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PROVIDÊNCIA CAUTELAR
APREENSÃO DE VEÍCULO
RESERVA DE PROPRIEDADE
Sumário
1 - A empresa financiadora da aquisição do veículo, ora requerente, tem legitimidade para propor a providência cautelar de apreensão de veículo nos termos do artigo 15º nº 1 do DL nº 54/75, de 24 de Fevereiro, porque é, não só titular da reserva de propriedade registada sobre o veículo, mas também detentora do direito à resolução por falta de pagamento das prestações. 2 - Não tendo as obrigações que originaram a reserva de propriedade, e que advieram para o requerido do contrato de mútuo celebrado com a requerente, sido cumpridas, mostram-se verificados os requisitos para que a providência possa ser decretada. (SM)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I - RELATÓRIO
BBVA – Instituição Financeira de Crédito, S.A., instaurou procedimento cautelar de apreensão de veículo e respectivos documentos e extinção de reserva de propriedade contra Carlos …, pedindo a apreensão judicial do veículo Smart, modelo “Fortwo Coupé”, com a matrícula…, dos respectivos documentos e o cancelamento do registo de reserva de propriedade.
Em síntese, alegou que financiou a aquisição pelo requerido de um veículo automóvel, mutuando-lhe a quantia pecuniária de € 12.256,30 entregue directamente ao fornecedor, ficando o requerido com a obrigação de amortizar o empréstimo em 60 meses, em prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 250,39. O requerido deixou de pagar em Agosto de 2007 e, em face do não cumprimento definitivo, a requerente declarou resolvido o contrato.
O requerido deduziu oposição, alegando, em síntese, que a resolução do contrato não operou, porque a requerente não demonstrou a remessa e recepção da carta de resolução. Alegou ainda que deu conhecimento à requerente das dificuldades económicas que atravessa, não tendo a requerente mostrado disponibilidade para um acordo de pagamento.
Foi proferida decisão que julgou procedente o procedimento cautelar, ordenando a apreensão do veículo automóvel Smart Fortwo Coupé, com a matrícula …e ordenou o cancelamento do registo de reserva de propriedade que sobre o mesmo pende.
Não se conformando com a douta decisão, dela recorreu o requerido, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
1ª - Na douta sentença proferida pelo tribunal a quo, considerou como provado que o apelante celebrou com a apelada um contrato de mútuo, no valor de € 12.256,30, destinado à aquisição de um veículo Smart Fortwo Coupé, com a matrícula…, tendo a apelada registado a seu favor reserva de propriedade na Conservatória do Registo Automóvel.
2ª - O apelante, a partir de Agosto de 2007, deixou de proceder ao pagamento das prestações por dificuldades económicas, tendo dado imediato conhecimento dessa situação à apelada.
3ª - O apelante considera não estarem preenchidos os pressupostos de procedência do procedimento cautelar.
4ª - O procedimento cautelar de apreensão judicial de veículo regulado no DL 54/75 de 12 de Fevereiro é uma providência cautelar típica, estabelecendo no seu artº 15º/1 que "vencido e não pago o crédito hipotecário ou não cumpridas as obrigações que originaram a reserva de propriedade, o titular dos registos pode requerer em juízo a apreensão do veículo e do certificado de matrícula".
5ª - Sendo certo que, no prazo de quinze dias a contar da data da apreensão, o titular do registo de reserva de propriedade deve propor a acção de resolução do contrato de alienação sob pena de a apreensão ser dada sem efeito, conforme prescreve o artº 18º/1 e 19º do supra referido diploma legal.
6ª - O regime estabelecido no DL 54/75 de 12 de Fevereiro apenas pode ser utilizado pelo vendedor não podendo a apelada, enquanto entidade financiadora do veículo, assumir a posição do vendedor para intentar a acção de resolução do contrato de compra e venda, porquanto, de modo algum intervém ou celebra contrato de alienação.
7ª - Ainda que se admitisse que a entidade financiadora pudesse ver para si transmitida a reserva de propriedade, mediante cessão da posição contratual do vendedor, é entendimento do apelante carecer a mesma de legitimidade para intentar o procedimento cautelar estabelecido no DL 54/75 de 12 de Fevereiro.
8ª - Na medida em que o procedimento cautelar de apreensão judicial de veículo é instrumental, ou seja, visando a rápida recuperação do veículo para posterior venda e resolução do contrato de alienação, pelo que, nunca lhe assistirá o direito de alienação do veículo.
9ª - Pelo exposto, o tribunal a quo, ao julgar procedente o procedimento cautelar de apreensão judicial de veículo, violou o disposto nos artº 15º, 16º e 18º do DL 54/75 de 12 de Fevereiro e 409° do Código Civil, porquanto, a entidade financiadora carece de legitimidade para proceder à venda do veículo. (vide Acórdão do STJ de 22.05.2005, Proc. 058993 e Acórdão do STJ de 02.10.2007, Proc.0732684 ambos em www.dgsi.pt).
10ª - Por outro lado, é entendimento do apelante não ter sido, pela apelada, feita prova da existência de fundado receio, de lesão grave ou dificilmente reparável do seu direito à satisfação do seu crédito.
11ª - Ou seja, da matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo, que assentou, nomeadamente, nos documentos de fls. 14 e 16 e no depoimento prestado em audiência de julgamento pela testemunha Ana…, não resulta que a apelada tenha em momento algum solicitado ao apelante a entrega do veículo.
12ª - Pelo que, o apelante nunca se recusou a proceder à entrega do veículo, nem tão pouco o ocultou.
13ª - Antes pelo contrário, o apelante desde que deixou de cumprir com o pagamento das prestações do contrato de mútuo celebrado com a apelada, imediatamente disso deu conhecimento, tendo-se disponibilizado para celebrar um acordo de pagamento dos montantes em dívida.
14ª - O tribunal a quo violou o disposto nos art. 381º e 387º/1, ambos do C.P.C., na medida em que não estão reunidos os requisitos que justificassem a o decretamento do procedimento cautelar.
15ª - Resulta, isso sim, que a apelada pretende com o presente procedimento cautelar vender o veículo por um valor substancialmente inferior ao seu valor de mercado, tendo-lhe atribuído um valor de € 10.000,00, que não logrou provar.
16ª - Motivo pelo qual, a procedência do procedimento cautelar requerido pela apelada causará, isso sim, um prejuízo gravíssimo ao apelante, porquanto, a venda do veículo, pelo valor apresentado pela apelante, não irá reduzir significativamente o montante em divida.
17ª - Pelo que, deverá o presente recurso ter provimento e, em consequência, julgar-se improcedente o procedimento cautelar de apreensão judicial do veículo e respectivos documentos e extinção de registo de reserva de propriedade requerido nos presentes autos.
18ª – Mediante a reapreciação da prova documental junta aos autos, nomeadamente, os documentos de fls 14 e 16, bem como os doc. 1 a 5 juntos pelo apelante com a oposição.
19ª - Decidindo na forma em que o fez o tribunal a quo violou o disposto nos artº 15º, 16º e 18º do DL 54/75 de 12 de Fevereiro e 409º do Código Civil, bem como, disposto nos artº 381º e 387º/1, ambos do CPC.
A parte contrária contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
A- Fundamentação de facto Encontram-se provados os seguintes factos:
1º - No exercício da sua actividade bancária, a requerente, BBVA – Instituição Financeira de Crédito, S.A., concedeu ao requerido, Carlos…, um empréstimo, sob a forma de contrato de mútuo, no valor de € 12.256,30, destinado à aquisição de um veículo automóvel SMART Fortwo Coupé, com a matrícula …(documento de fls. 6 e seguintes).
2º - O empréstimo foi concedido pelo prazo de 60 (sessenta) meses, devendo o capital e os juros ser amortizados em 60 prestações iguais, mensais e sucessivas, no valor de € 250,39 cada, o que perfaz € 15.023,40.
3º - A requerente entregou a quantia mencionada em 1º, mediante cheque, ao fornecedor do automóvel, MERCAUTO LOURES, Ldª.
4º - A requerente reservou para si a propriedade do veículo, até completa liquidação da quantia mutuada, tendo promovido o registo da reserva de propriedade na Conservatória do Registo Automóvel (documento de fls. 13).
5º - A partir de Agosto de 2007, inclusive, o requerido deixou de proceder ao pagamento pontual das prestações a que se alude na alínea b), apesar de a requerente lhe haver solicitado o pagamento.
6º - A requerente remeteu ao requerido carta registada com aviso de recepção, solicitando-lhe que procedesse ao pagamento em falta no prazo suplementar de 8 dias, sob pena de ter a sua obrigação contratual por definitivamente incumprida (documento de fls. 14).
7º -O Requerido não pagou nem procedeu à restituição do veículo, com as respectivas chaves e documentos.
8º - Em 29 de Fevereiro de 2008, a requerente enviou ao requerido carta de resolução do contrato de mútuo, nos termos da cláusula 6ª das condições contratuais gerais (fls. 16 e 7 e ainda o documento oferecido pela requerente no decurso da audiência – fls 72).
9º - O requerido deu conhecimento à requerente das suas dificuldades económicas, e manifestou-lhe a intenção de acordar o pagamento dos montantes em dívida.
B- Fundamentação de direito
A questão jurídica que nos compete apreciar, à luz das conclusões da minuta recursória consiste em saber se a requerente, sociedade financiadora da aquisição do veículo, tem legitimidade para intentar o presente procedimento cautelar e ainda se existe a verificação da falta de pressupostos para ser decretado o procedimento cautelar de apreensão de veículo.
A legitimidade da requerente, sociedade financiadora da aquisição do veículo, para intentar o presente procedimento cautelar.
Argumenta o apelante que a requerente, enquanto entidade financiadora da compra do veículo, não tem legitimidade para intentar o presente procedimento cautelar, ainda que titular da reserva de propriedade.
A requerente intentou contra o requerido providência cautelar de apreensão de veículo automóvel e respectivos documentos, ao abrigo do disposto no artigo 15º do DL nº 54/75, de 12 de Fevereiro.
A empresa financiadora da aquisição do veículo, ora requerente, tem legitimidade para propor a providência cautelar de apreensão de veículo nos termos do artigo 15º nº 1 do DL nº 54/75, de 24 de Fevereiro, porque é, não só titular da reserva de propriedade registada sobre o veículo, mas é também detentora do direito à resolução por falta de pagamento das prestações.
Quem tem legitimidade activa para este procedimento cautelar é aquele a favor de quem se encontra efectuado o registo de hipoteca ou de reserva de propriedade[1].
A jurisprudência já foi chamada a pronunciar-se sobre esta matéria de maneira uniforme:
“A providência cautelar de apreensão de veículo automóvel vendido a prestações com reserva de propriedade só pode ser proposta pelo titular do registo dessa reserva. Não pode fazê-lo o cessionário do crédito e respectivas garantias que não tenha procedido ao respectivo registo”[2].
“ Não é necessário que se encontrem reunidos na mesma esfera jurídica o direito de crédito e a reserva de propriedade. A reserva de propriedade pode legalmente ser constituída para garantir um crédito de terceiro.
É pois aceitável que num contrato de crédito ao consumo na modalidade mútuo, para financiamento da compra dum veículo, se estabeleça uma cláusula de reserva de propriedade desse veículo a favor do seu vendedor e proprietário ainda que este não intervenha nesse contrato.
Deve ser admitida a providência cautelar de apreensão de veículo automóvel requerida pelo vendedor do veículo e pelo financiador da sua aquisição – por ambos terem legitimidade para intervir na acção – com fundamento no incumprimento do contrato de mútuo pelo qual foi financiada a aquisição do mesmo veículo e verificando-se que a reserva de propriedade fora constituída, não a favor do mutuante mas sim do vendedor de veículo e para garantir o cumprimento das obrigações assumidas naquele contrato”[3].
Concluímos, pois, pela legitimidade da requerente para intentar o presente procedimento cautelar.
Existência da verificação da falta de pressupostos para ser decretado o procedimento cautelar de apreensão de veículo.
Entende ainda o apelante que não estão verificados os pressupostos para ser decretado o procedimento cautelar de apreensão de veículo.
Mas sem razão.
Dispõe o art° 15° do citado diploma o seguinte:
1. Vencido e não pago o crédito hipotecário ou não cumpridas as obrigações que originaram a reserva de propriedade, o titular dos respectivos registos pode requerer em juízo a apreensão do veículo e dos seus documentos.
2. O requerente exporá na petição o fundamento do pedido e indicará a providência requerida.
3. A petição será instruída com certidão ou cópia dos registos invocados e dos documentos que lhes serviram de base.
No processo cautelar de apreensão de veículos regulado pelo DL nº 54/75, para que a providência seja decretada é necessário que se mostrem verificados três requisitos:
1. A reserva de propriedade deve estar registada a favor do requerente na Conservatória competente.
2. Incumprimento do requerido quanto às obrigações que originaram a reserva de propriedade.
3. Verificação de condições que afastem a factualidade prevista no artigo 934° do Código Civil (não pagamento de uma prestação que não exceda uma oitava parte do preço).
4. Que, estando o devedor em mora, o credor tenha interpelado o devedor para pôr termo à mesma em prazo razoável, a não ser que tenha sido clausulado que a simples mora dá direito à resolução do contrato.[4]
O primeiro e terceiro requisitos mostram-se verificados.
No tocante ao segundo, importa questionar se as obrigações incumpridas pelo requerido são as que originaram a reserva de propriedade.
É evidente que o requerido não cumpriu o contrato de mútuo, pois deixou de pagar pontualmente diversas prestações a que, contratualmente, se encontrava obrigado.
A reserva de propriedade foi constituída para garantia do reembolso das prestações acordadas e se estas não foram pagas, parece evidente que houve incumprimento por parte do requerido das obrigações que originaram a reserva de propriedade.
A lei indica expressamente que, para que a providência proceda, é necessário que a reserva de propriedade esteja feita a favor da requerente da providência (artº 15º nº 1 acima referido).
As obrigações que originaram a reserva de propriedade, e que advieram para o requerido do contrato de mútuo celebrado com a requerente, não foram cumpridas.
Verificam-se, pois, todos os requisitos para que a providência possa ser decretada.
Improcede, assim, manifestamente, a apelação.
Terminando para concluir:
- A empresa financiadora da aquisição do veículo, ora requerente, tem legitimidade para propor a providência cautelar de apreensão de veículo nos termos do artigo 15º nº 1 do DL nº 54/75, de 24 de Fevereiro, porque é, não só titular da reserva de propriedade registada sobre o veículo, mas também detentora do direito à resolução por falta de pagamento das prestações.
- Não tendo as obrigações que originaram a reserva de propriedade, e que advieram para o requerido do contrato de mútuo celebrado com a requerente, sido cumpridas, mostram-se verificados os requisitos para que a providência possa ser decretada.
III – DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelo apelante.
Lisboa, 29 de Janeiro de 2009
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Carla Mendes
___________________________________________________
[1] Autor e ob. cit. pág. 30. [2] Ac. RL 13.1.94, in CJ 1/94.90. [3] Ac RL de 13.3.2003, in CJ II/03.74. No mesmo sentido foi decidido pela Relação de Lisboa no seu acórdão de 13.07.2005, in CJ IV/05.95. [4] Moitinho de Almeida, “ O Processo Cautelar de Apreensão de Veículos Automóveis” , 2ª ed. 1983, pág. 26 e 27.