OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
SEGURO DE VIDA
LITISCONSÓRCIO
Sumário

1. A simples circunstância de, aquando da celebração do contrato de mútuo, ter sido celebrado um contrato de seguro do ramo vida que garante, em caso de morte ou invalidez permanente do mutuário, uma renda mensal igual às prestações mensais em dívida e por um período igual ao prazo da respectiva amortização, ou que garante a liquidação da dívida vencida na data do evento, não importa a exoneração automática dos herdeiros do mutuário das obrigações decorrentes do contrato de mútuo.
2. A despeito da existência dum seguro de vida que garante, em caso de morte ou invalidez permanente do mutuário, uma renda mensal igual às prestações mensais em dívida e por um período igual ao prazo da respectiva amortização, ou que garante a liquidação da dívida vencida na data do evento à instituição bancária mutuante, esta pode demandar apenas os mutuários (rectius, os herdeiros do falecido mutuário), ex vi do art. 519º-1 do Código Civil, com vista ao pagamento coercivo das prestações em falta, não lhe podendo estes opor que ela deveria antes ter accionado o seguro de vida existente, reclamando da seguradora (enquanto beneficiária do mesmo) o pagamento do capital em dívida na data do sinistro (óbito ou incapacidade permanente do mutuário).
FG

Texto Integral

Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:
A, C.R.L. instaurou Execução para pagamento de quantia certa contra A e F, para cobrança coerciva da quantia exequenda de € 47.648,96 (€ 42.851,03 de capital + € 4.797,93 de juros moratórios vencidos) e juros de mora vincendos, à taxa de 12,75%, desde 2/11/2004 até efectivo e integral pagamento, tendo por base um contrato de mútuo com hipoteca formalizado por escritura pública outorgada em 22/8/1997.
A executada F deduziu oposição à referida execução, alegando, para tanto:
a) que o co-executado A faleceu em 21/11/2003;
b) que o título executivo junto ao requerimento executivo – a escritura pública de mútuo com hipoteca celebrada entre a Exequente e os Executados – seria insuficiente para fundar o pedido executivo formulado na execução, porque desacompanhado do documento complementar que dela é parte integrante;
c) que, na 8ª Vara Cível de Lisboa, 1ª Secção, corre termos, uma acção declarativa de condenação intentada pela Executada ora Opoente e pelo filho do falecido Executado contra a COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A. – e na qual a ora Exequente é interveniente principal -, cuja decisão é prejudicial relativamente à presente execução, pelo que a instância deveria ser suspensa nesta execução, nos termos do art. 279º, nº 1, do Cód. Proc. Civil;
d) que, de qualquer modo, a Executada ora Opoente nada deve à Exequente, porquanto, tendo o falecido executado A celebrado com a Companhia de Seguros, um contrato de seguro do ramo vida, que garantia, em caso de morte ou invalidez permanente, uma renda mensal igual às prestações mensais em dívida e por um período igual ao prazo da respectiva amortização, ou que garantia a liquidação da dívida na data do evento à Caixa Central, credora hipotecária, sendo beneficiários (em caso de morte ou invalidez total e definitiva da pessoa segura) a Caixa, até ao montante da dívida, e os herdeiros legais, na parte remanescente, contrato esse que se mantém válido e plenamente eficaz, é à COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A. que compete o pagamento do capital seguro, no valor de 47.385,80 € (quarenta e sete mil trezentos e oitenta e cinco euros e oitenta cêntimos), acrescidos de juros de mora à taxa legal.

A Exequente contestou, pugnando pela improcedência da oposição deduzida pela Executada F

Findos os articulados, foi proferido saneador/sentença (datado de 24/3/2008) que julgou improcedente, por não provada, a presente Oposição e, consequentemente, determinou o prosseguimento da execução que constitui o processo principal.
 
Inconformada com o assim decidido, a Executada/Opoente apelou do referido saneador/sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões:
“1ª- A oponente, em sede da sua oposição, expressamente invocara não ser de sua responsabilidade o pagamento do capital seguro, louvando-se em tudo quanto invocara na acção declarativa nº que correu termos na 8ª Vara Cível de Lisboa;
2º- Transpôs para a sua oposição parte daqueles factos, que têm evidente relevância para a boa decisão da causa;
3º- A sentença recorrida não se pronunciou sobre qualquer desses factos, pelo que não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar, cometendo assim a nulidade prevista no artigo 668º, nº 1 al. d) do C.P.C., o que expressamente se invoca;
4º- Deve ser dada como provada toda a matéria considerada assente na acção declarativa a que se vem fazendo referência, nomeadamente a que consta de 2º (data do óbito), 7º, 8º, 9º, 10º, 11º e 15º da oposição;
5ª- Naqueles autos, por decisão transitada em julgado, a Companhia de Seguros Vida, S.A. foi condenada no pagamento do capital seguro, no valor de 47.385,80 euros, sendo beneficiários a Caixa, no montante da dívida, e os executados ali autores, no remanescente, tudo acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação e até efectivo pagamento;
6ª- A exequente teve intervenção naqueles autos, sendo-lhe oponível o caso julgado;
7ª- Recebeu já da seguradora o capital em dívida (42.851,03 euros) e respectivos juros de mora à taxa de 4%, nos termos daquela decisão judicial;
8ª- A Seguradora não pode ser responsabilizada pelo pagamento de qualquer cláusula penal ou juros a taxa superior à judicialmente decidida (4%), nem desde momento anterior à sua citação;
9ª- Não é da responsabilidade da oponente o pagamento do capital em dívida à exequente, nem lhe é imputável qualquer incumprimento ou mora;
10ª- A exequente não tem direito ao pagamento de qualquer cláusula penal ou juros para além daqueles que já recebeu da seguradora;
11ª- Se não foi atempadamente paga tal apenas se deve à omissão da seguradora e à sua própria omissão, por não ter atempadamente interpelado aquela ao pagamento;
12ª- Em face do pagamento da quantia de 48.597,83 euros, a dívida encontra-se integralmente paga, devendo ser declarada extinta a execução.
13ª- A decisão proferida violou o disposto nos artigos 668º, nº 1 al. d) e 671º do C.P.C., e os artigos 804º e 805º do C.C., devendo ser revogada e substituída por outra que julgue a oposição procedente e determine a extinção da execução apensa.”

Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O  OBJECTO  DO  RECURSO
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Executada ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito a 3 questões:
a) Se o saneador/sentença recorrido padece da nulidade prevista no artigo 668º, nº 1 al. d) do C.P.C. (indevida omissão de pronúncia sobre questão que devia ter sido apreciada), ao ter descurado a questão – suscitada pela Apelante na sua Oposição à Execução – de não ser de sua responsabilidade o pagamento do capital seguro, louvando-se em tudo quanto invocara na acção declarativa nº que correu termos na 8ª Vara Cível de Lisboa;
b) Se a Executada ora Opoente nada deve à Exequente, porquanto, tendo o falecido co-executado A celebrado com a Companhia de Seguros, S.A.) um contrato de seguro do ramo vida, que garantia, em caso de morte ou invalidez permanente, uma renda mensal igual às prestações mensais em dívida e por um período igual ao prazo da respectiva amortização, ou que garantia a liquidação da dívida na data do evento à Caixa Central, credora hipotecária, sendo beneficiários (em caso de morte ou invalidez total e definitiva da pessoa segura) a Caixa, até ao montante da dívida, e os herdeiros legais, na parte remanescente, contrato esse que se mantém válido e plenamente eficaz, é à COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A. que compete o pagamento do capital seguro, no valor de 47.385,80 € (quarenta e sete mil trezentos e oitenta e cinco euros e oitenta cêntimos), acrescidos de juros de mora à taxa legal;
c) Se, de qualquer modo, desde que a COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A. foi condenada – no âmbito da acção declarativa de condenação que correu termos na 8ª Vara Cível de Lisboa, sob o nº - no pagamento do capital seguro, no valor de 47.385,80 euros, sendo beneficiários a Caixa Central, no montante da dívida, e os executados ali Autores, no remanescente, tudo acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação e até efectivo pagamento - caso julgado esse que é oponível à ora Exequente (por isso que foi requerida e admitida a sua intervenção principal provocada naqueles autos) -, sendo certo que ela (Exequente) já recebeu da referida seguradora o capital em dívida (42.851,03 euros) e respectivos juros de mora à taxa de 4%, nos termos daquela decisão judicial, a dívida encontra-se integralmente paga, em face do já ocorrido pagamento da quantia de 48.597,83 euros, devendo ser declarada extinta a execução.

MATÉRIA DE FACTO
Factos  Considerados  Provados na 1ª Instância:
O saneador/sentença recorrido elenca como provados os seguintes factos:
1) No exercício da sua actividade creditícia, a Exequente celebrou, em 22/08/1997, com os Executados um contrato de Mútuo com Hipoteca e Documento Complementar;
2) Contrato esse no montante de Esc. 9.500.000$00 (€ 47.385,80), formalizado por escritura pública;
3) O empréstimo foi concedido ao abrigo do Regime de Crédito Bonificado;
4) Clausulou-se, no citado contrato, que o empréstimo seria concedido pelo prazo de 25 anos, amortizável em 300 prestações mensais, constantes, sucessivas e iguais, com vencimento inicial a um mês da data da escritura de mútuo com hipoteca;
5) No mesmo contrato ficou estipulado que o empréstimo venceria juros à taxa anual nominal de 9,85 % ou outras que eventualmente venham a ser fixadas tendo por indexante a Taxa de Crédito à Habitação, a publicitar nos termos legais e que actualmente é de 8,750 %.
6) Ficou também estipulado que, em caso de mora no pagamento de qualquer das prestações em dívida, sejam de capital, juros, despesas ou outros encargos, e a título de cláusula penal, acrescia à taxa aplicável uma sobretaxa de 4 % sobre as quantias em mora e pelo período que esta durar.
7) Para garantia do capital mutuado, respectivos juros e despesas foi constituída hipoteca sobre o seguinte prédio: misto, sito em Junqueira, Palheiros da Serra, Palheiros, Alto da Serra ou Pé da Serra, freguesia e concelho de Rio maior, descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior.
8) A referida hipoteca encontra-se devidamente registada a favor da Exequente na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior.
9) Nos termos da cláusula 1ª do documento complementar do título executivo, a Exequente disponibilizou aos Executados um empréstimo no montante de € 47.385,80.

A mais dos factos que o Saneador/Sentença recorrido elenca como provados, mostram-se ainda provados (por acordo das partes, nos termos do art. 490º, nº 2, do C.P.C., e por documentos dotados de força probatória plena) estoutros factos, com relevância para o julgamento do mérito da presente oposição:
10) Em 28/9/1997, para produzir efeitos a partir de 1/10/1997, e na sequência de proposta assinada em 22/8/1997, o falecido Executado A celebrou com a Companhia de Seguros, S.A., um contrato de seguro do ramo vida, que garantia, em caso de morte ou invalidez permanente, mediante o pagamento dum prémio anual pago mensalmente no valor de Esc. 6.437$00, uma renda mensal igual às prestações mensais em dívida e por um período igual ao prazo da respectiva amortização, ou que garantia a liquidação da dívida na data do evento à Caixa Central, credora hipotecária, sendo beneficiários (em caso de morte ou invalidez total e definitiva da pessoa segura) a Caixa Central até ao montante da dívida, e os herdeiros legais, na parte remanescente.
11) Por transformação da Companhia de Seguros Eagle Star vida, S.A., sucedeu-lhe a COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A., assumindo esta todos os direitos e obrigações que para a primeira resultavam dos contratos até então celebrados.
12) O co-Executado A faleceu em 21 de Novembro de 2003;
13) Por Acórdão desta Relação de 31 de Maio de 2007 (confirmado em recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão datado de 22 de Novembro de 2007), foi julgada procedente a acção declarativa de condenação intentada pela Executada ora Opoente e pelo filho do falecido Executado A contra a COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A. – e na qual a ora Exequente foi interveniente principal -, tendo a aí Ré sido condenada no pagamento do capital seguro, no valor de € 47.385,80, acrescido de juros de mora, à taxa de 4 %, desde a citação até efectivo pagamento, sendo beneficiários a Caixa Central, no montante em dívida e os aí Autores, no remanescente.

O  MÉRITO  DA  APELAÇÃO
1) A PUTATIVA NULIDADE DO SANEADOR/SENTENÇA RECORRIDO, EX VI DO ARTIGO 668º, Nº 1 AL. D) DO C.P.C. (INDEVIDA OMISSÃO DE PRONÚNCIA SOBRE QUESTÃO QUE DEVIA TER SIDO APRECIADA), POR O MESMO TER, ALEGADAMENTE, DESCURADO O TRATAMENTO DA QUESTÃO – SUSCITADA PELA APELANTE NA SUA OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO – DE NÃO SER DE SUA RESPONSABILIDADE O PAGAMENTO DO CAPITAL SEGURO, LOUVANDO-SE EM TUDO QUANTO INVOCARA NA ACÇÃO DECLARATIVA Nº 5605/04.8TVLSB QUE CORREU TERMOS NA 8ª VARA CÍVEL DE LISBOA.

A Executada/Opoente ora Apelante assaca ao saneador/sentença recorrido a nulidade prevista no artigo 668º, nº 1 al. d) do C.P.C. (indevida omissão de pronúncia sobre questão que devia ter sido apreciada), ao ter descurado a questão – suscitada pela Apelante na sua Oposição à Execução – de não ser de sua responsabilidade o pagamento do capital seguro, louvando-se em tudo quanto invocara na acção declarativa nº que correu termos na 8ª Vara Cível de Lisboa.
                      Quid juris ?
O cit. art. 668.°, n.° 1, al. d), do C.P.C. comina a nulidade da sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
«Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 660-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado» [5].
Na tese da ora Recorrente, o Saneador/Sentença ora arguido de nulo, por indevida omissão de pronúncia, teria, indevidamente, descurado a apreciação da questão – suscitada expressamente na petição inicial da presente Oposição - de saber se o pagamento do capital seguro não era da responsabilidade da ora Executada, por tal pagamento apenas poder ser exigido.
Porém, a simples leitura do Saneador/Sentença recorrido revela que, a despeito do modo algo telegráfico como o fez, o tribunal “a quo” não deixou de apreciar a questão da alegada irresponsabilidade da ora Executada/Opoente/Apelante pelo pagamento do capital seguro, decorrente da celebração, entre o falecido co-executado A e a Companhia de Seguros, S.A., dum contrato de seguro do ramo vida, que garantia, em caso de morte ou invalidez permanente, uma renda mensal igual às prestações mensais em dívida e por um período igual ao prazo da respectiva amortização, ou que garantia a liquidação da dívida na data do evento à Caixa Central, credora hipotecária, sendo beneficiários (em caso de morte ou invalidez total e definitiva da pessoa segura) a Caixa Central, até ao montante da dívida, e os herdeiros legais, na parte remanescente.

Basta, para tanto, atentar no seguinte parágrafo da parte final da Fundamentação Jurídica da decisão ora sob recurso:
«Uma referência final para consignarmos o nosso entendimento de que a existência de um seguro de vida não exonera a executada perante a exequente. Neste sentido, seguimos de perto o Ac. da Relação de Lisboa de 30/11/2006 (proc. 8135/2006-2), onde se pode ler: “o contrato de seguro havido entre os apelantes e a interveniente, é um contrato comercial, cfr. artigos 425º e 455º do CComercial, de onde a solidariedade existente entre aqueles, na obrigação de pagamento das prestações em dívida com o apelado ex vi do artº 100º daquele mesmo diploma legal, de onde resultar para este a faculdade de demandar aqueles Apelantes, em acção executiva, com vista à satisfação da quantia omitida, como fez ou de demandar conjuntamente com a interveniente” (cfr. www.dgsi.pt)».
Donde que, acertada ou erroneamente, a questão da eventual irresponsabilidade da Executada/Opoente pelo pagamento das prestações mensais estipuladas no contrato de mútuo com hipoteca que ora constitui o título executivo da execução contra ela instaurada pela CAIXA CENTRAL., por virtude da existência do mencionado contrato de seguro do ramo vida, que garantia, em caso de morte ou invalidez permanente, uma renda mensal igual às prestações mensais em dívida e por um período igual ao prazo da respectiva amortização, ou que garantia a liquidação da dívida na data do evento à credora hipotecária, não deixou de ser equacionada e resolvida no Saneador/sentença ora recorrido.
Consequentemente, improcede a arguição da respectiva nulidade, por pretensa omissão de pronúncia sobre questão que carecia de ser apreciada (cfr. a cit. al. d) do nº 1 do art. 668º do C.P.C.).
Eis por que a presente apelação improcede, quanto a esta 1ª questão.

2) SE A EXECUTADA ORA OPOENTE NADA DEVE À EXEQUENTE, PORQUANTO, TENDO O FALECIDO CO-EXECUTADO ANTÓNIO MANUEL CELEBRADO COM A COMPANHIA DE SEGUROS EAGLE STAR VIDA, S.A. UM CONTRATO DE SEGURO DO RAMO VIDA - QUE GARANTIA, EM CASO DE MORTE OU INVALIDEZ PERMANENTE, UMA RENDA MENSAL IGUAL ÀS PRESTAÇÕES MENSAIS EM DÍVIDA E POR UM PERÍODO IGUAL AO PRAZO DA RESPECTIVA AMORTIZAÇÃO, OU QUE GARANTIA A LIQUIDAÇÃO DA DÍVIDA NA DATA DO EVENTO À CAIXA CENTRAL, CREDORA HIPOTECÁRIA, SENDO BENEFICIÁRIOS (EM CASO DE MORTE OU INVALIDEZ TOTAL E DEFINITIVA DA PESSOA SEGURA) A CAIXA CENTRAL, ATÉ AO MONTANTE DA DÍVIDA, E OS HERDEIROS LEGAIS, NA PARTE REMANESCENTE, CONTRATO ESSE QUE SE MANTÉM VÁLIDO E PLENAMENTE EFICAZ - É À COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A. – E APENAS A ELA - QUE COMPETE O PAGAMENTO DO CAPITAL SEGURO, NO VALOR DE 47.385,80 € (QUARENTA E SETE MIL TREZENTOS E OITENTA E CINCO EUROS E OITENTA CÊNTIMOS), ACRESCIDOS DE JUROS DE MORA À TAXA LEGAL.

A Executada/Opoente ora Apelante sustenta que não lhe é imputável qualquer incumprimento perante a Exequente e tão pouco é responsável pelo pagamento de quaisquer juros moratórios, dado que lhe não é imputável qualquer mora, o que tudo é da responsabilidade da Seguradora COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A. e também da própria Exequente que, tendo imposto ao falecido co-executado A a subscrição de um seguro de vida, o não accionou atempadamente, aquando do falecimento daquele.
Na tese da Apelante, tendo o falecido co-executado A celebrado com a Companhia de Seguros um contrato de seguro do ramo vida, que garantia, em caso de morte ou invalidez permanente, uma renda mensal igual às prestações mensais em dívida e por um período igual ao prazo da respectiva amortização, ou que garantia a liquidação da dívida na data do evento à credora hipotecária ora Exequente, sendo beneficiários (em caso de morte ou invalidez total e definitiva da pessoa segura) a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, até ao montante da dívida, e os herdeiros legais, na parte remanescente, contrato esse que se mantém válido e plenamente eficaz, é à COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A. – e só a ela - que compete o pagamento do capital seguro, no valor de 47.385,80 € (quarenta e sete mil trezentos e oitenta e cinco euros e oitenta cêntimos), acrescidos de juros de mora à taxa legal.
Quid juris ?
Está, efectivamente, provado que:
a) Em 28/9/1997, para produzir efeitos a partir de 1/10/1997, e na sequência de proposta assinada em 22/8/1997, o falecido Executado A celebrou com a Companhia de Seguros, S.A., um contrato de seguro do ramo vida, que garantia, em caso de morte ou invalidez permanente, mediante o pagamento dum prémio anual pago mensalmente no valor de Esc. 6.437$00, uma renda mensal igual às prestações mensais em dívida e por um período igual ao prazo da respectiva amortização, ou que garantia a liquidação da dívida na data do evento à Caixa Central, credora hipotecária, sendo beneficiários (em caso de morte ou invalidez total e definitiva da pessoa segura) a Caixa Central, até ao montante da dívida, e os herdeiros legais, na parte remanescente.
b) Por transformação da Companhia de Seguros E, S.A., sucedeu-lhe a COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A., assumindo esta todos os direitos e obrigações que para a primeira resultavam dos contratos até então celebrados.
Ora, o contrato de seguro em geral é a convenção pela qual uma seguradora se obriga, mediante retribuição paga pelo segurado, a assumir determinado risco e, caso ele ocorra, a satisfazer ao segurado ou a um terceiro uma indemnização pelo prejuízo ou um montante previamente estipulado.
A estrutura básica do seu regime consta ainda hoje do vetusto Código Comercial.
Dele resulta tratar-se de um contrato formal, certo que a sua validade depende de o respectivo conteúdo ser consubstanciado num documento escrito, denominado apólice, da qual devem constar, além do mais, o nome do segurador, do tomador e do beneficiário do seguro, o respectivo objecto e a natureza e o valor e os riscos cobertos (artigo 426º, § único, do Código Comercial).
Regular-se-á pelas estipulações da respectiva apólice não proibidas por lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições do Código Comercial (artigo 427º do Código Comercial).
No caso em apreço, o seguro em questão é um seguro de vida e invalidez. Tal espécie de seguro é aquele que é efectuado sobre a vida de uma ou várias pessoas seguras, que permite garantir, como cobertura principal, o risco de morte ou de sobrevivência ou ambos.
Na hipótese em apreciação, com a celebração do contrato de seguro, a seguradora Companhia de Seguros, S.A. garantiu o pagamento do montante em dívida à instituição de crédito ora Exequente, proveniente do mútuo hipotecário que esta fez ao casal constituído pelo falecido co-Executado A e pela ora Executada/Opoente, em caso de morte ou invalidez do segurado, obrigando-se, para tal, o segurado ao pagamento de um prémio à seguradora.
O contrato de seguro de vida em questão, na medida em que a seguradora Companhia de Seguros S.A. – promitente - assumiu perante o falecido co-Executado A – promissário - a obrigação de prestar à ora Exequente Caixa Central determinada quantia – beneficiária -, configura-se, nessa parte, como contrato a favor de terceiro (artigo 443º, nº 1, do Código Civil).
Dele resultaram para a antecessora da COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A. a obrigação de indemnizar o falecido co-Executado A pelo montante convencionado, parcialmente por via do oferecimento de determinada prestação à Caixa Central, no caso de se verificar o sinistro, e para o segurado a obrigação de pagamento do respectivo prémio.
Assim, o interesse da seguradora traduziu-se no recebimento do prémio, contrapartida da assunção do risco envolvente de proporcionar ao tomador do seguro libertar-se da preocupação e da insegurança de vir a suportar o custo derivado da sua morte ou invalidez.
Consequentemente, no seguro de vida sub judice, o beneficiário do capital segurado não foi nem o falecido co-Executado A, nem o cônjuge deste (a Executada ora Opoente/Apelante), mas, sim, a própria instituição bancária que concedeu o crédito a ambos os cônjuges (a ora Exequente/Apelada).
O Ac. da Rel. do Porto de 16/7/2007[6] secundou a tese – ora propugnada pela Executada/Opoente/Apelante – segundo a qual, «ao Banco que concedeu o crédito, como parte no contrato de seguro, é que compete solicitar à seguradora, a outra parte daquele contrato, o cumprimento das obrigações derivadas do mesmo», sendo que as únicas obrigações dos herdeiros do falecido são efectuar a comunicação do falecimento do segurado ao Banco mutuante e, sendo-lhe solicitado, enviar os documentos que aquele pretenda, a fim de habilitar a seguradora a proceder à liquidação das importâncias seguras.
A esta luz, «impendendo sobre a seguradora a obrigação de pagar à exequente o capital em dívida no momento da morte do executado, o que fez, obviamente que esta – a exequente – nada pode exigir da executada a partir daquele momento» (ibidem).
«Por um lado, obtendo o pagamento do total do capital em dívida a partir da data da morte do executado marido, [a exequente] fica com o capital totalmente pago» (ibidem).
«Por outro lado, também nada há a pagar a título de mora pela executada» (ibidem). «Na verdade, a mora pressupunha que continuassem a ser devidas as prestações acordadas» (ibidem). «Ora, a partir do momento da morte do executado, já não são devidas prestações, mas o capital que resta» (ibidem). «Obrigação esta a cargo da seguradora e que esta satisfez» (ibidem). «Logo, se houve mora, foi da seguradora e não da executada» (ibidem). «Pela qual, naturalmente, [esta] não pode ser responsabilizada» (ibidem). «Se o atraso no pagamento do capital em dívida à data da morte do executado se deve à seguradora, a executada é alheia a isso, já que não contratou com ela» (ibidem). «Se tal se deve a inércia da exequente, naturalmente que não pode imputar à executada uma responsabilidade que é sua» (ibidem).
Quid juris ?
A tese segundo a qual a mera existência dum contrato de seguro do ramo vida, que garante, em caso de morte ou invalidez permanente do mutuário, uma renda mensal igual às prestações mensais em dívida e por um período igual ao prazo da respectiva amortização, ou que garante a liquidação da dívida vencida na data do evento (morte ou invalidez permanente do mutuário) à credora hipotecária, implica que apenas a seguradora é responsável, perante a instituição bancária mutuante, pelo pagamento do capital em dívida, nada podendo esta exigir dos herdeiros do falecido mutuário, não pode ser acolhida. Na verdade, a simples circunstância de, aquando da celebração do contrato de mútuo, ter sido celebrado um contrato de seguro do ramo vida que garante, em caso de morte ou invalidez permanente do mutuário, uma renda mensal igual às prestações mensais em dívida e por um período igual ao prazo da respectiva amortização, ou que garante a liquidação da dívida vencida na data do evento, não importa a exoneração automática dos herdeiros do mutuário das obrigações decorrentes do contrato de mútuo.
Efectivamente – como se pôs em evidência no Ac. desta Relação de 30/11/2006 [7] -, sendo o contrato de seguro havido entre os mutuários e a seguradora um contrato comercial (cfr. os artigos 425º e 455º do Código Comercial), existe solidariedade entre aqueles, na obrigação de pagamento das prestações em divida para com o banco mutuante, ex vi do artigo 100º daquele mesmo diploma legal. Desta solidariedade decorre para este último a faculdade de demandar aqueles mutuários, em acção executiva, com vista à satisfação da quantia omitida, como fez, ou de os demandar conjuntamente com a seguradora (mas aqui em sede de acção declarativa, como infra se irá explicar), cfr artigo 512º do CCivil.
«É que, não obstante a possibilidade que a Lei concede ao [banco mutuante] Apelado de poder demandar conjuntamente os obrigados solidários, pode acontecer, como aconteceu in casu, que quanto a uns tenha um título executivo e quanto a outro potencial obrigado o não tenha, vendo-se assim confrontado com a necessidade de uma acção declarativa prévia contra este último» (ibidem).
«Nestes casos, porque se trata de uma obrigação solidária, o que significa que cada um dos devedores responde pela prestação integral e a satisfação desta todos libera, o [banco mutuante] Apelado demandou apenas os [mutuários] Apelantes, o que lhe era legalmente admissível, nos termos do normativo inserto no artigo 519º, nº1 do CCivil, sendo certo que a defesa apresentada por estes – existência do contrato de seguro – não os libera, à partida, das obrigações assumidas perante o Exequente Apelado: enquanto devedores solidários são responsáveis perante aquele pelo pagamento da quantia exequenda» (ibidem).
Em suma: a despeito da existência dum seguro de vida que garante, em caso de morte ou invalidez permanente do mutuário, uma renda mensal igual às prestações mensais em dívida e por um período igual ao prazo da respectiva amortização, ou que garante a liquidação da dívida vencida na data do evento (morte ou invalidez permanente do mutuário) à instituição bancária mutuante, esta pode demandar apenas os mutuários (rectius, os herdeiros do falecido mutuário), ex vi do art. 519º-1 do Código Civil, com vista ao pagamento coercivo das prestações em falta, não lhe podendo estes opor que ela deveria antes ter accionado o seguro de vida existente, reclamando da seguradora (enquanto beneficiária do mesmo) o pagamento do capital em dívida na data do sinistro (óbito ou incapacidade permanente do mutuário).
Dito isto, se, porventura, na pendência da execução instaurada pela instituição de crédito mutuante contra os herdeiros do falecido mutuário, a seguradora efectuar o pagamento do capital seguro àquela instituição, tal facto superveniente poderá sempre ser invocado pelos mutuários, em sede de nova oposição à execução, nos termos do art. 813º, nº 3, do Cód. Proc. Civil (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março). Efectivamente, muito embora o prazo de que dispõe o executado para a oposição à execução se conte, em princípio, da sua citação (cfr. o nº 1 do mesmo art. 813º), «quando o facto que constitui fundamento da oposição à execução (ex.: o pagamento) ou o conhecimento dele pelo executado, ou pelo seu cônjuge (ex.: o pagamento efectuado por um antecessor do executado), ocorra depois da respectiva citação, são admitidos embargos supervenientes, em prazo (igualmente de 20 dias) contado do dia da [respectiva] ocorrência» [8].
A verdade, porém, é que, no caso dos autos, tudo quanto pode dar-se por adquirido é que já transitou em julgado o Acórdão desta Relação de 31 de Maio de 2007 (confirmado em recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão datado de 22 de Novembro de 2007), que julgou procedente a acção declarativa de condenação intentada pela Executada ora Opoente e pelo filho do falecido Executado A contra a COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A. – e na qual a ora Exequente foi interveniente principal -, tendo a aí Ré sido condenada no pagamento do capital seguro, no valor de € 47.385,80, acrescido de juros de mora, à taxa de 4 %, desde a citação até efectivo pagamento, sendo beneficiários a Caixa Central, no montante em dívida e os aí Autores, no remanescente.
Todavia, ao menos no âmbito da presente Oposição à execução, não pode considerar-se provado que já tenha ocorrido o pagamento, pela seguradora COMPANHIA DE SEGUROS VIDA, S.A., à ora Exequente/Apelada, de qualquer quantia pecuniária, em execução do decidido no referido aresto desta Relação.
Assim sendo, o mero facto de aquela seguradora ter sido condenada, por decisão judicial já transitada em julgado, no pagamento do capital seguro, no valor de € 47.385,80, acrescido de juros de mora, à taxa de 4 %, desde a citação até efectivo pagamento, nenhuns reflexos tem na marcha da presente execução para pagamento de quantia certa.
Consequentemente, a sentença ora sob recurso não merece qualquer censura e a presente apelação improcede, necessariamente, in totum.
DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em negar provimento à Apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas da Apelação a cargo da Executada ora Opoente/Apelante.
Lisboa, 13.1.2009
Rui Torres Vouga
Maria Rosário Barbosa
Maria Rosário Gonçalves 
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
[5] LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.°, 2001, pág. 670.
[6] Proferido no Proc. nº 0753388 e relatado pelo Desembargador ABÍLIO COSTA, cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
[7] Proferido no Proc. nº 8135/2006-2 e relatado pela Desembargadora ANA PAULA BOULAROT, cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
[8] JOSÉ LEBRE DE FREITAS-ARMINDO RIBEIRO MENDES in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3º, 2003, p. 311.