DIREITOS DE AUTOR
INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO
Sumário

I - Compete à entidade promotora do espectáculo provar o que respeita ao preço que pagou ao autor-intérprete e, por maioria de razão, ao autor cuja obra foi interpretada por terceiro.
II - Não se tendo apurado que o acordo estabelecido entre a Ré e os intérpretes, incluíam os aludidos direitos de autor na sua nuance não patrimonial (a analisada natureza pessoal ou moral dos direitos em causa) há que quantificá-los e reconhecer que os mesmos estão em dívida.
III – O sujeito passivo na relação jurídica em apreço, não é o intérprete mas sim o(s) próprio(s) autor(es) das obra(s).
IV - E se, alguma confusão pode acontecer quando as duas personagens coincidem, aí funcionam as regras do ónus da prova sobre esta matéria de direitos de autor – artºs40º e 41º do CDADC -.
V – O enunciado artº110º CDADC dá a oportunidade das partes interessadas fixarem, a título de retribuição, numa percentagem sobre as receitas do espectáculo.
VI – Não tendo havido acordo neste particular, reconhece-se que a fórmula apresentada pela recorrida, enquadra-se num dos critérios previstos no nº1 do citado artº110º do CDADC, na parte em que refere que, a retribuição pode corresponder a “uma certa quantia por cada espectáculo”.
AH

Texto Integral

ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
SPA- Sociedade Portuguesa de Autores, cooperativa de responsabilidade limitada, totalmente identificada nos autos, em representação de 53 autores e titulares de direitos de autor que identifica, instaurou acção declarativa, com forma ordinária, contra:
T, Lda., igualmente identificada de modo completo nos autos
Pedindo: - A condenação da Ré a pagar a quantia de 3.088.355$00, acrescida de 671.053$00 de juros de mora vencidos e nos vincendos, até integral pagamento.
Alega, em síntese, que:
- Compete à A. a defesa dos direitos e interesses dos autores e titulares de direitos de autor, nacionais e estrangeiros seus associados, quer se tenham inscrito na SPA quer se tenham inscrito em sociedades congéneres de outros países com os quais a A. mantém contratos de representação, como sucede com os autores e titulares de direitos autorais indicados na petição inicial.
- A Ré tem vindo a promover em Portugal diversos espectáculos musicais, entre os quais, em 5 e 7 de Maio, respectivamente no Teatro Circo de Braga e no Coliseu do Porto, actuaram o agrupamento musical "P", em 29 de Julho, na Praça de Touros do Campo Pequeno, os agrupamentos musicais B e F, em 30 de Junho, no Pavilhão do Boavista, o agrupamento musical F, em 10 de Junho, no Coliseu do Porto, S e B e, em 13 de Julho, no Pavilhão Dramático de Cascais, L e B.
- Nessas actuações foram executadas diversas obras de autores e de titulares de direitos de autor que discrimina quer por obra quer por autor e detentor de direitos de autor.
- A Ré não lhe requereu prévia autorização para a execução dessas obras e a A. também não lha concedeu.
- Em consequência, a A. emitiu três facturas que discrimina, nos montantes de 366.749$00, 1.087.856$00 e, 1.633.730$00, respeitantes a tais concertos, datados, respectivamente, de 23/6/93 a primeira e de 19/08/93 as outras duas, as quais foram enviadas à ré.
- A ré procedeu ao depósito judicial de 368.929$00, em 8/6/93; 750.000$00, em 15/7/93 e, de 997.500$00, em 19/7/93.
- A ré não pagou o valor das facturas, o qual, até 24/02/95, venceu juros no valor de 671.053$00.
Conclui, referindo, se considere, as importâncias depositadas pela ré como pagamento por conta da dívida, ordenando-se o seu levantamento pela A..

Citada, a ré contestou, por excepção dilatória, arguiu a ilegitimidade da A., dizendo que, ela não provou ter poderes de representação da maioria dos autores e detentores de direitos autorais que indica.
Referiu ainda, não dever juros de mora enquanto a A. não demonstrar que representa as pessoas que indica e, que o pretendido crédito é ilíquido.
Por impugnação, afirma quais as obras executadas por cada um dos interpretes musicais indicados e quem são os respectivos autores, concluindo que das 127 obras executadas apenas 5 são da autoria de terceiros que não os executantes.
Segundo a R., a A. tenta cobrar direitos aos próprios autores os quais receberam já da Ré todo o cachet que com ela acordaram pela execução das obras, não lhes sendo devida qualquer retribuição autónoma pela execução dessas obras de que são autores.

A A. respondeu, pugnando pela improcedência da excepção de ilegitimidade.

Aquando do Saneamento dos autos, julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade.

A Ré procedeu a depósitos judiciais, nos termos do artº444º do CPC, dos seguintes valores:
a) - 368.929$00, em 8/6/93, no processo n°6199, da 2ª Secção da 12ª Vara Cível, relativo às actuações do agrupamento P, no Teatro Circo de Braga e no Coliseu do Porto, em 5/5 e 7/5;
b) - 750.000S00, em 5/7/93, no processo n°6789, da 2ª Secção da 13ª Vara Cível, relativo às actuações de F e B, de 29/6 na Praça de Touros do Campo Pequeno e, de 30/6, no Pavilhão da Boavista.
c) - 997.500$00, em 17/7/93, no processo n°11161, da 3ª Secção da 13ª Vara Cível, relativo às actuações de 10 e 13 de Julho de B no Pavilhão Dramático de Cascais e, S no Coliseu do Porto (esses processos foram apensados a estes autos).

Realizou-se o Julgamento da causa e decidiu-se a matéria de facto, sem reclamações.

E, de seguida, foi proferida, a competente sentença – parte decisória -:
“-…-
Decisão
- Em face do exposto, decide-se julgar a acção procedente e, consequentemente, condena-se a ré a pagar à autora a quantia de 3.088.355$00, acrescida de 671.053$00 de juros de mora vencidos até 24/02/95 e, nos vincendos, desde essa data e até integral pagamento, às seguintes taxas: - 15% até 29/9/95; 10% até 16/4/99, 7% até 30/4/03 e 4% desde então.
Após trânsito em julgado, proceda-se à entrega, à autora, das quantias de 368.929$00, 750.000$00 e, 997.500$00, depositadas à ordem dos autos, as quais serão imputadas por conta da dívida que resulta da decisão.
Custas: pela ré.
-…-”
Desta sentença veio a R. recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. O Direito de Autor integra o direito privado civil e encontra-se contemplado no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, englobando um direito patrimonial e um direito pessoal - n°1 do artº9º - e constituindo aquele um complexo de faculdades que têm por escopo a utilização económica exclusiva da obra, ao passo que o direito pessoal de autor é integrado por um leque de faculdades referentes à paternidade da obra e à sua integridade - n.°3 do artº9º -.
2. E, portanto, um direito absoluto e exclusivo, cujo objecto imediato ou conteúdo são as actividades reservadas, constituindo a obra literária ou artística o objecto mediato do exclusivo da exploração económica, enquanto o direito pessoal tem por objecto certas formas de divulgação da obra modificada.
3. No que concerne à questão aqui decidida, a mesma dizia respeito a saber se, a aqui Recorrida podia ou não cobrar à aqui Recorrente uma contrapartida pecuniária pelo direito de utilização ou exploração de obras musicais dos autores que representa e, caso tal fosse aceite, em que termos o poderia fazer.
4. Importa atendermos, antes de mais, aos efeitos jurídicos decorrentes da execução de uma obra literária, artística ou científica, bem como a protecção legal contemplada no nosso ordenamento jurídico português.
5. Para além de se indagar quem detém a obrigação ou ónus de, no âmbito de uma apresentação de um espectáculo musical, salvaguardar as direitos de autor da obra apresentada.
6. O cerne de toda esta questão é o de determinar quem é o sujeito passivo da obrigação de obtenção de autorização, isto é, quem deveria ter obtido a autorização dos autores para serem interpretadas as obras musicais nos espectáculos a que se reportam os autos. Somente depois de solucionado este problema interessará apurar da existência ou inexistência de autorização.
7. Porém, sabendo-se que a obrigação de obter autorização está cometida, por lei, a um terceiro, por referência à utilização da obra, importa, preliminarmente, precisar o conceito de terceiro, para este efeito específico.
8. Parece ser comummente aceite que terceiros são as pessoas, que não sendo autores, exploram ou utilizam, directamente, a obra.
9. Tal como bem explanado na Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Fevereiro de 2005, proferido no âmbito do Pº. nº310/2005 - www.dgsi.pt“Acentua-se que, a acolher-se o entendimento diverso do apontado, qualquer pessoa que retirasse benefício da execução da obra, seria obrigada a obter a autorização do autor, para a estar a explorar economicamente, como aconteceria, por exemplo, com os técnicos de som e de luz, contratados para o espectáculo, cujos serviços são indispensáveis à execução artística, donde, mediata ou indirectamente, o trabalho prestado e a correspectiva remuneração, advém da interpretação das obras de determinado concerto, mas directa e imediatamente, dos contratos que celebraram.”
10. É o intérprete que utiliza a obra, na medida em que a executa e é ele, igualmente, que a explora economicamente, enquanto cobra uma determinada quantia pela sua interpretação, na qual a obra se insere.
11. Assim, é pois, e salvo melhor opinião, ao intérprete que incumbe cumprir todos os preceitos legais para poder satisfazer a prestação a que se encontra adstrito.
12. Isto porque, é o artista intérprete que utiliza a obra, uma vez que, a executa, sendo que, é ele que, também, a explora, porquanto, recebe a contrapartida económica da sua prestação artística – interpretação -, na qual a obra está inserida e de que é elemento indissociável.
13. Assim, como é defendido pelo Acórdão já citado, “nos termos e para os efeitos dos artºs40° e 41° (entenda-se do CDADC) quem carece de obter autorização para usar obra alheia é o artista intérprete e não a sociedade promotora do espectáculo”, bem como, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de Março de 1998, sendo, ainda, neste sentido, a sentença proferida pela 11ª Vara Cível de Lisboa, 2ª Secção, no Pº nº 4146/1999.
14. Ora, na falta de dispositivo legal que imponha tal obrigação a outra pessoa, deverá ser o intérprete a obter a autorização para executar a obra do autor e não o promotor de espectáculos, a quem apenas se pode assinalar uma utilização indirecta através daquela, pois só autoriza, directamente, a interpretação do artista que contrata.
15. E, parecem ser de afastar as tentativas que se têm feito para obrigar os promotores a obter a autorização que aqui se discute, ao abrigo de normativos constantes do CDADC, nomeadamente, pela aplicação do nº1 do artº109º do dito diploma.
16. E, ainda que assim se não entendesse, não se poderia aplicar a um específico contrato de execução de obras literário-musicais - prestação artística -, um normativo que define, concretamente, um outro tipo contratual distinto daquele, e que tem por escopo a regulamentação de realidade diversa.
17. Isto é, tratando-se de contratos absolutamente distintos, o dispositivo que expressamente define o contrato de representação – nº1 do artº109º do CDADC -, é inaplicável ao da prestação artística.
18. Por outro lado, tem sido utilizado, em defesa da obrigação do promotor do espectáculo de obter a autorização do autor, o preceituado no nº3 do artº122º do CDADC.
19. O legislador definiu as condutas indicadas nos números 1 e 2 desse dispositivo legal como de “obrigações do promotor”, contudo e salva o devido respeito, não nos parece que tal seja considerado como obrigações num sentido técnico-jurídico. Aliás, como foi defendido no Acórdão atrás citado.
20. É defendido nesse mesmo Acórdão, “Na verdade, é insustentável que aqueles comportamentos possam ser qualificados como obrigações em sentido técnico; são relações jurídicas em virtude das quais uma ou mais pessoas pode exigir de outra (ou outras) a realização de uma prestação. No mesmo sentido, mas definindo a relação do lado oposto, diz o artº397º do Código Civil que a obrigação é o vínculo jurídico, por virtude do qual, uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação. Além disso, as ditas condutas também não se analisam em deveres jurídicos, já que não se descortinam na lei quaisquer sanções que as acompanhem, e só existe dever jurídico se existir uma necessidade imposta pelo direito (objectivo) a uma pessoa de observar determinada comportamento com a cominação de algum dos meios coercivos (sanções) próprios da disciplina jurídica; Cremos, outrossim, que aqueles comportamentos se analisam em ónus jurídicos, é dizer, na necessidade de adoptar certas condutas para a obtenção ou conservação de uma vantagem própria, ou de outro modo, comportamentos que são impostos como premissa para obter certo efeito útil.”
21. E, em conclusão “Assente que o aludido artº122º mais não contém da que um ónus jurídico, fica precludida, sem mais, a possibilidade de se sustentar que o nº3 do artº122º faz impender sobre o promotor qualquer obrigação, e particularmente, a de obter autorização do autor para ser executada uma sua obra”.
22. Mas, ainda que assim se não entendesse, a verdade é que o citado preceito legal apenas exige que o promotor, “quando demandado”, faça prova de que obteve a autorização dos autores das obras executadas. Parece, pois, e salvo melhor opinião, que se trata de uma regra de ónus de prova, ou seja, uma norma de direito probatório material, sendo, apenas, um dispositivo concernente à disciplina das provas.
23. E, tal como conclui, o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, “Na verdade, o que esta norma permite concluir é que não existe autorização, se o promotor não provar que a possui, mas não que ao promotor incumbia obtê-la. Logo, não será possível responsabilizar o promotor pela falta de autorização do autor da obra, por recurso a uma norma de direito probatório material que faz impender sobre ele o ónus de prova de autorização. Pelo exposto, como o promotor não tem qualquer obrigação de obter autorização do autor, que apenas é devida pelo executante da obra, estamos perante uma disposição destituída de conteúdo, enquanto fonte de obrigações e, consequentemente, insusceptível de fundamentar a responsabilidade do promotor pelo uso não autorizado da obra de uma autor.”
24. Para além disso, no que diz respeito à obtenção de visto prévio da Inspecção Geral das Actividades Culturais (IGAC), antiga Direcção-Geral de Espectáculos, tal como é defendido por, João Lourenço in “Protecção Administrativa do Direito de Autor” e in “Direito de Autor Gestão e Prática Judiciária”, Lisboa, 1989, pág. 35-48, a obrigação de obtenção de autorização do autor para a execução das suas obras e a exibição desta autorização perante a autoridade administrativa competente, para então conceder o visto (actualmente licença de representação), são realidades distintas e de natureza jurídica diversa, sendo uma atinente ao direito privado e a outra ao direito administrativo.
25. Assim, a obrigatoriedade de exibição da autorização, ainda que se vise a protecção dos direitos de autor e conexos, não cria para quem tem de a patentear, no cumprimento do aludido dever jurídica, a obrigação de a obter, ou seja, nunca pode ser considerada fonte da obrigação dita principal.
26. Tendo o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa concluído a este respeito que, “Finalizando este ponto, diremos que, compulsado todo o CDADC não se vislumbra qualquer dispositivo que faça impender sobre o promotor a obrigação de obter a autorização a que aludem os artºs40º e 41º nº2 do dito Código.”
27. No que respeita à questão em discussão nos autos que é, a de “saber se a Autora pode ou não cobrar à Ré uma contrapartida pecuniária pelo chamado direito de utilização ou exploração de obras musicais dos autores que representa e, em caso afirmativo, em que termos o pode fazer”, já o douto Tribunal da Relação de Lisboa se pronunciou no Acórdão atrás citado decidindo: “Em conclusão, não incumbindo à Tournée a obtenção de autorização dos autores para serem interpretadas as suas obras musicais, no espectáculo que teve lugar e em que actuaram os artistas (…), não são devidos por aquela sociedade quaisquer direitos de autor concernentes à utilização ou exploração das obras executadas, pelo que terá necessariamente de improceder esta acção intentada pela SPA.”
28. Quanto à obrigação do empresário ou entidade promotora de qualquer espectáculo, em que se executem ou reproduzam obras musicais, de obter, previamente, a respectiva autorização dos seus autores, o CDADC em nenhum preceito obriga a entidade promotora a obter a dita autorização, aliás, como amplamente defendido no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de Fevereiro de 2005.
29. No que respeita à liquidação dos direitos autorais e ao pagamento da consequente remuneração relativa a esses direitos, decidiu o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de que aqui se recorre nos termos consignados no nº6, a fls.10. A este propósito importa ter presente que, a lei não estabelece critérios quantitativos fixos para a cálculo da referida retribuição. Apenas consagra que, essa retribuição é devida e que, poderá consistir numa quantia global fixa ou numa percentagem sobre as receitas de espectáculos ou em certa quantia por espectáculo, ou ainda, ser determinada por qualquer forma estabelecida no contrato, conforme resulta do artº110º do CDADC.”
30. 0ra, parece-nos já ter sido doutamente decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça - Acórdão de 15 de Dezembro de 1998 - que, em primeiro lugar, “A partir da presunção da onerosidade que a lei estabelece uma certeza pode, então, afirmar-se: a de que era devida uma remuneração referente aos direitos autorais.”
31. E, em segundo lugar, referindo-se à sentença da 1ª Instância, melhor lá indicada, “Na sentença da primeira Instância aceitou-se como boa a liquidação feita pela SPA partindo-se do pressuposto de que a lotação da recinto fora esgotada; aí se argumentou no sentido de que a cobrança tem de preceder o espectáculo de modo a consistir na prévia autorização por parte da autora.” Ora isto é errado (sublinhado nosso).
32. E, continua, “Uma coisa é a autorização, que tem de ser prévia; outra, é a sua retribuição, a efectivar, de acordo com lei expressa, no artigo seguinte. Os nºs2 e 3 do artigo 170º não podem deixar de ser interpretados no sentido de que a percentagem devida incidirá sobre a receita efectiva do espectáculo e não sobre a receita máxima que era possível atingir ” (sublinhado nosso).
33. Ora, tal como acima referido e porque já assim decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a percentagem devida deveria ter incidido sobre a receita efectiva do espectáculo e não sobre a receita máxima que era possível atingir, sendo esta a única interpretação a ser feita ao artº110º do CDADC.
34. Mais recentemente foi entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa - Acórdão proferido em 31/01/2008, 6° Secção - Processo nº 5154/07-6 -: “Pela leitura dos contratos não se pode deixar de concluir que, sem grave lesão da boa fé, o seu conteúdo não poderia deixar de abranger a autorização para a utilização da obra (...). Existiu realmente autorização do autor para a utilização da obra. Os contratos outorgados entre a Ré e os diversos artistas foram celebrados por escrito. E neles está implícita a autorização para a utilização da obra. São argumentos convincentes, a que aderimos. Num quadro factual não completamente preciso, considerar que a Ré ao pagar ao artista a sua actuação está também a remunerar este enquanto autor, é a solução mais consentânea com o princípio do artigo 237º do Código Civil: em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações, é dizer a solução mais equilibrada. Num quadro factual não completamente preciso, considerar que a Ré ao pagar ao artista a sua actuação está também a remunerar este enquanto autor, é a solução mais consentânea com os princípios gerais de direito.”
35. Este deveria ter sido, também, o entendimento da douta sentença de que aqui se recorre, considerando-se, portanto, pagos os direitos de autor devidos, não sendo devido o montante peticionado pela aqui Recorrida ao contrário do decidido,
36. Em função do atrás explanado, foi feita, salvo o devido respeito, uma errada interpretação das disposições constantes do CDADC aqui aplicadas, nomeadamente as respeitantes aos artigos 40º, 41º, 108º a 110º, 122.º nº3 e, ainda, o artº397º do Código Civil.
Nestes termos deverá a douta sentença de que aqui se recorre alterada, na parte em que considerou ser devido o pagamento à aqui Recorrida da quantia lá decidida a título de direitos autorais, por errada interpretação das disposições do CDADC, devendo ser reformada por esse douto Tribunal da Relação, em sentido distinto, considerando-se procedente a presente Apelação.

Contra - alegou a A. e recorrida, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. Não obstante a forma clara, cristalina, límpida, com criteriosa aplicação do direito como o tribunal recorrido resolveu a presente contenda, a R., ora recorrente, interpôs o presente recurso limitando o seu objecto à questão do titular da obrigação de obtenção de autorização dos autores, e do respectivo pagamento dos direitos de autor, pela utilização de obras musicais e literário musicais em espectáculos de música ao vivo, e à forma de liquidação desses mesmos direitos.
2. Do disposto nos artºs40º e 41º do CDADC, e como se sugere no Acórdão do STJ de 21/7/98 (in CJS, Ano VI, tomo II, pág. 169 e ss.) resulta que, é necessário distinguir o aspecto da autoria de uma obra, do seu intérprete. E, sugere esse acórdão: “Quando num ou em várias espectáculos, um artista seja simultaneamente autor e intérprete das obras musicais apresentadas, tem ele direito à protecção jurídica prevista para cada uma dessas qualidades: como autor e como intérprete.”
3. Também não há dúvida que a autorização a que se referem os artºs41º e 40º do Código, competia a Ré obtê-la, enquanto promotora dos espectáculos, como decorre do art.º121º que equipara a execução da obra musical à representação (artº107 e 109º e 121º.
4. É assim inelutável, atento o disposto nos artigos 121º, 107º e 109º do CDADC, que a Ré é o sujeito passivo da presente relação jus-autoral: é o promotor do espectáculo, enquanto entidade que retira vantagens económicas da exploração das obras, que se constitui na obrigação de remunerar os autores das mesmas pela utilização efectuada. Cabendo, igualmente, ao promotor dos espectáculos fazer prova da obrigatória autorização prévia, nos termos acima descritos. O que não foi realizado, nem poderia ter sido, uma vez que, a devida autorização, por imperativo legal a conceder por escrito, presumindo-se de carácter oneroso e não exclusivo, não foi concedida pelos autores das obras, pelos outros titulares dos direitos de autor das obras, nem pela Autora, aqui recorrente.
5. É este o entendimento da jurisprudência superior, plasmado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Dezembro de 1998, in jusnet 7863/1998 - www.jusnet.pt /Relator: Sr. Juiz Conselheiro Ribeiro Coelho, Processo nº 98A1138.
6. Logo, não só pelo pressuposto em que o artigo 122º assenta como também pela remissão para aqueles artigos 107º e 109º, é a este promotor que cabe obter a necessária autorização.
7. Do paralelo assim estabelecido se conclui, desde logo que, ao empresário promotor da representação cénica corresponde, na execução de obra literário-musical, a entidade promotora do espectáculo, que é aquela a que se refere o artigo 122º quando a incumbe de divulgar previamente o programa e, sendo isto omitido, de provar que obteve autorização dos autores da obra executada - autorização que, naturalmente, é o conteúdo do contrato de execução a que se refere o artigo 121º nº2.
8. É também este o entendimento constante da fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Fevereiro de 2005, in jusnet 108012005 / www.jusnet.pt/Relator: Sr. Juiz Desembargador Urbano Aquiles Lopes Dias, Processo nº31012005-6 – que, explana ainda a posição deste tribunal, relativamente, ao caso dos artistas-intérpretes.
9. Na verdade, na falta de documento escrito que prove a autorização de um qualquer intérprete-autor (sendo certo que em causa está a protecção de dois direitos distintos), incumbia à R.(utilizador), ora apelante a prova de ter obtido autorização de todos os titulares dos direitos em causa.
10. Daqui resulta, diz a sentença ora recorrida, que à ré, enquanto promotora, compete suportar o direito de autor devido pela execução pública das obras que tenham lugar nos espectáculos em causa. Aliás, a ré não põe em causa essa obrigação, entende é que deve uma quantia menor que aquela que a autora peticiona.
11. Quanto à alegada errada liquidação da quantia a pagar a titulo de direitos de autor pela utilização que a R. fez das obras cujos titulares do direito de autor são representados pela autora, nos presentes autos ficou provado que, a autora fixava, como direitos de autor para autorizar a execução em público das obras musicais, o coeficiente de 4,4% sobre a receita correspondente à lotação completa dos recintos estabilizados - cada espectador por lugar - e, 5%, nos recintos sem lotação estabilizada (pavilhões, estádios desportivos e recintos sem lotação estabilizada (artº28º dos factos provados).
12. Ora, o artº110° - aplicável, como vimos, por força do artigo 121º - quanto à remuneração estabelece que a retribuição do autor pela execução pública das obras poderá consistir: numa quantia fixa; numa percentagem sobre a receita do espectáculo; em certa quantia por espectáculo; ou ser determinada por qualquer outra forma estabelecida no contrato.
13. É bom ver que, este artigo pressupõe que entre o promotor do espectáculo e o concedente da autorização da execução pública das obras musicais, haja um acordo. Ora, no caso dos autos, não houve esse acordo. Logo, competia à autora fixar a remuneração devida pela execução pública das obras, o que ela fez, lançando mão de critério baseado em taxa que, normalmente, aplica e utiliza.
14. Trata-se do critério possível, no dizer do Ac. STJ de 1/7/98, que o considera aceitável (cfr. ainda, Ac. Relação Lisboa, de 17/2/05, Urbano Dias e, de 17/4/07, Eu rico Reis, ambos in www.dgsi.pt ).
Pelo exposto, entende-se que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.

Foram colhidos os necessários vistos.

APRECIANDO E DECIDINDO
Thema decidendum:
- Em função das conclusões do recurso, temos que:
a) - A Ré e recorrente insurge-se quanto ao facto de ter sido responsabilizada pelos direitos autorais reclamados pela Autora;
b) – Considera ainda que, o montante de tais direitos foram erradamente calculados.
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Apuraram-se os seguintes FACTOS:
1º - A Autora, S.P.A. - Sociedade Portuguesa de Autores, é uma cooperativa que tem por objecto defender e estimular a liberdade de criação cultural e a produção intelectual, bem como administrar as obras intelectuais de que os seus beneficiários sejam autores, autorizando e fiscalizando, na qualidade de mandatária dos mesmos, as respectivas utilização e exploração dessas obras sob qualquer forma e por qualquer meio - Alínea A) da Especificação/Esp. -.
2º - A Autora dedica-se ainda à cobrança em nome e em representação dos respectivos titulares de todos e quaisquer direitos devidos pela utilização e exploração das suas obras - B), da Esp. -.
3º - Faz ainda parte do seu objecto, “agir em representação dos seus cooperadores e beneficiários...perante as autoridades judiciais...designadamente, através da propositura e acompanhamento de acções judiciais...” para o que goza de capacidade judiciária activa e legitimidade processual - C) da Esp. -.
4º - A Ré é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto e se dedica efectivamente à promoção de espectáculos e representações - D) da Esp. -.
5º - No âmbito da sua actividade comercial tem vindo a Ré a promover em Portugal diversos espectáculos musicais com artistas e agrupamentos - E) da Esp. -.
6º - Tal aconteceu no ano de 1993 com os espectáculos realizados em 5 e 7 de Maio, respectivamente no Teatro Circo de Braga e no Coliseu do Porto em que actuaram o agrupamento musical "P"; em 29 de Junho na Praça de Touros do Campo Pequeno, com os agrupamentos musicais "B" e "F"; em 30 de Junho no Pavilhão do Boavista, com o agrupamento musical "F"; em 10 de Julho no Coliseu do Porto, com os intérpretes "S" e "B" e, em 13 de Julho, no Pavilhão Dramático de Cascais, com os intérpretes "L e B" – F) da Esp. -.
7º - A Ré efectuou em 08/06/93 um depósito judicial de 368.929$00 (processo n° 6199, do 12° Juízo, 2ª Sec.) referente aos espectáculos musicais com o grupo "The Pogues", de 05/05/93 no Teatro Circo de Braga e, em 7/5/93, no Coliseu do Porto - G), da Esp. -.
8º - Em 15/07/93, a ré procedeu ao depósito judicial da importância de 750.000S00 (processo n°6789, do 13° Juízo, 2ª Secção) referente ao espectáculo musical com os grupos "F" e "B", de 29 de Junho de 1993, na Praça de Touros do Campo Pequeno e, ao espectáculo musical com os grupos "F" e "A", do dia 30 de Junho de 1993, no Pavilhão da Boavista - H), da Esp. -.
9º - Em 19/07/93, a ré procedeu ao depósito judicial da importância de 997.500S00 (processo n° 11161, do 13° Juízo, 3ª Secção), referente ao espectáculo musical com os intérpretes "B", e "S", no dia 10 de Junho de 1993, no Coliseu do Porto e, dos intérpretes "B", "L" e "S", de 13 de Julho de 1993, no Pavilhão do Dramático de Cascais - I), da Esp. -.
10º - A Autora procedeu à facturação, em 23 de Junho de 1993, da importância de 366.749$00, factura n° 533/93-03F, referente ao espectáculo com os “P”, do dia 5 de Maio de 1993, no Teatro Circo de Braga, vencendo-se a mesma em 23 de Julho de 1993 - J), da Esp. -.
11º - Em 19 de Agosto de 1993, a A. procedeu à facturação de 1.087.856$00, factura n° 787/93-03F, referente ao espectáculo com os "B…", realizado no dia 29/06/93, na Praça de Touros do Campo Pequeno e, ao espectáculo com os "A… No More", realizado a 30 de Junho de 1993, no Pavilhão do Boavista, no Porto, vencendo-se a respectiva factura em 15 de Outubro de 1993 - L), da Esp. -.
12º - Também em 19/08/93, a A. procedeu à facturação de 1.633.730S00, factura n° 794/94-03F, referente ao espectáculo com S…, realizado no dia 10 de Julho de 93, no Coliseu do Porto e, ao espectáculo com L …., realizado no dia 13 de Julho de 1993, no Pavilhão Dramático de Cascais - M), da Esp. -.
13º - Nos dias 5 e 7 de Maio de 1993, o grupo "P", executou as seguintes músicas:
14º - Nos dias 29 e 30 de Junho de 1993, o grupo "B", executou as seguintes músicas:
15º - E o grupo "F", as seguintes músicas:
16º - No dia 10 de Julho de 1993, o cantor "B" executou as seguintes música:
17º - No dia 13 de Julho de 1993, o cantor "B" executou as seguintes música, todas da autoria do mesmo:
18º - No dia 10 de Julho de 1993, o cantor "S" executou as seguintes músicas:
19º - No dia 13 de de Julho de 1993, a cantora "L" executou as seguintes músicas:
20º - A Ré contratou directamente a realização dos espectáculos com os grupos F, B, P, bem como, com os cantores B, S e L.
- U), da Esp. -.
21º - A Autora enviou à Ré uma carta datada de 29 de Junho de 1993, interpelando-a para proceder ao pagamento do montante de 366.749$00, referido em J (10º supra)
- V), da Esp. -.
22º - A Autora enviou à Ré uma carta datada de 20 de Agosto 1993, interpelando-a para o pagamento do montante de 1.087.856$00, referido em L) (11º supra).
- W), da Esp. -.
23º - A Autora enviou à Ré uma carta datada de 20 de Agosto 1993, interpelando-a para proceder ao pagamento do montante de 1.633.730S00, referido em M) (12º supra).
- X), da Esp. -.
24º - A Ré não procedeu ao pagamento das quantias referidas em 20º, 21º e 22º supra.
- Z), da Esp. -.
25º - A ré reconhece dever à autora, pelo menos 89.050$50.
- Aa), da Esp. -.
26º - Nos espectáculos mencionados em N), O), P), Q), R), S) e T) - 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º e 19º supra - foram executadas obras de autores, ou detentores de direitos de autor sobre as mesmas, representadas pela autora.
- Resposta ao quesito 2º do Questionário -.
27º - Todas as obras musicais interpretadas pela cantora L, nos concertos mencionados em T) - 19º supra - eram da sua autoria ou co-autoria.
- Resposta ao quesito 8º do Questionário -.
28º - Em Portugal, a A. fixava, à data dos concertos referidos em N), O), P), Q), R), S) e T) - 13º, 14º, 15º, 16º, 17º e 18º e 19º supra - e nas circunstâncias dos mesmos, um coeficiente de 4,4% e 5% sobre a receita correspondente à lotação completa dos recintos dos espectáculos, consoante os recintos onde se realizavam tivessem ou não lotação estabilizada.
- Resposta ao quesito 12º do Questionário -.
29º - A data de vencimento da factura referida em M) - 12º supra - era a 30 dias depois da respectiva data.
- Resposta ao quesito 13 do Questionário -.
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O DIREITO
Num Estado de Direito Democrático, “a tutela da actividade criativa é consagrada como esfera de liberdade individual, o que vale por afirmar que é assegurada aos indivíduos a liberdade de acção criativa e da sua expressão” – sobre a delimitação do objecto do direito de autor: Alberto de Sá e Mello, “Contrato de Direito de Autor”, Teses, Almedina, pags.71 a 125 -.
Os direitos de autor têm tutela constitucional (artº42º da Constituição da República Portuguesa/CRP).
Está pois, protegida ao nível da Lei das leis a criação intelectual, artística e científica, que compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra literária ou artística – na esteira da Carta Constitucional de 1826 (artº145º, parágrafo 24º); da Constituição de 1838.º (artº23º, parágrafo 4º); e dos compromissos internacionais assumidos pelo nosso País (Convenção de Berna para Protecção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de Setembro de 1886, revista pelos Actos de Roma (de 2 de Junho de 1928), de Bruxelas (de 26 de Junho de 1951), de Estocolmo (de 14 de Junho de 1967) e ainda da ratificação em 1956 da Convenção Universal sobre o Direito de Autor, aprovada em Genebra em 6 de Setembro de 1952 -

Estes direitos estão conectados com a chamada liberdade de expressão do pensamento (artº37º da CRP).
A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) refere o direito de todo o cidadão a livremente fazer parte na vida cultural da comunidade e fruir das artes tendo, concomitantemente, o direito de ver protegidos os interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica, literária ou artística de que é autor (artº27º daquela Declaração).
Ao nível da lei ordinária, o DL 46980, de 27 de Abril de 1966, aprovou o primeiro Código de Direito de Autor, o qual foi substituído pelo Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos/CDADC, aprovado pelo DL 63/85, de 14 de Março, com as alterações das Leis nºs 45/85 de 17 de Setembro, 114/91 de 3 de Setembro, DLs 332/97, de 27 de Novembro, 334/97 de 27 de Novembro e Leis nºs 62/98, de 1 de Setembro, 50/2004, de 24 de Agosto e 24/2006, de 30 de Junho.

A obra em si, como evidencia o Professor Oliveira Ascensão, é uma entidade cultural objectiva, que permanece idêntica não obstante o fluir das suas manifestações – para mais desenvolvimentos, vide a obra daquele Ilustre doutrinador: Direito Civil/Direito de Autor e Direitos Conexos, Coimbra Editora, pags.57 a 71, em especial, pag.68 -.

Autor é, em regra, o criador intelectual da obra, sendo o seu direito reconhecido independentemente de registo, depósito ou qualquer outra formalidade.
O direito do autor tem um vertente patrimonial e outra de ordem pessoal ou moral – artº9º nº1, do CDADC e artº1305º do CC e o Ac. do STJ, de 21 de Abril de 1988 / 075686 e de 21 de Maio de 1998 / 97A941 -.

Nos termos do artº122º nº3 do CDADC incumbe à entidade promotora da representação obter a autorização dos autores.

Põe sua vez, o artº41º nº2, do CDADC dispõe que, essa autorização só pode ser concedida por escrito, presumindo-se a sua onerosidade e o carácter não exclusivo (trata-se duma formalidade ad probationem - vide, os Acórdãos do STJ, de 14 de Março de 2006 – 06B-231 -, de 15 de Dezembro de 1998 – CJ/STJ – VI – III – 148 – e de, 2 de Julho de 1998 CJ/STJ – VI – II – 169. A nível doutrinal, António M. Vitorino, in “A eficácia dos Contratos de Direito de Autor”, 28 -.

Definido o quadro jurídico em que temos de nos mover, recordemos o thema decidendum:
a) - A Ré e recorrente insurge-se quanto ao facto de ter sido responsabilizada pelos direitos autorais reclamados pela Autora;
b) – Considera ainda que, o montante de tais direitos foram erradamente calculados.

A) - Comecemos por aquilatar da responsabilidade, ou não, da Ré quanto aos direitos de autor reivindicados por quem tem legitimidade para o fazer (como já foi decidido em sede de Saneador), a A. (SPA- Sociedade Portuguesa de Autores).

Argumenta a recorrente/Ré, em síntese, que:
- É o intérprete que utiliza a obra, na medida em que a executa e é ele, igualmente, que a explora economicamente, enquanto cobra uma determinada quantia pela sua interpretação, na qual a obra se insere.
- Assim, é pois, e salvo melhor opinião, ao intérprete que incumbe cumprir todos os preceitos legais para poder satisfazer a prestação a que se encontra adstrito.
- Isto porque, é o artista intérprete que utiliza a obra, uma vez que, a executa, sendo que, é ele que, também, a explora, porquanto, recebe a contrapartida económica da sua prestação artística / interpretação, na qual a obra está inserida e de que é elemento indissociável.

Contrapõe a recorrida/A., também em síntese, que:
- É necessário distinguir o aspecto da autoria de uma obra, do seu intérprete.
- Na qualidade de promotor do espectáculo, a Ré é o sujeito passivo da presente relação jus-autoral.

Pensamos que, a natureza dual dos direitos de autor leva-nos, necessariamente, a que se ponderem duas remunerações:
- Uma que contemple o seu desempenho como intérprete;
- Outra que valorize à sua acção como criador.

Os dois direitos em causa (direito de autor e direito de artista intérprete) não se excluem um ou outro e são, portanto, cumuláveis.

Como vimos, compete à entidade promotora do espectáculo provar o que respeita ao preço que pagou ao autor-intérprete e, por maioria de razão, ao autor cuja obra foi interpretada por terceiro.

Não se tendo apurado que o acordo estabelecido entre a Ré e os intérpretes, incluíam os aludidos direitos de autor na sua nuance não patrimonial (a analisada natureza pessoal ou moral dos direitos em causa) - cfr. respostas negativas aos quesitos 10º e 11º da Base Instrutória / fls.531 a 533 com referência a fls.233 , donde se afere que a Ré não os acordou com os intérpretes e não lhes pagou) - há que quantificá-los e reconhecer que os mesmos estão em dívida.

Ao contrário do defendido pela recorrente, entendemos que, o sujeito passivo na relação jurídica em apreço, não é o intérprete mas sim o(s) próprio(s) autor(es) das obra(s).

Prova provada do que acabamos de dizer é o facto de, nem sempre o intérprete ter de coincidir com o autor da obra interpretada (a chamada representação cénica ou recitação e execução da obra de outro autor) - 107º, 109º e 121º do CDADC).

E se, alguma confusão pode acontecer quando as duas personagens coincidem, aí funcionam as regras do ónus da prova sobre esta matéria de direitos de autor - artºs40º e 41 do CDADC -.

O nº2 do citado artº41º do CDADC prevê que, na falta de acordo escrito em contrário, presume-se a onerosidade do negócio nesse particular (direitos de autor englobando as duas mencionadas remunerações).

Presunção essa que cabia à Ré ilidir e não fez – artº350º do CC -

Isto porque, como refere o especialista neste tema (direitos de autor), Luiz Francisco Rebello, “o documento escrito exigido para a autorização constitui mera formalidade ad probationem e não ad substantiam, o que, na sua ausência, leva a transferir para o utilizador o ónus da prova” – in “Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, Âncora, 2ª edição, anotação ao artº41º, pag.84 -.

Tudo visto, concluímos como na sentença recorrida:
- Daqui resulta que a ré, enquanto promotora, compete suportar o direito de autor devido pela execução pública das obras que tiveram lugar nos espectáculos em causa.

B) - Passando à segunda questão objecto de recurso: - Cálculo do montante (de tais direitos) que é devido à A. pela Ré.
Segundo a mesma recorrente/Ré:
- Na sentença da primeira Instância, erradamente, aceitou-se como boa a liquidação feita pela SPA partindo-se do pressuposto de que a lotação do recinto fora esgotada.

A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida:
- “ (…) o artº110º…aplicável, como vimos, por força do art.º121º (…) quanto à remuneração, estabelece que a retribuição do autor pela execução pública de obras, poderá (sublinhado nosso) consistir: numa quantia fixa; uma percentagem sobre as receitas do espectáculo; em certa quantia por cada espectáculo; ou ser determinado por qualquer outra forma estabelecida no contrato.
É bom de ver que este artigo pressupõe que entre o promotor do espectáculo e o concedente da autorização da execução pública das obras musicais, haja um acordo. Ora, no caso dos autos, não houve esse acordo. Logo, competia à autora fixar a remuneração devida pela execução pública das obras, o que ela faz, lançando mão de critério baseado em taxa que normalmente aplica e utiliza.
(…).”

Quid júris?
O enunciado artº110º CDADC dá a oportunidade das partes interessadas fixarem, a título de retribuição, numa percentagem sobre as receitas do espectáculo.

Se isso acontecer, concordamos com a recorrente que essa percentagem é quantificada tendo como referência os reais espectadores do evento cultural em causa.

Só que, com enfatiza a sentença recorrida, in casu não houve esse acordo pelo que, há apenas que aquilatar da bondade ou não do critério adoptado pela A. e recorrida para efeitos de retribuição.

Salvo o devido respeito pela opinião contrária e melhor opinião, a fórmula apresentada pela recorrida, enquadra-se num dos critérios previstos no nº1 do citado artº110º do CDADC, na parte em que refere que, a retribuição pode corresponder a “uma certa quantia por cada espectáculo”.
Acresce que, o critério adiantado pela Ré, obrigava esta ao pagamento da quantia devida com retribuição logo no dia seguinte ao espectáculo e a A. tinha o direito de fiscalizar por si ou por seu representante as receitas respectivas – nºs2 e 3 do mesmo artº110º do CDADC -

Pelo que fica dito, improcede igualmente, o recurso nesta parte.

DECISÃO
- Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação acordam em julgar improcedente o recurso e mantêm o decidido pelo Tribunal a quo.
Custas pela apelante.
Lisboa, 13.1.2009
Afonso Henrique Cabral Ferreira
Rui Torres Vouga
Maria do Rosário Barbosa