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DECLARAÇÃO DO DESPEDIMENTO
SOCIEDADE POR QUOTAS
GERENTE
SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
Sumário
Numa sociedade por quotas em que a gerência é exercida pelas duas sócias e em que face aos respectivos estatutos é indispensável a assinatura de dois gerentes nos actos escritos que vinculem a sociedade, salvo os actos de mero expediente, a decisão de despedimento de uma trabalhadora promovida apenas por uma gerente contra a vontade expressa da outra gerente não vincula a sociedade, nos precisos termos do nº 1 do art. 261º do CSC, pelo que não pode deixar de se reputar de inválida tal decisão e, consequentemente nulo o respectivo procedimento disciplinar.
(sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
A… requereu a presente providência cautelar de suspensão do despedimento contra a requerida B…, LDA., pedindo que se decrete a suspensão do despedimento da Requerente levada a efeito pela Requerida.
Alegou, para tanto, que foi admitida pela Ré em 1.02.2004 para trabalhar sob as suas ordens e direcção, mediante retribuição.
Em 12 de Março de 2008 a Requente recebeu uma nota de culpa emanada da entidade patronal a sociedade B…, Ldª.
Sucede que no dia 20.03.2008 a Requerente recebeu uma carta da sócia gerente dessa sociedade, C…, comunicando-lhe que o processo disciplinar foi feito à sua revelia e que não tem qualquer cabimento, por considerar a Autora uma funcionária exemplar e que merece a sua confiança.
Nessa mesma data, a mesma sócia enviou uma carta à Ré comunicando a sua discordância com a instauração do processo disciplinar e que não o subscreve, já que foi instaurado pela sócia D… sem ser por ela consultada, e na mesma data enviou uma carta ao instrutor do processo disciplinar invocando não ter tido conhecimento do processo disciplinar e estar em desacordo com o mesmo, pelo que deve ser considerado nulo.
A gerência da Ré é exercida pelas duas sócias e a sociedade obriga-se pela intervenção das duas gerentes.
A Requerente na resposta à nota de culpa invocou a nulidade do processo disciplinar e da nota de culpa e solicitou o envio de outros elementos que permitam sustentar a legitimidade de apenas uma das sócias exercer o poder disciplinar.
A R. nada lhe comunicou quanto a essa matéria.
Em 8 de Maio de 2008 foi comunicado à ora Requerente o seu despedimento com alegação de justa causa, sendo a carta de despedimento assinada apenas pela sócia D….
O instrutor delegado que assinou o relatório final remeteu-o à decisão da gerência ou na sua impossibilidade da sócia-gerente D….
Entende a Requerente que o processo disciplinar foi instaurado por quem não tinha poderes para o efeito, sendo nulo e ilícito o despedimento.
Alegou, ainda, que apresentou a resposta à nota de culpa em 26 de Março de 2008 na qual não requereu quaisquer diligências probatórias e só recebeu a decisão final em 8 de Maio de 2008, pelo que foi ultrapassado o prazo estabelecido no art. 415º do Cód. Trabalho, ocorrendo, assim, a caducidade do direito de aplicar a sanção.
Foi designada a audiência de partes e a requerida notificada para juntar aos autos o processo disciplinar.
A requerida apresentou um requerimento em que, além do mais, entendia que face ao conflito de interesses entre a requerida e a sua representante deveria o juiz da causa designar um representante especial à Ré, para assegurar a respectiva representação em juízo e desde logo na audiência de partes.
Foi junto o processo disciplinar e realizada a audiência de partes na qual estiveram presentes a requerente e seu mandatário e, em representação da Requerida, a sócia-gerente D…, bem como o ilustre advogado J… com procuração emitida pela referida gerente.
Posteriormente foi proferido um despacho em que o Mº Juiz mandou notificar a sócia gerente C… para ratificar os actos praticados pela sócia-gerente D… referentes ao processo disciplinar contra a requerente.
A referida sócia-gerente informou o tribunal que não ratifica o referido processo disciplinar, devendo o mesmo ser considerado nulo.
Foi então proferido despacho que indeferiu a nomeação de representante especial à requerida nos presentes autos de procedimento cautelar.
E, de seguida, foi proferida a seguinte decisão: “Nos termos que se deixam expostos, julgando improcedente a presente providência cautelar, não decreto a suspensão do despedimento da requerente, A…, pela requerida B…, LDA.”
A Requerente interpôs o presente recurso desta decisão e conclui as suas alegações pela seguinte forma:
(…)
Houve contra-alegação da requerida(…)
O recurso foi admitido e os autos remetidos a este Tribunal da Relação.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
As questões que emergem das conclusões do recurso, que delimitam e definem o objecto do mesmo, estão nelas bem delineadas, a saber:
- legitimidade da decisão de despedimento proferida apenas por uma das duas gerentes da requerida;
- caducidade do direito de aplicar a sanção.
Fundamentação de facto
Relevam para a apreciação destas questões os seguintes factos que os autos indiciam:
1. A Requerida B…, Ldª é uma sociedade por quotas, constituída pelas sócias D… e C… – doc. fls. 36;
2. Nos termos do art. 7º nº 1 do documento complementar junto a fls. 39 e seguintes, a referida sociedade é administrada e representada em juízo e fora dele por dois ou três gerentes, sócios ou não sócios, eleitos em assembleia-geral. E o nº 2 estabelece que é indispensável a assinatura de dois gerentes, nos actos escritos que vinculem a sociedade, sendo bastante uma só assinatura para os actos de mero expediente e dentro da realização do objecto social. E o nº 3 do mesmo preceito estipula que os poderes dos gerentes são os mais amplos à prossecução dos fins sociais, incluindo (entre outros) encarregar quaisquer pessoas do desempenho, em nome da sociedade e por conta dela, de algum ou alguns dos serviços do objecto social, constituir mandatários e procuradores para a prática de certos e determinados actos.
3. A Gerência da Ré é exercida pelas duas sócias.
4. A Requerente foi admitida ao serviço da Requerida B…, Ldª em 1 de Fevereiro de 2004, para sob a autoridade e direcção desta desempenhar a sua actividade mediante retribuição.
5. Em 12 de Março de 2008 foi-lhe entregue na presença das duas gerentes da requerida uma nota de culpa, assinada pelo instrutor nomeado pela sócia D… – fls. 3 do proc. disciplinar.
6. Em 14 de Março de 2008 a requerente recebeu uma carta da sócia C…, comunicando-lhe que o processo disciplinar foi feito à sua revelia e que não tem qualquer cabimento e fundamento, por considerar a Autora uma funcionária exemplar e que merece a sua confiança – fls. 32 dos autos.
7. Nessa mesma data, a mesma sócia enviou uma carta à Ré comunicando a sua discordância com a instauração do processo disciplinar e que não o subscreve, já que foi instaurado pela sócia D… sem ser por ela consultada, e na mesma data enviou uma carta ao instrutor do processo disciplinar invocando não ter tido conhecimento do processo disciplinar e estar em desacordo com o mesmo, pelo que deve ser considerado nulo.
8. A Requerente apresentou resposta à nota de culpa em 26.03.2008, na qual invocou a nulidade do processo disciplinar e da nota de culpa e solicitou o envio de outros elementos que permitam sustentar a legitimidade de apenas uma das sócias exercer o poder disciplinar.
9. Em 8 de Maio de 2008 a requerente recebeu a decisão de despedimento com justa causa, decidido pela sócia-gerente D….
10. Em requerimento junto aos autos (fls. ) a sócia-gerente C… comunicou ao Tribunal da 1ª Instãncia que não ratifica os actos praticados pela outra sócia-gerente e informou que já comunicou isso à sociedade e ao instrutor do processo disciplinar.
11. Após a junção aos autos de proceso disciplinar da resposta da nota de culpa pela requerente, foram juntos a esses autos um parecer jurídico no dia 27 de Março de 2008, uma carta enviada pela gerente D…, e quatro documentos (extratos bancários), no dia 28.03.2008. No dia 5 de Abril de 2008 foi ouvida uma testemunha, no dia onze de Abril foram ouvidas mais duas testemunhas. E no dia 5 de Maio de 2008 foi junto o relatório final e no dia 6 de Maio de 2008 foi proferida a decisão final do processo disciplinar, sendo no dia 8 de Maio remetida à requerente e seu mandatário a decisão de despedimento acompanhado do relatório final do processo disciplinar.
12. Do relatório final do procedimento disciplinar instaurado à requerente ressaltam os seguintes factos:
1 - Existe um procedimento regra para o preenchimento dos talões internos de controlo;
2 - A gerência não autoriza que se receba cheques de valor superior ao valor do talão branco;
3 - A gerência não autoriza o preenchimento de talões brancos a lápis;
4 - A cada cliente que chega ao cabeleireiro é atribuído um talão branco de controlo, doravante chamado talão branco;
5 - O talão branco é uma folha de serviço individual de cliente;
6 - O talão branco tem o título E… Ldª e é numerado dizendo “talão de controle interno nº” e tem um número sequencial a seguir;
7 - O talão branco serve para identificar a cliente com um número e data;
8 - O talão branco serve para registar cada serviço prestado a cada cliente e ser rubricado pela respectiva técnica;
9 - O talão branco serve para fazer a soma do valor total dos serviços prestados a cada cliente;
10 - O talão branco é preenchido sempre pela funcionária da recepção, a trabalhadora M…;
11 - Salvo quando esta está de folga;
12 - O talão branco é por regra, sempre preenchido a esferográfica;
13 - Cada produto de revenda como shampo, creme e afins, é registado num talão branco à parte do talão individual de cada cliente e tem de ter a referência “revenda”;
14 - A funcionária da recepção, M…, é também quem lança na máquina registadora parcela por parcela, as várias rubricas do talão branco, referentes aos serviços prestados, acrescentando a cada parcela quem foi a técnica que realizou o respectivo trabalho;
15 - No fim a máquina registadora dá o resultado final que é dito à cliente e escrito (sempre com esferográfica) na parte do total do talão branco;
16 - O total do dia é entregue à gerência em conjunto com um mapa diário;
17 - O mapa diário (tabela de duas entradas) está colado ao balcão com o nome das funcionárias em cima (na linha de titulo) e com o serviço prestado a cada cliente (na linha do lado esquerdo);
18 - O mapa diário serve como controle e tem de coincidir com os talões brancos e com os registos da máquina registadora;
19 - Foram dadas instruções às caixas que o salão de cabeleireiro não serve de banco às clientes, ou seja estas não devem trocar cheques por dinheiro;
20 - Não devem ser preenchidos os talões a lápis mas logo a tinta;
21 - Tudo o que se escreva se for rasurado tem que ser fundamentado;
22 - Não se devem desagrafar talões de pagamento;
23 - Ficou assim também provado que a trabalhadora objecto do presente processo disciplinar, por ser a caixa é a principal suspeita dos factos, não havendo indícios de quem outrem podia ser;
24 - Tendo-se apurado que foi a mesma que escreveu a lápis nos talões numerados;
25 - Que foi a mesma que apagou o que estava escrito a lápis;
26 - Que os montantes escritos a lápis não batem certo com os valores entrados em caixa;
27 - Nem com os valores registados na caixa registadora;
28 - Que os valores só eram registados na caixa registadora ao fim do dia ou perto;
29 - Que foram arrancados talões de serviços que estavam agrafados aos talões numerados;
30 - Faltando também na caixa registadora os montantes para além da ficha numerada, ou seja os valores respeitantes ao talões desagrafados;
31 - Nos dias em que foram depositados cheques das clientes, como os descritos nas alíneas a) c), d), f), g), h), i), j), k), l), m), n), o), p) q) e r) do nº I do artº 18º da Nota de Culpa, foram apagados, do talão numerado os valores que aí estavam escritos a lápis e que fundamentavam o valor dos cheques;
32 - Tendo a trabalhadora ficado sempre com o valor das diferenças dos montantes apagados e que tinha estado escritos a lápis;
Fundamentação de direito:
Em primeiro lugar importa referir que a questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, invocada pela Recorrente no final das suas alegações, não foi alegada de forma expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, como impõe o nº 1 do art. 77º do CPT, pelo que a sua arguição nas alegações tem de ser considerada extemporânea, com a consequência de dela não se conhecer - neste sentido, veja-se o Ac do STJ de 30.04.2008 no proc. 07S3658, disponível em www.dgsi.pt/jstj.
Quanto à legitimidade de uma sócia gerente decidir do despedimento de um trabalhador quando o pacto social exige a assinatura de duas gerentes para obrigar a sociedade.
No caso de uma gerência plural, dispõe o art. 261º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) que se consideram válidas as deliberações que reúnam os votos da maioria, ficando a sociedade vinculada pelos negócios jurídicos concluídos pela maioria dos gerentes ou por ela ratificados.
Assim, no caso da requerida, que é uma sociedade por quotas em que a gerência é exercida pelas duas sócias.
Face aos respectivos estatutos é indispensável a assinatura de dois gerentes nos actos escritos que vinculem a sociedade, sendo bastante uma só assinatura para os actos de mero expediente e dentro da realização do objecto social.
Ora, o acto do despedimento de um trabalhador, a nosso ver, não pode ser considerado um acto de mero expediente pelas consequências gravosas que pode eventualmente acarretar para a empresa, além de ser um acto que exige um documento escrito. Por isso, no caso da Requerida, a decisão de despedir a requerente proferida no processo disciplinar carecia da assinatura ou concordância das duas sócias.
Acontece que apesar do processo disciplinar instaurado à Requerente se ter iniciado na presença das duas gerentes da Requerida, a verdade é que dois dias decorridos veio uma das sócias gerentes dizer que não concordava com o processo disciplinar e que o mesmo devia ser anulado. No entanto, o processo disciplinar continuou e depois de elaborado o relatório final pelo instrutor nomeado para o efeito, foi proferida a decisão do despedimento assinada apenas pela gerente D….
E já no âmbito do presente procedimento cautelar foi a gerente C… notificada para dizer se ratificava a decisão de despedimento, mas esta disse expressamente não o ratificar.
Pergunta-se, então, se uma só gerente tinha legitimidade para decidir o despedimento da requerente, sem o consentimento ou mesmo contra a vontade da outra gerente.
E a resposta, a nosso ver, não pode deixar de ser negativa, uma vez que não sendo a decisão de despedimento de um trabalhador um acto de mero expediente, carecia da assinatura da maioria da gerência da requerida. Com efeito, sendo a gerência da requerida constituída por duas gerentes essa maioria não se forma apenas com o voto de uma, sendo necessário o assentimento de ambas. E, no caso vertente, a decisão de despedimento da Requerente foi proferida apenas com a assinatura de uma gerente, sendo que a outra gerente não só assinou essa decisão de despedimento, como posteriormente expressou que não ratificava essa decisão.
Assim, nos precisos termos do nº 1 do art. 261º do CSC, não pode deixar de se reputar de inválida a decisão que determinou o despedimento da Requerente, proferida por uma só gerente e manifestamente contra a vontade da outra gerente que não ratificou esse acto, pelo que de acordo com o referido preceito legal, tal decisão não vincula a sociedade Requerida .
Por isso, a consequência a retirar desse acto é a da invalidade da decisão que determinou o despedimento da Requerente, o que acarreta a nulidade do processo disciplinar.
A nulidade do processo disciplinar é um os fundamentos previstos no art. 39º nº 1 do CPT que permitem decretar a suspensão do despedimento.
É certo que os factos imputados à requerente na nota de culpa são graves e podiam configurar a probabilidade séria de existência de justa causa, mas estes só podem ser levados em consideração se o processo disciplinar for válido. Mas, no caso vertente, como já vimos o processo disciplinar tem de se reputar de nulo uma vez que a decisão que deliberou o despedimento da Requerente foi tomada por quem não tinha os necessários poderes de representação para o fazer, uma vez que o pacto social, que disciplina os poderes da gerência, quanto à representação da sociedade, fazia-a depender da necessária intervenção das duas gerentes.
Não é aplicável ao caso o disposto no art. 260º do CSM, como nos parece ter sido o pressuposto implícito da sentença recorrida, porque esse artigo regula situação diferente da dos autos, dirige-se a actos dos gerentes praticados de acordo com o contrato de sociedade “dentro dos poderes que a lei lhes confere” mas que estejam sujeitos a limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios, o que não é, manifestamente, o caso dos autos ([1]).
Acresce que no presente caso logo na resposta à nota de culpa a requerente expressamente solicitou o envio de elementos que permitam sustentar a legitimidade de apenas uma das sócias exercer o poder disciplinar, recebendo em resposta a decisão final do processo disciplinar assinada apenas por uma das sócias gerentes, sendo que a outra sócia gerente não só comunicou à requerente que não concordava com processo disciplinar que devia ser considerado nulo, como também comunicou à requerida essa sua vontade e, posteriormente, declarou não ratificar o despedimento da Requerente.
Assim, a decisão de despedimento da Requerente não pode ser considerada válida, nos termos do art. 261º nº 1 do CSC, pelo que, sem necessidade de mais desenvolvidas considerações, declara-se nulo o processo disciplinar por ser inválida a decisão que deliberou o despedimento da requerente e, em consequência, ao abrigo do art. 39º nº 1 do CPT, declara-se a suspensão do despedimento da Requerente.
Face a esta decisão, fica prejudicado o conhecimento da questão relativa à caducidade do direito de aplicar a sanção.
Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e declara-se a suspensão do despedimento da Requerente.
Custas a cargo da requerida.
Lisboa, 17/12/2008
Seara Paixão
José Feteira
Filomena Carvalho
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[1] Neste sentido, Veja-se Miguel Pupo Correia, Direito Comercial, 2003, Ediforum, pag. 615, em anotação citando A. Pereira de Almeida.