ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
TÍTULO
CONFLITO DE DIREITOS
Sumário

I. A acção de demarcação não pode confundir-se com a acção de reivindicação, apresentando-se, em termos gerais, como critério de distinção entre as duas acções a existência de um conflito entre prédios ou a existência de um conflito acerca do título, ainda que, em determinadas situações, o recurso a uma ou a outra das acções possa conduzir ao mesmo resultado;
II. O recurso à acção de demarcação deverá sempre ter lugar nos casos em que nenhum dos proprietários sabe quais são os limites dos prédios confinantes;
III. Também poderá ter lugar se cada um dos proprietários pensa saber quais os limites dos prédios, mas se aqueles estão em divergência quanto a esses limites. Porém, na mesma hipótese também qualquer deles poderá recorrer, antes, à acção de reivindicação, se invocar que o outro está a lesar o seu direito de propriedade.
IV. Igualmente poderá recorre-se à acção de demarcação se um dos proprietários não tem dúvidas e veda o seu prédio ou coloca marcos, contra vontade do proprietário vizinho que não aceita a marcação, por nessa situação resultarem dúvidas quanto aos limites dos prédios. Mas, da parte do proprietário que não manifestou dúvidas também poderá recorrer à acção de reivindicação.
V. Muito embora sejam distintas as acções de demarcação e de reivindicação poderão cada uma delas em determinadas situações ser utilizadas indistintamente na prossecução do mesmo objectivo de circunscrever determinada propriedade aos seus justos e claros limites.
(P.R.)

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I. OBJECTO DO RECURSO.
No Tribunal Judicial da Comarca da Lourinhã, A e marido, B e mulher e C intentaram a presente acção declarativa com processo sumário (demarcação) contra D e  mulher, alegando serem, donos e legítimos possuidores do prédio que identificam nos autos, pretendem seja demarcado, dado que o local que entendem como linha limite desse prédio, a poente, diverge do local que os RR entendem como esse limite.
Pedem:
a) Que seja demarcado o prédio identificado, nos termos e com os pontos e medidas que constam da petição, que se reproduz: "um quadrilátero composto por uma linha recta, com 13,12m a poente, com início no limite do prédio de que é proprietária E e fim no limite do prédio dos requeridos, limite que confronta com a Avenida António, e sobre o qual requerentes e requeridos estão de acordo, e por uma linha recta, a sul, com 35,35m, que confina com a citada E e termina no limite nascente com o prédio urbano que se entende pertencer a F, uma linha recta a nascente, com 6,99m, que confina com este citado prédio urbano, e por uma linha a norte, que segue em uma linha recta com 18,89m, com um ângulo de cerca de 100° em relação à linha anterior, e se conclui com uma linha recta com 16,98m, em sentido quase perpendicular ao da Avenida António e sensivelmente paralela com o limite sul, e que confronta com o prédio dos RR, com as áreas que constam da petição e conformes com o mapa junto.
b) Que sejam os RR condenados a reconhecer os limites que vierem a resultar da presente acção.
Os RR contestaram, invocando, entre o mais, a ineptidão da petição inicial por alegadas contradições entre a causa de pedir e os pedidos formulados pelos AA, dizendo que estes embora deixem a ideia que pretendem proceder à demarcação e/ou delimitação do seu prédio com os prédios do R. vêm colocar em causa a existência, de facto e de direito, do prédio urbano que lhes foi adjudicado na partilha celebrada no dia 19 de Abril de 2001.
Acrescentam que muito embora aleguem que pretendem demarcar o prédio identificado no art. 2.° da petição inicial, analisando o referido pedido verifica-se que, na verdade, os AA pretendem é alterar a composição e área da respectiva descrição predial, constituindo factos distintos e contraditórios. Na verdade, os AA. pretendem é reivindicar área dos prédios pertencentes ao R.
Responderam os AA, alegando quanto ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 5098 que não põem em causa a existência do mesmo nem a sua adjudicação ao R. marido.
Prosseguindo os autos os seus trâmites, foi proferido despacho saneador-sentença, em que se considerou verificada a ineptidão da petição inicial, absolvendo-se os RR da instância.
Inconformado com a decisão, veio os AA. interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
1.ª - Na presente acção os AA recorrentes pediram a demarcação da divisória ou estrema entre o seu prédio e o prédio dos RR, constando da petição todos os requisitos necessários à acção e, por conseguinte, sem qualquer omissão na causa de pedir. AA e RR são proprietários dos prédios em causa que são contíguos, não existe entre eles linha divisória visível ou aparente e é divergente o entendimento que cada uma das partes tem quanto aos respectivos limites na parte em que confinam.
2.ª - Também os AA pedem apenas a demarcação do prédio, alegando sujeitar-se ao resultado final desta acção, pelo que é esta a acção própria e não a acção de reivindicação.
3.ª - O facto de os AA alegarem na sua petição que entendem ser seu o logradouro que verificaram os RR terem ocupado, não significa qualquer contradição entre a causa de pedir e o pedido como a douta sentença recorrida decide. Quando há divergências entre as estremas há sempre uma parte, e principalmente quem recorre ao Tribunal para dirimir o conflito, que entende ser sua uma área que a outra parte ocupa ou pretende seja sua.
4.ª - Também não pode proceder o fundamento contido na parte final da douta sentença recorrida que, admitindo poder não ocorrer a nulidade de ineptidão da petição inicial por contradição entre a causa de pedir e o pedido, afirma estar-se presente perante a mesma ineptidão, por os factos alegados serem insuficientes para sustentar o pedido de demarcação. Não se vislumbra qualquer omissão capaz de fazer perigar o pedido formulado, que, aliás, não vem identificada na douta sentença recorrida, tendo a petição todos os elementos necessários à decisão, identificando, da melhor forma possível, inclusivamente juntando um mapa, a linha por onde os AA entendem deva constituir-se a estrema.
5.ª - E mesmo que alguma insuficiência houvesse da qual resultasse dúvida que devesse ser suprida, sempre, através do disposto no artigo 535° do CPC, seria possível saná-la.
6.ª - A douta sentença recorrida violou os artigos 1353°, 1354° e 1355° do Código Civil.
Pelo exposto e por aquilo que Vossas Excelências, por certo, irão suprir, revogando-se a douta sentença recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos autos, será feita a mais sã e costumada Justiça.
Os RR contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento da apelação, cumpre decidir.
A questão a resolver é a de saber se existe ou não ineptidão da petição inicial.
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II.   FUNDAMENTOS DE FACTO.
Os factos a tomar em consideração para conhecimento da apelação são os alegados na petição inicial, designadamente os seguintes:
2°. Do acervo da herança fazia parte, como verba n°. 2, o "prédio urbano constituído por casa de habitação com primeiro andar e logradouro, sito na Avenida …, na vila, freguesia e concelho de Lourinhã, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lourinhã sob o número ….. da dita freguesia de Lourinhã e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….." (doc. n°. l, fls. 9)
3°. Este prédio foi adjudicado aos AA na proporção de 1/2 indiviso para a 1.ª A. mulher, 3/8 indivisos para o 2°. A marido e 1/8 indiviso para o 3° A., que desde então passaram a ser seus legítimos proprietários, (doc. n°. l, fls. 5 e 6 e doe. n°. 2)
4°. Aquando da partilha, os AA estavam convencidos,
5°. pois desde sempre e há mais de 50 anos sempre foram esses os limites atribuídos a esse prédio,
 6°. que o bem que lhes era adjudicado, era constituído por toda a área de construção l do prédio, ou seja, toda a superfície coberta pelo edifício, incluindo a casa com 77 m2, o terraço com 58,50 m2, e por dois logradouros, um na frente com 126 m2 (e que inclui a área de passagem a nascente para as traseiras) e outro na>| traseiras com 132,20 m2 e para o qual dão portas e arcadas do edifício, (doc n.º 3)
7°. Tendo como limites, a sul com E; ai nascente, antigamente um pomar pertencente a F, já falecido, que entretanto o vendeu a um terceiro cuja identidade os AA desconhecem, e que actualmente é um prédio urbano constituído em propriedade horizontal, ao que presume propriedade de …; a poente a Avenida António; e a norte o prédio que se encontra inscrito na matriz sob o artigo, prédio que foi constituído em propriedade horizontal, tendo a fracção "B" sido doada aos RR. pelos citados pais de AA. e R. marido em 17/12/1982 e a fracção "A" sido adjudicada aos RR pela já citada partilha, (doc. n° 4 e doc. n°. 1)
8°. Há pouco menos de um ano, verificaram os AA que os RR estavam a ocupar o logradouro que os AA entendem ser seu, derrubando árvores, e colocando lenhas debaixo das arcadas do prédio.
9°. Perante tal facto, pretenderam saber do R marido a razão dessa conduta, tendo, após uma primeira fase em que o R marido se mostrou disponível para rectificar qualquer erro que prejudicasse os AA, o R marido se recusado a qualquer rectificação, designadamente da descrição e do cadastro no que se refere aos prédios em questão, afirmando que o prédio dos AA, identificado em 2° desta petição, tinha como limite posterior apenas a parede posterior da casa, ou seja, não só não possuía qualquer logradouro na traseira, como até o terraço para onde dá a porta da cozinha e as janelas de dois quartos e que é servido por uma escada que o liga ao logradouro, e a arcada no rés-do-chão traseiro ou posterior da casa que deita directamente para o logradouro e para a qual dão duas portas, uma para acesso traseiro ao prédio e outra para acesso a uma arrecadação, estava fora dos limites da propriedade dos AA e pertencia à propriedade dos RR.
13°. Resulta do exposto que, enquanto os AA entendem que os limites do prédio de que são proprietários, identificado em 2° desta petição, constituem um quadrilátero composto por uma linha recta, com 13,12m, a poente, com início no limite do prédio de que é proprietária E e fim no limite do prédio dos requeridos, limite que confronta com a Avenida António, e sobre o qual requerentes e requeridos estão de acordo, e por uma linha recta, a sul, com 35,35m, que confina com a citada E e termina no limite nascente com o prédio urbano que se entende pertencer a R, uma linha recta a nascente, com 6,99m, que confina com este citado prédio urbano, e por uma linha a norte, que segue em uma linha recta com 18,89m, com um ângulo de cerca de 100° em relação à linha anterior, e se conclui com uma linha recta com 16,98m, em sentido quase perpendicular ao da Avenida António e sensivelmente paralela com o limite sul, e que confronta com o prédio dos RR., tudo como melhor se mostra pelo mapa que se junta como doc. n°. 3.
14° Os RR. entendem que o limite nascente deste prédio é, como se disse, a parede posterior da casa aí edificada.
17°. O local que entendem como linha limite desse prédio, a poente, diverge do local que os RR entendem como esse limite.
18°. Os RR são legítimos donos do prédio que confina com o prédio dos AA, sendo que é do limite entre ambos que resulta a divergência."
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III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.
Os limites materiais do direito de propriedade sobre imóvel carecem de estar claramente definidos, a fim de que cada um saiba o que lhe pertence e o usufrua sem entrar em conflito com os donos ou possuidores dos prédios confinantes e as relações de vizinhança não enveredem pela disputa indesejada de uma parcela de solo susceptível de satisfazer interesses de uma pluralidade de solicitantes.
Por isso, previne o legislador, no art. 1353º do C. Civil, o direito de demarcação enunciado com o seguinte pragmatismo: “o proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles”.
Significa o preceituado em citação que qualquer proprietário de imóvel ou titular de outro direito real sobre o mesmo tem direito a exigir, de idênticos titulares de direitos sobre prédios fronteiriços, que o achamento, das respectivas estremas, seja estabelecida sem aparente confusão.
Para o efeito, haverá um critério a seguir, que é o que estabelece o art. 1354º do C. Civil, segundo o qual a demarcação é realizada, antes de mais, em conformidade com os títulos de cada um e “na falta de títulos suficientes, de harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova”. Porém, se a questão não puder ser resolvida pelos títulos, ou pela posse, ou por outros meios de prova, “a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais”.
No tocante ao objecto do direito de demarcação, outrora se distinguiam dois tipos de acções: a acção de demarcação, que visava a colocação de marcos nas estremas dos prédios, sendo os limites destes certos e indiscutíveis, mas visando-se obrigar os confinantes a contribuir equitativamente para as respectivas despesas e a designada “actio finitium regundorum”, que prosseguia a determinação ou fixação das estremas de cada prédio quando dúvidas houvesse sobre os seus precisos limites.
Da última se ocupa o art. 1353º do CC citado, não se tendo reconhecido utilidade no primeiro tipo de acção, pois que não havendo quaisquer dúvidas acerca dos limites dos prédios, o proprietário de qualquer deles, tal como o pode murar, valar, rodear de sebes ou tapar, também pode limitar-se, na esfera do seu direito de propriedade, a colocar marcos divisórios[1].
A acção de demarcação, entendida como acção para a determinação ou fixação das estremas de prédios confinantes, quando dúvidas restem sobre os seus exactos limites, não pode confundir-se com a acção de reivindicação, apresentando-se, em termos gerais, como critério de distinção entre as duas acções a existência de um conflito entre prédios ou a existência de um conflito acerca do título. Ainda que, em determinadas situações, o recurso a uma ou a outra das acções possa conduzir ao mesmo resultado.
Como anotam P. de Lima e A. Varela, “se as partes discutem o título de aquisição, como se, por exemplo, o autor pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a faixa ou sobre uma parte dela, porque a adquiriu por usucapião, por sucessão, por compra, por doação, etc., a acção é de reivindicação. Está em causa o próprio título de aquisição. Se, pelo contrário, se não discute o título, mas a relevância dele em relação ao prédio, como, por exemplo, se o autor afirma que o título se refere a varas e não a metros ou discute os termos em que deve ser feita a medição, ou, mesmo em relação à usucapião, se não discute o título de aquisição do prédio de que a faixa faz parte, mas a extensão do prédio possuído, a acção já é de demarcação”. Pretende-se com ela, no fundo, “uma declaração da extensão da propriedade, sem que estejam em causa os títulos de aquisição”[2].
Em face destes princípios várias hipóteses, todavia, se podem configurar.
Nos casos em que dúvidas se não suscitem entre os titulares dos prédios sobre os limites destes, por todos estarem concordantes quanto aos mesmos, não pode colocar-se qualquer problema de demarcação.
Já nos casos em que nenhum dos proprietários sabe quais são os limites dos prédios, apenas o recurso à acção de demarcação poderá definir aqueles limites.
Se cada um dos proprietários pensa saber quais os limites dos prédios, mas se estão em divergência quanto a esses limites, ou seja, à linha divisória, continua a haver dúvidas sobre os limites dos prédios e poderá, também neste caso, haver recurso à acção de demarcação. Mas também qualquer deles poderá recorrer, antes, à acção de reivindicação, se entender que o vizinho está a lesar o seu direito de propriedade.
Se um dos proprietários não tem dúvidas e veda o seu prédio ou coloca marcos, mas o proprietário vizinho não aceita a marcação, novamente haverá dúvidas quanto aos limites dos prédios e, então, poderá haver recurso à acção de demarcação. Mas, da parte do proprietário que não tinha dúvidas, também poderá recorrer à acção de reivindicação.
Serve o que acaba de referir-se para se concluir que sendo distintas as acções de demarcação e de reivindicação poderão cada uma delas em determinadas situações ser utilizadas indistintamente na prossecução do mesmo objectivo de circunscrever determinada propriedade aos seus justos e claros limites.
No caso em apreciação, diz-se na sentença sindicada que os AA não pedem o reconhecimento de qualquer prédio ou parte dele, embora seja isso que verdadeiramente opõe as partes já que, da análise por si e conjugada de cada um dos articulados, constata-se que cada uma delas reivindica como seu o logradouro das traseiras.
Mais se diz que nos autos não apenas as estremas são incertas, as partes divergem também, e sobretudo, quanto à propriedade sobre uma faixa de terreno (que corresponderá, na identificação dos AA, ao logradouro das traseiras), que cada uma delas entende pertencer-lhe, sendo que o pedido de reconhecimento do direito de propriedade dos AA sobre o logradouro traseiro e reivindicado pelos RR não está formulado nos autos.
Concluiu-se, assim, que há uma contradição entre o pedido de demarcação do prédio e a causa de pedir, a ocupação do logradouro pelos RR, que os AA entendem pertencer-lhes ao contrário daqueles.
Deste entendimento dissentem os AA, ora Apelantes, nos termos vertidos nas doutas conclusões do recurso, nas quais, essencialmente, referem que AA e RR são proprietários de prédios contíguos, não existindo entre eles linha divisória visível ou aparente, sendo divergente o entendimento que cada uma das partes tem quanto aos respectivos limites na parte em que confinam. Acrescentando que o facto de os AA alegarem na sua petição que entendem ser seu o logradouro que verificaram os RR terem ocupado, não significa qualquer contradição entre a causa de pedir e o pedido como a douta sentença recorrida decide. Isto porque quando há divergências entre as estremas há sempre uma parte, e principalmente quem recorre ao Tribunal para dirimir o conflito, que entende ser sua uma área que a outra parte ocupa ou pretende seja sua.
Ora, aos apelantes parece assistir razão.
Com efeito, conforme alegado na petição, os RR são legítimos donos do prédio que confina com o prédio dos AA, sendo que é do limite entre ambos que resulta a divergência entre os primeiros e os segundos, pois que enquanto os RR entendem que o limite nascente do seu prédio é a parede posterior da casa aí edificada os AA entendem que esse limite é estabelecido pelo logradouro.
Deste modo, quer os AA quer os RR parecem estar cientes dos limites dos prédios de cada um, mas estão em divergência quanto a esses limites, ou seja, quanto à colocação da linha divisória. Assim, porque se estabeleceu dúvida sobre os limites dos prédios, poderá haver recurso à acção de demarcação.
Mas os AA também poderiam ter recorrido à acção de reivindicação, invocando o entendimento de que os RR estarem a lesar o seu direito de propriedade, por há pouco menos de um ano, terem verificado que os RR estavam a ocupar o logradouro que os AA entendem ser seu, derrubando árvores, e colocando lenhas debaixo das arcadas do prédio.
Certo é que atendendo à indefinição, perante a ordem jurídica, dos limites dos dois prédios, podiam os AA recorrer a juízo para, com base nos elementos alegados, e de acordo com o disposto no art. 1354º do C.Civil, pedir a fixação das estremas, sujeitando-se a que a linha divisória seja a que defendem ou com outra, designadamente a que parece defendida pelos RR.
Como acima já se viu, nos termos do disposto neste normativo, a demarcação é efectuada de harmonia com os títulos e, na falta de títulos suficientes, de acordo com a posse de cada um dos confinantes, ou do que resultar de outros meios de prova.
Daí que não pareça despropositado que os AA tenham invocado a propriedade do logradouro com vista a convencer do local onde deve ser colocada a linha divisória entre os prédios.
Numa primeira abordagem, poderia pensar-se que isso apenas tinha relevo para o caso de estarmos perante uma acção de reivindicação, como parece ter sido entendido na decisão recorrida. Sucede que também poderá ter interesse na acção de demarcação, como elemento de prova dos limites dos prédios, sabendo-se que estes não estão definidos, quer quando não são conhecidos, quer quando as partes não estão de acordo sobre os mesmos.
Quanto serve para concluir que em face dos factos invocados na petição era legítimo o recurso à acção de demarcação, pelo que se não verifica a apontada contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Acresce que também não parece verificar-se o fundamento invocado na douta sentença recorrida, de ocorrer a mesma ineptidão, por os factos alegados serem insuficientes para sustentar o pedido de demarcação. Com efeito, a petição parece fornecer elementos suficientes à discussão da questão colocada na demanda, sendo que se assim não for sempre o juiz pode usar da faculdade prevista no art. 508º/3 do CPC com vista ao suprimento de qualquer insuficiência da matéria de facto.
Sumário:
I. A acção de demarcação não pode confundir-se com a acção de reivindicação, apresentando-se, em termos gerais, como critério de distinção entre as duas acções a existência de um conflito entre prédios ou a existência de um conflito acerca do título, ainda que, em determinadas situações, o recurso a uma ou a outra das acções possa conduzir ao mesmo resultado;
II. O recurso à acção de demarcação deverá sempre ter lugar nos casos em que nenhum dos proprietários sabe quais são os limites dos prédios confinantes;
III. Também poderá ter lugar se cada um dos proprietários pensa saber quais os limites dos prédios, mas se aqueles estão em divergência quanto a esses limites. Porém, na mesma hipótese também qualquer deles poderá recorrer, antes, à acção de reivindicação, se invocar que o outro está a lesar o seu direito de propriedade.
IV. Igualmente poderá recorre-se à acção de demarcação se um dos proprietários não tem dúvidas e veda o seu prédio ou coloca marcos, contra vontade do proprietário vizinho que não aceita a marcação, por nessa situação resultarem dúvidas quanto aos limites dos prédios. Mas, da parte do proprietário que não manifestou dúvidas também poderá recorrer à acção de reivindicação.
V. Muito embora sejam distintas as acções de demarcação e de reivindicação poderão cada uma delas em determinadas situações ser utilizadas indistintamente na prossecução do mesmo objectivo de circunscrever determinada propriedade aos seus justos e claros limites.

Procedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de revogar a decisão recorrida.
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IV.  DECISÃO:
Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se provimento à apelação e revoga-se a decisão recorrida, devendo a acção prosseguir os seus termos sem obstáculo da discutida ineptidão, que se julga inverificada.
Custas pela parte vencida a final.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2009.
 Fernando Pereira Rodrigues
Manuela Gomes
Olindo Santos Geraldes
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[1] Vd. P. Lima e A. Varela in C.C. Anotado, III, 2.ª de. Pg. 197 e ss. e Menezes Cordeiro in Direitos Reais, I, 601.
[2] Ob. Citada, pg. 199.