CONDOMÍNIO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

1. Dispõe o art. 1421º, nº2 d), do C.Civil que, nos edifícios sujeitos ao regime de propriedade horizontal, se presumem comuns as garagens e outros lugares de estacionamento.
2. Estabelecendo o respectivo título constitutivo serem comuns a todas as fracções do prédio a cave e a sub-cave, destinadas a estacionamento, com as diversas rampas e escada de acesso entre elas e à via pública, incluindo todo o espaço das entradas localizado no rés-do-chão, àquelas se estende a compropriedade do espaço destinado a estacionamento - (art. 1420º, nº1, C.Civil) - não sendo lícito à administração do condomínio, ou aos demais condóminos, impedir a locatária de uma das fracções de desse espaço igualmente usufruir.
(FA)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


1. Q…, SA, veio propor, contra o condomínio do prédio sito na Rua Francisco …, nºs …- …, em Lisboa, acção seguindo forma ordinária, distribuída à 1ª Vara Cível de Lisboa, pedindo a condenação do R. a reconhecer o direito da A. à utilização das garagens do aludido prédio e, bem assim, a pagar-lhe, pelos prejuízos decorrentes da privação do respectivo uso, indemnização no montante de Esc. 2.100.000$00, acrescido de Esc. 25.000$00 mensais, até reconhecimento daquele direito, e juros, desde a citação.
Contestou o R., impugnando o direito invocado pela A., bem como os alegados prejuízos - concluindo pela improcedência da acção.
Efectuado julgamento, foi proferida sentença, na qual se considerou a acção parcialmente procedente, condenando-se o R. a reconhecer o direito da A. à utilização do referido estacionamento e absolvendo-o do demais peticionado.
Inconformadas, vieram ambas as partes interpor recursos de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões:
A. Q…
- O uso da garagem pela recorrente, embora não resolvendo todos os seus problemas de estacionamento, permitia uma diminuição dos mesmos.
- Assim, a privação de uso a que vem sendo sujeita contribui para os prejuízos comprovados nos autos.
- Sendo tal privação ilegal, por violação dos direitos reconhecidos na acção, verificam-se os pressupostos da obrigação de indemnização consignados no art. 483º do CC.
- Devendo a recorrente ser ressarcida pelo valor do uso que lhe foi subtraído e estimado em € 77,89.
- De todo o modo, representando a privação de uso uma violação do conteúdo do direito de propriedade, tal como delimitado no art. 1305° do CC e exercido pela recorrente ao abrigo do contrato de locação, deve a lesão provocada ser entendida como um dano patrimonial autónomo.
- Do que decorre igual obrigação de indemnizar.
- A sentença recorrida contrariou, pois, a melhor aplicação dos arts. 483° e 1305° do CC.
- Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida com as legais consequências.
R. condomínio
- O condomínio não tem personalidade jurídica, mas apenas personalidade judiciária que lhe é conferida pelo art. 6° e) do CPC.
- O administrador, por sua vez, tem legitimidade para agir em juízo, podendo ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício, exceptuando-se aquelas em que está em causa a posse de bens comuns - art. 1473° do CC.
- Apesar de a questão da legitimidade estar decidida, mantém-se a questão da possibilidade de procedência ou improcedência do pedido contra o condomínio.
- Entende a apelante que, face à factualidade provada, o condomínio não pode ser condenado no reconhecimento do direito da apelada à utilização das caves do prédio.
- São os condóminos, individualmente considerados, que impedem a apelada de estacionar nas caves, quer porque utilizam todos os lugares disponíveis para estacionamento, quer quando deliberam nesse sentido em assembleias de condomínio.
- A administração, órgão executivo do condomínio, carece de poderes para impor aos condóminos a redistribuição de lugares de estacionamento, quando, há mais de vinte anos, os lugares de estacionamento se encontram totalmente preenchidos e não há lugar para estacionamento de mais viaturas de outros condóminos.
- Não se trata de regular o uso das coisas comuns, mas sim de alterar o direito dos condóminos que têm lugar de estacionamento.
- Na decisão recorrida, decidiu-se pela procedência do pedido, "sem prejuízo do modo como virá, de facto, a ser regulada a utilização das garagens do prédio pela Autora e demais condóminos comproprietários de tal espaço".
- Caberá, pois, a estes (condóminos), e não ao administrador do condomínio, regulamentar a sua utilização.
- Condenado o condomínio no reconhecimento do direito da apelada a estacionamento, tem este que assegurar à apelada o referido direito, o que face à factualidade provada, é impossível.
- Não tendo havido intervenção dos condóminos na acção, a decisão proferida não regula definitivamente a situação concreta.
- Contrariamente ao que decidiu o tribunal a quo o pedido não pode, pois, proceder contra o condomínio.
- Por outro lado, cada condómino é também proprietário das partes comuns do edifício (art. 1420° do CC), pelo que tem o direito de se defender quando ocorre qualquer ofensa ao seu direito sobre estas.
- Como bem se diz na decisão recorrida, "da factualidade apurada, é possível concluir, sem margem para dúvidas, que os condóminos das fracções habitacionais ... têm usado em exclusivo as garagens".
- Há, pois, um direito legítimo dos condóminos que importa salvaguardar.
- A situação factual existente, apenas contestada pela apelada, não pode deixar de levar à conclusão de que apenas as fracções destinadas à habitação tinham direito a estacionamento.
- A falta de espaço para estacionamento levou a que no título constitutivo de propriedade horizontal se excluíssem 8 fracções habitacionais do direito a estacionamento, e que as duas fracções destinadas ao comércio (fracção da apelada incluída) nunca tivessem ocupado qualquer lugar de estacionamento.
- A reclamação da apelada e a existência da presente acção levaram a administração do condomínio a incluir este assunto na discussão de várias assembleias de condóminos, mas, deste facto, não se pode concluir pela aceitação pelo condomínio do direito da apelada à utilização das caves.
- Pelo contrário, confirma que cabe aos condóminos deliberar sobre o direito à utilização das caves e sobre a regulamentação da sua utilização, dadas as circunstâncias factuais já sobejamente explanadas.
- O direito dos condóminos à aquisição por usucapião dos lugares de estacionamento que ocupam é questão cuja apreciação teria que ser feita com base em direitos efectivos dos condóminos lesados.
- Contudo, a posse efectiva desses lugares pelos condóminos não pode deixar de ser impeditiva da procedência do pedido contra a apelante.
- Pelo exposto, e face à factualidade provada, não pode o pedido formulado deixar de improceder quanto à aqui apelada.
- Deve revogar-se a decisão proferida, na parte em que condenou a apelante no reconhecimento do direito à apelada à utilização das garagens e à entrega das respectivas chaves.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual :
1) A A. celebrou com Euro L…, SA, o acordo escrito, denominado compra e venda, locação financeira com fiança, cuja cópia foi junta como doc. 1 da petição inicial e se dá por reproduzido, nos termos do qual foi locada à A. a fracção autónoma designada pela letra N da parcela B, correspondente ao rés-do-chão, destinado a armazém, escritório ou comércio, do prédio urbano sito na Rua Francisco…, n°s … a …e … a…, freguesia de…, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz sob o art. …e descrito na …CRP de Lisboa sob o n° … da freguesia de …(al. A).
2) Encontra-se registada a transmissão da fracção autónoma identificada em A) para a BPI L…, SA, por transferência global de património e fusão, nos termos que constam do doc. 2 da petição inicial que se dá por reproduzido (al. B).
3) No título constitutivo de propriedade horizontal do prédio identificado em A), cuja cópia foi junta como doc. 3 da petição inicial que se dá por reproduzido, são comuns a todas as fracções, com exclusão das fracções D1, D2, D3 e D4 da parcela A e J1, J2, J3 e J4 da parcela B, a cave e a sub-cave que integram o edifício, destinadas a estacionamento, com as diversas rampas e escada de acesso entre elas e à via pública, incluindo todo o espaço das entradas localizado no rés-do-chão (al. C).
4) Nas caves em causa foram desenhadas divisórias para parqueamento individual (al. D).
5) Não se prevendo qualquer lugar destinado à fracção da A. (al. E).
6) Não foi permitido à A. o parqueamento de viaturas em qualquer outro espaço das caves, desde 14/12/95 (al. F).
7) Em reunião da Assembleia Geral de condóminos realizada no dia 26/6/96, a A. reclamou o direito a um lugar de parqueamento (al. G).
8) Discutida a questão foi deliberado por maioria proceder à redistribuição dos lugares de garagem, constituindo-se um grupo de trabalho com esse fim (al. H).
9) Mais se deliberou que, caso não houvesse possibilidades de aumentar os lugares de estacionamento, a assembleia deveria reunir novamente (al. I).
10) Em reunião da assembleia geral de condóminos de 14/5/99 foi apresentada a proposta de fixar um lugar de estacionamento, destinado à fracção da A., na parte final da rampa de acesso do piso 1 para o piso 2, na parte interior da curva (al. J).
11) Tal proposta foi recusada, continuando a A. a ser privada da utilização das garagens e de aí estacionar viaturas (al. K).
12) À A. não foi concedida chave para a entrada das garagens (al. L, dos factos assentes).
13) Na sequência da deliberação aludida em H) e I) foi efectuada uma experiência de estacionar um veículo na parte interior da curva da parte final da rampa de acesso do piso 1 para o piso 2 (ponto 1).
14) A A. tem cinco viaturas ao seu serviço (ponto 2).
15) No local do prédio identificado em A) o estacionamento na via pública é difícil (ponto 3).
16) A A. presta serviços de assistência informática (ponto 4).
17) O que implica operações de carga e descarga de material (ponto 5).
18) Por vezes não é possível parar no local (ponto 6).
19) Por isso os funcionários da A. carregam o material pela rua e por longas distâncias (ponto 7).
20) Em virtude da impossibilidade de estacionamento os funcionários da A. levam as viaturas para casa com despesas para a A. (ponto 8).
21) A mesma dificuldade de estacionamento se depara a clientes e fornecedores da A. (ponto 9).
22) Desde 14/12/1995 até à data da instauração da presente acção o valor médio de um estacionamento no local referido em A), em condições similares à do condomínio R., é de € 77,89 mensais (ponto 10).
23) No prédio referido em A) os estacionamentos estão identificados com a fracção a que se encontram afectados (ponto 11).
24) Encontram-se efectuadas demarcações desde a data da conclusão do prédio (ponto 12).
25) A cave e sub-cave, destinadas a estacionamento, encontram-se totalmente preenchidas com lugares de estacionamento, não havendo espaço físico para estacionamento de mais viaturas (ponto 15).
26) Situação existente há mais de 20 anos e que se mantém actualmente (ponto 16).
27) Na assembleia de condóminos realizada no dia 26/6/96, os condóminos pronunciaram-se no sentido de que a A. ou o proprietário da fracção N não tinha direito a qualquer lugar na garagem, porque no decurso de mais de 20 anos nunca tinham participado nas despesas de conservação e manutenção da garagem, nunca tinham estacionado qualquer viatura na garagem e o parqueamento não dispõe de espaço para mais lugares de estacionamento (ponto 18).
28) Deliberaram os condóminos proceder à redistribuirão dos lugares de garagem, criando um grupo de trabalho para estudar a sua viabilidade e caso não fosse possível aumentar o número de lugares, o assunto seria de novo discutido em assembleia geral (ponto 19).
29) Para decidir o assunto de forma a satisfazer as necessidades dos condóminos com direito a parqueamento (ponto 20).
30) A proposta para estacionamento apresentada pela A. na assembleia de 14/5/99 foi recusada, tendo o condómino do 8ºH do nº…, Eng. C…., feito constar, como declaração de voto, que votou contra por não achar reunidas as informações necessárias para a resolução (ponto 25).
31) A cave e sub-cave do prédio identificado em A) destinavam-se a estacionamento de viaturas ligeiras (ponto 26).
32) As garagens têm acesso directo ao interior do prédio, onde estão localizadas as fracções habita- cionais (ponto 27).
33) As fracções do prédio identificado em A) que são destinadas ao comércio têm acesso directo à via pública (ponto 28).
34) A fracção G) do prédio identificado em A), também destinada ao comércio, não tem, nunca teve, nem reclama qualquer direito a estacionamento (ponto 29), da base instrutória).

3. Nos termos dos arts. 684º, nº3, e 690º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente.
A questão a decidir centra-se, pois, primacialmente, na apreciação do direito, reclamado pela A., à utilização do espaço, destinado a estacionamento, do prédio em causa.
Dispõe o art. 1421º, nº2 d), do C.Civil que, nos edifícios sujeitos ao regime de propriedade horizontal, se presumem comuns as garagens e outros lugares de estacionamento.
Estabelecendo, no caso, o respectivo título constitutivo serem comuns a todas as fracções do prédio - com exclusão das fracções D1, D2, D3 e D4 da parcela A e J1, J2, J3 e J4 da parcela B - a cave e a sub-cave, destinadas a estacionamento, com as diversas rampas e escada de acesso entre elas e à via pública, incluindo todo o espaço das entradas localizado no rés-do-chão.
Não constando a mesma das expressamente excluídas, não oferece dúvida que a compropriedade do espaço destinado a estacionamento (art. 1420º, nº1, C.Civil) se estende à fracção da qual a A. é locatária - não sendo, pois, lícito, à administração do condomínio ou aos demais condóminos, impedi-la de, desse espaço igualmente usufruir.
E assente, por decisão já transitada em julgado, a legitimidade da administração para ser demandada neste processo, inquestionável se torna, assim, a condenação daquela a reconhecer o respectivo direito à utilização do referido estacionamento.
Não tendo sido eles parte na acção, não reveste, naturalmente, tal decisão a virtualidade de vincular os demais condóminos, individualmente considerados.
As questões a tal respeito suscitadas serão, assim, apenas pertinentes em sede de execução, ou em eventual acção contra aqueles proposta - não cabendo a sua apreciação no objecto do presente recurso.
Não obstante, mostra-se a matéria factual dada como provada insuficiente para fundamentar o pedido indemnizatório formulado pela A.
“A mera privação (de uso) do prédio esbulhado, impedindo, embora, o possuidor do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição (nos termos do artigo 1305º do Código Civil) só constitui dano indemnizável se alegada e provada, por aquele a frustração de um propósito, real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante” (ac. STJ, de 10/7/2008, in www.dgsi.pt - SJ20080710021791).
No caso, pese embora a prova aos mesmos respeitante, claramente se não demonstrou a existência do necessário nexo de causalidade entre a privação da utilização da aludida parte do edifício e os danos por aquela invocados.
Concluindo-se, como decidido, pela inexistência dos pressupostos do dever de indemnizar, de igual modo terão, assim, de improceder as alegações a tal atinentes.

4. Pelo acima exposto, se acorda em negar provimento a ambos os recursos, confirmando-se integral- mente a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.

18.12.2008

(Ferreira de Almeida - relator)

(Silva Santos - 1º adjunto)

(Bruto da Costa - 2º adjunto)