lhe deu uma "folha" para executar o projecto.

Desconhece a actual morada do Sr. (L).

Acrescentou ainda que as fotografias de fls. 14 e 15 correspondem às maquetes elaboradas para a decoração do hall da casa supra citada.

Foram estas maquetes que foram entregues na Arquitectamus.

 “(…)

- Das declarações do arguido:

No processo penal, o arguido goza da faculdade de prestar ou recusar as declarações; se o arguido se negar a prestar declarações, ou se as presta parcialmente, seja qual for a fase do processo, o seu silêncio não poderá ser valorado como meio de prova, mas tomado como ausência pura e simples de resposta.

No caso vertido, a arguida (A) prestou as seguintes declarações que aqui reproduzimos nos seguintes termos:

“(…)

Confirma conhecer a queixosa (G) de várias exposições da "Casa Décor , em que ambas costumam participar, nomeadamente estiveram ambas na exposição levada a efeito no ano de 2004, no hotel Estoril, a que alude os autos.

Confirma ter visto a obra exposta da queixosa, como outras em exposição, mas não manteve com a queixosa, qualquer conversa, acerca da realização de qualquer trabalho, na casa do Sr. (J).

Refere também não ter conhecimento da queixosa ter entregue na Arquitectamus, qualquer maquete ou outro material, conforme é citado nos autos.

Efectivamente sabe que o Sr. (J) terá entrado em contacto com a Arquitectamus, na pessoa do Sr. (M) porque pretendia fazer uma pintura decorativa na sua habitação.

O que o Sr. (J) pretendia fazer na habitação tinha por base uns quadros que já possuía.

Esse trabalho foi idealizado por ambos os intervenientes, Sr. (M) e Sr. (J) e é esse mesmo trabalho que foi efectuado na casa do Sr. (J).

Declara ainda que a Arquitectamus, no presente caso, solicitou vários orçamentos a diversos pintores decorativos, tendo também a pintora (G) apresentado o seu orçamento como outros.

Que na verdade conhece o pintor decorativo (L), por ter sido também um dos vários artistas que apresentaram os citados orçamentos, acabando por ter sido ele o autor da obra na casa do Sr. (J), que como disse foi idealizada por este e por (M).

Afirma desconhecer a residência de (L) em Portugal sabendo apenas ser Brasileiro e residir parte do tempo em parte incerta do Brasil e Luxemburgo.

 (…)”

O arguido (M) prestou as seguintes declarações que aqui reproduzimos nos seguintes termos:

“(…)

Declara que conhece a queixosa (G) por se encontrarem em diversas exposições, onde cada um em seu sector apresenta os seus trabalhos.

Confirma ter efectivamente estado no evento da Casa Décor, realizado no ano de 2004 no Hotel Estoril Sol, onde estava também a queixosa.

Que conforme viu toda a exposição, na verdade viu o trabalho exposto pela (G).

Embora tenha presenciado a obra na dita exposição não manteve com a queixosa nessa altura, qualquer diálogo comercial, limitando-se a felicitá-la pelo trabalho realizado.

Conhece o Sr. (J) porque é um cliente da Arquitectamus

Em data que não pode precisar o Sr. (J) pediu a sua intervenção para em conjunto com ele idealizar um trabalho em determinadas paredes do hall da sua habitação, para integrar decorativamente uns quadros que ele já possuía.

Para colocar em prática o trabalho que idealizou, ambos pediram orçamentos, onde a queixosa (G) entregou também o seu orçamento a pedido da Arquitectamus.

Declara que a queixosa (G) nunca entregou nas instalações da Arquitectamus a maquete e fotografias a que alude os autos e, inclusivamente o orçamento que apresentou, foi por telefone.

Perante os orçamentos recebidos pela Arquitectamus e pelo interessado Sr. (J), foi escolhido o pintor decorativo (L), para executar a obra pretendida, estando certo que o orçamento por ele apresentado foi o preferido do Sr. (J).

Acha inclusivamente que o orçamento do pintor (L) foi pedido directamente pelo Sr. (J).

Pretende deixar claro que, para além do orçamento que a Arquitectamus solicitou à queixosa (G), não houve outro contacto comercial.

Afirma desconhecer a morada em Portugal do pintor (L), sabendo apenas que passa muito do seu tempo no estrangeiro.

(…)”

O arguido (J) prestou as seguintes declarações que aqui reproduzimos nos seguintes termos:

“(…)

Há cerca de dois anos, solicitou aos Arquitectos acima referidos, que o ajudassem a decorar e a adaptar umas peças que trazia da sua anterior habitação, entre elas vários quadros cujo tema são círculos e circunferências em relevo.

Aquando das várias visitas dos arquitectos, tomou a iniciativa de sugerir a ambos que se adaptasse o desenho dos ditos quadros a uma parede do hall.

A partir dessa ideia foi feito por ambas as partes um esquema a lápis, do que pretendia, para que posteriormente pudessem ser solicitados orçamentos para a sua pintura.

Relativamente à queixa apresentada pela pintora (G), afirma não ter sido o arguido que lhe solicitou o orçamento, tendo a certeza que foi a Arquitectamus.

Inclusivamente nunca teve nenhuma relação comercial com a pintora (G), conhecendo-a simplesmente pelo facto daquela ter apresentado o orçamento.

Afirma que a pintura existente no hall da sua residência, surgiu dos círculos que constam dos quadros já referidos e não de outra qualquer pintura ou obra criada, por quem quer que fosse.

Desconhece também se a queixosa (G) terá também entregue na Arquitectamus, alguma maquete ou fotografias, pois como disse o seu relacionamento era com os Arquitectos da Arquitectamus.

Declara ainda que para além da Arquitectamus, também pediu orçamentos a pintores decorativos, tendo aceite o orçamento do (L), embora fosse sempre a Arquitectamus que dirigia o trabalho.

Desconhece se o (L) possui residência em Portugal, pois para além do serviço por aquele prestado, não tem outro relacionamento com ele.

(…)”

-Dos actos de Instrução:

Foi inquirida a testemunha (G) a qual à matéria dos autos respondeu:

“(…)

Ao art. 1º, respondeu afirmativamente.

Ao art. 2º, respondeu afirmativamente.

Ao art. 3º, respondeu afirmativamente.

Ao art. 4º, respondeu afirmativamente, com o esclarecimento que o que sabe, foi-lhe transmitido pela assistente.

Ao art. 5º, respondeu afirmativamente, com o esclarecimento que o que sabe, foi-lhe transmitido pela assistente.

Ao art. 6º, respondeu afirmativamente, com o esclarecimento que o que sabe, foi-lhe transmitido pela assistente.

Ao art. 18º, e após ser confrontada com o teor de fls. 10, e 20/21, respondeu que o teor de fls. 20/21 poderá ser uma obra semelhante à de fls. 10, contudo a mesma neste momento é diferente já que está numa fase inacabada.

Ao art. 19º, respondeu não saber, já que dos desenhos constantes dos autos não lhe é possível responder ao pretendido.

Ao art. 20º, respondeu não saber, embora tenha conhecimento de que os responsáveis da “ARQUITECTAMUS” estavam presentes no espaço na altura em que estava exposta a obra da assistente.

(…)”

Foi inquirida a testemunha (JM) a qual à matéria dos autos respondeu:

“(…)

Ao art. 4º, respondeu não saber.

Ao art. 5º, respondeu não saber.

Ao art. 6º, respondeu não saber, esclarecendo apenas que o arguido (J) é cliente da “ARQUITECTAMUS”.

Ao art. 7º, respondeu não saber.

Ao art. 8º, respondeu que efectivamente recebeu a assistente na “ARQUITECTAMUS” e limitou-se a encaminhá-la para a sala de reuniões.

Ao art. 9º, respondeu apenas que nunca recebeu nenhuma chamada na “ARQUITECTAMUS” dirigida aos arguidos (M) e (A).

Ao art. 10º, respondeu não saber.

Ao art. 11º, respondeu não saber sendo certo que só viu a assistente na “ARQUITECTAMUS” uma única vez que foi por ocasião da reunião referida na resposta ao art. 8º.

Ao art. 12º, respondeu não saber e esclarece que também ela própria nunca entregou à assistente o tal conjunto de peças. Refere ainda que a única empregada que está na “ARQUITECTAMUS”.

Ao art. 22º, respondeu não saber.

(…)”

*

Elementos indiciários objectivos constantes dos autos:

Em 2004, por ocasião da realização da exposição denominada CASA DECOR, no hotel Estoril Sol, a Assistente criou e expôs o seu trabalho, num dos espaços da referida mostra de decoração de interiores;

Pela sua originalidade e beleza a obra mereceu elogios por parte de colegas e público em geral.

Aqueles efeitos decorativos passaram a ser imediatamente associados à pessoa da artista (G).

Dessa exposição resultou o interesse de vários clientes e empresas dedicadas à decoração de interiores, nomeadamente os participados (M) e (A), os quais utilizam a denominação comercial de ARQUITECTAMUS.

O arguido (J) entrou em contacto com a mencionada empresa, uma vez que pretendia uma pintura decorativa na sua habitação.

Tal trabalho foi idealizado por (M) e (J) e executado por (L).

No caso concreto, a Assistente também foi contactada para apresentar o seu orçamento, o qual não foi aceite.

A Arquitectamus dirigiu os trabalhos, os quais foram executados por (L).

A pintura decorativa efectuada na residência do arguido (J), concretamente no hall de entrada da sua residência sita em Telheiras. é em tudo semelhante à obra artística e exposta em 2004, por ocasião da realização da exposição denominada CASA DECOR, no hotel Estoril Sol

Em Janeiro de 2006 a ora Assistente foi surpreendida ao tomar conhecimento de que fotografias do seu trabalho se encontravam expostas na Internet incluídas no portfolio do artista (L).

Tais fotos reproduzem o trabalho decorativo realizado na morada do participado (J).

Advertido pela ora Assistente de que não autorizara tal cópia e muito menos a publicitação no seu portfolio, o artista retirou imediatamente as referidas fotos, que nesta data já não constam do seu site.

*

Posto isto, e relativamente ao despacho de acusação do Mº. Pº. existem ou não indícios suficientes de que os arguidos terão praticado os factos que lhes são imputados no RAI de fls.139 a 144?

A obra é o objecto de protecção no direito de autor.

Nos termos do art. 1º, nº 1 do CDADC, consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas. O autor (cfr. Oliveira Ascensão, in Direito de Autor e Direitos Conexos, pág. 57 e segts.) faz várias correcções à definição legal, preferindo acentuar-lhe as referências à criatividade, originalidade e personalidade do seu autor.

Podemos pois dizer que obra relevante para o CDADC terá de ser visto como “o produto original de um trabalho intelectual criativo (com exclusão, portanto, do trabalho puramente técnico ou mecânico) no domínio literário, artístico ou científico, exteriorizado numa forma original que exprime a personalidade do seu autor”.

Oliveira Ascensão considera que as obras em causa “são sempre ou literárias ou artísticas. Podem é provir do domínio literário, científico ou artístico... A obra científica não é a teoria, é a forma literária que a exprime” e “...a referência à criação permite-nos uma divisão fundamental que dissociará o domínio do Direito do Autor de todos aqueles que lidam com a actividade de descoberta de leis ou processos objectivamente preexistentes, mas não conhecidos até então”.

E ainda “não há a criatividade que é essencial à existência da obra tutelável, quando a expressão representa apenas a via única de manifestar a ideia...Todas as vezes que a expressão for vinculada como modo de manifestação da realidade, falta-lhe criatividade e não há, portanto, obra literária ou artística”.

“A presunção de qualidade criativa cessa quando se demonstrar que foi o objecto que se impôs ao autor, e este afinal nada criou”. “.... se só há criação quando se sai do que está ao alcance de toda a gente para chegar a algo de novo, a obra há-de ter sempre aquele mérito que é inerente à criação, embora não tenha mais nenhum: o mérito de trazer algo que não é meramente banal”.

Do exposto conclui-se que nem todas as obras humanas merecem a protecção do CDADC, apenas merecem tutela aquelas que são criativas, que trazem algo de novo, expresso através da personalidade do seu autor.

Voltando ao caso concreto não nos suscitam dúvidas que a obra da assistente e individualizada nos autos é uma obra artística que deve ser objecto de protecção dos direitos de autor.

E também não nos suscitam dúvidas que a pintura decorativa realizada na residência do arguido (J) reproduz o trabalho da ora Assistente, quanto à forma, cores e textura conforme se extrai da comparação entre as fotos que retratam tais trabalhos.

Em conclusão afigura-se-nos que os autos contêm indícios suficientes de se terem verificado os crimes de usurpação e contrafacção, p. e p., pelos arts. 195°, 196° e 197° do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos imputados aos arguidos.

*

Face o exposto e atento o disposto nos artigos 286º n.º 1, 307º n.º 1 e 308º todos do C.P.P, PRONÚNCIO:

(M), filho de ... e de...natural de... Concelho de Lisboa, Nacionalidade Portuguesa, data de nascimento ..., casado, arquitecto de interiores, residente Avenida... Local de trabalho..Lisboa, (A), filha de... e de..., nascida..., casada, arquitecta de interiores, residente na Avenida... Lisboa, Local de trabalho Rua da Escola... Lisboa, (J), filho de ... e de..., natural da Freguesia..., nascido..., solteiro, gestor de empresas, residente em... Lisboa, Local de trabalho.. Lisboa e (L), com os demais sinais dos autos, a fim de serem submetidos a Julgamento em processo comum e com intervenção do Tribunal colectivo, pelas razões de facto e de direito enunciadas no RAI de fls. 139 a 144 que nos termos do art. 307º n.º 1 do C.P.P., aqui dou por integralmente reproduzida.

PROVA

- Documentos, os dos autos, nomeadamente:

Fls. 7 a 10 – Revista que contem os efeitos decorativos em discussão dos presentes autos;

Fls. 11 a 13 – Contrato pelo qual foi cedido o espaço à Assistente para expor a sua obra e constituída pelos efeitos decorativos em discussão dos presentes autos;

Fls. 14 e 15 – Fotos da maquete;

Fls. 16 e 17 – Contas;

Fls. 18 a 21 – Portfolio do artista (L) exposto na internet;

-Testemunhas,

1°. (R), ;

2°. (C), ;

3°. (P),           

4°.(JM), empregada da Arquitectamus na loja da Rua... Lisboa

5° (G),

*

ESTATUTO PESSOAL:

Ponderado os factos e a moldura penal abstracta do ilícito criminal, em presença, uma vez que não se mostram reunidos nenhum dos pressupostos definidos no art. 204º al. a), b) e c) do C. P. Penal, afigura-se-nos que os arguidos deverão aguardar os ulteriores termos do processo em liberdade, mediante T.I.R de harmonia com o disposto nos art.ºs 191º a 193º e 196º do C.P.P.).

Sem custas.

Notifique.

Transitada remeta à distribuição.

(…)

2- Os arguidos vieram interpor recurso desta decisão, apresentando as seguintes conclusões à sua motivação de recurso que se transcrevem:

(…)


1. No seu despacho de pronúncia o Mmo. Juiz a quo faz – e correctamente – uma exposição sobre a definição de criação artística, conceito este essencial para a apreciação dos crimes em apreço.
2. Não menos essencial é o preenchimento e apreciação do conceito de “obra com individualidade própria”, na medida em que a existência ou não da mesma é imperativa para a existência ou não do crime de contrafacção.
3. Porém, sobre este conceito o Mmo. Juiz nem tão pouco o enuncia no seu despacho.
4. Existe aqui um erro grosseiro na apreciação da matéria de facto e subsunção à tipologia do crime na medida em que a ausência de individualidade própria da obra artística é um elemento do tipo do crime.
5. Para que o crime de contrafacção se verifique, tem como pressuposto necessário a ausência de individualidade própria a obra.
6. Ora, não poderia o Juiz a quo decidir pela pronúncia dos Arguidos pela prática deste crime, se nos seus actos de instrução nem tão pouco se debruçou sobre a aferição da já referida “individualidade própria”.
7. Pelo que, desde logo por esta razão não poderiam os Requerentes ter sido pronunciados pela prática do crime de contrafacção, p. e p. pelo art. 196.º do C.D.A.D.C.
8. Consequentemente, não poderia apreciar a existência do crime de Usurpação pela mesma razão.
9. Pois, se a pintura decorativa realizada no hall do Arguido (J), tiver individualidade própria, é ela em si uma obra artística diferente da proposta pela Assistente na Casa Decor.
10. Logo, a sua alegada publicitação no site do Arguido (L) também não consubstancia a prática do crime de Usurpação.
11. Ainda sobre o crime de Usurpação, para que os Recorrentes fossem pronunciados pela prática do mesmo, seria necessária a produção de prova da entrega da maquete de das fotografias aos Recorrentes e que estes, por sua vez, a tivessem divulgado sem a autorização da Assistente.
12. Ora nada disto foi indiciariamente provado.
13. Não foi provada a entrega das fotografias e maquete da obra exposta na Casa Decor, muito menos ficou provado – ainda que indiciariamente – que os Recorrentes a tenham divulgado abusivamente.
14. Pelo que, mais uma vez, não se compreendo como foram os mesmos pronunciados pela prática do referido crime.
15. Assim entendem os Recorrentes que das fases de Inquérito e de Instrução resulta provado apenas que:
a) em 2004 a Assistente e os aqui Recorrentes participaram na exposição Casa Decor, no hotel Estoril Sol;
b) que na Casa Decor a Assistente expôs o seu trabalho na mostra de decoração de interiores;
c) que o Arguido (J) é cliente da Arquitectamus, Lda., tendo pedido a ajuda do Arguido (M) para, em conjunto, idealizar uma pintura decorativa para o hall da sua residência, com o propósito de integrar decorativamente uns quadros que aquele já possuía;
d) Para a execução do trabalho foi solicitado um orçamento à Assistente;
e) orçamento este que não foi o escolhido pelo Arguido (J).
16. Por outro lado, entendem os Recorrentes não ter sido provado que a obra idealizada por (J) e (M) e executada por (L), careça e individualidade própria;
17. Assim como não ficou indiciariamente provado que a Assistente tenha entregue fotografias e maquete do seu trabalho aos Recorrentes.
18. Nestes termos, não poderiam os Recorrentes ter sido pronunciados pela prática dos crimes de Usurpação e Contrafacção, p. e p., pelos arts. 195.º e 196.º do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos[1], respectivamente.
19. Ainda uma palavra sobre o conteúdo do despacho de pronuncia do qual se recorre.

20. Obriga o art. 283.º, n.º 3, alínea c), por aplicação remissiva do art. 308.º, n.º 2, ambos do C.P.P., que o despacho de pronúncia contenha a indicação das disposições legais aplicáveis, sob pena de nulidade.
21. Ora, no seu despacho de pronúncia, o Mmo. Juiz a quo não indica expressamente qual a modalidade do crime de usurpação que os Recorrentes terão sido autores.
22. O legislador prevê várias condutas para a prática daquele crime, permanecendo por isso os Recorrentes na ignorância sobre qual das condutas entendeu o douto tribunal a auo como verificadas.
23. Pelo que deve o despacho de pronúncia ser declarado nulo.

                       Termos em que, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, ser o despacho de pronuncia declarado nulo por omissão da indicação das disposições legais aplicáveis; em alternativa,

            Deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser a decisão recorrida alterada, concluindo-se pela não pronúncia dos Recorrentes relativamente a ambos os crimes, usurpação e contrafacção, p. e p. pelos arts. 195.º e 196.º do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos[2], respectivamente, (…)

3- O Ministério Público apresentou as seguintes conclusões na sua resposta ao recurso (transcrição):

(…)

1-Analisados os factos dados como apurados no douto despacho recorrido, no qual o Mmo JIC escalpelizou toda a prova produzida nos autos e tida por relevante à prolacção de uma decisão conscienciosa, verifica-se que foi produzida prova suficiente que permite sujeitar os arguidos a julgamento pela prática dos crimes que lhes são imputados.
2-Isto é o que resulta da apreciação crítica e global da prova produzida nos autos e cuja apreciação consta da douta decisão recorrida.

3- Dos autos constam indícios suficientes que em julgamento podem conduzir à condenação dos arguidos, tratando-se o invocado erro grosseiro na apreciação da matéria de facto, notório erro de avaliação dos arguidos acerca  da suficiência de indícios.

4-Com efeito, a pronúncia só deve ter lugar quando tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente (arts. 283. ° e 308.° n. ° 1, do CPP).

5-No despacho instrutório de pronúncia, o juiz ao avaliar e valorar os factos e os elementos de prova decide que os autos estão em condições de prosseguir para a fase de julgamento por se verificarem os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança criminais.

6-Em conformidade com os art.s 283° e 308°, do CPP, por indiciação suficiente, deve considerar-se" ... a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, em razão dos elementos probatórios já existentes, em julgamento, uma pena ou medida de segurança...».

7-Neste sentido o Prof. Figueiredo Dias, refere que "os indícios só serão suficientes, e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a absolvição».

8-É pois necessário que os indícios suficientes, (os elementos de prova), façam nascer uma forte convicção sobre a condenação do arguido em julgamento.

9-Para a pronúncia ou para a acusação, a lei não exige a prova, no sentido da certeza da existência do crime, bastando-se com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência.

10-Por isso, o juiz deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de existirem fortes probabilidades de condenação do arguido por ter cometido o crime em causa. Os indícios recolhidos são suficientes e por isso conduzem a criar uma probabilidade mais de condenação do que de absolvição. E foi o que, efectivamente, aconteceu no caso em apreço.

11-Existem nos autos indícios suficientes, para pronunciar os arguidos pelos crimes que lhes são imputados, uma vez que existe, com manifesta clareza, um grau de probabilidade maior no sentido de uma condenação desses arguidos em julgamento do que, uma hipotética e longínqua absolvição.
12-Como refere Germano Marques da Silva in. Curso de Processo Penal - tomo III, págs. 178, 179…”Nas fases preliminares do processo não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, antes e tão só indícios, sinais de que um crime foi eventualmente cometido por determinado arguido. As provas recolhidas nas fases preliminares do processo não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase de julgamento. Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois a prova, no sentido de certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido”…
13-E foi o que o Mmo Juiz a quo fez. Apreciou de forma crítica as provas recolhidas no inquérito e na instrução e dessa apreciação resultou a convicção da forte probabilidade ou possibilidade razoável de que os arguidos são responsáveis pelos crimes que lhes foram imputados.

14-Na instrução estamos tão só numa fase de comprovação ou não da existência de indícios. E se os indícios são meios de prova, é neste sentido de sinais do crime que a palavra indício é usada no artº 308 nº1 do CPP. Para a pronúncia ou para a acusação, a lei não exige a prova, no sentido da certeza da existência do crime, bastando-se com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência. E esses sinais, esses indícios existem no caso em análise.

15-Foram ponderados e analisados na decisão recorrida todos os dados probatórios carreados para os autos e deles resultou para o Mmo JIC a convicção da probabilidade da condenação dos arguidos caso fossem sujeitos a julgamento, do que a absolvição dos mesmos.

16-O Mmo JIC fez no despacho recorrido correcta interpretação dos factos trazidos aos autos, não subsistindo qualquer vício, irregularidade ou omissão de pronúncia.

17- No douto despacho recorrido o Mmo JIC pronuncia-se sobre todos os pontos suscitados no requerimento de abertura de instrução, o qual não traz ao conhecimento do tribunal factos que impliquem qualquer alteração substancial. Os factos constantes do RAI dizem respeito aos mesmos crimes que já eram imputados aos arguidos na fase de inquérito e no RAI apenas se discorda da decisão de arquivamento dos autos.
18-Não se configura verificada a invocada nulidade, e a existir, (o que não se concede), não foi tempestivamente arguida pelos ora recorrentes. - (cfr - data da notificação aos arguidos da decisão recorrida, data da apresentação da motivação de recurso e artºs 118 a 123 do CPP).

19-Não foram violados no despacho recorrido os preceitos substantivos e adjectivos penais referidos pelos recorrentes nas suas conclusões de recurso.


20--O douto despacho recorrido não merece pois qualquer reparo ou censura.

21-Pelo que não tendo sido violada qualquer disposição legal, mostra-se válido o despacho recorrido, que deverá ser mantido.
                                                            
Pelos expostos fundamentos, deverão V.ªs Exªs negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos (A) e (M) em consequência confirmar o douto despacho recorrido.

(…)

4- O recurso foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo.

5- Neste Tribunal, a Exma. Procuradora - Geral Adjunta apôs o seu visto.

6-Foram realizadas diligências, na sequência de despacho da Relatora sobre o regime de subida do recurso.

7-Efectuado exame preliminar, foram os autos remetidos para conferência.

8- Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.

1-O presente recurso visa sindicar a decisão recorrida por ter pronunciado os arguidos pela prática de um crime de usurpação e contrafacção, p. e p. pelos arts. 195º e 196º do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos.

Digamos, em 1º lugar, que de harmonia com o disposto no n°1, do art. 412°, do CPP, e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do STJ ‑ Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito (Ac. do Plenário das Secções do STJ, de 19/10/1995, D.R. 1 ‑ A Série, de 28/12/1995).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – art. 403 °, nº 1 e 412°, n°1 e n°2, ambos do CPP. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", Vol. 1, 21 edição, 2000, fls. 335, “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (arts. 403°, n.º 1 e 412°, n°1 do CPP), as questões que os recorrentes pretendem ver conhecidas por este Tribunal são, em síntese, as seguintes:

             - o despacho de pronúncia deve ser declarado nulo por omissão da indicação das disposições legais aplicáveis; e, em alternativa,

            - deverá o recurso ser julgado procedente, e em consequência ser a decisão recorrida alterada, concluindo-se pela não pronúncia dos Recorrentes relativamente a ambos os crimes, usurpação e contrafacção, p. e p. pelos arts. 195.º e 196.º do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos.

1.1-Vejamos:

Dispõe o nº 1 do art. 310º do CPP, que: “A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º, ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos para julgamento”.

Suscitam os recorrentes a nulidade da decisão instrutória, por não terem sido indicadas as disposições legais pelos quais foram pronunciados. Com efeito, da leitura da mesma resulta expressamente que … Em conclusão afigura-se-nos que os autos contêm indícios suficientes de se terem verificado os crimes de usurpação e contrafacção, p. e p., pelos arts. 195°, 196° e 197° do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos imputados aos arguidos.

Pelo que, falece, nesta parte a pretensão dos recorrentes.

Por outro lado, e como diz o MP na sua resposta, nos termos do nº 3 da disposição legal citada, só é recorrível o despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no art. 309º do CPP, que estipula que a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituem uma alteração substancial dos descritos na acusação do MP ou do assistente ou no requerimento para abertura de instrução, nulidade essa que tem de ser arguida no prazo de 8 dias contados da notificação da decisão. Ora, da leitura da peças processuais verifica-se que os factos constantes do requerimento de abertura de instrução dizem respeito aos mesmos crimes que já eram imputados aos arguidos na fase de inquérito, apenas se discordando da decisão de arquivamento dos autos, pelo MP.

1.2-Pretendem os recorrentes a revogação da decisão instrutória que entendeu existirem indícios para os pronunciar por factos que se subsumem aos crimes p. e p. pelos arts. 195°, 196° e 197° do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, ou seja, pretendem discutir em recurso os factos indiciários que serviram de base para a sua pronúncia.

2-Vejamos se existem indícios suficientes nos autos para a pronúncia dos arguidos.

2.1-Sendo a fase de Instrução um momento processual em que a prova recolhida deverá ser apreciada como meramente indiciária da prática do crime, diferente da que deverá suportar uma decisão de condenação, deverão os arguidos ser pronunciados, permitindo-se que em audiência de julgamento, onde vigora em pleno o princípio do contraditório, possa operar-se mais substancial discussão dos elementos em causa.

Tanto no Inquérito como na Instrução, a existência de indícios suficientes significa que os indícios, com o sentido de conjunto da prova recolhida nas fases preliminares, são suficientes para submeter o arguido a julgamento e isso acontece quando a condenação for provável, como decorre da noção legal de indícios suficientes contida no art. 283 º nº 2 do CPP.

Precisado o critério legal, apreciemos agora a prova recolhida em inquérito e instrução com interesse para a decisão das questões factuais prévias, que constituem pressuposto da apreciação das restantes questões de que pode depender a decisão de pronúncia ou não pronúncia.

Os factos prévios relevantes, de cuja indiciação suficiente sempre dependeria a pretendida pronúncia dos arguidos, são os respeitantes à caracterização da obra elaborada pela assistente como “criação intelectual” abrangida pelo CDADC e, em caso de resposta positiva, a falta de individualidade própria da obra apresentada pelo arguido … face à obra da Assistente.

2.2-Comecemos por relembrar as disposições legais que nos interessam para a decisão do presente recurso:

Artigo 1º

(Definição)

1-Consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores.
2- As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste Código.
3- Para os efeitos do disposto neste Código, a obra é independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração.

 (...)
Artigo 9.º
(Conteúdo do direito de autor)

1- O direito de autor abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal, denominados direitos morais.
2- No exercício dos direitos de carácter patrimonial o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e utilizá-la, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou parcialmente.
3- Independentemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois da transmissão ou extinção destes, o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, designadamente o direito de reivindicar a respectiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade.

(...)
Artigo 11.º
(Titularidade)

O direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário.

(…)

Artigo 12º

(Reconhecimento do direito de autor)

 Direito de autor é reconhecido independentemente de registo, depósito ou qualquer outra formalidade.

(...)
Artigo 14.º
(Determinação da titularidade em casos excepcionais)

1- Sem prejuízo do disposto no artigo 174.º, a titularidade do direito de autor relativo a obra feita por encomenda ou por conta de outrem, quer em cumprimento de dever funcional quer de contrato de trabalho, determina-se de harmonia com o que tiver sido convencionado.

2- Na falta de convenção, presume-se que a titularidade do direito de autor relativo a obra feita por conta de outrem pertence ao seu criador intelectual.

3- A circunstância de o nome do criador da obra não vir mencionado nesta ou não figurar no local destinado para o efeito segundo o uso universal constitui presunção de que o direito de autor fica a pertencer à entidade por conta de quem a obra é feita.
4- Ainda quando a titularidade do conteúdo patrimonial do direito de autor pertença àquele para quem a obra é realizada, o seu criador intelectual pode exigir, para além da remuneração ajustada e independentemente do próprio facto da divulgação ou publicação, uma remuneração especial:

a) Quando a criação intelectual exceda claramente o desempenho, ainda que zeloso, da função ou tarefa que lhe estava confiada;

b) Quando da obra vierem a fazer-se utilizações ou a retirar-se vantagens não incluídas nem prevista na fixação da remuneração ajustada.

 (...)
Artigo 27.º
(Paternidade da obra)

1- Salvo disposição em contrário, autor é o criador intelectual da obra.
2- Presume-se autor aquele cujo nome tiver sido indicado como tal na obra, conforme o uso consagrado, ou anunciado em qualquer forma de utilização ou comunicação ao público.
3- ...................................................................................................................

(...)
Artigo 67º
(Fruição e utilização)

1- O autor tem o direito exclusivo de fruir e utilizar a obra, no todo ou em parte, no que se compreendem, nomeadamente, as faculdades de a divulgar, publicar e explorar economicamente por qualquer forma, directa ou indirectamente, nos limites da lei.
2- A garantia das vantagens patrimoniais resultantes dessa exploração constitui, do ponto de vista económico, o objecto fundamental da protecção legal.

Artigo 68º
(Formas de utilização)

1- A exploração e, em geral, a utilização da obra podem fazer-se, segundo a sua espécie e natureza, por qualquer dos modos actualmente conhecidos ou que de futuro o venham a ser.
2- Assiste ao autor, entre outros, o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes:
................................................................................................................
b) A representação, recitação, execução, exibição ou exposição em público;
................................................................................................................
3- Pertence em exclusivo ao titular do direito de autor a faculdade de escolher livremente os processos e as condições de utilização e exploração da obra.
......................................................................................................................

(...)
Da violação e defesa do direito de autor e dos direitos conexos
Artigo 195.º
(Usurpação)

1-Comete o crime de usurpação quem, sem autorização do autor ou do artista, do produtor de fonograma e videograma ou do organismo de radiodifusão, utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas neste Código.
...................................................................................................................

Artigo 196º

Contrafacção

1-Comete o crime de contrafacção quem utilizar, como sendo criação ou prestação sua, obra, prestação de artista (…) que seja mera reprodução total ou parcial de obra ou prestação alheia, divulgada ou não divulgada, ou por tal modo semelhante que não tenha individualidade própria.

(…)

(...)
Artigo 197.º
(Penalidades)

1- Os crimes previstos nos artigos anteriores são punidos com pena de prisão até três anos e multa de 150 a 250 dias, de acordo com a gravidade da infracção, agravadas uma e outra para o dobro em caso de reincidência, se o facto constitutivo da infracção não tipificar crime punível com pena mais grave.

2- Nos crimes previstos neste título a negligência é punível com multa de 50 a 150 dias.
3- Em caso de reincidência, não há suspensão de pena.

2.3-Compulsados os autos resulta que:

Recordemos que a assistente (M) veio requerer a abertura de instrução, após arquivamento dos autos por parte do MP, por entender que indiciam suficientemente os autos que a sua obra exposta no hotel Estoril Sol, por ocasião da exposição CASA DECOR, a qual lhe foi imediatamente associada, foi utilizada pelos arguidos como sua (a obra da assistente), pelo que estes praticaram os crimes de usurpação e contrafacção, p. e p., pelos arts. 195°, 196° e 197° do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, designadamente por violação dos artigos 9°, 11°,12°, do mesmo Diploma legal.

 
Independentemente da diversa configuração dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos penais em causa (e que atrás citámos), todos eles previstos no CDADC, têm estes em comum representarem a tutela penal de direitos de autor ou direitos conexos, decorrentes de obra protegida pelo CDADC.

Daí que, antes de mais, passemos a abordar a questão de saber se a criação elaborada pela Assistente e exposta no hotel Estoril Sol, por ocasião da casa Decor, em 2004 constitui obra protegida pelo CDADC, pois só no caso de resposta afirmativa hão-de prosseguir os autos para julgamento.

Vejamos então.


Como foi longamente exposto, o CDADC protege direitos patrimoniais e direitos pessoais, derivados de obra protegida, a qual merece tutela penal relativamente a condutas mais fortemente lesivas dos direitos ali protegidos.

Recordando o art. 1º nº1 do CDADC “Consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores. “.

O CDADC distingue entre Obras originais (art. 2º) e Obras equiparadas a originais (3º).
O art. 2º, depois de enunciar a liberdade de forma e conteúdo das criações intelectuais exteriorizadas, enumera exemplificadamente diversas formas que pode revestir o conceito de obra protegida genericamente definido na disposição anterior, incluindo:

        - Obras de desenho, tapeçaria, pintura, escultura, cerâmica, azulejo, gravura, litografia e arquitectura (al.g) e

         - Obras de artes aplicadas, desenhos ou modelos industriais e obras de designque constituam criação artística, independentemente da protecção relativa à propriedade industrial (al. i).

No caso sub judice, está em causa uma obra decorativa elaborada pela Assistente, pelo que podemos concluir que, em género, se trata de criação intelectual expressamente prevista no art. 2º als. g) e i) do CDADC e, nessa medida, protegida pelo mesmo Código, o que constitui afirmação não contestada por nenhum dos sujeitos processuais e que aqui destacamos apenas por razões metodológicas.
Um dos argumentos aduzidos pelos recorrentes é o de que não se aprecia no despacho recorrido o conceito de obra artística com individualidade própria, para se poder concluir que se está perante a prática dos crimes de usurpação e de contrafacção.

Esta posição pressupõe o entendimento, que o que se tutela no direito autoral é, não o projecto ou a memória descritiva, mas a obra, o objecto de criação do espírito humano. Não existe qualquer tutela penal para o mero projecto de obra de arte, onde não fique presente uma criação do espírito do autor, mas apenas uma reprodução técnica de características da obra realizada por outrem. O que se protege pelo direito autoral é, enfim, a obra concreta idealizada pelo autor, não o suporte em que se encontra reproduzida, seja o caso do papel ou em formato digital. Apenas existirá obra quando esta possua um cunho artístico individualizado quando entre a obra e o seu criador exista um vínculo estreito de necessária dependência, quando esta reflicta directamente a imaginação e a capacidade criativa daquele. O direito de autor não tutela, ipso facto, o trabalho do artista, mas apenas a efectiva criação original que, num processo imaginativo, este idealize e execute. Assim, na perspectiva dos recorrentes, ficam arredados da tutela penal os trabalhos como o que aqui fica em análise.

Em síntese, entendem os arguidos que só uma “obra” original é protegida pelo CDADC e que a obra realizada pela assistente não pode reputar-se original, pelo que não é abrangida pelo CDADC, nomeadamente em matéria de tutela penal.

Vejamos então, cada um destes aspectos: a originalidade ou criatividade, como característica de toda a obra protegida pelo CDADC e a questão da sua presença no projecto do assistente, em causa nos autos.

No tocante à originalidade ou criatividade da obra protegida pelo direito de autor, cumpre-nos dizer que a originalidade enquanto característica da obra, não se confunde com a noção legal que resulta dos arts 2º e 3º do CDADC, os quais, como aludido, apenas distinguem entre as obras que não têm por base uma obra pré-existente (obras originais) e as que derivam de uma outra, designadamente traduções, sumários, dramatizações, etc. (obras equiparadas a originais).

A originalidade que aqui importa, é tomada pela doutrina e jurisprudência como requisito ou característica da obra protegida pelo Direito de Autor, operando como linha de fronteira entre a obra susceptível de ser objecto da protecção do Direito de Autor e aquela que fica fora dessa protecção.

Como lapidarmente afirma o Prof. Oliveira Ascensão, “…o Direito de Autor é justificado pela tutela da criação e não pela repressão da imitação. A repressão da imitação poderá fazer-se por recurso a vários ramos do direito, como a concorrência desleal. Só entra, porém, no domínio do Direito de Autor quando o objecto da imitação for uma verdadeira obra literária ou artística.”

No seu significado mínimo e nessa medida exigido como requisito por todas as legislações nacionais e instrumentos internacionais, a originalidade corresponde a ausência de cópia, pois não se protege a obra que corresponda a mera cópia de uma outra.

Mas não bastará a ausência de cópia para que nos encontremos perante obra protegida pelo direito de autor.

O art. 1º do CDADC começa por definir a obra protegida como criação intelectual, por qualquer modo exteriorizada, acrescentando o art. 2º que a protecção do direito de autor não depende do género, forma de expressão, mérito, modo de comunicação e objectivo. As obras referidos na exemplificação do art. 2º (als g) e i), como vimos), encontram-se, pois, abrangidos pela delimitação legal do conceito de obra protegida, pelo que hão-de obedecer às características gerais exigidas a qualquer obra, para considerar-se abrangida pela especial protecção do direito de autor, nomeadamente na sua vertente penal em causa nos presentes autos.

Ao referir-se a criação intelectual, o CDADC inscreve a obra protegida no campo da cultura e não, apenas, no universo das transacções económicas. Por outro lado, a obra não se confunde com o suporte material que a encerra, o corpus mechanicum. “ A obra musical não é a partitura musical: por isso não se perde, se se destruírem todos os exemplares, enquanto houver a possibilidade de ser reconstruída. A obra arquitectónica não é o prédio: ainda que este seja demolido, a imitação não se tornou livre, pois a traça pode ser reconstruída.”. A obra é incorpórea, ainda que não dispense a sua exteriorização por qualquer forma.

Daí que a lei proteja a criação intelectual, pelo que a obra não deixa de ser protegida mesmo que venha a ser destruída, mas também só é protegida na medida em que para além da sua existência material e da função utilitária que pode desempenhar, encerre uma verdadeira criação intelectual.

O seu carácter criativo, constitui, pois, característica necessária da obra protegida pelo Direito de autor, exigindo-se um mínimo de criatividade, encarada no nosso ordenamento jurídico com o sentido de originalidade ou individualidade, que – como refere Oliveira Ascensão -, “…por vezes se torna até essencial para determinar se há violação do direito de autor preexistente.” (cfr. ob. cit. p. 88).

Reconduzem-se, pois, à noção de criatividade usada no art. 1º do CDADC, o conceito doutrinário de originalidade e o conceito legal de individualidade própria (vd. art. 196º do CDADC- crime de contrafacção), afastando se o nosso direito de autor da noção de marca da personalidade do autor deixada na obra, desenvolvida sobretudo pelo direito francês.

Entende Oliveira Ascensão que a apreciação positiva da individualidade deve ficar num patamar mínimo. Diz … “ Parece-nos de facto impossível condicionar a tutela à verificação da marca da personalidade de determinado autor impressa numa «obra». A cultura de consumo leva a que a personificação seja mínima em grande número de casos. Mas fica sempre a exigência de que haja uma criação. Essa é imposta por lei (art. 1º ) e marca a diferença”.

Também a este propósito, refere Luiz Francisco Rebelo que originalidade é sinónimo de criatividade e não de novidade, acrescentando, com base no teor do art. 196º nº1 (contrafacção), que a obra é original desde que “tenha individualidade própria”.

No mesmo sentido tem sido o entendimento da jurisprudência. Como pode ler-se, entre outros, no Ac STJ de 23.03.2000: “ A primeira condição para a protecção de uma obra literária, científica ou artística é a sua originalidade, exteriorizada por certa forma.”

Diga-se ainda a este respeito, que a criatividade da obra, resultante da sua concepção como criação intelectual no art. 1º do CDADC, não se confunde com o mérito, que o corpo do art. art. 2º, expressamente afasta como requisito da obra protegida.

A lei exclui o mérito, enquanto manifestação de um juízo estético ou artístico da obra, que traduza a avaliação gradativa da mesma à luz de critérios daquela natureza. É indiferente, pois, que a obra seja mais ou menos valiosa, que represente um nível inferior, superior ou mediano (o que quer que isto signifique) da criação artística, literária ou científica, para merecer a tutela do direito de autor.

O mínimo exigível é o que corresponde ao necessário para que possa falar-se em criação intelectual. Como escreve o Prof. Oliveira Ascensão, “… se só há criação quando se sai do que está ao alcance de toda a gente para chegar a algo de novo, a obra há-de ter sempre aquele mérito que é inerente à criação, embora não tenha mais nenhum: o mérito de trazer algo que não é meramente banal.”. (cfr. ob. cit. p. 93).

Sobre a criatividade ou originalidade da obra no caso concreto, remete-nos o caso dos autos, antes de mais, para o problema dos critérios de aferição da criatividade, ou seja, critérios que nos permitam concluir encontrarmo-nos, ou não, perante uma criação intelectual. “Justamente porque é necessário que haja um mínimo de criatividade, não se pode prescindir dum juízo de valor (…) Terá de haver assim critérios de valoração para determinar a fronteira entre a obra literária ou artística e a actividade não criativa.” – Cfr. Oliveira Ascensão, ob. cit. p. 90.

Refere ainda o autor a este respeito: “ Se não se exige que se reconheça uma personalidade, exige-se que se reconheça positivamente que há um mínimo de criação. Um novo elemento, que não constava do quadro de referências da comunidade, não se apresentava como óbvio, nem se reduz a uma aplicação unívoca de critérios pré - estabelecidos, foi introduzido por um acto criativo. Este é o fundamento da atribuição do Direito de Autor.

Pode, pois, considerar-se com aquele autor que o carácter criativo da “obra”, a que alude o art. 1º do CDADC, depende de não constituir cópia de outra obra (requisito mínimo), não constituir o resultado da aplicação unívoca de critérios pré – estabelecidos, nomeadamente de natureza técnica, em que estejam ausentes verdadeiras escolhas ou opções do autor e traduzir um resultado que não seja óbvio, banal, e que, portanto, permita distingui-lo de outros, reconhecer-lhe uma individualidade própria, enquanto obra, independentemente do suporte material que a encerra.

Afigura-se-nos, pois, que são estes os critérios válidos para decidir se, a obra que está em causa nos autos, pode considerar-se obra protegida, não sendo de exigir que os mesmos revistam carácter artístico, o que o CDADC prevê para as obras de arte aplicadas e semelhantes.

 Em nosso entender, a questão tem uma dimensão essencialmente normativa e jurídica e outra factual. A primeira, em que nos situámos até ao momento, respeita à interpretação das normas e princípios legais aplicáveis, maxime, os constantes do CDADC, de modo a concluir, ou não, pela exigência de um conteúdo mínimo de criatividade, seu enquadramento e alcance. A segunda – a dimensão factual – tem que ver com a necessidade – ou não - de a obra ou obras concretamente em causa serem apreciadas, à luz de parâmetros técnicos e artísticos, por quem disponha de conhecimentos especializados nas respectivas áreas, de modo a habilitar o tribunal a decidir se estamos perante obra protegida pelo direito de autor ou não, ou seja, recorrendo à prova pericial (cfr. art. 153º e sgs do C.P.P.).A este respeito, afigura-se-nos evidente que há domínios e situações em que basta a experiência e o senso comum que se pressupõe nos juristas em geral e nos juízes em particular, para decidir se estamos perante criação intelectual, como será o caso da generalidade das obras literárias e mesmo das artes plásticas ou artesanais, como a dos autos.

Tudo visto, concluímos que a obra da Assistente deve considerar-se criação intelectual abrangida pela tutela penal conferida pelo CDADC, pelo que se impõe decidir – para efeitos do preenchimento dos elementos dos tipos de contrafacção e de usurpação, previstos nos arts. 195°, 196° e 197°, do CDADC - da identidade, total ou parcial, entre as obras da assistente e dos arguidos.

2.3- Realizadas as diligências em instrução, resultaram indiciados os seguintes factos:

Em 2004, por ocasião da realização da exposição denominada CASA DECOR, no hotel Estoril Sol, a Assistente criou e expôs o seu trabalho, num dos espaços da referida mostra de decoração de interiores;

Pela sua originalidade e beleza a obra mereceu elogios por parte de colegas e público em geral.

Aqueles efeitos decorativos passaram a ser imediatamente associados à pessoa da artista (G).

Dessa exposição resultou o interesse de vários clientes e empresas dedicadas à decoração de interiores, nomeadamente os participados (M) e (A), os quais utilizam a denominação comercial de ARQUITECTAMUS.

O arguido (J) entrou em contacto com a mencionada empresa, uma vez que pretendia uma pintura decorativa na sua habitação.

Tal trabalho foi idealizado por (M) e (J) e executado por (L).

No caso concreto, a Assistente também foi contactada para apresentar o seu orçamento, o qual não foi aceite.

A Arquitectamus dirigiu os trabalhos, os quais foram executados por (L).

A pintura decorativa efectuada na residência do arguido (J), concretamente no hall de entrada da sua residência sita em... é em tudo semelhante à obra artística e exposta em 2004, por ocasião da realização da exposição denominada CASA DECOR, no hotel Estoril Sol

Em Janeiro de 2006 a ora Assistente foi surpreendida ao tomar conhecimento de que fotografias do seu trabalho se encontravam expostas na Internet incluídas no portfolio do artista (L).

Tais fotos reproduzem o trabalho decorativo realizado na morada do participado (J).

Advertido pela ora Assistente de que não autorizara tal cópia e muito menos a publicitação no seu portfolio, o artista retirou imediatamente as referidas fotos, que nesta data já não constam do seu site.

Improcedem, pois, os argumentos dos recorrentes quando alegam que seria necessária a produção de prova da entrega da maquete e das fotografias aos recorrentes, tendo estes divulgado a obra sem autorização da assistente; com efeito, ficou indiciado que a obra foi exposta publicamente, a assistente foi contactada pela Arquitectamus e teve pelo menos uma reunião para negociar o seu trabalho na residência do arguido (J). Em Janeiro de 2006, a Assistente tomou conhecimento de que fotografias do seu trabalho se encontravam expostas na Internet incluídas no portfolio do artista (L) e que tais fotos reproduzem o trabalho decorativo realizado na morada do arguido (J).

Por último, entendemos que existem indícios suficientes que ao contrário do que alegam, a individualidade própria é a obra da assistente e não como afirmam pela negativa nas suas conclusões, do arguido (L).

3-Concluímos, pois, que da prova recolhida em inquérito e instrução resultam suficientemente indiciados os factos de que depende a eventual condenação dos arguidos pelos crimes que lhes vêm imputados, pois se indicia suficientemente, que a obra da assistente constitui obra protegida pelo direito do autor, não colhendo a falta de individualidade da obra apresentada pelos arguidos …. face à obra da Assistente.

Pelo que, entendemos que bem andou a decisão recorrida, (não sendo omissa na sua fundamentação), ao ter pronunciado (por considerar suficientes os indícios) os arguidos pelos crimes de usurpação e contrafacção, p. e p. pelos arts. 195°, 196° e 197° do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos que lhes foram imputados pela assistente.

III.

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal, em negar provimento ao recurso interposto por (M) e (A), mantendo a decisão recorrida.

Custas que se fixam para cada um dos recorrentes em 5 UC.

Obs. Seguiu-se de muito perto, em situação idêntica à dos autos o Ac. do T. R. Évora, de 10/07/2007, em que foi Relator o Des. João Latas.

O presente Acórdão foi elaborado em processador de texto e revisto pela Relatora que rubricou.

Lisboa, 16/12/08         

Presidente: Desembargador Pulido Garcia

Relatora: Desembargadora Margarida Blasco

Adjunta: Desembargadora Filomena Lima

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[1] Adiante C.D.A.D.C.
[2]AdianteC.D.A.D.C.